domingo, março 17, 2013

San Lorenzo de Almagro

Segundo rezam os jornais, o novo papa é um fanático do San Lorenzo de Almagro.

Na minha infância, o nome de San Lorenzo de Almagro era sinónimo de perfeição em futebol. Ao que o meu pai me contava, com admiração, aquela equipa argentina teria feito, em 1946, uma temporada de exibição pela Europa e o seu jogo, marcado por passes curtos e uma apurada técnica individual, surpreendeu e venceu todos os adversários que defrontou. Popularizado então como o "Ciclone", o San Lorenzo infligiu mesmo uma derrota pesada à nossa seleção nacional. Antes disso, no estádio do Lima, no Porto, o San Lorenzo deu uma "abada" ao Futebol Clube do Porto. Uma noite, no final dos anos 60, num jantar no Pedro dos Leitões, na Bairrada, tive o privilégio de assistir a uma rememoração dessa partida, feita por Gomes da Costa, que fora "avançado-centro" dos portistas nesse jogo e era médico em Vila Pouca de Aguiar, e o meu pai, testemunha de bancada.

Esperamos que o novo papa, tal como outrora o seu clube, também nos possa agora surpreender a todos.

sábado, março 16, 2013

Lajes

Faz hoje dez anos. Um tropismo seguidista de enviezamento ideológico levou o então governo português, não apenas a acompanhar uma atitude aventureirista da América face ao Iraque, sem qualquer mandato e sob um álibi de mentiras, mas chegou mesmo ao ponto de organizar nos Açores uma cimeira que ficou nos anais mais tristes da vida internacional.

Pela primeira vez, em muitos anos de vida diplomática, senti-me então tentado a expressar publicamente a minha distância face a um lamentável gesto de política externa, porque feito à revelia de uma linha de atuação internacional responsável, que é um importante património em que se sustenta a imagem de Portugal no mundo. Optei por não o fazer, porque, nessa como noutras ocasiões, prezei acima de tudo a lealdade que considerei ser devida ao Estado, independentemente da transitoriedade de quem o titula e tem uma desculpa democrática para o poder comprometer com os seus erros.

Os anos passaram. Tanto quanto se sabe, os responsáveis pelo humilhante "catering" açoreano não fizeram qualquer mea culpa nem pediram perdão ao país pelo modo como o comprometeram com a sua flagrante irresponsabilidade. Convém não perder a História de vista - mesmo a "pequena História", como foi o caso - para a necessária memória futura, que tudo indica virá a ser útil daqui a uns tempos.

sexta-feira, março 15, 2013

À entrada

A América Latina, agora também terra de um novo papa, é um continente complexo, onde sobrevivem fortes tensões. As últimas décadas testemunharam a consolidação de importantes processos democráticos, mas, infelizmente, não estão totalmente afastadas as raízes da perturbação social e política.  

Esta imagem, que tirei à entrada de um edifício público de uma capital sul-americana, aliás uma das mais sólidas democracias da região, parece-me ilustrativa de que ainda há muitos mundos por este mundo.

quinta-feira, março 14, 2013

Francisco

Tinha prometido não abordar por aqui a eleição papal, tema sobre o qual não me sinto qualificado, ao contrário da insuspeitada legião de "vaticanistas" que emergiu entre nós nas últimas semanas.

Vejo-me forçado, porém, a fazer uma exceção, apenas para saudar a primeira decisão do novo chefe de Estado da Santa Sé: a escolha do seu nome como papa. 

quarta-feira, março 13, 2013

Chavez

Já não tenho qualquer vínculo de subordinação hierárquica ao Ministério dos negócios estrangeiros. Por essa razão, e porque o que é verdade deve ser dito, estou muito à vontade para afirmar que me revejo totalmente nas declarações proferidas pelo ministro Paulo Portas, por ocasião da morte do presidente da Venezuela, Hugo Chavez.

