quarta-feira, outubro 09, 2019

O deputado das caixas da comentários



Somos um país ingénuo. Recordo-me de que, durante anos, nos fomos auto-sossegando pelo facto de não existirem vozes parlamentares que ecoassem os ódios da extrema-direita. Uns, mais líricos, diziam que éramos diferentes, que o racismo e a xenofobia não existiam por cá. Outros achavam que o trauma, relativamente recente, de uma ditadura imunizara o país contra apelos autoritários ou populistas. 

E, agora, ele aí está: um deputado, um eleito do povo, com um discurso onde muitos leem o apelo à discriminação, um tom racista, xenófobo e autoritário, que cavalga, de forma demagógica e populista, medos e sentimentos mesquinhos, os mesmos que atravessam a lixeira moral das caixas de comentários dos jornais e dos “sites”, onde se alimenta a linguagem acre sobre “eles” – sobre os “pretos”, a “ciganada”, os “mouros”, os “monhés”, os estrangeiros, os imigrantes, os refugiados, enfim, sobre o diferente. Agora, já não são apenas “skinheads” e patrioteiros caricatos, abusando a bandeira verde-rubra. Será alguém engravatado, do alto da sua imunidade parlamentar, com direito regular a tribunas mediáticas, a espaços para fomentar proselitismo, junto desse Portugal de frustrados e de raivosos, do “isto é tudo um bando de gatunos e corruptos”. 

Esse deputado demorou a chegar, mas chegou. A extrema-direita aí está, pronta a concitar politicamente receios, a explorar a criminalidade num dos países mais seguros do mundo, a rejeitar a abertura humanista aos refugiados, a pôr em causa a imensa riqueza que é vivermos hoje num país da diversidade, nesta bela praça de diferenças, feita de gentes vindas de um mundo por onde um dia outro Portugal andou.

Não me apetecia lembrar isto, mas não me posso furtar a fazê-lo: lamento que tenha sido Pedro Passos Coelho, alguém de quem discordo profundamente mas por quem tenho consideração pessoal, que tenha cometido o gravíssimo erro político de proporcionar, através do PSD, um palco a uma figura deste jaez.

Estarei a exagerar? Não será isto um mero epifenómeno, controlável e contível nas suas proporções? A história recente da Europa mostra-nos que esta é uma nódoa que alastra com grande facilidade, porque se apoia em sentimentos primários, em caricaturas fáceis, em reações epidérmicas. Quando vozes que ganham um estatuto institucional surgem a dizer alto aquilo que muitos, envergonhadamente, pensam ou murmuram, o mal está feito. É a democracia, dirão alguns. Prouvera que a democracia tivesse boas armas para combater a mentira. O facto é que, muitas vezes, não tem.

12 comentários:

Anónimo disse...

Pois, senhor embaixador; esse tal aventurado Ventura foi a voz mais conveniente que o PSD encontrou, há poucos anos, nas suas fileiras para se atirar ao comunista Bernardino Soares, em Loures; pºara dizer em voz alta e desbocadamente aquilo que outros, nessas fileiras, não tinham coragem de dizer. Agora, à vara larga, revela o seu "fundo" ... e o de outros que se silenciam convenientemente...

Anónimo disse...

O deputado do Chega poderá ser um extremista, mas o que são os do BE e do Livre, que só insistem em encontrar factores de divisão na sociedade?

Não estejamos sempre a pensar que o extremismo é unicamente de direita, pois isso é falso.

Anónimo disse...

Senhor embaixador! Por favor seja/sejamos razoáveis. Haja bom senso! Então onde está o respeito pela diferença de ideias e pontos de vista, será que só se aplicam aos simpatizantes do PS, seja isso o que for? Concluo que os “apregoadores” da liberdade, São afinal os sensuradores/ditadores! Será que o senhor deputado do Chega não tem a mesma legitimidade que os demais deputados? Ora essa!!! A forma de eleição não foi a mesma? Bem, subscrevo o que diz o anónimo anterior. Extremistas não são o BE, PAN, Livre?, ou deixam de o ser porque podem podem dar o “jeitinho” ao PS? Bom senso e justiça parece que já não existem. Lamento muito!!!

Joaquim de Freitas disse...

O Senhor Embaixador tem razão de apoiar sobre o botão de alarme …Porque foi sempre assim que “ele” agiu no passado. Ele, o fascismo.

A unificação dum bloco burguês e outros menos informados ou incultos, em torno de direitos extremos, diante da crise global, as classes dominantes sabem muito bem o que estão a preparar.

E como muito bem escreveu: “Quando vozes que ganham um estatuto institucional surgem a dizer alto aquilo que muitos, envergonhadamente, pensam ou murmuram, o mal está feito.”

Já Brecht dizia: "o fascismo não é o oposto da democracia, mas a sua evolução em tempos de crise. É onde estamos.

Manuel do Edmundo-Filho disse...

