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terça-feira, outubro 04, 2016

A minha amiga búlgara



Eu também tenho uma amiga búlgara. Chama-se Irina Bokova e é concorrente ao lugar que António Guterres pretende obter nas Nações Unidas.

Tornei-me amigo de Irina há quase vinte anos, quando ambos éramos secretários de Estado dos Assuntos europeus, nos nossos respetivos governos. Estive em Sófia a seu convite, tive o gosto de a receber em Lisboa por esse tempo.

Um dia, o partido de Irina perdeu as eleições na Bulgária e ela abandonou o governo. Quando mais tarde voltei a Sófia, tendo já outra contraparte búlgara, pedi ao nosso embaixador para, num jantar na sua residência, convidar Irina Bokova. Recordo a nota comovida que então deixou, por eu ter querido permanecer fiel à amizade criada. E ficámos em contacto, a partir de então.

Tempos mais tarde, um amigo comum, Georgios Papandreou, que viria a ser primeiro ministro grego, convidou-nos a ambos para integrar o círculo de reflexão política que anualmente organizava na Grécia, durante uma semana, o Symi Symposium. E assim, durante cinco anos, com as nossas famílias, encontrámo-nos nesses interessantes debates. E vimo-nos, entretanto, com as nossas famílias, em Nova Iorque, num divertido jantar.

Quando ainda estava no Brasil, já de partida para Paris, recebi um recado de Irina. Ela tinha desempenhado as funções de ministra dos Negócios Estrangeiros do seu país e concorria ao lugar de diretora-geral da Unesco. Gostava de ter o apoio português para essa sua pretensão e, com naturalidade, recorria ao seu amigo português. Fiz as minhas sondagens em Lisboa, tendo verificado não ser ela o candidato que Portugal iria apoiar. Disse-lho já em Paris, num jantar que lhe ofereci. Nada mudou entre nós.

Mesmo sem o voto inicial português, Irina Bokova foi eleita diretora-geral da Unesco. Vimo-nos bastante em Paris por esse tempo, mesmo antes de, por uma suprema ironia, eu próprio ter sido entretanto nomeado, em acumulação com o cargo que já desempenhava em França, como delegado português junto da Unesco. A última vez que encontrei pessoalmente Irina Bokova foi na visita de despedida que lhe fiz, em inícios de 2013, em que lhe ofereci uma peça fotográfica de Jorge Molder, enviada por Portugal para a coleção artística da organização, numa decisão sob minha insistência que teve a assinatura do então secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.

Irina Bokova surgiu entretanto como candidata a secretário-geral da ONU. Portugal tinha o seu próprio candidato, António Guterres. Que, naturalmente, foi o meu candidato. Mas, nem por isso, vou perder essa querida amiga búlgara, de há muitos anos.

quarta-feira, agosto 31, 2022

Mikhaïl Gorbachev


Morreu ontem Mikhaïl Gorbachev, aos 91 anos. Foi o “notário” do fim da União Soviética, da sua implosão em 15 entidades nacionais diferentes, depois de ter sido secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e último presidente do país que fora criado pela Revolução de 1917. 

Como acontece com algumas figuras que são apanhadas na charneira da História, Gorbachev (ou Gorbachov, como é vulgar, entre nós, variar a grafia dos nomes russos) acabou por titular o encerramento de um período, ficando colado à abertura de outro, sem nele se firmar. 

Gorbachev repousa, irremediavelmente, nessa mesma História, como uma pessoa mal-amada no seu país. Mas, ao invés, passou a ser uma vedeta no mundo ocidental, por duas razões conjugadas. A primeira, por ter permitido a transição suave, sem violência, para esse mesmo espaço, das antigas “democracias populares” do Centro e Leste europeus, bem como a reunificação da Alemanha. O ocidente também nunca lhe negou uma imensa gratidão pelo facto da sua prática, como governante, ter culminado na dissolução da União Soviética, que era o seu maior adversário. Gorbachev assinou, na prática, a ata de derrota da URSS no fim da Guerra Fria. Verdade seja que, a não ser ele, outro o teria feito, no culminar do clamoroso falhanço do modelo.

