Ao ouvir, há pouco, na rádio, notícias sobre o conclave para a eleição papal, recordei-me dos tempos do concílio Vaticano II, realizado em Roma, entre 1962 e 1965. Dentre os 29 membros portugueses de uma delegação do episcopado português a Roma, contava-se o bispo de Vila Real, dom António Valente da Fonseca. Como administrador apostólico ficou, pela diocese, monsenhor Libânio, uma figura esguia que ainda hoje justifica o nome dado a um cadeirão comprido, herdado do meu avô, a que sempre chamamos a "cadeira do padre Libânio", não obstante o próprio nunca a ter experimentado.
Nas ociosas noites do Verão vilarealense, havia muito pouco que fazer, quando eu andava pelos meus 15 anos. Por isso, num grupo de amigos, alguém se lembrou de inventar uma chamada telefónica "feita" pelo bispo, que, desde há samanas, estava em Roma para o concílio, destinada ao monsenhor Libânio, que então vivia no seminário de Vila Real.
O local do "crime" foi a casa do celebrado fotógrafo da cidade, Mário Silva, "Marius" de nome artístico, pela mão do seu filho, António Manuel. O autor material da chamada telefónica foi um primo deste, Dionísio Rodrigues da Silva, o "Nizo", um amigo já desaparecido, talvez o elemento mais velho desse pequeno grupo que se juntou para a organização da "partida".
Desconhecedores do que era uma chamada internacional, ao tempo obrigatoriamente feita através de telefonista, inventámos um conjunto de ruídos que supostamente credibilizariam a comunicação. Ligámos para o número do seminário, pouco depois da hora de jantar. Atendeu-nos uma voz a quem, num italiano de má opereta, deixámos a indicação de que "don António voglio parlare con il signor don Libânio". A chamada era entrecruzada por arbitrários silvos e apitos, sons secos e uma profusão de sinais que, no nosso entender, poderiam fazer parte de uma ligação telefónica internacional. A nossa preocupação era escusada: no seminário, o porteiro sabia de italiano e de comunicações externas bem menos do que nós...
Após alguns minutos, ouviram-se passos apressados no lagedo de mármore da sala de entrada do seminário, onde se situava então o único aparelho telefónico da casa: Um ofegante dom Libânio surge então ao auscultador. Do outro lado, "de Roma", o senhor "dom António" interpela-o:
- Então, Libânio, como vai você? E a diocese?
Extasiado com a oportunidade proporcionada pela maravilha das comunicações, dom Libânio respondeu:
- Muito obrigado, senhor bispo. Vai tudo muito bem, graças a Deus. E como passa vossa excelência reverendíssima?
- Estou bem, Libânio, estou bem. Mas diga-me uma coisa, ó Libânio, com que estou preocupado: como é que vão as nossas Felicianas*?
Dom Libânio presumiu ter ouvido mal, tanto mais que as comunicações, à época, eram más e o lenço que utilizávamos para tentar tapar a voz criava uma distância que afetava a audibilidade das mensagens.
- Como? Não estou a ouvir bem... Como disse, excelência reverendíssima?
- As Felicianas, Libânio, as pequenas da Vila Velha que sempre alegram as nossas noites por aí...
O pobre do administrador apostólico deve ter ficado à beira de uma apoplexia. As Felicianas era um plural pouco magestático para designar umas raparigas, da mesma família, que facilitavam alguns prazeres físicos tarifados, bem conhecidas de toda a cidade.
- Não consigo ouvir, senhor bispo! Não ouço quase nada! Vou ter de desligar...
E assim fez. Nós já estávamos no limite da gargalhada coletiva. Mas tínhamos ganho uma excelente noite.
* o nome talvez não fosse bem este...
* o nome talvez não fosse bem este...
14 comentários:
rrsss rrsss
"Espero" que se tenham confessado depois, rrsssss
Boa semana
boa história, boas diversões da rapaziada, pobre libânio, o que deve ter pensado...claro, uma chamada com uma conversa dessas é dificil de continuar por muito tempo, mais que uns minutos,os autores desatam a rir e não conseguem falar, tentam passar a outro do grupo, e tudo é descoberto, que se trata duma partida...mas d. libânio desligou na altura...
Eram brincadeiras muito frequentes numa época onde a expressão da palavra e a critica não tinham espaços abertos...
Mas o Libânio deixou-os na dúvida sobre a eventual atividade das Felicianas que, aliás, quer vivessem no interior da diocese ou aqui viessem de Vila Velha para o "felicissimo" prazer não era nenhum crime.
José Barros
oh sor embaixador isso é mesmo ma lingua la da aldeia...
bh
Ficavam “Felicianos” os que frequentavam as Marianas. (um esquecimento “grave” para um vilarealense).
Mas não terá acontecido ao referido Monsenhor qualquer infortúnio como há dias a uma senhora no UK com um telefonema real. Até porque tais devaneios eclesiásticos sempre existiram, passando pelo nosso “amigo” Rodrigo Borgia, Alexandre VI, o tal que nos deu metade do mundo para nos “governarmos”, provando que até não são maus de todo.
Um que conheci, muito boa pessoa mas, tendo esse “handicapzito”, tinha vários filhos de várias mulheres. Diziam elas dele: É feio como um pecado mortal!
Que belo grupo, senhor embaixador!
E ainda apelidam de provincianos aos que moram longe de Lisboa!...
Atentos, perspicazes e com sentido de humor oportuno e atento!...
Pobre Monsenhor Libânio!!!...
genial!!! fartei-me de rir..tambem eu fiz estas partdias..pobre sr leitão..
Ainda me estou a rir Senhor Embaixador, belissima partida. E pelos visto o "Libânio" não usava os serviços das Felicianas
Telefone.Invençao do diabo que anula algumas das vantagens de manter as pessoas desagradàveis à distancia.
Mas nem sempre !
Sorri de imaginar a cena ....
obrigado ..
n371111
Estou a chorar a rir e a minha mãe também é que, para além da história, cá em casa há uma cadeira com um nome semelhante! :) :)
Isabel BP
Senhor Embaixador: ontem e hoje ficam a credito- mais um- deste blogue- os meus melhores risos dos ultimos tempos.
Monsenhor Libânio "fez ouvidos de mercador"...
Imagino monsenhor Libãnio
optando por não escutar
livrando-se do risco profano
de ser apanhado a pactuar
e com a surdez vos engano
deixando-vos ó ingénuos acreditar
que sou imune ao prazer humano
prós segredos dos divinais retiros guardar...
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