sexta-feira, setembro 27, 2019

Diana e os presidentes


Dificilmente se encontrará uma relação política mais conflitual na democracia francesa do que aquela que dividiu Jacques Chirac, que agora morreu, e Giscard d’Estaing. Dois estilos, duas lideranças, dois destinos, dentro da direita e da História francesas. Curiosamente, “une-os” a princesa Diana.

Giscard escreveu um livro de ficção,”La Princesse et le Président”, onde efabula sobre uma relação amorosa que poderia ter existido entre Diana de Gales e um presidente francês, figura em que o retrato do próprio Giscard assenta como uma luva. A imprensa britânica reagiu, entre o furioso e o desdenhoso, ao que entendeu ser uma tentativa de Giscard de sugerir a sua inclusão na lista de amores da princesa. Giscard, mas só depois de muito instado, fez saber tratar-se de uma mera ficção, algo cuja verosimilhança só deveria ser medida à luz das circunstâncias proporcionadas pelos encontros oficiais das duas figuras. A propósito de este livro de Giscard, Chirac fazia, ao que se sabe, comentários hilariantes, depreciativos do seu rival político.

Mas o que é que Jacques Chirac tem (também) a ver com Diana? A tragédia desta última. Na noite em que a princesa morreu, em Paris, no acidente no túnel de Alma, em 31 de agosto de 1997, a primeira preocupação das autoridades policiais francesas foi avisar o Presidente da República. Tudo foi tentado, a começar pelo palácio do Eliseu. Mas Chirac estava, como dizem os franceses, “aux abonnés absents”. Nem os próprios agentes dos serviços secretos que o protegiam, 24 sobre 24 horas, sabiam onde ele se encontrava. O presidente tinha-se permitido uma “escapada”, num dos seus tradicionais “affaires” românticos, que a sua mulher Bernardette aturava desde sempre, não contando, naturalmente, que essa ia ser precisamente a noite em que uma princesa britânica iria morrer à saída de um túnel rodoviário sob o Sena, em que deveria ter sido ele mesmo a informar as chefias britânicas. Só muitas horas mais tarde, foi possível encontrá-lo. Pode assim dizer-se que histórica rapidez de Chirac nos seus encontros sexuais - “cinq minutes, douche comprise” - não se tinha confirmado nessa noite.

Trotsky, Chencho e a madre superiora


Faz agora 50 anos, tal como acontece no dia de hoje, eu estava estendido na cama de um hospital, recém-operado a um joelho (o mesmo!). Então foi no Porto, agora é em Lisboa.

Um aquecimento mal feito, a anteceder um treino de atletismo, no estádio universitário, acabou com a (nem por isso muito promissora) carreira de um esforçado corredor de velocidade do CDUP.

Essa simples intervenção (então) ao menisco, à antiga, não terá corrido bem, como, semanas depois, já em Lisboa, o médico do Sporting, Aníbal Costa, veio a constatar, entregando-me então nas mãos geniais de Graça Gordo, o sargento massagista que acompanhava o mítico Manuel Marques, no clube e na seleção nacional. Que fez por mim tudo o que era então possível. A complexidade das operações ao meu joelho aumentou entretanto bastante, como que correspondendo à passagem do tempo...

Mas voltemos ao hospital no Porto, à casa de saúde da Carcereira, nesse ano de 1969. Por ali estive uns oito dias, porque essa era a regra, mesmo para uma simples rotura de menisco. 

Num desses dias, vi entrarem-me pelo quarto dentro duas freiras. Pensei que se tratasse da assistência religiosa do hospital. Não era. Uma das senhoras explicou-me que era a madre superiora do Lar de Santa Teresa, onde então estava hospedada a minha namorada (hoje minha mulher), que estudava no Porto. Fiquei imensamente grato. A visita das freiras era um gesto de uma enorme simpatia.

A nossa conversa, se bem que agradável, não foi muito longa. Fui dando conta que a madre superiora olhava, com alguma curiosidade, para os dois ou três livros (agora tenho também três livros comigo...) que eu tinha levado para ler durante o internamento. Um deles, o que estava mais à vista sobre a mesa de cabeceira, era a biografia de Léon Trotsky, na versão francesa “Ma Vie”, numa edição de bolso (um bolso “largo”, porque era um calhamaço), da “Poche” (por onde andará?)

