Conheci Joaquim Pais de Brito em 1973, em Paris. Ele vivia na Casa da Noruega, na cidade universitária, e eu tinha ido a França “ver” as eleições, em março desse ano, poucas semanas antes de ingressar no serviço militar. Nesses dias de um inverno gélido, criámos uma amizade calorosa que dura até aos dias de hoje. Se o “crime” já tiver prescrito, um dia contarei por aqui como conseguíamos ir almoçar à cantina de Jussieu, com o António Belém Lima, todos com o cartão universitário com a fotografia do Joaquim (que já então tinha pouco cabelo...). O José Carlos Serras Gago, que nos acompanhou nessas andanças, é testemunha desses tempos estimulantes, em que acabávamos as tardes espreitando cursos livres na universidade de Vincennes.
O Joaquim é uma das grandes figuras da Antropologia portuguesa. Foi diretor do Museu Nacional de Etnologia durante mais de 20 anos e professor universitário emérito do ISCTE. Dirigiu uma das mais interessantes coleções de edição sobre a realidade portuguesa, a “Portugal de perto”, da Dom Quixote, sendo ele próprio autor de um belo livro sobre Rio de Onor, a histórica antiga comunidade agropastoril perto de Bragança, que já havia merecido uma obra pioneira de Jorge Dias.
Na passada sexta-feira, no espaço da Ferin, que agora ganhou uma maior dimensão e riqueza bibliográfica com a associação com a “Ler devagar”, o Joaquim Pais de Brito apresentou um novo livro: “Muitas coisas e um pássaro”. Como posso descrever esta obra? Não são memórias, sendo-o bastante. Não é um livro científico, mas a ciência está por todo o texto. Não é um ensaio, tanto mais que tem conversas conduzidas por três nomes femininos, mas é alguma filosofia do mundo e da vida que se espelha por todo o texto. Há fotografias, há desenhos, principalmente do pássaro que acompanha o Joaquim desde a Nelas natal, onde ele vive agora com a Fabienne.
O João Rodrigues, editor do livro e alma da “Sextante” (tive a honra de ser por ele editado, quando andou pela Dom Quixote) fez uma das mais originais apresentações de um autor a que tenho assistido. Talvez porque ambos se conhecem desde o início dos anos 60, do Citac, em Coimbra, onde iniciaram cumplicidades que se prolongam até hoje. Depois de uma leitura crítica, o Joaquim fez uma excelente intervenção, solta, viva, alegre e profunda.
Na assistência, eu estava com o António José Massano, que me havia feito conhecer o Joaquim nesse ano longínquo de 1973, e com o João Fatela, que também cruzei pela primeira vez em Paris, na mesma ocasião. Acabámos a noite bem amesendados a reforçar a amizade. A vida é (também) isto.
2 comentários:
Excelente - Como a cultura é vida.
E o que há por detrás destas amizades e destes encontros!... Daria para um livro bem sério, mas também bem humorado. Para já fica no segredo dos deuses e de La Motte Picquet.
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