sexta-feira, dezembro 04, 2020

Na Farmácia Campos

Há uns anos, em Pipa, no Rio Grande do Norte, no Brasil, tive um almoço de confraternização com a comunidade portuguesa que aí trabalhava.

Era um tempo em que uma nova geração de empresários portugueses tinha rumado para as praias do Nordeste brasileiro, onde estava a ter imenso sucesso, num Brasil em que o turismo de qualidade começava então a despontar. "Resorts", hotéis, "pousadas" e restaurantes contribuíam para renovar a própria imagem de Portugal naquele país.

Confesso que não faço ideia de como as coisas hoje andarão. quinze anos passados desde o início das minhas funções como embaixador português por ali.

Lembro-me de que, ao entrar no restaurante, fiquei surpreendido com o seu nome: "Farmácia Campos". Mal fui apresentado ao proprietário, perguntei-lhe: "É de Matosinhos?" Era. O seu pai era ou tinha sido dono de um restaurante daquela cidade que, por uma qualquer razão (que me deve ter sido explicada, mas que já esqueci), era conhecido por "Farmácia Campos".

A "Farmácia Campos" de Matosinhos, onde só comi uma vez, tinha-a bem na memória.

Estávamos ali com uma amiga a jantar, numa noite, quando entrou pela casa dentro, um pouco desaustinado, um fulano que pediu ao proprietário para "pôr o rádio alto". Lembro-me de que havia, à esquerda de quem acedia da rua ao espaço do restaurante - uma adega típica, sem grandes requintes de decoração, mas onde se comia bastante bem, para os padrões da época - um longo balcão. O homem disse qualquer coisa para o dono da casa, que levou este a aceder, de imediato, ao pedido para colocar som num aparelho de rádio.

E foi então que ouvimos, no imenso silêncio que se fez, a notícia que o homem já trazia da rua: que o avião onde viajava aquele que, há menos de um ano, era primeiro-ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro, tinha caído perto do aeroporto de Lisboa. Mal nós sabíamos que a viagem tinha como destino o aeroporto de Pedras Rubras, perto do local onde estávamos a jantar. E muito menos nos passou pela cabeça que esse mesmo aeroporto acabaria por vir a ter o seu nome. As notícias da rádio, então parcas em pormenores, não deixavam dívidas de que não ia haver sobreviventes daquela tragédia.

Faz hoje precisamente 40 anos.

6 comentários:

Luís Lavoura disse...

por uma qualquer razão era conhecido por "Farmácia Campos"

Chamava-se "farmácia" porque se servia lá uma boa "pomada".

alvaro silva disse...

Faz também 40 anos que atendi na urgência do hospital velho de Viana do Castelo o governador civil de então, (um prócere do PS), com um "treco" que nunca percebi muito bem. O homem estava clinicamente bem e teve alta passadas umas horas, mas foi difícil de convencer pois o cagaço foi tal que até desistiu de fazer parte do governo que a seguir foi formado. por quê, nunca o soube mas foi um facto. Noite que não esquece e o homem também já partiu há muitos anos.

Anónimo disse...

Atendendo a que os indícios/provas do envolvimento dos EUA no atentado que matou Sá Carneiro são muitos e fortes, fico com genuína curiosidade em saber a opinião do estalinista de serviço sobre este "evento" que varreu do mapa indivíduos de direita que estavam empenhados em acabar o quanto antes com a perniciosa influência comuna em Portugal.

Eventualmente, estaremos perante um conflito de interesses...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Álvaro Silva. O Dr. Alberto de Oliveira e Silva, que seria Governador Civil nos anos 90, entrou e saiu rapidamente do governo, como ministro da Administração Interna, em datas anteriores à morte de Sá Carneiro - de 30.1.78 a 27.2.78. Mário Soares só regressa ao governo em 1983, sendo, até aí, governos da Aliança Democrática. Recordo também que, ao tempo da morte de Sá Carneiro, os governadores civis eram todos dos PPD...

Corsil Mayombe disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
alvaro silva disse...

Tem razão sr embaixador, foi governador civil mais tarde, todavia foi por mim atendido e "ajudado" a estabilizar, pois estava muito angustiado pelas notícias que corriam na noite desse dia e como sabe o domicílio dele distava cerca de 50 metros do hospital, a noite era fria e chuvosa e algum desânimo o acometeu e procurou conforto médico e humano. foi assim essa noite de 4/12)80.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...