Só há três países que não tem a extrema-direita representada no Parlamento: Irlanda, Luxemburgo e Malta: não ficamos a partir de agora, assim, tão sozinhos! Não estavam representados no Parlamento, mas estes cidadão já estavam aí...

Se a extrema-esquerda pode estar representada porque raio de razão não há-de a extrema-direita representada!?

A pergunta que o centro-direita e o centro esquerda, aqui e noutros países, nunca fazem é esta: o que têm feito de errado para a extrema-direita e os fenómenos populistas crescerem, como nos Estados Unido, Brasil e Graça-Bretanha. Era por aqui que deviam começar.

Anónimo disse...

Está a exagerar sim. E está a esquecer-se de que a democracia é feita para todos: nós e os outros.

E está no mundo da Lua se acha que uma figura como o Ventura (nem capacidade de expressão tem), que representa o que muita gente pensa (mas não diz), é pior do que a autêntica conspiração divisionista que, às claras, as forças de esquerda andam a montar.

Agora temos três deputadas pretas. Mulheres e guineenses (uma das quais celebra a eleição com a bandeira da Guiné Bissau). Como objetivo, dominarem a agenda política com as questões identitárias, criarem divisões onde elas não existem, empolarem situações e importarem para Portugal a bagunça que se vê em países como os EUA ou o RU. Se acha que isto é positivo...

Os deputados representam distritos e as suas populações. A simples ideia de que, agora, temos deputadas que representam sexos e raças é inominável e atentatória da democracia. Isto seria defendido por si se houvesse um deputado de direita que só lá estivesse para defender os lavradores. Mas, como são de esquerda...

Quero lá saber de diversidade. Eu quero é unidade porque essa sempre foi a primeira riqueza deste país!

António disse...

André Ventura agradece o tempo de antena que lhe estão a oferecer. Ainda mais agradecerá ataques mais virulentos, físicos mesmo. Os extremismos também se alimentam de mártires.
Talvez agora alguns imbecis que chamaram “direita” e “fascistas” a tudo e todos se redimam, mas duvido. Segundo esses, a direita já estava há muito na AR, portanto, qual é o problema agora, é só mais um, certo?

Anónimo disse...

O BASTA não deu...agora temos de levar com o CHEGA.
Mas, alguém acha normal estes nomes?

Tivesse ele ido para padre...
Acabou o curso de direito com 19 valores e não aprendeu nada. Ensandeceu de tanto marrar!!!

O André Ventura fez, o que lhe permitiram, por um lugar ao sol.

Agora vai acalmar...quer o seu BMW (zinho).

josé ricardo disse...

É bem lembrado a recente deriva ideológica do PSD, ao ponto de convidar para disputar uma câmara municipal um indivíduo destes. Os militantes que agora proclamam exasperantes contra Rui Rio e se posicionam na disputa da liderança, estiveram muito caladinhos na altura. Aliás, conviveram muito bem com este André Ventura, que entre um debate em plena campanha eleitoral e a sua presença num programa de comentário futebolístico, escolheu desavergonhadamente este último. E o mais interessante disto tudo é que, mesmo assim, foi eleito deputado.
Por outro lado, estou em crer que o Parlamento, no atual figurino, espelha, com mais propriedade, a idiossincrasia dos portugueses.

Anónimo disse...

Mas a geringonça já está novamente delineada , porquê tanta preocupação com um Chega , que embora tenha chegado vai ficar no seu cantinho ? E tem tanto direito de existir como qualquer outro partido . Se o senhor Ventura se apresentasse em mangas de camisa e com um ar um pouco miserável talvez fosse aceite ... representaria a minoria sem voz .

Anónimo disse...

Um deputado de extrema direita é mau mas não é em si grave. Grave é o populismo de movimentos sindicais como o dos enfermeiros, camionistas e professores que fazem “ultimatos “ ao poder político legítimo, as corporações que não se querem submeter ao poder democrático e s comunicação social que mostra sempre numa luz favorável às minorias que protestam contra os governos que fazem aquilo para que foram eleitos, a lembrar a ascensão de Mussolini. Como é populismo por em causa a legitimidade dos governos eleitos governarem ou tentar impedi-los de o fazer
Fernando Neves
contrariadas pela

Anónimo disse...

É isso mesmo , Fernando Neves , quando recomeçarem as greves e exigências dos professores e dos camionistas e de muitos outros que não virem as promessas cumpridas , aí vão precisar não de um , mas de muitos Chega ...
O tempo o dirá , é só deixar passar o estado de graça .
O Fernando Neves estragou tudo ao lembrar a ascensão de Mussolini . Mas onde é que vê um personagem desses em Portugal ou alguma coisa que o faça lembrar ? Anda a ver muitos filmes de ficção ... não tenha medo , Portugal é um país de brandos costumes , não quer nem um mauzão dum Mussolini/Hitler nem um assassino dum Chaves . Ficamos pela corda bamba , esperando que não rebente .

Tudo cada vez mais claro