segunda-feira, agosto 13, 2018

Madonna

A presença de Madonna em Portugal é uma benção mediática para o país. Por isso, faço votos que estacione onde quiser e apoio a facilidades municipais para tal. Ela é bem vinda como o são todas as figuras internacionais que aqui queiram viver e com isso ajudem a mostrar, lá fora, a excelência desta terra. Mas posso confessar um segredo? Nunca achei a menor graça à senhora. (Mas não lhe digam, porque eu gosto de ter as melhores relações com os vizinhos).

Elogio da humildade

Cada vez mais gosto de gente que assume os seus erros, que confessa que se enganou, que o que previu não se realizou, que fez o seu melhor mas que esse melhor acabou por não ser o ótimo. Mas não me sinto muito acompanhado neste sentimento.

Elogio da diferença

Às vezes, sinto vontade de ver dirigentes políticos de acordo entre si, subordinados a uma espécie de lógica de racionalidade e bom senso. Mas logo me dou conta que isso não tem o menor sentido, porque é o dissenso, desde que não artificial, que gera as alternativas democráticas

domingo, agosto 12, 2018

Nine


É este verão que vou a Nine! 

A estação ferroviária de Nine faz parte do meu imaginário de infância, quando, em férias “grandes” ou do Natal, ia com a família de comboio, de Vila Real a Viana do Castelo. Passadas as várias horas necessárias nas linhas do Corgo e do Douro, a última etapa da viagem fazia-se entre o Porto e Viana do Castelo. E por lá, a certo ponto, estava Nine!

Nine é um entroncamento. Dali parte um ramal para Braga. Se bem me lembro, na estação, as carruagens do comboio que ia por essa rota, para mim sempre misteriosa, faziam uma ligeira inclinação, ainda na estação. Creio ter usado esse ramal uma única vez, numa ida de Viana a Braga.

Era eu então muito miúdo e o meu pai ensinou-me que “nine” era “nove” em inglês (deve ter sido a primeira palavra inglesa que aprendi). Anos mais tarde, revelou-me que havia o mito (ele sabia que era um mito!) de que a localidade se chamava assim porque os ingleses, responsáveis pela construção da via férrea, haviam designado dessa forma aquela que era então a nona estação a contar do Porto. Ainda outro mito, a que o meu pai nunca aludiu e que só vim a conhecer mais tarde, dava como certo de que esse “nine” era o número de mihas que dali distava Braga...

Afinal eram tudo “escovas”, como na minha família lá por Viana ainda hoje se designam as mentiras populares (não é assim, Filomena e Carlos?) É que documentos antigos, as “inquirições”, datadas de 1220, já falam de “Santa Maria de Nini”, nesse local, o que desmonta todas essas teorias de conveniência.

Por estas e por outras, daqui a dias, vou passar por Nine!

(E lá fui, como se pode ver pela imagem junta! Como se nota, sobrevive, face à imagem anterior, o edifício ao fundo, com três arcos)

sábado, agosto 11, 2018

Chegou o circo!



Já chegou! Mais um ano de irracionalidade, de insultos, de conflitualidade artificial, de “A Bola”, de “foi-não-foi-penalti”, do “Record”, de “estava-não-estava-fora-de-jogo”, de “O Jogo”, de árbitros insultados, de mentiras, de subornos, de advogados comentadores, de luvas e comissões, de claques ajavardadas, de “misters” reverenciados, de “cultura de balneário”, de televisões incendiárias, de conferências de “imprensa”, de dirigentes sempre com ar grave e linguagem primária, de “jornalistas” a fingirem de jornalistas, propalando a sua “verdade” colorida pelo viés clubista. Já aí está montado o grande circo do ano, onde os pais ensinam aos filhos que uma falta de um jogador da sua equipa ”não é bem” uma falta, que o adversário é o inimigo a odiar e combater. Aí está ele, o país sectário que finge que gosta de um desporto chamado futebol quando, no fundo, apenas pretende alimentar o culto acéfalo de uma religião criada em torno de um emblema qualquer, tal como pode ter uma obsessão em favor de um partido ou de uma igreja. E há muito quem leve isso a sério, como se essa adesão a uma cor fosse a coisa mais importante do mundo! E da vida! (E, coitados!, para eles, se calhar, é.) Eu, cá por mim, tendo também afetividade por um clube, gostando de o ver ter sucesso, mas estando muito longe de cultivar essa estima de forma doentia, gosto é de ver futebol. E muito!

