O tempo está para temas quentes. Começou com a gaguez da nova deputada do Livre, agora é tempo de se falar da bandeira da Guiné-Bissau que, para escândalo de alguns, surgiu nas comemorações da sua eleição. Vamos a isso, sem receios. Não vou utilizar o léxico do politicamente correto, vou dizer as coisas com a linguagem da conversa comum, que é a minha.
Começo por notar que, se Portugal estivesse em conflito político aberto com um qualquer país, eu sentir-me-ia chocado que surgisse uma bandeira desse Estado num ato público português. Era, no mínimo, um gesto agressivo, por muito que preze a liberdade de expressão. E indignar-me-ia.
A Guiné-Bissau, porém, é um país amigo, de onde tem vindo para Portugal muita e boa gente, que aqui ajuda à nossa diversidade, que aqui honestamente trabalha, que aqui continua a habituar os portugueses a viverem com a diferença, o que muito contribui para a nossa riqueza cultural - embora, pelos vistos, ainda não o suficiente para convocar a tolerância em muitas cabeças.
Que uma cidadã oriunda da Guiné-Bissau consiga singrar na sociedade portuguesa e, para além de uma carreira académica de relevo, tenha conseguido ser uma das 230 pessoas que os portugueses escolheram para os representar, isso deveria, na minha modesta opinião, constituir um orgulho nacional, um preito à nossa política de integração. Um país que andou pelo mundo tem obrigação de ficar contente que esse mundo, onde também se fala a sua língua, aqui se acolha e viva.
Eu não necessito que um cidadão deixe de sentir-se e dizer-se guineense quando adquire nacionalidade portuguesa, como não espero que um luso-descendente, dos muitos milhares que encontrei na minha vida diplomática, bem integrados e hoje também orgulhosos brasileiros ou franceses, “esqueça” de onde veio. Ficaria triste se isso acontecesse.
Faço parte de um Portugal que gosta de ver as ruas cheias de gente “de fora” - negros, indianos, asiáticos ou brancos. Gosto muito de ouvir um caboverdeano ou um timorense ou um brasileiro dizerem “tenho a nacionalidade portuguesa”. Sou de um país que tem uma “alma” nacional muito larga, que não vive em trincheiras de um nacionalismo serôdio.
Que uma cidadã da Guiné-Bissau - ou de Angola, ou de Timor ou do Brasil - sinta orgulho em exibir a bandeira do país de onde é originária, sublinhando que mantém carinho pelas suas origens, isso pode escandalizar alguém? Suspeito, aliás, que se a nova deputada fosse branca (e, em especial, se fosse um homem) e a bandeira exibida fosse a do Brasil todo este sururu não tinha surgido.
Se um português eleito para um qualquer cargo nos Estados Unidos, na França ou na Sildávia, exibir a bandeira da terra dos seus pais ou onde ele próprio nasceu, destacando assim a sua fidelidade afetiva ao lugar de onde vem, o que pode isso soar a estranho? É alguma deslealdade face ao país que o elege um cidadão assinalar de onde veio e o carinho que continua a sentir por esse lugar?
Dirão alguns: mas essa cidadã critica publicamente o racismo que existe na sociedade portuguesa. “And so what?” E se acaso fosse um deputado branco, aqui nascido, a constatar, alto e bom som, essa realidade - a de que, entre nós, há racismo, discriminação e xenofobia? Era mais aceitável? Só por ser uma cidadã originária de um país africano já não o pode fazer? Há algum “capitis diminutio”, como se se dissesse “já bastou ser aceite como deputada em Portugal, não tem o direito de criticar o país que lhe deu esse estatuto”?
Cheira-me que todo este escândalo em torno da deputada do Livre acarreta, atrás de si, muito preconceito, bastante xenofobia e algum racismo. Posso estar enganado, mas acho que esta polémica e todo este debate vão acabar por ser salutares, porque vão deixar muito claro que o Portugal velho, do patriotismo primário, que andava escondido nas graçolas discriminatórias, mesquinhas e medíocres, vai ficar exposto de uma vez por todas.
Joacine Katar Moreira pode vir a fazer muito bem ao arejamento das cabeças deste país. Eu, apesar de tudo, acredito sempre na vitória das luzes sobre as trevas.