A política externa é uma política de Estado. As divergências neste domínio podem existir e até é saudável que se expressem em público. Ao contrário de outros, nunca considerei "anti-patriótico" que as temáticas do nosso relacionamento externo sejam amplamente debatidas. Essa é sempre uma forma de enriquecer a necessária definição desta política pública e de lhe dar real substância, procurando impedir que a política externa de Portugal se confunda com uma espécie de preguiçosa reiteração da sua prática diplomática. Porém, é ocioso estar a procurar, de forma artificial e apenas por motivos de chicana política, diferenças e divergências que não têm razão de ser.

Portugal e os portugueses têm importantes interesses a defender na Venezuela. A posição assumida pelo chefe da diplomacia portuguesa correspondeu, na minha opinião, a uma correta e eficaz defesa desses mesmos interesses. Discordo assim, em absoluto, de quantos o criticaram pela posição que tomou.

terça-feira, março 12, 2013

St. Maarten

Há uns anos, recebi um dos vários vídeos que figuram no YouTube sobre as peculiaridades das aterragens de aviões no aeroporto de St. Maarten, na parte holandesa de uma ilha, partilhada com a França, situada na costa venezuelana. A distância entre os aviões e a praia é impressionantemente curta.

Ontem, numa escala para reabastecimento, aterrei nesse aeroporto. De facto, mesmo do avião, a sensação é forte. Aqui fica um desses ilustrativos vídeos

Emergentes

"For the record": em 27 de junho, pelas 18.00, na Fundação de Serralves, no Porto, moderarei o colóquio "Um mundo multipolar com novas potências assentes em economias emergentes".

Trata-se de um dos debates inseridos na série "O imaterial 2 - cidadãos, instituições, fronteiras e capitais", de que é comissário Artur Castro Neves. Neste colóquio intervirão duas personalidades brasileiras bem contrastantes: Rubens Ricupero, diplomata e antigo ministro, e Márcio Pochmann, reputado economista.

segunda-feira, março 11, 2013

O bispo e as Felicianas

Ao ouvir, há pouco, na rádio, notícias sobre o conclave para a eleição papal, recordei-me dos tempos do concílio Vaticano II, realizado em Roma, entre 1962 e 1965. Dentre os 29 membros portugueses de uma delegação do episcopado português a Roma, contava-se o bispo de Vila Real, dom António Valente da Fonseca. Como administrador apostólico ficou, pela diocese, monsenhor Libânio, uma figura esguia que ainda hoje justifica o nome dado a um cadeirão comprido, herdado do meu avô, a que sempre chamamos a "cadeira do padre Libânio", não obstante o próprio nunca a ter experimentado.

Nas ociosas noites do Verão vilarealense, havia muito pouco que fazer, quando eu andava pelos meus 15 anos. Por isso, num grupo de amigos, alguém se lembrou de inventar uma chamada telefónica "feita" pelo bispo, que, desde há samanas, estava em Roma para o concílio, destinada ao monsenhor Libânio, que então vivia no seminário de Vila Real.

O local do "crime" foi a casa do celebrado fotógrafo da cidade, Mário Silva, "Marius" de nome artístico, pela mão do seu filho, António Manuel. O autor material da chamada telefónica foi um primo deste, Dionísio Rodrigues da Silva, o "Nizo", um amigo já desaparecido, talvez o elemento mais velho desse pequeno grupo que se juntou para a organização da "partida".

Desconhecedores do que era uma chamada internacional, ao tempo obrigatoriamente feita através de telefonista, inventámos um conjunto de ruídos que supostamente credibilizariam a comunicação. Ligámos para o número do seminário, pouco depois da hora de jantar. Atendeu-nos uma voz a quem, num italiano de má opereta, deixámos a indicação de que "don António voglio parlare con il signor don Libânio". A chamada era entrecruzada por arbitrários silvos e apitos, sons secos e uma profusão de sinais que, no nosso entender, poderiam fazer parte de uma ligação telefónica internacional. A nossa preocupação era escusada: no seminário, o porteiro sabia de italiano e de comunicações externas bem menos do que nós...

Após alguns minutos, ouviram-se passos apressados no lagedo  de mármore da sala de entrada do seminário, onde se situava então o único aparelho telefónico da casa: Um ofegante dom Libânio surge então ao auscultador. Do outro lado, "de Roma", o senhor "dom António" interpela-o:

- Então, Libânio, como vai você? E a diocese?

