sexta-feira, dezembro 15, 2017

Carta ao Nuno Brederode Santos

Olá, Nuno

Desculpa o atraso, mas nos Correios, desde que foram passados a patacos, uma carta parece-se com os comboios espanhóis do antigamente: “llega cuando llega”. 

Ontem, não me esqueci, fez 73 anos que começou a batalha das Ardenas, que os alemães tiveram o cuidado de fazer coincidir com o dia em que tu nasceste. Sabe-se quando uma batalha começa, não se sabe quando vai acabar. É como as vidas, Nuno.

Não nos temos visto, nos últimos tempos. Nem tu nem eu, embora por razões diversas, temos passado pela nossa (bem mais tua do que minha) “mesa dois”. Ao que consta, aquilo, lá pelo Procópio, vai de vento em popa, para alegria do iban da Sedonalice. Parece um apeadeiro do 28, cheio de turistas, já só se ouve falar línguas da estranja. Dizem-me que, há dias, saltou da mesa do piano uma frase sonante. Soou a uma boca do Strecht mas, afinal, era um expatriado da Guiné-Equatorial, país onde, graças à CPLP, vai para cadeia quem não souber declamar Álvaro de Campos - diz-se que também vão por outras razões menos literárias, mas devem ser “fake news”, uma coisa que por cá agora há muito.

Deste nosso país, Nuno, nem sei bem o que te diga. Se eu te contasse que o Centeno vai presidir ao Eurogrupo, acho que me acreditavas tanto como se te dissesse que o Louçã e o Schäuble tivessem escrito um artigo a duas mãos para o boletim da IV Internacional. Na política, este foi um ano do nosso duche escocês: houve coisas muito boas na economia, ganhámos a Eurovisão (não estou a gozar!), Portugal andou cada vez mais na moda e parecia que o mundo nos sorria. Depois, um dia, tudo isso ardeu e este nosso velho país, afinal desordenado e tão frágil, acabou por vir ao de cima. E o governo do nosso amigo António Costa, que, tal como o Mendes Cabeçadas no 28 de maio, está cada vez mais “ministro de todas as pastas”, entrou numa deriva de trapalhadas. Deve ser por isso, por saber-se imbatível mestre neste domínio, que o Santana Lopes, que estava posto em sossego naquele papel de Madre Teresa que lhe caia tão bem, deu um golpe de Misericórdia e está a concorrer à liderança do PSD - é verdade, Nuno, ainda não nos recompusémos do abalo da saída do Passos, essa Axa que abençoava a Geringonça. Do Marcelo, que te hei-de dizer? Espalha imensos afetos, o país continua a gostar dele e a esperar que permaneça fiel àquilo que justifica essa afeição.

Caro Nuno, recebe um abraço do tamanho deste mundo onde fazes muita falta.

Francisco

5 comentários:

Anónimo disse...

Que belo texto, Francisco!
Espero que o António, cujo boneco é também uma delícia, o veja.
Vou tentar avisá-lo.
Um abraço, grande, para ti da São Jordão

Graça Sampaio disse...

Que saudades das crónicas e dos artigos de Nuno Brederode dos Santos! Que acuidade certeira, que inteligência, que sentido de humor!

Anónimo disse...

Pensei que era o Mario Daghi

Anónimo disse...

Espero francamente se tiver um dia que regressar a Portugal não ter que ser contaminado pela síndrome da clubite e, apesar de formado no estrangeiro, ver-me de repente a perorar sobre obviedades luso-lusitanas e outras micro questões provincianas. Mas nada me garante que não me venha a tornar num igual a Villaverde Cabral, Marques de Almeida ou Miguel Vale de Almeida. Creio que deva ser do clima. Olha, bem fizeram o Guterrres e o Zé Manuel. O Mário, esse, ainda está com o pé estribo cá dentro...

Unknown disse...

Nuno se nao foste apenas ali fora fumar um cigarro fico imensamente chateado.
Eu sei que nao nos vemos ha quase meio seculo, mas que è isso na historia do tempo e na nossa memoria. Para mim podes crer que foi como se fosse apenas ontem, tal era a força com que me fazias respirar energias boas. Pude seguir as tuas cronicas como todos os que gostavam de as saborear. Mas ter tido o previlegio de contigo conviver sem patentes, mas como alguem que tentava reciclar um capitao antes de abril, e quica tera sido, foi um enorme previlegio que eu tive na vida. So tenho pena que ainda tenhas ido bater com costados na parte oriental de africa sem ser como embaixador. Não pudeste assim estar ca no dia dos cravos, esse dia que tanto aspiravas .
Lembro me que terminaras Direito na universidade de Coimbra por seres pessoa nao grata na de Lisboa , porque eras inservil
ao regime da ditadura. Quando te conheci tinhas 26 anos eu alguns menos e andavamos na mesma aventura juntos.
Nao me vou alongar mais mas estejas onde estiveres mando-te um grande abraco e espero que ai tambem esteja um lindo dia de sol ou algo similiar.
PS - Esta é apenas a modesta mas sincera pequena homenagem que tinha vontade de te prestar.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...