Elogio do silêncio?

O descendente da família que ocupou hereditariamente a chefia do Estado português até 1910, personalidade estimável a quem o regime republicano até se dá ao luxo de conceder a amabilidade de um destaque honorífico na coreografia do seu protocolo, habituou-nos a vir a público, episodicamente mas sem regularidade, dizer de sua justiça sobre alguns temas da atualidade. Esse é um direito que democraticamente lhe assiste e que nos cumpre defender e respeitar - tal como a qualquer outro cidadão desta República democrática.

Como não faço parte de quantos - entre os quais conto alguns bons amigos - aguardam um ensejo, numa nova curva da História, para promover a restauração do regime derrubado vai para 108 anos, apenas alguma curiosidade faz com que, desde sempre, esteja razoavelmente atento ao conteúdo desses afloramentos discursivos. Dentre eles recordo coisas sensatas que lhe podem ser creditadas ao tempo da luta pela autodeterminação dos timorenses e, num polo algo contrastante, a sua criativa proposta para que se desistisse da realização da Expo98, a semanas da respetiva abertura. 

No cômputo global, o saldo desses pronunciamentos não parece, até ao momento, ter impressionado excessivamente o país - e daí a estranha ausência, quiçá injusta, de uma recolha escrita das suas ideias e propostas. Diria mesma, na minha perspetiva de republicano, que o que o herdeiro em causa tem vindo a dizer quase sempre me conforta, por não ter condições para ferir, nem ao de leve, a estabilidade do ”statu quo” que favoreço.

Uma coisa é clara: sinto os seguidores da crença monárquica quase sempre bem mais inquietos com o efeito público daquilo que surge dito pelo herdeiro da família Bragança do que ansiosos por acolherem o favor da sua palavra orientadora, como guia e estímulo para servir de alimento doutrinário à sua causa. Deixo o mistério da explicação deste facto para quem faz parte desse ramo de fé institucional a que o destino me poupou.

sexta-feira, agosto 10, 2018

Desprezo

Sinto um imenso desprezo - é essa a palavra - pela alarvidade de alguma comunicação social que contesta o uso da força democrática para salvar algumas pessoas das consequências potencialmente trágicas da sua teimosia e do seu desespero no quadro dos incêndios.

Loureiro dos Santos


Um dia, nos tempos em coincidimos numa aventura de aconselhamento universitário, em conversa com o meu saudoso chefe da “tropa”, o general Gabriel do Espírito Santo, vieram à baila nomes dos tempos do “verão quente” de 1975. Embora tivessem decorrido algumas décadas, o impacto desses dias comuns mantinha em nós fortes impressões sobre algumas figuras, embora nem sempre coincidentes. Ele conhecia-as mais de perto, eu tinha criado uma visão mais ligeira, feita nos corredores e nos episódios vividos no seio do MFA, por onde tinha “passarinhado” como civil fardado. 

Recordo-me de lhe ter então dito que tinha pena de não ter conhecido bem o general Loureiro dos Santos, de quem tinha uma excelente opinião, em especial depois de ter lido algumas reflexões teóricas que ele vinha a fazer sobre estratégia e política de defesa. Os olhos do “meu general” arregalaram-se: “O Loureiro dos Santos?! Ó homem! Esse é o melhor de todos nós!”

Luisa Meireles, uma jornalista cujo rigor, infelizmente, começa a ser muito raro na nossa imprensa, acaba de publicar uma excelente biografia de Loureiro dos Santos. Li-a de um trago. E através dela pude “recortar”(utilizando uma expressão do léxico das “informações”, que aprendi com Espírito Santo) a figura de Loureiro dos Santos, percebendo assim, não apenas as razões de algum do seu comportamento naqueles tempos revolucionários mas, principalmente, esclarecendo as motivações do seu posterior envolvimento governativo e em funções de chefia militar.

