Será necessário regressar aos tempos de Nixon e do “Watergate” para se encontrar um tempo em que um presidente norte-americano surja, aos olhos públicos, tão acossado politicamente. O ambiente que, menos de três anos passados sobre a sua tomada de posse, rodeia Donald Trump é marcado por uma crispação quase sem precedentes, com impacto na malha parlamentar, onde quase se não vislumbra uma réstia de compromisso institucional entre as bancadas.
É justo dizer-se que, antecedendo a sua posse, estava já criada a ideia de que uma figura como Donald Trump se iria tornar numa personagem política controversa. O multimilionário palavroso e fanfarrão cedo deixou claro que não estava disposto a ficar aculturado pelo sistema e que, pelo contrário, era o próprio modelo de presidência que tinha de se adaptar a ele. E, nesse domínio, não desiludiu as expetativas.
Trump é um presidente que fez a deliberada opção de governar sob permanente tensão. Cortando, com os seus constantes “tweets”, a dependência dos meios de comunicação tradicional, colando estes a uma leitura da realidade que apelidou de “notícias falsas”, Trump cria, a toda a hora, a sua própria verdade e espalha, com a maior impunidade, falsidades que, na boca de qualquer outro político, seriam o caminho para o imediato descrédito. Trump tem com ele um eleitorado potencial que está pouco preocupado com a descolagem da verdade que o presidente projeta e, muito mais, que vive confortado com a certeza de que ele continuará a ser a barreira segura contra os receios que povoam o seu quotidiano.
Quando, há dias, o presidente decidiu abandonar à sua (má) sorte os curdos, que tinham ajudado os EUA a travar os demónios do extremismo islâmico, que havia sido uma óbvia resultante longínqua da aventura iraquiana de Bush filho, Trump nem por um segundo pensou no cinismo do gesto. Refletiu, isso sim, que isso responde a uma opinião pública interna que vive um tempo de tropismo isolacionista. Trump sabe que, ao fazer regressar ”our boys”, satisfaz um eleitorado que o elegeu também para isso. E que, também por isso, talvez o volte a escolher.
Mas a América não foi sempre assim?, perguntarão alguns realistas. Talvez, mas, antes, tinha algum cuidado em disfarçar. Trump é a cara descarada da vergonha perdida de uma América egoísta e autocentrada que, pelo menos com ele, está rapidamente a desperdiçar a autoridade moral que lhe assegurava a liderança de um mundo que, também graças a ela no passado, podia chamar-se a si próprio de livre.