Recordo ter lido algures que, nos ultimos anos, Gorbachev era uma figura que, na Rússia, merecia apenas 14% de apreciações positivas. Critico de Putin, como já o tinha sido de Yeltsin, Gorbachev, se acaso a sua voz tivesse sido ouvida, seria, com toda a certeza, um opositor da invasão da Ucrânia. Vai ter assim alguma graça observar como a Rússia oficial reagirá à sua morte.

Ainda antes de ter andado nas bocas do mundo, Gorbachev veio um dia a Portugal, a um congresso do PCP, creio que no Porto. Era então uma das figuras possíveis para sucessão de Chernenko. Recordo que nenhum dos nossos “kremlinólogos” o apontou como o homem seguinte. Mas, das fotografias que os jornais trouxeram, fixei-lhe a cara.

Um dia, já em Março de 2000, António Guterres convidou-me para um almoço com Gorbatchev, na residência oficial, em S. Bento. Estava também o ministro da Defesa, Júlio Castro Caldas e, claro, o intérprete de Gorbachev.

Gorbachev estava em Lisboa creio que para uma conferência. Acabei por jantar de novo com ele, talvez no dia seguinte, dessa vez também com uma sua filha, no forte de S. Julião da Barra, a convite de Castro Caldas, com umas largas dezenas de convidados. Não guardo a menor memória de coisas ditas nesse jantar - e eu tenho boa memória.

Mas recordo o tal almoço, para o qual, confesso, entrei com uma elevada expetativa. Na realidade, tratando-se de uma figura que atravessara um período riquíssimo da vida internacional, que protagonizara o fim do mundo soviético, que vivera a trágica convulsão interna dessa desagregação, que fora interlocutor estratégico privilegiado dos Estados Unidos e de personagens como Thatcher, Kohl ou Mitterrand - por todas essas e por outras razões mais, esperava ir ter um almoço memorável. Nunca comparei notas com António Guterres e Júlio Castro Caldas sobre esse repasto, mas devo dizer que saí dele um tanto desiludido com a figura que o justificou.

Mikhaïl Gorbatchev não deixava de ser uma personalidade interessante, mas, quando o avalio à luz daquelas horas em que o ouvi, está muito longe de ser uma figura fascinante. Falou imenso, mas deu-me a sensação de ter criado e ensaiado um discurso feito à medida daquilo que os seus interlocutores dele esperariam, auto-justificativo, muito óbvio, com ideias que, como dizia o outro, quando eram originais não eram boas e que quando eram boas não eram originais. Mais tarde, ao ler alguns textos seus, voltei a não encontrar razões para mudar de opinião.

Dito isto, que fique bem claro: Mikhaïl Gorbatchev é uma das figuras que ficará na história contemporânea, olhado contudo com mais ou menos apreço, consoante as geografias de onde essa sua imagem é observada.

segunda-feira, setembro 19, 2011

O MES

Acabo de receber uma "convocatória" para um almoço em Lisboa, a 12 de novembro. Nessa data se celebrarão 30 anos passados sobre um jantar com que um partido decidiu encerrar a sua (já então muito escassa) atividade. Comemorar um jantar com um almoço é uma saudável redundância gastronómica.

Assim, e se tudo correr como espero, lá irei de Paris a Lisboa, para estar presente nesse repasto (escolham um sítio de decente amesendação, por favor!) onde muitos nos encontraremos, sem nostalgias nem proclamações, para lembrar essa "improvável aventura" a que, para sempre, ligámos a nossa juventude e a nossa esperança.

É claro que não estaremos todos por lá: alguns já se foram, outros saíram para outros destinos, uns poucos, ainda, deixaram-se tomar pela indiferença. Mas seremos mais do que os suficientes para nos revermos nessa ideia que continua a unir-nos, muito para além das conjunturas e dos percursos que cada um decidiu seguir.