Loureiro dos Santos nunca foi verdadeiramente um político, mesmo quando exerceu funções dessa natureza. Percebe-se bem por este livro que foi sempre um militar, fiel às determinantes de uma condição que, para ele, foi muito menos uma profissão e muito mais uma vocação, um empenho quase obsessivo numa certa forma de ser servidor público. Pelo que a biografia de Luisa Meireles agora nos traz, confirmando o que dele já se conhecia, pode mesmo imaginar-se alguma angústia que o terá atravessado, nesses dias de abril, obrigado ao dever cívico da revolta contra o respeito hierárquico em que fora educado. Este livro ajuda-nos a entender bem que o 25 de abril não foi apenas, contrariamente à perceção comum, uma Revolução “de esquerda”. Foi também, para gente conservadora e patriótica como Loureiro dos Santos, uma revolta essencialmente ética e democrática. Sem gente como ele e como Ramalho Eanes, no seio do MFA, pergunto-me hoje se poderíamos ter escapado então a uma guerra civil.

quinta-feira, agosto 09, 2018

Boa cama? Boa mesa?

Olha-se para as duas “news magazines” que saem à quinta-feira e nota-se claramente que se “policiam” uma à outra, em matéria de temas. Como ambas já perceberam quem as compra, a sociologia empírica de quem as organiza segue uma lógica compatível com os potenciais interesses de consumo desses extratos sócio-económicos. 

Tudo normal e, sejamos justos, o resultado é jornalisticamente bastante apreciável, se comparado com produtos similares estrangeiros - embora apenas se dermos por adquirido que a deriva para temáticas mais “light” é uma coisa inevitável nos tempos que correm.

Com Sócrates fora da prisão a ficar fora de moda (e que belo filão que ele foi, por alguns anos!), deu imenso jeito que o processo tivesse derivado para os Espírito Santo - porque isso misturava, no imaginário do leitor, negociatas, crimes, inveja, glamour social e, claro, Comporta. E quem diz Comporta diz Alentejo, diz praias, restaurantes e “dicas” para “escapadinhas” (termo que ganhou dignidade familiar, depois de décadas em que significou apenas infidelidade hábil ao serralho), agora que o Algarve já está um tanto “démodé” e as coisas com um toque de rústico têm outro charme (o tal “brincar aos pobrezinhos”, frase de uma senhora que, sem o saber, passou a clássico).

Esta semana, imagino o que deva ter sido o sufoco pelas redações da “Sábado” e da “Visão” - e não só devido ao calor. Os tremendistas devem ter puxado por lá pelo destaque de capa ao fogo em Monchique, mas nota-se, claramente, que, em ambas as revistas, ele perderam a luta interna em favor da agenda da rapaziada do “bem-estar”. No fundo, foi a vitória do “mon chic” sobre Monchique! É que o “numerozinho” de Verão alentejano que estava há muito preparado para sair, nesta semana sempre gloriosa de agosto, ou “entrava” agora ou já não ia a tempo. E lá se ia a enxurrada de casas de dormidas e de restaurantes que agora fazem parte obrigatória destes “Time Out” rural, em que os semanários se converteram.

Mas é ou não verdade que essa informação “dá jeito” para quem viaja ou anda de férias? Claro que sim, e eu próprio não a dispenso, embora reconheça que, neste domínio, são-nos dados mais endereços do que verdadeira informação. É que as casas divulgadas são sempre “confortáveis”, ”serenas”, com uma piscina “para refrescar o fim das tardes” e os imensos restaurantes aparecem regularmente edulcorados pela positiva - nos pratos, na variedade ou no serviço. 

Ora o que eu, como regular leitor (e sou dos que compram ambas as revistas, sem falhas, desde os seus “número um”), gostaria de poder obter era uma apreciação relativa, notas sobre não só sobre o que se destaca, mas também sobre as deficiências e limitações de cada local, de dormida ou comida, enfim, algo que me ajude a escolher. Mas como, afinal, ali “tudo é bom”, quase sem falhas, estas revistas acabam por se parecer como o volume que o “Expresso” edita todos os anos, o “Boa Cama, Boa Mesa”, onde se misturam alhos com bugalhos, coisas excelente com locais sofríveis, num reino de adjetivação gongórica que não serve minimamente o utente, exceto para obter o número de telefone e para lembrar um nome qualquer num lugarejo.