Ao despedir-se, aproximando-se da cama, notei que ela fixou muito o livro. Não excluindo poder ter sido apenas uma perceção minha, fiquei a achar, para sempre, que ela mudou para uma cara bastante mais “fechada” do que a que antes me dedicara. Com que impressão terá ficado a madre superiora do namorado da sua hóspede, a ler o teórico da “revolução permanente”?

Não espero vir agora a receber, aqui pelo hospital, a visita de nenhuma freira. Se acaso isso viesse a acontecer, a única biografia que ela iria encontrar à minha cabeceira era a de Chencho Arias, um amigo diplomata espanhol de quem, há dias, em Badajoz, comprei o divertido “Yo siempre creí que los diplomáticos eran unos mamones”. Que diabo pensaria ela de mim ao ver tal título?

quinta-feira, setembro 26, 2019

Kildare


Quando a nossa televisão era uma criança, a série “Doutor Kildare” fazia-nos sonhar com hospitais similares àqueles que a América tinha, num tempo em que, por cá, quase tudo, nesse domínio, era uma apagada e vil tristeza. 

As séries “hospitalares” era muito raras, pudicas nas imagens, sem sangue à vista e nelas as relações humanas tinham então imagens com a delicadeza da que aqui mostro, que hoje, pela certa, dava origem a um processo por assédio.

Como diz, a cada passo, um amigo meu: “Isto já não é o que era!”

quarta-feira, setembro 25, 2019

Hoje estou no cinema


Hoje estou no cinema


Hoje estou no cinema


Hoje estou no cinema


Hoje estou no cinema


Hoje vou ao cinema


A fugir à polícia


Este não é um texto fácil de escrever. É que, ao fazê-lo, mesmo para descrever uma simples realidade, sou já obrigado a encontrar artes para conseguir fugir ao “policiamento” semântico.

Um dia, em Luanda, fui com um amigo negro (devia ter escrito “afrodescendente”?) , hoje figura de destaque na vida política local, a um cocktail num hotel. A certa altura, quis chamar a sua atenção para alguém que estava do outro lado da sala, que eu tinha ideia de já ter conhecido antes. Expliquei que era "aquele tipo baixo, de casaco escuro, encostado à janela". Havia duas pessoas nessas condições, pelo que foi necessário dar um outro pormenor: "É o que está a fumar". Foi então que o meu amigo reagiu: "O preto? Já podias ter dito que era o preto...". Assim era, mas eu estava a hesitar dizer-lhe isso a ele, também preto, ou negro. E não disse.

Mais recentemente, na minha terra, em Vila Real, cruzei-me na rua com um amigo do tempo de liceu. Vinha acompanhado de um homem negro, que eu não conhecia e que ele me apresentou. Na conversa que entabulámos, falou-se da criminalidade na cidade. Referi que não sentia a menor insegurança nas ruas, mesmo à noite. A pessoa que tinha acabado de me ser apresentada corroborou, em absoluto, a minha perceção. Virando-se para ele, o meu amigo retorquiu, risonho: “Ora, ora! A ti, com essa cor, à noite, ninguém te ataca, porque ninguém te vê!”. Rimos os três, sem constrangimento. Mas, por um segundo, perpassou-me um leve incómodo, por ser a cor daquele homem que estava na génese da piada. Devíamos tê-la evitado?

Vieram-me à memória estes episódios, ao ver a polémica, de natureza similar, que agora envolve o primeiro-ministro do Canadá, por terem sido divulgadas fotografias de uma festa carnavalesca de estudantes em que ele, há 18 anos, estava vestido de Aladino e tinha escurecido a pele para construir a personagem. Caíram o Carmo e as cataratas do Niagara, assistindo-se a Trudeau a pedir desculpas públicas por esse “pecaminoso” passado. E, pior ainda, viu-se o seu opositor político a exigir a sua cabeça, porque uma pessoa “assim” mostrava não ter qualidades para dirigir aquele país.