Extasiado com a oportunidade proporcionada pela maravilha das comunicações, dom Libânio respondeu:

- Muito obrigado, senhor bispo. Vai tudo muito bem, graças a Deus. E como passa vossa excelência reverendíssima?

- Estou bem, Libânio, estou bem. Mas diga-me uma coisa, ó Libânio, com que estou preocupado: como é que vão as nossas Felicianas*?

Dom Libânio presumiu ter ouvido mal, tanto mais que as comunicações, à época, eram más e o lenço que utilizávamos para tentar tapar a voz criava uma distância que afetava a audibilidade das mensagens.

- Como? Não estou a ouvir bem... Como disse, excelência reverendíssima?

- As Felicianas, Libânio, as pequenas da Vila Velha que sempre alegram as nossas noites por aí...

O pobre do administrador apostólico deve ter ficado à beira de uma apoplexia. As Felicianas era um plural pouco magestático para designar umas raparigas, da mesma família, que facilitavam alguns prazeres físicos tarifados, bem conhecidas de toda a cidade.

- Não consigo ouvir, senhor bispo! Não ouço quase nada! Vou ter de desligar...

E assim fez. Nós já estávamos no limite da gargalhada coletiva. Mas tínhamos ganho uma excelente noite.

* o nome talvez não fosse bem este...

domingo, março 10, 2013

Motorista

Para o exercício das funções de diretor executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, considerei importante, desde o inicio, poder ter o apoio pontual de um motorista, com vista a facilitar a execução de certas tarefas laborais em Lisboa. Estando eu a prestar tais funções pro bono, isto é, sem por elas receber qualquer salário, achei que ser essa uma compensação mínima. 

O MNE também assim entendeu e acaba de proporcionar-me esse apoio. E, talvez porque me conhece bem, foi gentil ao ponto de caprichar na escolha do motorista que me dispensou. Chama-se Américo Tomás.

sábado, março 09, 2013

Revelação

O cenário da curta conversa era clássico: um velório. Ontem, em Vila Real.

Chegou sozinho. Não percebi bem quem era. Foi simpático e agradável. Mas, quase de imediato, tentou "confessar-me" sobre a atual situação política no país. Procurava, claramente, "tirar nabos da púcara". Como eu não o conhecia bem e, pelos vistos, ele também me não conhecia muito melhor a mim, a conversa andou um pouco às voltas, comigo a dizer umas coisas redondas e óbvias, para perceber onde é que ele queria chegar. De certo modo, o diálogo divertia-me, embora o "outing" político me parecesse um exercício pouco adequado para aquele momento.

A certo ponto, olhou para ambos os lados, aproximou-se um pouco e deixou, em voz baixa, a informação: "Sabe? Eu apoio este governo e estou de acordo com quase tudo o que ele tem feito". E voltou a olhar em volta, claramente à espera que ninguém tivesse ouvido esta sua revelação.

O que é que eu lhe disse? Apenas o procurei sossegar, dizendo-lhe: "tem todo o direito a ter essa opinião". Sorriu-me, creio que grato, embora disso não tenha uma absoluta certeza. Minutos depois, vi-o afastar-se. Sempre sozinho.

Tempos difíceis, estes. Para todos, como se vê. 

Notícias



Há um minuto, na RTP, vi a imagem da capa do "Diário de Notícias" de hoje, tendo como um dos títulos: "Moção de estratégia do líder do PS critica governo".

Caramba! Que notícia! Que surpresa! Quem diria?! Quem seria o inspirado jornalista que teve esta genialidade? Provavelmente, estaria à espera que o principal partido da oposição apoiasse o governo. Daí a imenso espanto, convertido em título de primeira página.

