quarta-feira, dezembro 16, 2020

A presidência e o governo


Não, não é sobre a relação entre os poderes que ocupam Belém e S. Bento que venho aqui falar. Teremos muito tempo para isso, no futuro. Hoje, gostava de refletir um pouco sobre o desafio que Portugal enfrenta, nos seis meses que aí vêm, na presidência da União Europeia.

Como tem sido referido, esta é a quarta presidência das instituições comunitárias, embora todas tenham decorrido em condições políticas nacionais diversas.

Em algum imaginário, estará ainda fixada a imagem da festa de 1992, em torno do então recente Centro Cultural de Belém, com Cavaco Silva a navegar no mar de fundos desse novo “brasil” em que a Europa se tinha convertido. O ciclo declinante da sua década de poder estava ainda por surgir.

Oito anos mais tarde, em 2000, depois da Expo e de um tempo de grande otimismo, António Guterres fez um brilharete que lhe conferiu fortes créditos internacionais. No termo do exercício, porém, já não conseguia disfarçar as dificuldades de continuar a governar sem maioria, num quotidiano de compromissos mais ou menos “limianos”.

Em 2007, José Sócrates, embalado por uma rara maioria absoluta socialista, conseguiu colocar o nome de Lisboa num tratado que (na minha modesta opinião) não merecia a inglória desse nome. Entusiasmado por essa tarefa, que concluiu com todo o rigor que a Portugal era exigido, não terá visto chegar os ventos da crise financeira, a qual acabaria por fazer entrar o país numa nova espiral de dívida, que ainda aí ronda.

António Costa avança para esta presidência em piores condições políticas internas do que qualquer dos seus antecessores. Governando com alianças erráticas, com um orçamento aprovado à custa de remendos, numa sociedade política muito crispada, onde a direita disfarça, no combate à esquerda, o facto de estar feita em frangalhos, o primeiro-ministro vive um desgastante quotidiano de mini-crises.

Na Europa, se um eventual caos do Brexit lhe não cair em cima, vai ter dar a cara pelo plano de vacinação, terreno hoje minado por um ambiente de esperança misturada com incerteza. Com a crise económica nas ruas, com a “bazuca” a ter ainda de esperar e as falências a dispararem, António Costa tem escasso espaço para mostrar “obra” europeia. Em especial, não pode esperar que quaisquer louros nesse domínio consigam compensar o malsão ambiente que afeta o seu governo. Sou daqueles que, com grande sinceridade, acham que tudo isto é bastante injusto para o mais bem preparado político da sua geração. Mas a vida raramente é justa.

1 comentário:

Portugalredecouvertes disse...

Sr. Embaixador,
só nos resta desejar que tenha sucesso
(as incertezas afligem os mais valentes)

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...