Reconheço que são hoje inaceitáveis práticas e atitudes discriminatórias que, no passado, eram toleradas e não objeto de censura ou rejeição. O mundo evoluiu e ainda bem. Mas se nessa evolução não for possível preservar um margem sensata de adaptação temporal, feita de compreensão, tolerância e bom senso, o novo mundo acabará por ser perigosamente “orwelliano”.

terça-feira, setembro 24, 2019

“Order!”


Aos leitores deste espaço a quem tal possa interessar e que tenham possibilidade de o fazer, recomendo vivamente a leitura da decisão da Justiça britânica, relativa à suspensão do Parlamento.

Escrito numa linguagem que combina o rigor jurídico com o estilo político, este interessante documento de 24 páginas ensina-nos mais sobre a filosofia do sistema britânico do que muita bibliografia que possamos consultar.

Por mim, não dei por mal empregue o tempo que dediquei a esta leitura.

Pode ser lida aqui.

segunda-feira, setembro 23, 2019

Vandalismo legal


Aparentemente, a Comissão Nacional de Eleições considera não haver qualquer ilegalidade na execução da pintura que militantes do Bloco de Esquerda efetuaram na parede do Instituto Superior Técnico, como a imagem documenta. 

Deve tratar-se de uma lei antiga, remanescente dos tempos da Revolução, que ninguém ousa propor que seja revogada, para não ser acusado de reacionário.

Na democracia madura em que vivemos, é perfeitamente incongruente que uma propriedade, pública ou privada, possa ser sujeita a este tipo de práticas, feitas sem autorização dos proprietários, que podiam ser simpáticas e até politicamente admissíveis em 1974/76, mas que já não se justificam nos dias de hoje. 

E se a todos os partidos desse na real gana desatar a colocar pinturas em todas as paredes e prédios “apetecíveis” deste país? Pelos vistos, até seria legal! Imagina-se o espetáculo...

Neste caso, será o orçamento do IST, pago por todos os contribuintes, a ter de arcar com os custos da restauração da parede.

Num sistema político moderno, a propaganda eleitoral tem lugares próprios, com tempo de exposição limitado, distribuídos por forma a não agredir a paisagem urbana, evitando tornar-se numa constante poluição visual. 

Por exemplo, o que, desde há vários meses, se passa em locais de Lisboa como o Marquês ou a praça de Espanha, é uma vergonha para a cidade e para a imagem do país.

Salvo em ditaduras e regimes autoritários, bem como em algumas democracias subdesenvolvidas, não conheço país onde este exagero de agressão propagandística, por parte das máquinas e agentes políticos, seja tão ostensivo como em Portugal. 

Sei que falar nisto não dá votos a ninguém, mas seria um ato de grande responsabilidade cívica ver alguém propor a revisão da legislação que, pelos vistos, ainda permite este tipo de coisas.

Repito: o ato levado a cabo pelo Bloco de Esquerda pode ter sido legal. Porém, um partido como o Bloco de Esquerda, que afirma pretensões de acesso ao poder, deveria, como prova de maturidade, abster-se de levar à prática ações desta natureza. Só lhe ficaria bem e daria razões aos portugueses, cujos votos pretende conquistar, de que são um partido responsável. Assim, continuam a dar a ideia de serem apenas os netos dos “pinta-paredes”...

“Sank roo doe noo”


Os muitos dias em que andei à boleia pela Europa, na viragem dos anos 60 para 70, trouxeram-me experiências curiosas. Uma leitora qualificava-as ontem, num comentário, como “aventuras”. Não estou de acordo: foram sempre viagens serenas, com episódios interessantes e às vezes pitorescos, mas nunca configuraram o menor registo aventureiro. Não faz o meu género...