Ele há cada um...  

quinta-feira, março 07, 2013

Atitude

Há dias, ao ver falar na televisão uma determinada figura, dei comigo a lembrar-me de um velho embaixador que tinha um hábito que sempre me irritou. Num dia, afirmava, com uma inabalável segurança, uma determinada ideia ou orientação, derrotando qualquer proposta em contrário que se lhe pudesse contrapor. Alguns dias passados, porque a realidade entretanto mudara, afirmava posições que eram em tudo divergentes das anteriores, talvez pensando que eramos esquecidos ou parvos. Se acaso lhe lembrávamos que a sua opinião mudara, arranjava argumentos, por mais bizarros que fossem, para tentar explicar que não havia a mínima dissonância entre uma posição e a outra e que, antes pelo contrário, a segunda decorria "logicamente" da primeira. Uma única coisa nunca lhe ocorria: dizer que se tinha enganado.  

quarta-feira, março 06, 2013

Roissy

Hoje no meu regresso de Estrasburgo, passei de novo no aeroporto parisiense dito Charles de Gaulle, a que muitos franceses (e eu próprio) teimam em chamar Roissy.

(Estas designações póstumas podem ser algo constrangentes. Muitas vezes a memória popular não acompanha o voluntarismo afetivo dos proponentes. Veja-se o que acontece, em Paris, com a place de l'Etoile, onde está o Arco do triunfo: ninguém a designa por "Charles de Gaulle", sendo esse, no entanto, o nome oficial. Em Portugal, a maior "maldade" foi darem ao Areeiro o nome de praça Francisco de Sá Carneiro (e colocarem por lá uma espécie de estátua artisticamente ofensiva). É óbvio que ninguém chama o lugar por esse nome. E, no Porto, ouço ainda muita gente a falar da praça Velasquez ou do aeroporto de Pedras Rubras, em lugar de nomearem a malograda personalidade que, por onze meses, chefiou o executivo português, durante 1980).

Quem não viveu essa época não pode imaginar a fortíssima impressão que o novo aeroporto de Paris podia fazer a quem, como eu, por lá passava, pela primeira vez, em fevereiro de 1976, menos de dois anos após a inauguração. A arquitetura muito avançada, quase espacial, daqueles "tubos" transparentes que levavam aos "satélites", conferia ao local uma imagem dos cenários de "Barbarella" e tudo rimava com o "Concorde", que por aí começou e por aí acabaria, de forma trágica.

Enviado pelo Ministério da Cooperação (já ninguém se lembra, mas existia então um ministério com esse nome, para onde eu fora destacado), tive de ir a S. Tomé e Príncipe, via Paris e Libreville, para tentar pôr termo a uma greve de algumas dezenas de professores cooperantes que Portugal tinha enviado meses antes, e por cuja pré-seleção eu fora responsável. Embarquei em Roissy e, confesso, fiquei extasiado. O "choque" com a modernidade do aeroporto foi imenso.

Hoje, quase quatro décadas depois, sempre que por lá passo noto que a imagem do aeroporto está longe de ser tão "glamourosa". O edifício envelheceu mal, os "tubos" e os "satélites" tornaram-se anacrónicos, todo o espaço é muito pouco funcional. Para obviar aos problemas de crescimento, o aeroporto multiplicou estruturas cumulativas. Anteontem, estive uma par de horas no hall G, uma instalação que pede meças, em fealdade e frieza, àquele edifício sinistro que foi construído como complemento do aeroporto de Lisboa (ou da Portela), a que, eufemisticamente, se chama "terminal 2".

Tenho tendência a olhar para os velhos aeroportos (e para os hotéis, também) como se eles fossem pessoas: os que envelhecem mal, os que mantêm beleza e dignidade na inevitável decadência, os que, enquanto podem, se rejuvenescem, nomeadamente através de "liftings" com sucesso. Mas, porventura, estou a ser demasiado cruel. Para os aeroportos, claro. 

terça-feira, março 05, 2013

No labirinto

Nunca tinha tido um contacto com aquele assunto. Mas, perante a instrução que me era dada, em face da ausência do colega que normalmente tratava da questão, não tive qualquer reticência em receber aquele empresário português que nos pretendia transmitir o resultado de uma sua deslocação a um determinado país de expressão portuguesa, onde a situação político-militar era muito confusa. Ao que me haviam dito, tratava-se de uma pessoa com muito bons contactos e que nos poderia ajudar a contribuir, de forma positiva, para a estabilização e para o diálogo interno, por forma a superar os dissídios fratricidas em curso.