25 comentários:
Muito bem.
Caro FSC, como de costume tenta virar o bico ao prego para acomodar tudo na caixinha do "racismo e xenofobia". Aliás, começa a ser um "vício" seu ter de se declarar tolerante com os outros antes de dar uma opinião. Quando isso acontece, é sinal de que algo vai mal.
O caso da bandeira tem a ver com a mulher ter sido eleita para a AR portuguesa, casa da democracia portuguesa, onde os deputados são eleitos para representar cidadãos portugueses. Um cidadão português tem lealdade para com a República Portuguesa e a bandeira desta não é a da Guiné-Bissau. Portanto, celebrar a eleição de uma pessoa que visa representar portugueses (embora a visão limitada da senhora nos faça crer que ela só tentará representar alguns), ostentando uma bandeira estrangeira é de mau gosto e até passa uma imagem de revanchismo.
E que tal se, um dia destes, a Ministra da Justiça resolver colocar a bandeira de Angola no gabinete?
Muito bem!
Concordo plenamente. às vezes, basta sabermos colocar-nos na pele dos outros para ver o quão ridículas podem ser as nossas posições.
Preocupa-me mais o teor da segunda parte da petição, que pode dar origem a mais especulação: «A Cidadã Joacine Katar Moreira, em videos disponibilizados na Internet afirma claramente e incentiva a que o cidadãos de outras etnias e minorias não tenham de respeitar os valores, direitos e garantias e liberdades inscritos na Nossa Constituição»
Cumprimentos.
Ia a dizer "muito bem" mas vi o comentário anterior, que me deixou indeciso. Mas não há outra expressão: muito bem. Portugal ainda é uma sociedade algo subdesenvolvida, pouco aberta ao contacto com outras culturas (tirando Lisboa e Porto). Há terras do interior (e algumas já bem grandes) em que não se vê uma pessoa de cor!
Gostaria de o ter escrito. Très bien....
Gostaria de o ter escrito. Très bien....
O Livre já pediu à AR "tolerância de tempo" para a deputada. Começam as coisas...
"10 de outubro de 2019 às 17:44" - temos de acabar com isso, já. Sugiro a criação de uma Comissão de Colonização do Interior com vista a povoar o interior com pessoas de muitas cores e feitos para que essa gente atrasada da província possa beneficiar do convívio com outras culturas e assim sair daquele atraso em que vive. Substitua-se os adufes por jambés e Portugal será melhor. Ponha-se um kebab em cada esquina e já ninguém quererá pensar no porco preto. Esperem aí, os Kebabs são venda maciça de carne. Ups...
Entretanto, ainda há que explicar qual foi a benesse que trouxe à nossa população o "convívio" com toda este exotismo. (porque é sempre de "exotismo" que se fala - nunca ninguém diz "que bom que foi para Portugal a vinda de tantos moldavos).
Siga a festa e haja diversidade, sobretudo se vier de países atrasados e pobres.
PS: os holandeses e ingleses no Algarve também são diversidade ou são apenas porcos estrangeiros que vêm explorar os tugas?
Alguns portugueses perderam a noção de Nação,Pátria,País ou então nunca a tiveram !
Como a pequena não gagueja quase nada quando fala em inglês...
https://www.youtube.com/watch?v=d8jdxUI_Yo8
... o melhor era permitir-lhe que falasse em inglês na AR. Certamente que ninguém contestaria tal medida porque traria ainda mais diversidade ao Parlamento.
Totalmente de acordo com o texto de FSC. Infelizmente ainda há muita gente que não compreende as dificuldades que os emigrantes experimentam nos primeiros tempos. Daí a alegria de muitos naturais da Guiné-Bissau ao verem uma sua natural eleita para o parlamento.
Não concordo com a exibição da bandeira da Guiné-Bissau.
Não me interessa a cor ou o gênero, é deputada em Portugal, eleita por portugueses (só estes podem aqui, ou noutro país votar) e vai representar portugueses.
Porque não usou uma echarpe?
...Senhora Deputada, faça favor de terminar. Acabou o seu tempo. Só achei inoportuna a sua expressão de "feminista radical"; não lhe ficou bem.
