segunda-feira, dezembro 14, 2020

Os senhores do tempo


Aquele meu amigo, numa graça de ínvia solidariedade, reagia a um desabafo irritado que, horas antes, eu tinha deixado, nas redes sociais: “Vê lá se tens um bom alibi para a noite do desaparecimento da Maddie! E onde é que tu estavas quando o avião caiu em Camarate? Olha que ainda se lembram do teu nome!”.

Eu não estava na melhor das disposições, não sabendo exatamente o que iria aparecer, no dia seguinte, na notícia sobre a qual um jornalista me contactara, horas antes. Ri-me, mas sem vontade de rir.

Pela segunda vez, em escassos meses, o meu nome ia surgir em parangonas de imprensa, associado a supostas suspeitas - sublinho, supostas, porque ninguém me confirmou se existiam - por parte da nossa Justiça.

No primeiro dos casos, era uma requentada efabulação relativa à barragem Foz-Tua, ecoada por boateiros da calúnia, que fazem disso o seu “fond de commerce”, sem, no entanto, conseguirem alguma vez adiantar a menor prova de nada. Não obstante, televisões, jornais e redes sociais logo se encheram de referências à tal “intenção” da Justiça de me ouvir sobre o assunto.

Como julgo que, lá na Justiça, sabem o meu endereço, fiquei a aguardar. Sentado. Até hoje. Continuo à espera da oportunidade de poder explicar, aliás com assumida vaidade, que, em grande parte graças à intervenção que protagonizei, como embaixador junto da Unesco, o contribuinte português pode ter sido poupado a pagar centenas de milhões (leram bem!) de euros de indemnização a várias empresas. Querem saber como? Chamem-me, que eu conto!

Agora, na insídia, o cenário mudou. Agora é o Brasil, a Odebrecht, o rescaldo do Lavajato, serão luvas pagas sabe-se lá como e a quem. Ficou-se a saber – pela imprensa, sempre pela imprensa – que a Justiça portuguesa enviou o meu nome, entre outros, para que a sua congénere brasileira inquirisse se figuro nos ficheiros da Odebrecht – curiosamente, uma empresa com a qual nunca tive o menor contacto, onde não conheço uma única pessoa. Nem uma! A Justiça portuguesa pediu isso quando? Em 2017. Estamos quase em 2021. Não houve resposta? Então a imprensa passa a ser testemunha da curiosidade insatisfeita dos nossos operadores de Justiça.

Nessa altura, o leitor, em especial o leitor de títulos, começa a matutar: “Este tipo aparece mencionado em dois casos! Não deve haver fumo sem fogo!” E, desta forma, sem que ninguém alguma vez me tenha acusado do que quer que fosse, sem que alguém me tenha sequer colocado a mínima questão sobre nada, a minha cara, o meu bom nome, aparece posto em causa.

Os justiceiros que vivem nas sombras, sem cara nem nome, podem semear suspeitas, impunemente, sobre quem muito bem lhes aprouver, quando lhes der na real veneta, durante os anos que quiserem. São os verdadeiros senhores do tempo. Mesmo do tempo dos outros.

5 comentários:

Anónimo disse...

Por mim, até dou de barato que tenha razão no que escreve mas - que raio! -, nem tudo é mau para si. Imagine que era líder do PSD e expressava a mesma indignação relativamente à imprensa: podia contar com uma barragem de insultos por todos os "comentadeiros" da praça, os profissionais do moralismo, os colegas rivais, os adversários... talvez até o Papa, sabe-se lá. Seria acusado de ter tiques totalitaristas, de ser um autoritário, de não respeitar a comunicação social, etc.

Mas, no seu caso? Diga o que quiser sobre a "parcialidade" da imprensa, o sensacionalismo, a falta de ética... Esteja à vontade porque, afinal, é um homem de esquerda a bater num jornal de direita. É bom ser-se livre, não é?

Luís Lavoura disse...

Em Portugal, a calúnia e a difamação são crimes. A não ser que sejam cometidos pelo Ministério Público, com a conivência dos mídia. O Ministério Público tem plena liberdade de caluniar e de destruir o bom nome de qualquer cidadão, sem jamais ter que apresentar provas nem jamais ser condenado por isso. É uma associação de criminosos.

Unknown disse...

Não é imprensa, é o nível de esgoto em que algunsa pasquins se transformaram com pseudo jornalistas que provavelmente desconhecem as regras deontológicas, como não publicar notícias sem as confirmar e conhecer os seus contornos. Atiram lama para onde querem. Já agora, Jaime Santos, a omunicaao social já foi dominada pela esquerda, mas há muito tempo que se inclina mais para a direita.
Fernando Neves 9

soudocontra disse...

Boa Luis Lavoura, gostei!!! Penso o mesmo! O homosapiens(ser humano) já não tem remédio, excepto alguns, claro!|
Obrigado
Manuel Torres

Dulce Oliveira disse...

Os verdadeiros senhores do tempo não acusam, limitam-se a sugerir que não há fumo sem fogo lançando lama impunemente para cima do que lhes aprouver
Metem-me nojo os verdadeiros senhores do tempo

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