Um desses episódios passou-se três dias depois da refeição “memorável” em Bouillon, que ontem contei. Eu partia do Luxemburgo para Paris, onde tencionava ficar uns dias mais, antes do retorno a Portugal, nesse ano de 1971. Na localidade industrial de Longwy, à saída do Luxemburgo, um “carocha” com matrícula alemã parou para me dar boleia. Eram dois militares americanos, que estavam numa base na Alemanha, que iam passar um fim de semana à capital francesa. A boleia era assim direta para Paris. A mim dava-me um jeitaço! Como eles não falavam uma palavra de francês, ficaram igualmente encantados em que eu os ajudasse a chegar ao seu destino.

A mais proeminente referência parisienses que traziam, para além do hotel, dos "trottoirs" da rue Saint-Denis e de alguns locais congéneres de Montmartre, onde iriam “concentrar” os seus escassos dias, era o "Harry's Bar".

Para quem não saiba, o “Harry’s Bar” parisiense (o nome é vulgar pelo mundo, mas os mais clássicos, embora de natureza algo diferente, estão em Veneza, Roma e Florença, e merecem uma visita, em especial o primeiro), foi, por décadas (não sei se ainda será), um lugar de culto, uma barra alcoólica quase obrigatória para expatriados do outro lado do Atlântico, por onde passaram “batalhões” de militares americanos. Foi no “Harry’s Bar” que muito parou Ernest Hemingway, o qual, ali bem próximo, a “walking distance”, fez história, aquando da libertação de Paris, ao ter tomado a decisão de “libertar” das “garras nazis” esse ponto “estratégico” que era o bar do Hotel Ritz, que ainda hoje conserva o seu nome.

Por muito tempo, o então New York Herald Tribune (depois, International Herald Tribune, hoje, International New York Times), que foi criado como um jornal para os americanos na Europa, incluía, na sua última página, publicidade ao Harry's Bar, onde o respectivo endereço - 5, rue Daunou - era apresentado em transcrição fonética, por forma a permitir ao consumidor yankee dizê-lo com facilidade ao taxistas parisienses: "Just tell the taxi driver: sank roo doe noo"...

Voltemos à boleia que os militares americanos nesse dia me davam. À época, o meu conhecimento de Paris, em especial fora do centro, era bastante limitado. Lembro-me que, por quase uma hora, os fiz perder por bairros periféricos, com os militares a começarem a perder a paciência e comigo a usar o meu francês, com transeuntes que cruzávamos, para tentar chegar à Opera, de onde eu sabia o caminho para o bar.

Finalmente, chegámos! Fiquei-me pelo gin tónico que me ofereceram, porque tinha de ir à procura de alojamento e, decididamente, os nossos planos para os dias seguintes não coincidiam. Vi-os iniciar o fim-de-semana com um Bourbon duplo e logo imaginei o que aí viria. Escapuli-me quando pude, não sem que antes lhes tivesse deixado imensas notas desenhadas no "Paris à vol d'oiseau", um mapa da cidade então muito em voga. Pode-se imaginar que o Louvre e outros polos culturais parisienses não faziam parte dessas notas orientadoras...

domingo, setembro 22, 2019

De Bouillon a Berasategui


Ao ouvir, há dias, na RTP, a jornalista Cândida Pinto perguntar aos líderes políticos qual era a sua refeição memorável de vida, dei comigo a responder intimamente à questão. E com grande facilidade.

Era o fim do verão de 1971. Eu andava, há mais de três semanas, numa das minhas viagens à boleia, pela Europa. Depois de ter ido até aos países nórdicos, regressava já ao sul. 

Nesse dia, tinha saído de Roterdão, na Holanda, e pretendia chegar ao Luxemburgo. Às vezes, naquela vida à boleia (o Interail ainda não tinha sido inventado, esclareço), as coisas não corriam de feição. Tinha já passado Lovaina e Namur, na Bélgica, mas o Luxemburgo ainda ficava longe e uma chuva miudinha, puxada a vento, tornava esse final de tarde desagradável, para quem tinha de ficar bastante tempo nos cruzamentos, de dedo estendido e uma placa de papel com o nome do destino pretendido. Surgiam boleias para pequenos troços mas, a certo ponto, percebi que já não iria conseguir chegar ao Luxemburgo nesse dia. Onde dormir, então? Já encarava a hipótese de uma qualquer pensão de estrada.

