terça-feira, dezembro 12, 2017

Nem quase rei


Assumido republicano dos quatro costados, com um avô paterno mação, alvejado pelos “talassas” aquando da frustrada “monarquia do Norte”, sempre tive, no entanto, uma grande curiosidade pela vida, no exílio, das “casas reais” portuguesas. Digo “casas” e não “casa” porque, por muitos e bons anos, duas linhas se confrontaram em representação da dinastia dos Bragança.

O afastamento de dom Miguel pelo seu irmão dom Pedro, depois da “golpada” para repor o “Ancien Régime” contra a Carta Constitucional, conduziu o primeiro a um eterno exílio de onde já só regressaria morto, bem mais de um século depois. Porque a ala miguelista havia então sido oficialmente banida do território português, todos os descendentes de dom Miguel penaram, a partir daí, pela Europa e, em especial, pela Áustria, onde a genealogia do Almanaque de Gotha lhes deu familiar acolhimento.

No trono até 1910, os descendentes de dom Pedro seriam igualmente conduzidos ao exílio, por seu turno, com a Revolução Republicana. Um novo banimento somar-se-ia então ao anterior, abrangendo agora também toda a restante família de dom Pedro. A partir dessa data, quase se poderia dizer, com ironia, que todos os Braganças passaram para além de Quintanilha...

A proximidade germanófila levou muitos membros da ala miguelista exilada a colocar-se do lado errado na Primeira Guerra Mundial, ao contrário do rei deposto, o qual, com natural lealdade, ficou ao lado dos aliados que tão generosamente o acolhiam no seu seio.

O rei dom Manuel viria a morrer em Londres, em 1932. Sem filhos, a sobrevivência da estirpe acabou por fazer repousar num herdeiro miguelista a responsabilidade do facho monárquico. A designação de um pretendente único ao trono, que o acaso ou a vontade política pudesse um dia vir a ressuscitar, havia passado por recorrentes e nem sempre fáceis contactos entre as duas alas desavindas, durante o tempo do inimigo comum que foi a I República, período em que os monarquistas não deixaram de tentar tomar pela força o poder perdido.

A pretensão ao inexistente trono acabaria assim por fazer-se na pessoa de dom Duarte Nuno, da linha miguelista, pai do atual herdeiro, dom Duarte Pio. Tal como, com maestria, soube fazer à generalidade dos monárquicos ao longo do regime (deixando-os “cair” definitivamente apenas em 1951), Salazar foi dando algum “gás” a dom Duarte Nuno, mantendo-o ”em lume brando” à distância, para o que desse e viesse. O pretendente retribuia-lhe os gestos com grande devoção. Salazar acabou mesmo por permitir que ele viesse viver para Portugal com a família, aceitando o fim do banimento. Porém, curiosamente, nunca lhe daria a “confiança” de o receber pessoalmente. 

Estas e outras histórias da vida desta figura, de recorte algo trágico, pertencente à pequena história política do nosso monarquismo remanescente, surgem agora num livro biográfico de Paulo Drumond Braga, que tem um título que diz tudo: “Nas teias de Salazar. Dom Duarte Nuno de Bragança (1907-1976). Entre a esperança e a desilusão”. 

Havia muito pouca coisa escrita sobre este homem, que falava um português com um sotaque que a ele próprio irritava, que olhava Portugal com uma espécie de saudade que só a História e alguma ambição lhe criara e que se deixou sempre endrominar pelo ditador. Uma figura que esteve muito longe de fazer o pleno na apreciação que dele faziam os seus correlegionários, grande parte dos quais escassamente convencidos das suas qualidades para ascender ao mirífico trono, quanto mais para nele vir um dia a ser rei.

4 comentários:

Anónimo disse...

O actual Duque de Bragança deve esse título a implantação da República em 5 de Otubro. Se a Monarquia tivesse continuado a linha miguelista estaria banida e a sucessão de D. Manual seguirá, segundo a lei vigente, na descendência feminina de D. Maria II.
Monarquistas?
Fernando Neves

Anónimo disse...

A partir de 1820 houve monárquia em Portugal por vontade exterior e por vontade da população a qual mistificava a pessoa real. Os nossos acordos internacionais depois de 1815 obrigavam a haver um Rei o qual teria dado poderes aos seus emissários para o periodo post-napoleónico e mesmo assim.....não se olhava com segurança a dinastina brigantina com bons olhos antes de 1848.
A burguesia saída do liberalismo não suportava o chefe de Estado ser uma pessoa de dinastia Real.
É mesmo extraordinário o tempo que levou a implantação da república em Portugal e quando a foi, foi quase por acaso de sorte e para experimentar o que viria daí. Como se sabe as revoluções constantes depois de 1910 deram origem ao aparecimento do salazarismo, pois não havia nem "Rei nem roque" e já nenhum Estado podia existir daquela forma.
A nobreza em Portugal só teve alguma importância na governação depois de 1640 mas o Marquês de Pombal acabou em definitivo com ela com o aparecimento de uma buurguesia campesina.

Anónimo disse...

Se D. Afonso Henriques não tivesse batido na mãe, o actual duque não seria pretendente e se, se, se é mais milhentos ses é acasos, nada disto, isto é, a objectiva situação actual, seria esta.
João Vieira

Domingos disse...

Um pequeno acrescento: D. Duarte Nuno escreveu cartas a Salazar, mas não sei se este alguma vez lhe respondeu lhe respondeu. Salazar nunca terá recebido D. Duarte, mas alguém que estava presente contou-me que na inauguração da Ponte sobre o Tejo D. Duarte aproximou-se de Salazar e cumprimentou-o. Este não se apercebeu de imediato de quem se tratava, mas respondeu ao cumprimento.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...