sexta-feira, dezembro 18, 2020

Suecas



A propósito daquilo que ontem disse o rei sueco, confessando os erros cometidos pelo seu país no combate à pandemia, lembrei-me da primeira vez que fui à Suécia.

Portugal nem sempre teve, em matéria de turismo, a onda cosmopolita que por aí andava nos últimos anos, até à chegada da Covid. Num passado um pouco mais distante, os estrangeiros que nos visitavam eram muito poucos e o Algarve, com a costa do Estoril reservada para os mais abastados, era o nosso destino mais popular.

Terá sido nos anos 60 que se criou o mito das suecas. Desciam das neves e descascavam-se nas nossas praias. Eu não sei se as suecas eram mesmo suecas, ou se as dinamarquesas, noruegueses e outras vizinhanças nórdicas cabiam no conceito. Mas só se falava nas suecas. Liberais nos costumes, bem desenhadas nos corpos, loiras como as imperiais, faziam as delícias de quem, por cá, lhes caía no goto.

O que eu não sabia, confesso, é que essa fama do êxito sueco nas nossas praias era conhecido na própria Suécia.

Um dia, no final dos anos 60, cheguei à Suécia, ido de Portugal, “à boleia” (iniciada na Rotunda do Relógio, em Lisboa, até chegar à fronteira da Noruega. Faria uma idêntica aventura um pouco mais tarde).

Eu tinha saído nesse dia de Copenhague, de mochila às costas, depois de ter passado pela embaixada da China para obter um volume das obras do Mao que me faltava (e que nunca leria). Da capital dinamarquesa, consegui chegar a Helsingør, onde queria conhecer o castelo do Hamlet. Recordo-me ter sido uma “visita de médico”, apenas para marcar o ponto turístico. Tomei depois o ferry para Helsingborg, a cidada sueca em frente, e, dali, tentei arranjar uma boleia para o norte, pela estrada a acompanhar a costa.

Por qualquer razão, a boleia não estava fácil. Depois de quase uma hora de seca, com o tempo a passar, lá parou um carro, guiado por um tipo nas casa dos 40 anos. Disse-lhe que pretendia ficar em Falkenberg. Aleluia! Ele passava mesmo por lá, no seu percurso!

Na conversa, em inglês, vi-o supreendido com o meu “esforço”, de vir de tão longe até à Suécia. “Porquê a Suécia?”, perguntou.

Eu não tinha uma boa explicação, salvo que me apetecia conhecer o mundo. Que razão haveria para ir à Suécia? Os filmes do Bergman eram então, para mim, uma imensa seca, ainda não tinham surgido os ABBA e a única Greta que de lá se conhecia tinha então muito mais Garbo, mas também muito mais idade, do qua aquela de que toda a gente hoje fala (a quem um amigo meu diz que nunca perdoará, por ter destruído a imagem glamorosa das adolescentes suecas que cultivara desde a sua juventude).

A certa altura, depois de termos falado alguma coisa sobre Portugal, ele pareceu ter “descoberto a pólvora” (logo ele, que era contemporâneo de Alfred Nobel, o dos prémios, que inventou o dinamite): “Ah! Já percebi! Você é português! Está tudo explicado: veio por causa das suecas. Nós sabemos que, lá em Portugal, vocês são doidos pelas suecas. Vem na nossa imprensa! É isso! Você veio à Suécia por causa das nossas raparigas! Agora percebi tudo!”

Num instante, eu tinha-me transformado, aos olhos de ele, num sátiro latino, um bárbaro vidrado no pequename nórdico, que tinha atravessado um continente para concretizar alguns sonhos lúbricos.

Eu já não sabia o que havia de lhe responder, tanto mais que, mesmo com muito boa vontade e imaginação, não me ocorria nenhum grande motivo para andar por ali a passear. O tipo, entre gargalhadas, insistia, comigo cada vez mais enterrado no banco do carro: “Mas gosta das suecas, não?”.

A mim, que nunca conhecera nenhuma sueca, mas que também não queria dar parte de fraco, no inglês macarrónico que era então o meu, e porque estava a ficar um tanto saturado por aquele preconceito,  que tresandava a “righteousness” pontuada com risadas, saiu-me então esta pérola: “Ainda não conheci nenhuma sueca. Quando conhecer, logo verei se gosto ou não”.

O homem não terá apreciado excessivamente a minha resposta “grossa”. Passou a falar menos, mas lá me deixou na pousada de juventude de Falkenberg.

Já era tarde, mas continuava imensa claridade. Essa era a “midsummer night”, o dia mais longo do ano, em que a luz, por essas zonas do mundo, não chega a desaparecer por completo e a noite acaba por não se passar como esperaríamos que ums noite normal se passasse.

Na pousada, estava a preparar-se uma ceia coletiva, a ter lugar - recordo-me, porque nunca tinha visto nada assim - num cemitério que era simultaneamente um jardim (descobri agora uma imagem desse espaço).

Conheci, nessa inesquecível e estranha noite, gente de diferentes nacionalidades, que enchia a pousada de juventude. Mas, bolas!, nenhuma delas era sueca.

3 comentários:

Luís Lavoura disse...

a “midsummer night”

Porque escreve isto em inglês? Em sueco é Midsommar, e é uma das mais importantes festividades anuais. Se não quer escrever em sueco, pode escrever em português. O inglês não é para aqui chamado.

Portugalredecouvertes disse...


Realmente esse senhor a pensar que um português só poderia ter motivos para
viajar ao país dele só por ir atrás das mulheres suecas, não poderia esperar uma resposta diferente!

aproveito para deixar votos de Natal Feliz, de Boas Festas e de muita saúde
aos nossos governantes, aos diversos profissionais de saúde e apoio social, e aos representantes das forças de segurança e proteção civil
que em conjunto, são grandes pilares da organização que mantém as nossas comunidades a funcionar
A todos, cumprimentos natalícios

Flor disse...

Gostei de ler.:)

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...