O nome do empresário era-me familiar. Tratava-se de um homem já de uma certa idade, muito simpático, profundamente religioso, claramente sem "agendas escondidas", que apenas pretendia ser útil a um país de que gostava muito. A sua ligação à rede da igreja e a muitos responsáveis políticos e económicos tornavam-no precioso, tanto mais que, na recente viagem que agora nos ia reportar, uma das muitas que profissionalmente fazia ao território, tivera novos e muito interessantes contactos.

Começou por agradecer a minha disponibilidade para o receber e relatou:

- Como sabe, tenho muito bons amigos locais. No Norte, falei com o bispo, que me deu conta da tensão que se adensa. O vosso Ministério já sabe, bem melhor do que eu, o que aconteceu por lá no passado. Algumas coisas não vieram a público, e ainda bem!, mas vocês conhecem-nas bem. O governador, como já disse há semanas a um seu colega, é um homem inábil e conflitual. Aquelas confusões, em setembro, eram perfeitamente escusadas, mas o homem, que, como sabe, tem aquele irmão mais velho nos negócios (eu não sei se o tipo de Vila do Conde ainda é sócio dele) e aquela prima que anda aí por Lisboa (casada com o "grandalhão" dos portos), teima em criar dificuldades. Eu, na reunião passada com o seu colega, já deixei claro que as coisas têm tudo a ver com o tráfico daquilo que sabemos. E o homem da Marinha, como vocês suspeitavam, está "enterrado" até à cabeça na tramóia. Nesta viagem, um amigo ligado a empresa do homem disse-me que o presidente da República de lá estava furioso com o assunto. E até o nosso amigo brigadeiro, que você aqui receberam há meses, foi da mesma opinião.

A conversa prosseguiu, sempre neste tom. As informações jorravam... mas eu não sabia de quem é que ele estava a falar. Não surgia no relato um único nome, seguramente por uma delicada "precaução" de segurança. No que me tocava, havia cometido um erro de palmo. Deixara passar largos minutos sem inquirir de quem é que ele estava a falar. E, a certo ponto, já era tarde para inquirir "o bispo é de onde?", "quem é o general?", o "irmão nos negócios é quem?". Eu cometera o lapso de pensar que, com o decurso da conversa, acabaria por apanhar o fio à meada e "agarrar" a história. Mas era tarde! O meu embaraço era total. Não perante o homem, que prosseguia, sem cessar, as referência "àquela empresa portuguesa que o governo português bem tem apoiado", ou "aos nossos interlocutores habituais mais lá em baixo" ou mesmo "aos bons amigos que o senhor ministro, como sabe, tem por lá". E foi assim, até ao fim.

No termo do encontro, que tentei apressar, agradeci todas as "utilíssimas" informações que nos tinha passado e quase tive vontade de me rir, às gargalhadas, de mim mesmo. Que iria eu dizer a quem me encarregara da tarefa? Já não me recordo muito bem do que aconteceu. Apenas registei que falei com o meu colega que habitualmente tratava da questão, a quem relatei o sucedido. Muito nos rimos. Estou certo que, nos dias que correm, estando ele como embaixador português junto da OCDE, já não se confronta com situações tão crípticas.

segunda-feira, março 04, 2013

... e Paris aqui tão perto

Sensação curiosa esta: passar por Paris - aterrar aqui em Roissy, para apanhar um avião para Estrasburgo - como se se tratasse de um qualquer aeroporto, como se, ali bem perto, não estivesse a cidade onde, até há pouco mais de um mês, vivi desde 2009. Com a maior das franquezas, devo dizer que não tive a menor tentação, nem vontade, de dar uma saltada a Paris. Como se ainda fosse cedo para rever amigos e lugares.