Mesmo assim, boas férias! Ah! E querem saber?, comi ontem muito bem no “Museu do Arroz”, na Comporta! Descansem que, um destes dias, digo por onde, nesta geografia, se come menos bem, onde o serviço é medíocre, o ambiente menos agradável.

quarta-feira, agosto 08, 2018

Palermas

Já alguém pensou em lançar uma campanha de civilidade explicando que quem fala ao telemóvel em público, obrigando os outros a ouvirem as suas desinteressantes conversas - para a família, os colegas ou para o diabo que os carregue -, são apenas uns saloios mal-educados, uns energúmenos deslumbrados por um aparelho que acham que lhes dá estatuto, e que, no fundo e apenas, não passam de uns palermas? 

Quem por aqui me lê e se acaso assim procede quando está nos cafés e restaurantes, em salas de espera, nas praias, nos comboios e autocarros e em outros locais públicos deve “enfiar a carapuça”, porque isto também é eles, desculpem lá!

terça-feira, agosto 07, 2018

Especialistas e “especialistas”

De há uns tempos para cá, surgiu um número inusitado de escândalos com currículos, em especial pela invocação abusiva de títulos académicos e outros. Na verdade, todos sabemos que o mundo dos currículos é um palco para exageros, falsidades, alguns passíveis de fácil desmontagem, outros um pouco mais difíceis de destrinçar, tal o arrevezado de certas designações. As pessoas ficaram um pouco mais alerta, mas os riscos neste domínio continuam.

Mas há outra realidade que por aí anda e face à qual não tenho visto uma suficiente reação: é o surgimento de “especialistas em ...”, quer em jornais, quer principalmente nas televisões. Um título desta natureza confere àquilo que a pessoa diz uma autoridade automática, uma reverência intelectual. Ora o que se passa é que muitas dessas figuras apenas têm (quando têm) um curso ou uma qualificação académica num determinado domínio - o que é muito diferente de serem “especialistas”, que é uma designação que se pressupõe poder ser atribuída apenas a quem tem uma grande (e reconhecida pelos seus pares) experiência de investigação ou em atividade em áreas práticas do setor. 

Assim, convém estar muito atento: há especialistas e “especialistas”.

segunda-feira, agosto 06, 2018

Um fresquinho que corre


Imagino que a idade - e, neste caso, a minha - possa contribuir bastante para o modo como cada um “sofreu” a recente onda de calor. Devo dizer, com a maior sinceridade, que, a certo passo, comecei a preocupar-me sobre se aquilo por que estávamos a passar era compatível com a vida corrente de um país como o nosso, com a nossa situação geográfica, com a nossa pobreza relativa. Um país onde, por exemplo, o ar condicionado não é ainda, infelizmente, um bem comum muito difundido, em que os hospitais e centros de atendimento em matéria de saúde são o que são, em que de há muito se instalou uma visível “orfandade”, em que o cidadão olha para o Estado, e para a palavra deste, com alguma falta de confiança. Parece que isso agora se atenuou ou passou, que o clima “apanhou juízo”, pelo menos até ao dia em que algo de similar volte a passar-se de novo. E é isso que temo: que situações como a que vivemos nestes últimos três dias possam voltar a ocorrer no futuro e que não tenhamos aprendido a lição de que, como diria Dilan, os tempos estão a mudar. É que isso implica planos ativos de prevenção em caso de futuras ondas de calor, medidas de adaptação habitacional para contrariar os efeitos dessa inevitável deriva, educação maciça sobre os modelos de comportamento pessoal a adotar em casos futuros, etc. Um bom instrumento para nos “ajudar” a preocuparmo-nos seria a rápida divulgação de estatísticas fiáveis sobre as mortes “em excesso”, para os valores normais, que possam ter sido derivadas desta conjuntura. A boa notícia é que corre lá fora um simpático “fresquinho”. E, como dizia há pouco um amigo com gosto para o exagero, com ele até já parece setembro...

domingo, agosto 05, 2018

Miguel Chalbert


O Luis Gomes de Abreu, que o tempo já levou, falou-nos um dia de um colega e amigo, como ele também arquiteto, que estava a trabalhar em Angola. O nome dele era Miguel Chalbert.