No guia de “pousadas de juventude” que trazia comigo, alojamentos que eu procurava e quase sempre consegui utilizar, descobri que, numa localidade um pouco fora do meu percurso, chamada Bouillon, local de que eu nunca ouvira falar*, havia um desses albergues. Já ao cair da noite, consegui, finalmente, uma última boleia que me deixou à porta da pousada, que sempre recordo que tinha uma vista deslumbrante, como se vê na imagem (que agora arranjei na net).

Entrei e ninguém estava no balcão da receção. Pousei a mochila, andei pela casa, seguindo vozes que ouvia ao longe e fui parar a uma espécie de refeitório. Num instante, vi os olhos de cerca de duas dezenas de pessoas que por ali estavam a jantar concentrarem-se em mim. De entre eles, ergueu-se um homem mais velho, que logo percebi ser o gestor da pousada. Olhou o meu ar, imagino que um pouco esbodegado pela atribulada jornada, e, com um sorriso simpático e acolhedor, disse-me: “Sente-se já! Venha jantar connosco. Acho que deve estar com fome. Tratamos da sua inscrição depois”. 

Tenho de confessar que o frango corado, com batatas e arroz, que comi nesse jantar em Bouillon, e que há quase meio século trago no meu arquivo gustativo de prazeres, compara muito bem com o almoço que, na passada sexta-feira, sob a batuta do chefe Martín Berasategui, também com uma bela vista, apreciei no “estrelado” Fifty Seconds, no topo da torre Vasco da Gama. A cada momento, o seu prazer.

(*Em tempo: o meu amigo Carlos Leite lembra-me que Bouillon era a terra de Godofredo do Bolhão, figura que a História nos ensinou. Eu sabia lá!)

sábado, setembro 21, 2019

Um debate


Ao final da tarde de ontem, participei, num “mano-a-mano”, com o historiador Rui Ramos, num debate sobre a situação política, nestas vésperas de eleições legislativas. 

Sem supresas, o encontro, organizado para os sócios e convidados do “Círculo Eça de Queirós”, sob a moderação da jornalista Maria Elisa Domingues, foi animado, quase sempre contrastante, e, claro, disputado com a elegância expectável. 

Sendo naturalmente suspeito para fazer uma leitura da conversa, que se prolongou por quase duas horas, intervalada com um jantar, arrisco poder dizer, em síntese muito genérica, que procurei opor, a uma leitura algo negativa de Rui Ramos sobre a dinâmica da sociedade política portuguesa contemporânea, que ele entende ter caído numa estagnação de projeto muito agravada pela governação da Geringonça, uma visão bastante mais “rósea” (em todos os sentidos...) e otimista do futuro, sem esconder algumas perplexidades que também partilho. Quem lê Rui Ramos no “Observador” sabe o que ele pensa, quem me lê por aqui também, pelo que me abstenho de ir mais longe.

A certo ponto, fui perguntado sobre se não temia uma maioria absoluta do PS (coisa que, aliás, não acredito que possa vir a acontecer). Confesso que não tenho “strong feelings” sobre o assunto - compreendo os argumentos de quem a defende como desejável, como igualmente respeito os de quantos temem esse modelo de governação. Porém, tenho a impressão de que muitos dos que hoje reagem contra essa hipótese o fazem por razões precisamente opostas às minhas: ainda me não passou o “trauma” das maiorias absolutas de Cavaco e da coligação troika/PSD/CDS.

(Explicação da fotografia: numa das portas do Círculo Eça de Queiroz figura, repetidamente, o nº 202, que recorda o “202, avenue des Champs Elysées”, suposta residência em Paris de “Jacinto”, figura central de “A Cidade e as Serras”, romance póstumo de Eça de Queiroz).

Feitos ao bife!

Alguns amigos estranharam a minha acrisolada defesa do bife, depois da investida da Universidade de Coimbra contra a carne de vaca (anoto que, em rigor, ficou de fora a carne de boi e de vitela).