O partido de que acima falei, o MES, o "Movimento da Esquerda Socialista" (ironizava, ao tempo, um amigo de outras ondas políticas: "mas há uma direita socialista?"), juntou muito boa gente nesses tempos pós-abril, pessoas vindas das lutas académicas, do sindicalismo menos alinhado, do catolicismo inquieto. Gente que não se revia noutras linhas então dominantes no mercado das opções políticas. Com o tempo, cada um de nós escolheu o seu caminho, embora a grande maioria quase sempre para o mesmo lado. Alguns revemo-nos de tempos a tempos, outros quase nunca se encontram. Mas, para sempre, somos todos, com imenso orgulho, "do MES".

Um dia, ao tempo do primeiro governo Guterres, o então primeiro-ministro, numa viagem de trabalho ao estrangeiro, em que o Augusto Mateus e eu o acompanhávamos, perguntou: "Neste governo, há uns seis ou sete antigos militantes do MES, não é?". Olhei para o Augusto e respondi, sem ter a certeza exata do que afirmava: "Um pouco mais, julgo que somos aí uns 14". António Guterres olhou para nós, verdadeiramente surpreendido. Nunca se havia dado conta que, em pouco mais de 40 ministros e secretários de Estado havia essa elevada percentagem de antigos membros do MES. Creio que, por um segundo, deve ter pensado que convivia com uma eventual "quinta coluna". O que estaria bem longe da verdade.

A inexorável lógica quantitativa do voto nunca foi o forte do MES. Como alguém diria, mais tarde, o nosso voto era um "voto de qualidade" ou a expressão de uma "imensa minoria". Em 1975, nas primeiras eleições, para a assembleia constituinte, no auge da sua expressão política, as urnas conferiram ao MES uns impressivos 1,02% de votos, o que conduziu um seu dirigente a uma declaração que ficou histórica: "Com esta votação, só temos condições para crescer...". Nesses tempos de façanhudos dirigentes políticos, cheios de pronunciamentos de rotunda gravidade, o MES teve sempre muito poucos votos mas imenso humor.

sábado, dezembro 26, 2015

Fernando Henrique Cardoso


Tenho uma grande admiração por Fernando Henrique Cardoso. (Embora a alguns isso pareça incongruente e incompatível, tenho também forte admiração por Lula da Silva, mas isso são outras histórias). 

Desde o tempo em que fui embaixador no Brasil, FHC (é assim que o conhecem) foi sempre de uma extrema simpatia comigo. Tive gosto em ter sido ele e entregar-me o prémio "personalidade do ano" com que, em 2006, o mundo empresarial luso-brasileiro quis manifestar-me o seu apreço pelo apoio que a embaixada que chefiei lhe proporcionava. E guardo para memória futura uma longa conversa a dois, no restaurante Carlota, em São Paulo, onde falámos um pouco de tudo e muito de política brasileira. Temo-nos cruzado em Lisboa várias vezes, nos últimos anos.

Fernando Henrique Cardoso acaba de editar os seus "Diários da Presidência 1995-96", um volume de quase mil páginas com suculenta informação sobre a vida política interna do Brasil, que a mim me continua a interessar muito. O livro chegou-me há dois dias, oferta de um amigo brasileiro. Passei os olhos por ele e, de facto, é garantido que me vai acompanhar por algumas semanas. 

Não é de estranhar que as escassas referências a Portugal tenham chamado a minha atenção prioritária.

Há algumas notas pessoais muito simpáticas sobre Mário Soares, Jorge Sampaio e António Guterres ("ele pensa do jeito que eu penso"), bem como um apontamento breve de um encontro com Ricardo Salgado, que foi informar FHC, para grande surpresa deste, de que o grupo Espírito Santo pretendia investir no Brasil. Também idêntica intenção da Caixa Geral de Depósitos é assinalada. Sobre uma conversa com Durão Barroso, a referência é curiosa: "Falei bastante com DB, nada de mais extraordinário a não ser que foi muito grato e muito cansativo" (sic)!