Sempre tive por curiosa esta minha propensão para "fechar" as cidades onde vivi. Aconteceu-me sempre, sem nenhuma exceção - em Oslo, em Luanda, em Londres, em Nova Iorque, em Viena e em Brasília. Àparte esta última, a todas já regressei, a algumas por mais de uma vez, mas apenas tempos mais tarde, para rever as pessoas, notar os locais e as suas mudanças. Tudo, porém, num registo de que esteve em absoluto ausente qualquer espécie de nostalgia.

Algumas pessoas acham estranha esta minha atitude. Devo dizer que até eu! De certa forma, ela pode ser lida como uma espécie de defesa, uma fuga implícita à constatação da impossibilidade de um regresso. Ou talvez não: pode ser apenas a necessidade de me concentrar a 100% no futuro, que me obriga a colocar parêntesis no passado. Seja lá como for, a verdade é que é muito agradável nunca sentir qualquer dependência dos dias de ontem.

domingo, março 03, 2013

Questão de substância

Era e é um homem simpático, sempre sorridente, com graça e uma boa cabeça. Aquele embaixador, porém, tinha - e imagino que ainda tenha - como vício irritante responder às questões com outra pergunta. Se se inquiria, a propósito de uma determinada atitude do governo do país onde estava acreditado, "o que é que você acha que eles querem?", era muito possível que a resposta fosse "mas a posição deles foi vista como ofensiva?" ou uma coisa do género.

Trata-se, nem mais nem menos, do que mais um cultor da velha "escola" de abstenção opinativa que sempre existiu nas Necessidades. Há colegas que fizeram toda a sua carreira furtando-se habilmente a dizer o que pensavam. Alguns procuram ouvir os interlocutores para, de forma mais ou menos subtil, se colarem ao que acham ser a posição deles, num mimetismo seguidista, para logo caírem nas respetivas boas graças. Outros limitam-se a questionar e vão conseguindo, por elaboradas artes de dissimulação, nem concordar abertamente com o parceiro mas também nunca o afrontar. Não é fácil! É uma elaborada escola do "nunca me comprometo". Outras vezes, por detrás dessa atitude, não há sequer quaisquer razões de fundo: a fuga para a reação interrogativa está-lhe no sangue, é superior à suas forças. Era o caso do embaixador de quem vou contar uma historieta passada comigo.

Um dia, estava eu então no governo, recebeu-me, de passagem, na sua residência, numa determinada embaixada europeia. Eu tinha andado de um lado para o outro, durante todo o dia, envolvido em reuniões. Com a pressa, e porque o programa era muito intenso, fui adiando a necessidade, que se ia tornando cada vez mais premente, de ir a uma casa de banho. Assim, chegado à embaixada, logo que encontrei o embaixador, ainda no hall de entrada, perguntei-lhe, algo ansioso:

- Posso ir a uma casa de banho?

- Para quê?, perguntou-me o embaixador.

Devo ter feito um ar de grande surpresa. Então o homem pretendia saber a razão pela qual eu queria ir a uma casa de banho? Isso era coisa que se perguntasse? Fiquei sem palavras. O mesmo não aconteceu com o embaixador, que logo esclareceu:

- Se é para uma coisa "simples", pode ir aqui a esta pequena casa de banho, junto ao hall. Mas se é para uma coisa mais "substancial", é melhor ir a uma das casas de banho do primeiro andar.

Nunca mais esqueci o requintado qualificativo, que não deixa de ter algo de quantificativo, que, na peculiar organização espacial do homem, fazia toda a diferença.

sábado, março 02, 2013

Protesto

Olhei para a cara das pessoas que hoje estavam na manifestação que, em Vila Real, se associou ao protesto nacional - contra a "troika", o governo e algumas entidades mais. Pareceu-me haver algum desânimo pelo facto do cansaço, e talvez do sentimento da eventual inutilidade do gesto - porque ninguém de bom-senso pensará que há hoje mais conquistados para as políticas praticadas -, ter afastado muita gente e transformado este evento numa sombra do protesto de setembro de 2012. Parece-me, porém, que laboram num equívoco. Esse protesto de então foi único, porque foi o primeiro momento em que aquele Portugal que não era parte do setor público (jornalistas e comentadores incluídos) sentiu que lhe estavam a "ir ao bolso". Fez toda a diferença!