Ora a minha indignação tem uma história. É que o bife está indissoluvelmente ligado à memória diplomática portuguesa, como bem o demonstra este texto de Eça de Queirós em “Uma Campanha Alegre”:

Os diplomatas portugueses passam por agradar no estrangeiro pela sua palidez! Mas não se sabe que a sua palidez vem, não da beleza da raça peninsular, mas da fraqueza de legação mal alimentada. Onde um embaixador português mais se demora, não é diante das instituições estrangeiras com respeito, é diante das lojas de mercearia com inveja! E se eles não podem alcançar bons tratados para o País – é porque andam ocupados em arranjar mais rosbife para o estômago. Se não fossem os jantares da corte e as ceias dos bailes, a posição do diplomata português era insustentável. E ainda veremos os jornais estrangeiros, noticiarem: “Ontem, na Rua de… caiu inanimado de fome um indivíduo bem trajado. Conduzido para uma botica próxima o infeliz revelou toda a verdade – era o embaixador português. Deram-lhe logo bifes. O desgraçado sorria, com as lágrimas nos olhos.”

Que o país atenda a esta desgraçada situação! Que tenha um movimento generoso e franco! Dê aos seus embaixadores menos títulos e mais bifes! Embora lhes diminua as atribuições, aumente-lhes ao menos a hortaliça. Eles pedem ao seus país uma coisa bem simples: não é um palácio para viver, nem um landau para passear, nem fardas, nem comendas! É carne! Que o País no número do pessoal diplomático – diminua os adidos e aumente os bois.”

sexta-feira, setembro 20, 2019

Diplomacia e bom senso


Deixando os créditos da mais velha profissão do mundo para outras artes, pode dizer-se que a vetusta gestão dos “rituais de entendimento” coletivo à escala internacional que é a diplomacia, como lhe chamou Paulouro das Neves, se tem constituído, ao longo dos séculos, como um eficaz instrumento na prevenção e resolução de conflitos, sendo que, quando em absoluto os não consegue evitar, é da sua natureza e missão procurar manter abertos, por cima de todas as dificuldades, os canais de contacto e diálogo.

A evolução da prática diplomática, como se tornou flagrante nas últimas décadas, acabou por simplificar muita da “coreografia” que, historicamente, envolvia a ação dos seus profissionais. Contudo, algum da “liturgia” da profissão é ainda preservada, porque isso constitui um relativo suporte para o mútuo respeito por procedimentos que, no fundo, padronizam e regulam o exercício de uma mesma atividade por cidadãos oriundos de culturas muito diversas. Pela introdução de fórmulas comportamentais e de tratamento muito próprias, foi possível estruturar, e ver basicamente praticada, uma “linguagem” que muito facilita a interlocução. Algumas regras de bom senso e, vá lá, de educação, são, no fundo, esse terreno comum que as escolas diplomáticas procuram ensinar.

Um político não é um diplomata, mas muita da diplomacia dos nossos dias é executada por políticos, que se envolvem diretamente nos processos negociais, curto-circuitando, muitas vezes com grande vantagem, as estruturas de mediação diplomática. Essa cada vez maior tendência para a interlocução internacional por parte dos atores políticos coloca, porém, na sua mão parte da responsabilidade da preservação dos relacionamento entre os Estados. Há que ter a noção de que estes vão sobreviver para além de quem ocasionalmente os representa, pelo que essas pessoas devem ter consciência de que não podem, na sua ação conjuntural, titular atos ou atitudes que possam condicionar negativamente, de forma duradoura, o caminho futuro que caberá aos seus sucessores percorrer.

Quero com isto dizer que me parece de alguma gravidade o que começa a ser visível, um pouco por todo o mundo, ao assistir-se a uma inédita escalada de comentários depreciativos, ou mesmo insultos, entre titulares de órgãos de soberania de diferentes Estados, adotando uma inédita linguagem que pode fechar “portas” para diálogos futuros e, muito em especial, reduzindo a sua própria margem de recuo, para compromissos que a vida pode tornar necessários. 

Tudo aponta para que é a circunstância de os políticos gerirem cada vez mais a sua agenda com o olhar voltado para o efeito mediático das suas declarações que está a levar as coisas por este caminho. A comunidade internacional pode, por esta forma, estar a encaminhar-se para um tempo em que a diplomacia tradicional acabará por ter de fazer “damage controle” da inépcia de quem, afinal, tem a legitimidade política para a orientar. Há que convir que é uma imensa ironia.

