Dia após dia, como numa guerra, esperamos pelos mortos. O número chega-nos, sem falha, pela hora de almoço. E comentamo-lo, numa escala comparativa, com os mortos de ontem, com os de outros países, numa espécie de campeonato em que já estivemos melhor classificados. Às vezes, distraído entretanto por afazeres, dou comigo, só ao final do dia, a perguntar: e hoje, quantos mortos houve?
Para que queremos nós esses mortos, os infetados, os recuperados, os que estão nos cuidados intensivos? Para opinar sobre esta vaga, sobre cujo pico lançamos apostas, idênticas às que fazemos sobre o calendário de eficácia da vacina? Não confessamos que, afinal, não sabemos nada, que muito poucos sabem alguma coisa, que todos navegamos bastante à vista, mas que, nem por isso, nos coibimos de ter sempre uma opinião - à luz do que veio no jornal, da notícia, verdadeira ou falsa, partilhada pela rede social, do que foi dito pelo enésimo especialista que vimos na televisão.
Tiraram-nos tudo, não nos tirem o Natal, ouve-se agora. Com razão. São as crianças a quem se quer evitar o trauma de ter como presente uma reunião de família embrulhada em frieza, são os mais velhos, que os últimos tempos revelaram bem frágeis, a quem se não quer privar de um mínimo de festa, que sabe-se lá por quanto tempo poderão ter. Perdemos um ano, outros perderam a vida, outros os parentes e amigos, muitos perderam o emprego, o negócio, a poupança, alguns mesmo já esperança. À mesa da Consoada, afinal, quantos somos?
(Publicado no “Jornal Económico”)
1 comentário:
Também eu estava sempre á espera de saber quantas pessoas tinham morrido com o Covid. Lembro-me que alguém na TV se emocionou ao dizer que o número de mortes tinha reduzido nesse dia para "0". Eu comecei a ficar assustada quando as "dezenas" começaram a aumentar. Continuo a encontrar pessoas sem máscara. Nos elevadores do meu prédio não entram!
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