Era uma mulher muito bonita. Li, há pouco, a notícia da sua morte, aos 75 anos. Chamava-se Christine Keeler.
A história que vou contar - e que dedico à Célia Rocha e ao Frederico Alcantara De Melo, leitores desta página e testemunhas inconscientes do episódio - passou-se nos anos 70 do século passado.
Naqueles tempos, as chamadas “comissões mistas”, as visitas técnico-políticas de membros dos governos aos seus homólogos de outros países, para assinar ou cumprir acordos, demoravam vários dias, entrecortados de trabalho e de algum lazer. Bons tempos esses!
Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.
Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”. Ora eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, uns bons anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por partilhar uma amante com o adido militar soviético.
Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que ela se chamava Christine Keeler. Ele ficou satisfeito.
Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.
Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: será um encontro com a História!”.
Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistia e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.
A minha discreta e pouco empenhada missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento entusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha à época instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos e o homem lá se acalmou.
John Profumo morreu já há alguns anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que agora morre aos 75 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura londrina. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...
(Reedição de uma história já aqui contada)
4 comentários:
Ao ler o seu relatório de viagem, Senhor Embaixador, sorria, e não pude deixar de pensar na similitude do seu « relatório » ao que frequentemente era obrigado de fazer quando recebia em Paris grandes decisores de negócios de firmas internacionais, que depois de os ter levado “Chez Laurent” ou Lasserre, esperavam uma visita a uma “affiche” de renome para acabar a soirée.
Conheciam sempre o “Crazy Horse” e era lá que frequentemente os levava, na esperança que, após a garrafa de champanhe habitual, a conversa com a “charmante” hospedeira se terminava numa negociação para uma extensão do programa, que podia ser , após o horário de trabalho da charmante dama , “à hora” ou para a noite.
E como estavam “apressados”, isso permitia-me de escapar e de ir descansar da jornada difícil que tive.
Sem dúvida, é difícil para um diplomata como para um comercial, no desempenho da sua missão de vendedor de imagem ou produto, de servir de intermediário num negócio destes. Era a parte que detestava, mas para vender robótica, tinha de passar por lá. Era a parte turva depois do excesso de luz.
Para cuscuvilhices sugiro a série "The Crown" -Netflix.
@Anónimo 10 de dezembro de 2017 às 12:21
Sim... todos nos aqui sabemos que é um seguidor assiduo dessa série
Anonimo das 12:21 : Por vezes, uma vida terna, sem fantasia ou imprevistos, torna os individuos invejosos daqueles que trilharam caminhos mais excitantes, mesmo se cada um tem a vida que quer ou o destino que recebeu.
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