A oração final



O (meu) Sporting perdeu ontem com o PSV Eindhoven. 

O nome do clube holandês trouxe-me à memória uma historieta com mais de três décadas.

O Benfica disputava a final da antiga Taça dos Campeões Europeus, em Estugarda, na Alemanha, contra esse mesmo PSV Eindhoven. 

De Lisboa, tinham partido, nesse dia de 1988, vários aviões. Eu ia num deles, com amigos, entre os quais se contavam alguns sportinguistas (como eu), que iam, abertamente, apoiar o Benfica nessa final (é verdade!). Alguns até com cachecol verde. Era um grupo divertidíssimo!

Lembro-me de que Miguel Esteves Cardoso, que tinha ido num outro avião, escreveu então, creio que para “O Independente”, uma crónica saborosa sobre aquela sua inédita experiência futebolística.

A partida foi difícil, com as chuteiras dos jogadores do Benfica a descalçarem-se, por inexplicadas razões. Ao meu lado, o grande Germano, velha glória da Tapadinha e da Luz, sofria a bom sofrer, visivelmente nervoso mas sempre silencioso.

Ao final do tempo regulamentar, o resultado era um nulo. Foi-se para prolongamento e tudo se manteve igual. Restavam os penáltis. E é aí que a cena se passa.

José Vera Jardim, um sportinguista dos sete costados, voltou-se para outro grande "leão", o padre Vitor Melícias, e apelou:

- Ó padre Melícias! Contamos com umas oraçõezinhas suas, agora para os penáltis!

Vitor Melícias, que já no avião nos tinha brindado, de microfone na mão, com anedotas que abalaram o voo de riso, quebrou a nervoseira geral que se vivia naquela bancada, num momento que estava a ser algo tenso, com uma pronta resposta, no tom de voz tão típico que é o seu:

- Orações?! Essa agora! Eu já aguentei isto a "pai-nossos" e "avé-marias" até ao final do prolongamento. Agora, para os penáltis, só o cardeal patriarca!

O cardeal não estava lá, Veloso falhou o penálti decisivo e o Benfica perdeu. Tal como o (meu) Sporting, ontem.

quinta-feira, setembro 19, 2019

Europa


Ao final da tarde de hoje, tive grande gosto em fazer uma palestra sobre os grandes desafios europeus aos alunos do mestrado em Economia Internacional e Estudos Europeus e do mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), na presença de docentes e outros convidados da faculdade.

Estrelato


Ontem, dormi num hotel de “quatro estrelas”, que se paga como tal, mas que, na realidade, não passa de um bastante razoável “três estrelas”. (Há meses, já estive também num falso “cinco estrelas”. Quem permite estas coisas, ao não avaliá-las continua e devidamente, contribui para enganar os utentes).

À chegada ao hotel, olhei para a placa exibida, com a classificação média dada pelos clientes do sistema de reservas Booking, e notei que tinham 8,8, um “score” relativamente fraco (na minha opinião, que sei discutível, de “frequent sleeper”). A empregada da receção, a quem perguntei a razão daquela “nota”, respondeu-me que eram poucos os clientes com reservas individuais (“trabalhamos mais com companhias aéreas”) e que, por isso, essa classificação era dada pelos escassos utentes que se davam a esse cuidado. É claro que isso não explicava minimamente por que a nota era tão baixa. Depois, contudo, à passagem do tempo, fui percebendo.

Eu, que faço parte dos que “pontuam” com regularidade, lamento ter de contribuir para baixar ainda mais aquela média do hotel onde dormi. É que um lugar onde sou tratado (à laia da saloíce de alguns serviços) por “senhor Francisco” e por “você”, perde-me eternamente como cliente e ganha-me como detrator.

A máscara

Fiquei sem muitas palavras. Um amigo, daqueles que me conhecem "de gingeira", disse-me, há pouco, com uma crueldade nada compatíve...