Eu estava então colocado na embaixada em Luanda, mas nunca me tinha cruzado com ele por lá. Numa vinda a Lisboa, a mulher do tal Miguel, a Filomena, foi-nos apresentada e pediu-nos se podíamos levar ao marido já não sei bem o quê. Da conversa, recolhi a impressão de que ele estava desencantado e infeliz no seu “exílio” angolano. E fiz um retrato mental da personagem: um lingrinhas enfezado, deprimido e macambúzio, um imenso chato, perfil comum de alguns expatriados lusos que paravam por Luanda, à cata dos Kwanzas convertíveis nos então Escudos, que faziam o seu possível contentamento. Por isso, apiedámo-nos do amigo do amigo e levámos a encomenda, seguramente umas vitualhas para acalentar a boca, porque Luanda era então um imenso supermercado “do nada”.

Pouco depois, mandámos recado ao tal “solitário” Miguel Chalbert, convidando-o para jantar. Quando abrimos a porta, chegou-nos um gorducho bem disposto, ótima onda, humor de primeira, com uma gargalhada magnífica, grandes histórias, um companheirão, que passou a ser “peça” indispensável nos fins de semana no Mussulo e em Cabo Ledo, e nos jantares “soltos“ do pessoal da embaixada - pdo António Pinto da França ao Fernando Andresen Guimarães e ao Zé Stichini Vilela, com a Élia Rodrigues à inevitável mistura. E que foi também “adotado” pelo Vasco Correia Mendes, para as noitadas incontáveis da casa dos “Guedais”. 

Ouvir da boca do Miguel os episódios da guerra da Guiné - onde tinha tido um colega que, num grupo que fora a Alemanha e onde ele era “o único que falava alemão”, berrava aos colegas, na travessia das passadeiras “Atchung!”, versão lusa do “Achtung!” - era garantia de excelente companhia, de horas bem passadas, bem comidas e bem bebidas. A estucha que Luanda podia ter sido, nesses anos de recolher obrigatório e prateleiras vazias, acabou por se transformar, também muito graças ao Miguel, num tempo divertido, rico, de muito boa memória.

Falo agora do Miguel, porquê? Ora bem, porque a Filomena, a Mena, que também ficou muito nossa aniga, anunciou hoje no Facebook que o Miguel faz 75 anos. De lá roubei esta fotografia dos dois. 

A vida, nos últimos anos, tem pregado ao Miguel algumas partidas chatotas, mas tenho a certeza de que a sua inseparável gargalhada vai hoje ajudar a compor o dia festivo. Um imenso abraço para ti, “Miguelaço”, como cá na família, como sabes, és também conhecido.

José David



Acabo de saber, pelo facebook do Daniel Ribeiro, que morreu em Lisboa o José David. Conhecia o seu nome mas menos bem a sua obra como pintor quando, em 2009, fui para Paris. 

Pouco depois da minha chegada, o jornalista Daniel Ribeiro transmitiu-me um convite do José David para “uma bacalhauzada” na pequena casa que, com a sua mulher Françoise, ocupava ao fundo de uma artéria sem saída, creio que perto do boulevard Montparnasse. Recordo umas horas de conversa bem divertida, nesse ano de 2009

Falámos então das suas décadas de Paris e da sua obra, que estava ali por toda a parte, e fiz-lhe um desafio: expor na embaixada de Portugal, na rue de Noisiel. O José David ficou entusiasmado e, com a ajuda da Fátima Ramos, então conselheira cultural, montámos a “operação”, uns tempos depois. E foi uma bela exposição. Recordo-me que ele não quis que fosse uma retrospectiva do seu trabalho, como nós tínhamos sugerido, mas sim sobre o seu tempo artístico de então. No final, achei que era ele quem tinha tido razão.