(Um parêntesis para notar que o período coberto por este volume corresponde à chegada ao governo de António Guterres e à substituição de Mário Soares por Jorge Sampaio).

Sobre as relações luso-brasileiras, na ressaca da crise dos dentistas, diz FHC : "pela imprensa me parece que Portugal tem um certo ceticismo com relação ao Brasil, talvez até bem fundamentado. E não tem tanto entusiasmo quanto se pensa em relação às chamadas "relações especiais". A cúpula, o governo, todos os lados, mais a elite cultural, esses sim, mas não creio que isso tenha enraizamento maior na vida portuguesa propriamente dita, como não tem na vida brasileira". Interessante leitura.

O mais curioso destas referências a Portugal prende-se com a CPLP e a posição de José Aparecido de Oliveira, que havia sido embaixador brasileiro em Lisboa. Não estarei a revelar nenhum segredo se disser que, na percepção dos meios políticos portugueses (eu estava no governo nessa altura), ficou a sensação de que foi FHC quem se opôs a que José Aparecido de Oliveira fosse o primeiro secretário-executivo da organização. Ora o antigo presidente desmente essa versão nestes "Diários", e diz com clareza que a oposição foi do chefe da diplomacia brasileira: "O Luiz Filipe Lampreia não quer". Curiosamente, Lampreia não se refere a esta sua posição no livro "O Brasil e os ventos do mundo" (Rio, 2009), onde se limita a assinalar que a criação da CPLP se fez "por impulso do embaixador do Brasil em Lisboa, José Aparecido de Oliveira", encerrando com a brutal (mas muito verdadeira) constatação de que "no Brasil não existe nenhum entusiasmo com a instituição".

segunda-feira, outubro 22, 2012

Editoriais

O "Diário da Assembleia da República" (que até ao 25 de abril se chamou "Diário das Sessões") é um dos menos difundidos jornais portugueses. Nele se relatam, em pormenor, os debates ocorridos no nosso parlamento, com registo de alguns apartes (infelizmente, não todos) e interrupções. Se se olhar para uma fotografia do plenário verificar-se-á que, no espaço entre os deputados e a tribuna, há sempre duas pessoas que tomam notas numa pequena mesa, que se revezam ao fim de alguns minutos. A sua tarefa parece ser anotar aquilo que a gravação da sessão possa não ter deixado claro, como a autoria dos apartes e outros pormenores que o "Diário" tem obrigação de registar. Sempre que alguém faz uma intervenção escrita, invariavelmente esses funcionários solicitam-na discretamente ao orador, para aferição do texto com a gravação. Uma tarefa discreta, mas essencial.

Um dia dos anos 90, numa das tardes em que, pelo governo, ia à Assembleia, e porque o humor é parte da política, resolvi "lançar a confusão" nas hostes do executivo, testando o "calo" de um dos seus membros. No gabinete do ministro dos Assuntos parlamentares, onde o primeiro-ministro e os membros do governo que iam a debate se reuniam um pouco antes, lancei, em jeito de confidência, para um ingénuo e recente secretário de Estado, "maçarico" nas lides governativas e sem nenhuma experiência parlamentar:

- Parece que o primeiro ministro está furibundo com o Almeida Santos! Dizem que ele não desiste da ideia de, a partir da próxima semana, fazer um pequeno "editorial" em cada edição do "Diário da Assembleia da República".

O meu querido amigo Almeida Santos era então presidente da Assembleia da República e o seu gosto pela escrita era bem conhecido. Mas a ideia era de total implausibilidade. 

- A sério? Mas isso tem sentido? A oposição é capaz de "saltar"!, disse-me o meu colega, com ar já preocupado.

- Pois é, mas ninguém trava o homem! Até já ouvi dizer que o assunto vai a "conferência de líderes".

