quarta-feira, novembro 06, 2019

O tremendismo


Há qualquer coisa estranha no ar. Olhando certa imprensa, lendo alguns comentadores, fica a sensação de que o resultado das recentes eleições não pode ser aceite, que o novo governo socialista está, à partida, ferido de uma insanável ilegitimidade. 

Há que convir, como atenuante, que estas foram umas eleições atípicas. Quem tradicionalmente vota à direita (ou “centro-direita”, para os mais tímidos) sabia que, acontecesse o que acontecesse, ficaria sempre na oposição. Ora isto nunca tinha acontecido no nosso passado democrático. 

Quem vota PSD e CDS tinha perfeita consciência de que, independentemente do resultado que viesse a ser obtido pelo PS, nunca teria hipótese de ver os seus a formar um governo. Essa terá sido, aliás, a razão pela qual parte desse eleitorado se terá dado ao luxo de votar em duas novas formações da direita radical - uma modernaça e chique, outra caceteira e ultramontana. Os dois partidos da direita tradicional acabaram por ser vítimas dessa deriva.

Certa direita sente-se hoje sem soluções, salvo as que derivem de um qualquer “hara-kiri” da esquerda. Rui Rio não garante poder vir a ser o polarizador do seu descontentamento, porque o pressentem tentado a compromissos com Costa. O CDS está em “terra de ninguém”, hesitando entre um discurso trauliteiro, para não deixar escapar adeptos da extrema-direita e da “alt-right” que agora se sentam a seu lado, e um regresso a uma democracia-cristã que, a avaliar pelo resto da Europa, parece ser já coisa do passado.

Se se olhar, com atenção, a narrativa predominante dessa direita na opinião publicada, a sua linha, embora não assumida, é muito simples: os portugueses são um bando de inconscientes, incapazes de escolherem, com critério, as melhores pessoas para dirigir o país. Leia-se: aqueles de quem eles gostam.

Daí parte a tese tremendista: o país, com os socialistas, está à beira de uma catástrofe, pelo que alguma coisa terá de acontecer para que isto mude. Mas não sabem o quê. Como não há eleições à vista, como o presidente da República (de quem visivelmente não gostam) não parece disposto a aventuras para lhes confortar as angústias, como os golpes de Estado não estão na moda, resta-lhes espalhar bílis pelas colunas opinativas ou, como esperança última, aguardar que uma crise externa ponha os socialistas “a pão e água” e, quem sabe, traga de volta a salvífica e saudosa “troika”. 

Uma certa direita portuguesa parece não ter percebido uma coisa muito óbvia: este não é o seu tempo.

8 comentários:

Anónimo disse...

Portanto, a IL pertence à "Direita radical". Então, mas a IL é "progressista" em questões morais. Ficamos em quê? Esquerda e Direita definem-se pela economia ou pelo social?

Anónimo disse...

Com o devido respeito, acho que o tempo da direita vai voltar e bem depressa. E, entre várias razões, aponto algumas comezinhas. Uma é de que a direita tem do ponto de vista parlamentar lideres com muito mais carisma e qualidade do que os da esquerda. Não se pode comparar André Ventura, Cotrim de Figueiredo e Rui Rio com as figuras apagadas e gastas de Ana Catarina Mendes, Catarina Martins, etc.. Outra é a de que o António Costa, ao insistir em alguns ministros, desacreditados, e ao colocar "boys" por todo o lado está a criar objectivamemte condições para arranjar "lenha para se queimar". Só falta mesmo os maus resultados da economia juntarem-se e desmorona tudo...
Já agora não percebo como é que, alguém que conheceu outros países e outros sistemas democráticos, pode qualificar um partido, que professa o liberalismo económico, como um partido da direita radical...

Anónimo disse...

"6 de novembro de 2019 às 13:09", se há coisa que o André Ventura não tem é carisma. Não tem carisma, não tem voz, não tem postura, não tem ideias. Mas tem direito a estar no parlamento e ser respeitado.

Anónimo disse...

Vai mudar sim e os sinais são bem evidentes: quem está no poder é a velhada do costume que desde o 25 de Abril berra que vêm aí o papão. Mas essa gente, comigo incluído, está no fim. Agora os que estão são europeus, virados para a frente, sem os fantasmas irritantíssimos do passado: basta ler as colunas de opinião com atenção: um novo mundo está, felizmente, a nascer e será filho do "Erasmo".
João Vieira

dor em baixa disse...

Eu se fosse de direita também ficava irritado. Então o PS, que perdera as eleições e estava em vias de desaparecer como os outros PS's europeus, vê-se de repente primeiríssimo e com ar de ter grande futuro. Fez uma política suportada pela esquerda radical resultando daí um prejuízo enorme para a direita que agora se vê numa situação de aperto. Deve irritar e muito.

Luís Lavoura disse...

A Iniciativa Liberal é "de direita radical", Francisco? Existem partidos liberais, totalmente análogos à IL, por toda a Europa, alguns deles no poder (exemplo: o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte). Os Freie Demokraten alemães, ou os Liberal Democrats britânicos, também serão "de direita radical"?

Anónimo disse...

Metam a mãe do Sócrates a governar, quem consegue sustentar um filho daqueles, consegue pagar a dívida pública em pouco tempo !

Jaime Santos disse...

Falta à nossa Direita uma coisa muito simples, ideias na cabeça que vão além de um vociferar contra o 'socialismo', leia-se tudo o que sejam políticas de intervenção do Estado de que não gostam, mas que são essenciais para a regulação do Capitalismo em qualquer Estado moderno.

Por detrás, esta Direita adora a única coisa que o Socialismo Real soube copiar do Capitalismo, a saber, o Monopólio. Nessa medida, não há gente mais 'socialista' que os meninos da nossa Alt-Right...

Espera-se agora que figuras como Jorge Moreira da Silva, Carlos Moedas, Miguel Frasquilho ou Ricardo Rio (só o primeiro parece interessado em avançar para a liderança do PSD) que são pessoas com provas dadas na política e/ou na vida profissional, em lugar de ilustres desconhecidos, possam ser os rostos de uma nova geração que renove a nossa Direita em caras mas sobretudo em políticas (do lado do CDS, só consigo pensar no Mesquita Nunes, o resto é mesmo um deserto de trauliteiros)...

Enquanto tal não acontecer, e graças à fraqueza dos dois Partidos à sua Esquerda (a não ser que estes sejam suficientemente burros para cometerem o tal harakiri político de que fala o Sr. Embaixador), Costa bem pode dormir descansado. Os cães ladram e a caravana passa...

P.S. Luís Lavoura, não é Liberal quem quer, é quem pode... Dizer-se Liberal, uma tradição política venerável, onde se contam pessoas como Stuart Mill, Beveridge ou Keynes e depois debitar a treta do Tea-Party não conta... Não é isto óbvio para si?

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