Depois, ainda nos meus anos em França, fomo-nos vendo a espaços, algumas vezes na embaixada, ele com uma eterna bonomia e aquele seu bigode inconfundível, a Françoise com o eterno e terno sorriso que a idade ia tornando ainda mais bonito. Cruzámo-nos, há uns tempos, na Versailles. Abraços e promessas de um almoço que nunca se realizou. Agora já não vai ser possível. “Je vous embrasse, Françoise”.

sábado, agosto 04, 2018

Notícias da estação (3)

A Lena e o Chico têm sempre uns amigos curiosos lá por casa. Ontem, para jantar, numa noite de calor digna de “A noite de Iguana”, embora sem a Sue Lyon, estava lá a Arlinda.

A Arlinda nasceu na estrada da Papanata, mas há muito que vive em Darque, onde tem uma casa de petiscos. Para quem não saiba, Darque está para Viana do Castelo como Gaia para o Porto: fica depois da ponte Eiffel, logo a seguir ao Cais Novo.

Nestes dias em que o lugar onde a Arlinda vive está a “Darque falar” - como se diz em Viana - constou-me que se fala por lá bastante desta mulher, embora por uma razão estranha mas notável: a Arlinda levita.

Isso mesmo, levita! Em determinados momentos de concentração e com ambiente adequado, diz-se que a Arlinda, estando sentada, subitamente se eleva, ainda que apenas ligeiramente, acima do solo, mantém essa posição por uns segundos e depois desce, voltando à postura do comum dos mortais.

Sempre fui um cético quanto à teoria da levitação. Diz-se que alguns monges budistas são capazes desta habilidade, mas eu, cá para mim, sigo sempre a máxima de “ver para crer”. Ainda admiti que a Arlinda pudesse ter apanhado o jeito numa viagem ao Tibete ou ao Butão, mas parece que não! Terá sido mesmo lá em Darque, aprendendo com um convertido budista de Serreleis.

Quando ontem, depois do jantar, alguém me sussurrou que “parece que a Arlinda, daqui a pouco, é capaz de levitar”, fiquei de pé atrás mas de olho curioso na Arlinda, que, sendo uma rapariga bem pesadota de carnes, tornaria o propalado desafio da lei de Newton num caso muito sério.

O jantar já ia lá para a meia-noite quando, finalmente, ouvi uma voz informativa, em tom respeitoso, baixo: “A Arlinda está a levitar”. Olhei então para o sofá onde a Arlinda estava sentada e, de facto, pareceu-me vê-la pouco esticada para cima. Estaria mesmo a levitar? O balandrau que vestia, daquelas coisas largueironas com desenhos de cretones das cortinas, muito vulgar em algumas “velhoquistas” (expressão deselegante de um amigo meu para designar os adeptos do Bloco já entradotes na idade), não dava segurança absoluta de que se tratasse de uma levitação, pelo menos tal como vem nos livros.

A sala, contudo, parecia conquistada, num silêncio respeitoso, à volta da Arlinda, todos deliciados com o fenómeno. Ainda por cima, ocorrido dias depois da noite da lua rosada. Está a ser um Verão mesmo em cheio!

Só o Chico, junto de quem tentei desfazer as minhas dúvidas, é que acabaria por ser mais prosaico: “Levitou o tanas! Aquilo devem ter sido gases!”

Pronto! Com este balde de água fria no encantamento, acabei por ter de prolongar o meu ceticismo. Mas já decidi: daqui a dias, depois das festas da Senhora da Agonia, vou a Darque. É que se diz que lá é que a Arlinda levita mesmo a sério, na casa de petiscos dela, “A Tasquinha da Arlinda”, cujo nome diz-se, está a provocar uma irritação, sei lá bem porquê, na Ribeira de Viana.

Há bocado, falei disto a alguém que também esteve no jantar. Não se lembrava de nenhuma Arlinda por lá. Agora, fico na dúvida. Teria sido do calor? Ou do Muralhas?

sexta-feira, agosto 03, 2018

Que Brasil vem aí?

O Brasil de hoje vive marcado pelo fantasma de Lula. Só um milagre poderá possibilitar a sua candidatura. Se acaso viesse a ocorrer, as suas hipóteses de regressar ao Planalto não seriam poucas. Não sendo assim, há dúvidas de que o velho lema de que “Lula elege um poste” ainda seja válido (foi-o com Dilma Rousseff), que, da cadeia, consiga transferir os seus votos, mesmo para Fernando Haddad, antigo ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Resta assim saber se o PT apoiará a candidata do seu eterno “compagnon de route”, o PC do B, que apresenta Manuela d’Ávila.