- O Guterres tem razão, não achas? Isso pode vir a dar uma "bernarda" das antigas, comentou o meu colega, ciente de que já bem nos bastavam as crises que a vida política, à época, nos trazia.

Afastei-me e deixei o jovem governante a aboborar a angústia. Minutos depois, dei-me conta de que passava a "notícia" a outros membros do governo, que o ouviam com ar divertido. Pelos olhares oblíquos que me eram dirigidos, percebi que o meu nome, como veículo do boato, começava a circular. Temi mesmo que acabasse por chegar a António Guterres, que estava num canto da sala (que fora o antigo gabinete de Oliveira Salazar). 

O debate parlamentar iniciou-se, entretanto, com Almeida Santos a presidir aos trabalhos. A meio dessa tarde, um contínuo aproximou-se de mim, na bancada do governo, com um bilhete: "Meu caro amigo, está convidado, quando quiser, para publicar alguns artigos no "Diário da Assembleia da República", que aproveitarei para os dias em que eu não tiver inspiração para os meus editoriais".

Fiquei preocupado. Afinal, até ao próprio António de Almeida Santos tinha chegado a minha graçola. O tom do bilhete era muito irónico. Estaria ofendido? Durante uma hora mais, enquanto o debate continuava, remoí algum arrependimento. Em que diabo de brincadeira eu me tinha metido! À saída da sessão de perguntas ao governo, encaminhei-me para a tribuna da presidência, a fim de lhe dar uma explicação. Nessa altura, fui travado por um ministro que, sorridente, me disse: "Não vás! Fui eu quem te escreveu... "pelo" Almeida Santos".

Fui buscar lã e saí tosquiado!

quinta-feira, maio 05, 2022

Guterres

Os que foram tão críticos, apontando a “irrelevância” da deslocação de Guterres a Moscovo e Kiev, já fizeram a sua “mea culpa”, ao terem de constatar que a ação da ONU, articulada com a Cruz Vermelha, por iniciativa do secretário-geral da ONU, está a salvar a vida a muita gente?

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Jean-Claude Juncker

Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Lembrei-me disto há minutos, ao ouvir Jean-Claude Junker salientar, nestes que são os seus últimos dias à frente do Eurogrupo, a importância de Portugal ser recompensado pelos esforços que tem vindo a fazer no seu programa de ajustamento estrutural, com a possível redefinição desse mesmo programa à luz da evolução da conjuntura externa. Uma posição pouco comum, mesmo à revelia de outras, nesta Europa onde a solidariedade é uma palavra escassa nos dias que correm.

Jean-Claude Junker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado dentre eles.

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

O nosso amigo Jean-Claude


Um dia de 1998, acompanhei António Guterres ao gabinete do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. A Comissão europeia tinha acabado de apresentar a sua primeira proposta para as "perspetivas financeiras" para o período 2000-2006, o orçamento plurianual de onde decorrem os fundos comunitários. O resultado, maugrado as diligências que havíamos feito nos meses anteriores junto de diversos setores da Comissão, era dececionante para o nosso país. Agora, tornava-se importante mobilizar os nossos amigos europeus a fim de fazer evoluir a proposta, em moldes que pudessem acomodar os nossos interesses.

Nunca mais me esquecerei das palavras espontâneas que ouvimos de Juncker, logo que António Guterres acabou de lhe expor o nosso problema: "António, podes contar comigo a 100%. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para beneficiar Portugal". E fê-lo, a partir daí, de forma exemplar, passando a defender-nos em todos os contextos possíveis. Não houve Conselho europeu em que Juncker não tivesse estado abertamente ao nosso lado, movimentando-se, além disso, junto de outros parceiros para fazer valer os argumentos portugueses.

Jean-Claude Juncker é um exemplo de um grande europeu, da escola de um Jacques Delors, uma das poucas personalidades que, pela sua inigualável experiência e pela profunda coerência e verticalidade que o carateriza, merece o respeito da grande maioria de quantos se movimentam pelos corredores da União europeia. Mas, do mesmo modo, a sua independência face aos grandes Estados europeus, bem como o modo frontal como a assume, não terão sido estranhos à sua liminar exclusão, quando o seu nome surgiu mencionado para a presidência da Comissão europeia.