Ao senhor comentador de 10 de outubro de 2019 às 18:13, que diz: "O Livre já pediu à AR "tolerância de tempo" para a deputada. Começam as coisas."
E qual é o problema? Não deve a Assembleia da Republica proporcionar a uma deputada eleita, legitimamente, quer goste ou não, as condições para fazer o seu trabalho? Quer goste ou não, ela foi eleita. Habitue-se à democracia.
A senhora estava numa comemoração da eleição, em ambiente de festa. Alguém agitou uma bandeira da sua terra de origem. E é de facto um orgulho, inclusive para o seu país de origem. Tem a ver com as raízes. É coisa completamente diferente de a ministra da justiça colocar a bandeira de angola no seu gabinete, como alguém já aqui disse. Nos Estados Unidos, por exemplo, os descendentes de irlandeses e de italianos (e estou a falar de descendentes, não de naturalizados, atenção!), todos os anos comemoram orgulhosamente, em paradas e festas, os simbolos dos países de origem dos seus antepassados, inclusive as bandeiras. Estou a falar mesmo de políticos eleitos. É a diferença entre um pais civilizado e um país em que existe ainda esta espécie de patriotismo falso e rançoso. Tenham juízo.
Aliás diz : um partido que só tem « esta « voz ...
Melhor exposto e escrito não podia estar - bravo!
O texto é magnífico, muito bem. Provavelmente alerta-nos para opiniões iniciais que todos possamos ter e podemos mudar. Isto independentemente de muitas coisas discordarmos.
E a Ministra da Justiça não pode mostrar orgulho nas suas raízes colocando a bandeira de Angola no gabinete porquê? E o Éder, devia ter andado a celebrar o Euro com a bandeira da Guiné? Devia ter recebido a medalha gritando "Guiné!!!" (só para mostrar orgulho).
Quanto ao "11 de outubro de 2019 às 09:51", vamos ver o que dirá quando o Ventura falar... Aposto que se esquece, logo, da democracia.
Porque o gabinete não é dela, é do Estado, e seria desadequado colocar na parede uma bandeira de um estado estrangeiro. Outra coisa é o ambiente de festa, num local privado, de uma candidatura. Não deve ser difícil perceber a diferença…é uma simples questão de bom senso. Ou é dificil? Quanto ao Éder, não teria nenhum sobressalto patriótico, se ele exibisse a bandeira da Guiné no Euro, não senhor… E quanto ao Ventura, uma coisa é criticar as suas opiniões. É o normal em democracia e é assim que funciona. Outra coisa completamente diferente é eu dizer que, eleito o Ventura, não lhe devem ser dadas condições para a sua função. Entendido? Em que outro país é que isso acontece?
Completamente de acordo...
De um autarca luso-americano...
Magnifico!!!!
Pormenores, pormenores. A Dra. Joacine parece gaguejar muito selectivamente. É óbviamente racista. Acha que a Constituição da República Portuguesa é racista - eu acho-lhe alguns defeitos, mas esse não. Está tudo nas redes, para quem quiser.
A Dra. Joacine tem orgulho nas suas raízes africanas. Bom para ela, mas porque não posso eu ter orgulho nas minhas raízes celtas?
Caro embaixador, a Dra. Joacine vai dar muitos votos ao Chega. Portugal não é um país racista, gente como ela cria racismo ao exigir privilégios, e cria racismo porque precisa dele para o seu negócio anti-racista. É um modus operandi usado pelas feministas, pelas comunidades LGBT, fundamentalistas de várias origens - exige-se um tratamento preferencial, há, óbviamente, uma reacção, e daí parte-se para acusações de discriminação.
Talvez a Dra. Joacine represente os guineenses na AR, mas eu cria que isso seria tarefa para os consulados e embaixadas. Você sabe melhor que eu.
Anónimo das 21,05
Tem toda a razão , os guineenses em Portugal são representados pelas sua Embaixada e consulado e a Dra. Joacine no Parlamento português defende os interesses dos portugueses seja qual for o seu país de origem .
A Dra. Joacine ao naturalizar-se portuguesa , mesmo conservando as duas naturalidades , AQUI defende oi interesses dos portugueses ...
Enviar um comentário