O PT deverá concentrar a sua luta nos Estados, num jogo de alianças para o futuro, com os territórios do Nordeste como espaço central de influência. Não vai querer perder o controlo da esquerda brasileira, pelo que tudo fará para anular candidaturas fortes que possam vir a crescer próximo dessa área, como seria o caso de Ciro Gomes. Trata-se de uma figura intelectualmente bem preparada, com experiência governativa, mas com uma incontinência verbal e uma arrogância intelectual que sempre o prejudicaram. 

Dizer que Marina Silva, recandidata e antiga ministra do Ambiente de Lula, é hoje uma personalidade de esquerda seria uma afirmação arriscada. Opera num registo charneira, com temas ambientais e um discurso social, que seduz pela genuinidade mas afasta pela relativa vacuidade. 

Marina Silva e Ciro Gomes estão condenados a ser candidatos “solitários” nesta campanha, em termos de apoios partidários – o que, desde logo, os prejudica nos tempos de antena, cuja dimensão temporal, no Brasil, depende do peso dos partidos que lhes formalizam apoio oficial.

No centro do espetro político – mas, ideologicamente, em termos europeus, claramente à direita - surgem as duas candidaturas mais “tradicionais” desta eleição: Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles.

Alckmin é o político com mais experiência. Governador e prefeito de São Paulo, foi derrotado por Lula em 2008 e preterido partidariamente em favor de Aécio Neves, nas últimas eleições, ganhas por Dilma Rousseff. Apoiado pelo PSDB, o partido de Fernando Henrique Cardoso, conseguiu garantir o importante apoio do DEM, uma força mais conservadora (que já se chamou PFL e que teve origem na Arena, o partido apoiante da ditadura militar), bem como de um conjunto de outros pequenos partidos do chamado Centrão. Tem assim garantido o maior tempo de antena, o que não é despiciendo. Será isto suficiente para ganhar? Diria que as suas hipóteses são fortes, mas que fraco é o seu carisma, com uma imagem “usada” e sem o fator “novidade” de que Aécio Neves dispunha. 

Henrique Meirelles é um candidato que procura explorar a credibilidade criada junto dos meios empresariais, pelo tempo excelente que teve como governador do Banco Central ... escolhido e apoiado por Lula! Designado pelo MDB (antigo PMDB, que nasceu do MDB, a oposição permitida no tempo da ditadura), do desacreditado presidente Temer, não deve ter um caminho fácil, porque a força política em que se apoia é um partido estranho, que não oferece disciplina política e funciona numa pura lógica de ocupação do poder, sendo talvez esta a sua verdadeira “ideologia”. 

Resta falar do fenómeno Jair Bolsonaro. Dizer que é uma espécie de Trump é talvez demasiado simples. Tem em comum um certo primarismo no eixo do discurso, uma linguagem desbragada e politicamente incorreta, dirigida a um eleitorado simples, eticamente desblindado. O seu “fond de commerce” é o crescente sentimento de insegurança que atravessa toda a sociedade brasileira e a sua reiterada referência é a memória, que afirma como positiva, da ditadura militar que, em 1985, deu lugar à democracia que muitos brasileiros acham hoje que não funciona convenientemente. É talvez o único candidato da rutura, e isso beneficia-o, mas o real apoio às suas teses é uma imensa (mas preocupante) incógnita.

Há agora muitos meses pela frente, cenário de factos futuros que tudo podem condicionar. Mas há uma evidência: é um Brasil visivelmente desencantado, com escassa esperança, que agora parte para esta corrida presidencial. 