O humor faz também parte destes exercícios e, pelo menos em Vila Real, ele ainda persistiu em alguns cartazes. Um deles rezava, de forma muito transmontana e numa bela transcrição fonética, dirigido ao poder: "num baleides um tchabelho". Sorrir, mesmo de forma amarela, ainda não paga imposto.

sexta-feira, março 01, 2013

Aos papéis

Volta e meia, responsáveis políticos são chamados ao parlamento para serem confrontados com decisões que tomaram durante os tempos em que exerceram funções governativas. Nada de mais natural, numa República democrática em que a responsabilidade pessoal se não esgota no momento em que se abandonam os cargos.

O que mais me surpreende é o facto desses antigos responsáveis políticos aparecerem a responder nessas instâncias parlamentares escudados em documentação do tempo em que exerciam tais funções executivas. A menos que essa papelada lhes haja sido fornecida pelos seus imediatos sucessores - hipótese improvável, no ambiente de "guerrilha" em que se transformou a vida política nacional -, só posso presumir que, ao abandonarem os cargos, essas figuras políticas levaram consigo cópia de tal documentação, que hoje lhes serve de escudo contra eventuais acusações, muitas das vezes injustas, como se comprova pelo facto de raramente alguém ser "condenado" nesse contexto.

A posse de duplicados de tais documentos oficiais é, assim, um ato de mera prudência e até de bom-senso. Só que há um pequeno, embora talvez não despiciendo, problema: é que isso é ilegal. Ninguém pode guardar documentos oficiais quando deixa de exercer funções políticas. Ponto final.

Tive consciência disso ontem à noite, neste tempo em que me divirto a arrumar em casa a minha papelada, na curiosa revisão retrospetiva de vida que a aposentação propicia. No que pessoalmente me toca, não fiquei com um único dos despachos e, em especial, de qualquer das decisões de concordância relativas a verbas, cuja movimentação autorizei ao longo do mais de cinco anos de funções governamentais que exerci. Se acaso fosse hoje chamado a uma comissão parlamentar, entraria na sala apenas com a minha memória. A qual, não sendo má de todo para aquilo que me interessa, tem hoje saudáveis brancas para as burocratices da vida. Com os riscos inerentes, claro.  

Comentava isto hoje a um amigo, ao almoço. A reação foi: "Dá-lhes ideias, dá!..."

Grillo

Eu tinha à volta de vinte anos. Numa madrugada, o Sud-Express em que seguia a caminho de França parou, por alguns minutos, numa estação espanhola. 

Dado que a "couchette" que me cabia era grandemente incómoda, há horas que eu vagueava pelo corredor do comboio, espantando o sono. Era Verão e abri uma janela, na noite quase deserta de gente, no meio da meseta. Perguntei a alguém que passava onde estávamos: Medina del Campo, foi a resposta.

Foi então que, de alguém que viajava duas carruagens adiante, ouvi, num tom arrastado, num registo de óbvio gozo, uma voz gritar: "Grilo! Ó Grilo!". Ao meu lado, um viajante, também sem sono, comentou: "Quem será este Grilo?". Eu sorri.

Não expliquei, talvez porque era uma longa história, que o passageiro aos berros era, com toda a certeza, um queiroziano de mérito. Numa noite ferroviária em Medina del Campo, repetir o chamamento do "Grilo" era, garantidamente, alguém a reproduzir a cena famosa de "A cidade e as serras", quando um desesperado Jacinto temia que o criado negro, que tinha a seu cargo as milhentas bagagens destinadas a confortabilizar Tormes, se viesse a perder na mudança de comboio. O que acabou por acontecer, com as 27 malas a irem parar a Alba de Tormes...

Lembrei-me deste episódio ao ouvir ontem, em toda a comunicação social, imensas notícias sobre um Grilo. Este Grillo tem dois "ll", é italiano e parece que vamos ouvir falar muito dele no futuro, para mal dos nossos pecados - para quem os tenha, claro.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...