Se Portugal tem verdadeiros amigos entre os dirigentes desta Europa, a experiência demonstrou-me que Jean-Claude Juncker é o mais dedicado deles.

(Este é um post "reciclado". Relembro-o hoje, num dia em que a minha admiração por Jean-Claude Juncker aumentou).

terça-feira, outubro 22, 2019

Vida nova


É saudável sentir que a classe política se renova. Ao olhar os nomes dos integrantes deste governo, e se as minhas contas não falham, creio que, das dezenas de figuras que o compõem, há já muito escassos membros dos anteriores executivos socialistas.

Apenas António Costa esteve presente, primeiro como secretário de Estado e depois como ministro dos Assuntos Parlamentares, no XIII governo constitucional, o primeiro chefiado por António Guterres, que tomou posse em outubro de 1995. 

Além dele, Augusto Santos Silva, Eduardo Cabrita, Nelson Sousa e José Apolinário integraram o segundo governo de Guterres, o XIV governo constitucional, que iniciou funções em outubro de 1999. Só Santos Silva veio a exercer então funções de ministro, tendo antes sido secretário de Estado, como os restantes.

Dentre os outros membros do próximo governo, apenas Teresa Ribeiro e João Gomes Cravinho integraram, respetivamente, os XVII e XVIII governos constitucionais, presididos por José Sócrates, ambos como secretários de Estado.

segunda-feira, agosto 29, 2016

Onze notas internacionais

1. E lá vai Dilma à vida, com poucos a chorarem-na e levando consigo o PT. Não houve golpe constitucional (as instituições funcionaram regularmente), mas houve uma evidente subversão do espírito do sistema, por uma enviezada parlamentarizacão do regime presidencialista, a colocar a política do lado do qual passou, de um momento para o outro, a soprar o vento popular. Temer, renegando sem vergonha o programa sob que foi eleito, foi o instrumento oportunista. Ficará na História, mas com adjetivos de que a família se não orgulhará.

2. Trump parece que cai nas sondagens mas Hillary Clinton continua a ter uma rejeição muito elevada. Levar uma figura como Farage para a campanha americana é a prova de que o exercício já passou os limites da racionalidade, depois de há muito ter atravessado os da decência. Por este andar, Marine le Pen ainda vai, um destes dias, "fazer uma perninha" a Washington.

3. O puzzle angolano toma um novo formato. Mais um. Um novo vice-presidente surge como o putativo sucessor de José Eduardo dos Santos. Já vimos este filme no passado e, em todas as ocasiões, acabou sempre de forma diferente da que se previa. Angola é um "happening" mas, goste-se ou não, a capacidade do presidente e do MPLA para segurarem o poder é notável.

4. Será desta que Rajoy forma um governo esável? É mais trágico do que parece, mesmo para nós, o penoso arrastar do processo político espanhol. Este impasse tem um preço imenso na credibilidade de um país que é importante para a Europa. O PSOE brinca com o fogo e com o seu futuro como partido do sistema. Já para o rei, esta prova de fogo veio cedo demais e, infeluzmente, revelou que não conseguiu criar uma magistratura de influência como a que o pai chegou a criar. É um péssimo sinal para a monarquia espanhola, podem crer.

5. Sarkozy não desiste de tentar regressar ao Eliseu. Em 2012, a França estava muito cansada dele e, francamente, duvido que tenha recuperado desse sentimento. Agora, "lepeniza" a cada dia discurso, tentando arrastar a respeitável direita democrática para um sinistro populismo, o que vai obrigar gente decente como Juppé a ir por outro caminho. Com Hollande a bater no fundo, fica a certeza de que a esquerda nunca votará em Sarkozy numa 2ª volta (como fez em Chirac em 2003). A presidente Marine é, assim, possível.