Notícias da estação (2)

Acho-o remoçado, o Sebastião Falcato, desde que é secretário de Estado dos Assuntos Sociais. Quem o viu e quem o vê! Conheci-o ao tempo em que era da JS de Sabugueiro, quando me convidou para lá ir falar sobre o “O queijo da serra na construção europeia”. Correu lindamente. Fiquei amigo dos cinco assistentes à palestra, que acabou com uma prova de aguardente de zimbro que o meu fígado ainda às vezes recorda. Cruzei-o ontem, aqui na praia. Disse-me estar a preparar-se para ir a S. Tomé, onde está em construção um centro de formação do CLCC. Eu não sabia o que era. Ele esclareceu: Clube Lusófono dos Crentes na CPLP. “Vou lá para a semana, antes que o Marcelo se adiante”. É prudente. Tem futuro, o Sebastião, podem tomar nota.

Modo e tempo


A ocasião era triste, há uma semana. As palavras do sacerdote, ditas na circunstância, não tinham gongorismos. Encerravam a simplicidade das coisas bem ditas, porque bem pensadas, sem a menor teatralidade. 

Como vivo essas cerimónias “de fora”, sem a menor sensibilidade à dimensão religiosa do ato, procuro isolar a parte da mensagem que resulta universal, isto é, aquilo que pode servir a crentes e não crentes. Aprendi que, das reflexões sobre a vida, quase sempre se pode extrair lições úteis, se o que é dito não estiver encriptado por um irredutível sectarismo filosófico. Sou frequentador apenas episódico dos momentos religiosos, a que sempre e só vou por deveres de respeito social, em ocasiões alegres ou tristes, nunca de obediência ritual. Às vezes, confesso, passo por imensas “estopadas”, que aturo com paciência protocolar. Porém, em outras circunstâncias, dou o tempo por bem empregue.

Foi o que agora aconteceu. O sacerdote falava do caráter “democrático” da vida, do facto de a todos nós serem proporcionadas, por igual, 24 horas em cada dia, competindo-nos, de certo modo, escolher como as usar. Esse foi o mote: o modo de empregar o nosso tempo. O discurso era feito de expressões comuns, não trazia preso a ele nenhum determinismo, eram palavras abertas, para pessoas livres, a quem apenas – o que não é pouco – se pedia sentido de responsabilidade na relação com os outros.

Por um acaso, eu havia cruzado aquele sacerdote há já alguns anos, em tempos seus bastante difíceis, porque as maleitas tocam a todos, ele não escapara a elas e eu fora ocasional testemunha desses seus dias complexos. Guardei, de então, a sua serenidade magnífica perante o que a vida podia trazer-lhe ao virar da esquina, desde logo, a hipótese da morte. Impressionou-me a calma com que, em contexto de total incerteza, olhava as coisas e as pessoas. Admirei-lhe a cultura sem alardes, o humor e o espírito fino de ironia consigo mesmo, a postura de quem se olhava sem magnificar o seu papel – e tenho visto como a sua figura é, afinal, tão importante para muitos. Percebemo-nos desde o primeiro instante, desenhando com facilidade o terreno que nos era comum, que afinal era imenso. Criámos amizade, visito-o, desde então, sempre que posso, leio muito do que publica.

Nesse dia, ouvi-o, pela primeira vez, numa homilia, porque coincidiu ser ele a celebrar a cerimónia a que eu devia estar presente. Foi na igreja do Cristo Rei, no Porto. Gostei muito das palavras do meu amigo frei Bernardo Domingues.

quinta-feira, agosto 02, 2018

Notícias da estação (1)


Ficou bem bonita, e dá imenso jeito, a nova ligação de Tróia a Setúbal, a recém-inaugurada ponte Bocage. Daqui a umas horas, irei por ela comer uns salmonetes de truz ao Poço das Fontaínhas (não vale a pena tentarem, já não há mesas para o jantar de hoje). Pena é que, àquela hora, não se consigam ver os golfinhos no Sado. Mas há, com certeza, gambuzinos pelo ar. Com este calor e em noite de lua cheia, os seus bandos veem-se mais do que bem.

quarta-feira, agosto 01, 2018

Ai não?!

- Olha lá! Não eras tu que te gabavas de ter um post por dia, no teu blogue, sem falhas, desde há cerca de 10 anos? Está a acabar quarta-feira e nada!

- Ai não?!

Tudologia

Hoje, lembrei-me de um amigo, frequentemente convidado para falar em público de "tudo e mais um par de botas", que um dia me disse...