6. Erdogan está nas suas sete quintas. Arranjou um imbatível alibi para fazer uma limpeza interna e, como já previsto, arranjou um pretexto para "molhar a sopa" na Síria, para por ali desfazer as milícias curdas. Os EUA, que estão "desertos" para subcontratar esta guerra, aplaudem, devem estar a fornecer "intelligence" e reduzem a pressão para repatriar Gullen. Um belo favor de Obama a Hillary Clinton, que se preparava para fazer isto mesmo. Só há uma América: a dos interesses.

7. A última pedra no túmulo da Parceria Transatlântica foi posta há dias pelo ministro alemão da Economia. Como muitos previam, já não vai haver nenhum TTIP, o que marca um forte recuo protecionista no espaço euro-atlântico. "Much ado about nothing"? Resta saber o que os europeus farão se o preço do petróleo disparar de novo e precisarem do gás de xisto americano, que era a contrapartida pela liberalização do comércio.

8. Os europeus continuam a reunir em grupinhos, com Hollande a fingir de charneira e a tentar estar em todas. Umas vezes é o proto-diretório com a Itália, noutras mete-se a Polónia e recupera-se Weimar, finalmente o sul - que passa o tempo a dizer que "não somos a Grécia!" ou coisas parecidas a propósito de qualquer outro vizinho do lado de quem os mercados não gostem - vai também conversar à parte. Olhando para esta Europa, percebe-se agora melhor o sentido da palavra balcanização.

9. Os británicos revelam que não sabem o que fazer com o Brexit. Dá ideia que uma (já) maioria do país está arrependida da aventura em que Cameron (desaparecido em combate, para bem do país) irresponsavelmente o meteu. Theresa May parece tentar ganhar tempo e, curiosamente, depois da vergonhosa reação anti-democrática do lado do continente, até os "27" estão mais calmos, já percebendo que só os mercados comandam o "timing" da invocação do artigo 50 do famigerado Tratado de Lisboa. Resta saber se uma "mini-saída" é possível. Leia-se o "Economist" ou o FT para medir a perplexidade que por ali vai.

10. Hoje é o dia C (o terceiro) para medir as hipóteses reais de António Guterres vir a ser designado o próximo SG da ONU. O dia D virá em outubro, sob presidência russa do CSNU. Posso confessar um segredo?: nunca acreditei que as hipóteses do candidato português chegassem a ser tão elevadas. E que bom que era para Portugal,me para a diplomacia portuguesa (poderemos falar depois sobre isto), se Guterres fosse escolhido!

11. Exemplar, até agora, tem sido o comportamento de Augusto Santos Silva e do MNE no caso dos fedelhos agressores iraquianos. Palavras certas, tempo exato, decisões acertadas. É uma grande e experiente máquina a das Necessidades, com séculos de bom-senso e de excelente serviço público. Sei que sou suspeito, mas sinto orgulho em ter feito parte dessa grande escola de sentido de Estado.

quarta-feira, maio 11, 2022

Ucrânia - é imperioso sair da caixa


Esta guerra já não é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. É cada vez maior o envolvimento, através de ajuda militar e de sanções, de muitos países que passaram a ser parte, embora por ora não beligerante, no conflito. Em moldes todavia nunca comparáveis ao sofrimento da população da Ucrânia, as respetivas sociedades estão a começar a sentir as consequências do prolongamento da guerra.

Parece não ter sentido que os países envolvidos no apoio à Ucrânia fiquem a aguardar o resultado, cada vez mais duvidoso, de um processo negocial, aparentemente suspenso, entre Kiev e Moscovo. Há dimensões do conflito, como fica evidente na questão das armas nucleares, que vão muito para além da situação concreta da Ucrânia, embora com ela interligada.

António Guterres disse hoje que não parece haver condições para um cessar-fogo bilateral. Porquê? Porque entende que a Rússia pretende estabilizar alguns dos seus ganhos e não completou o cerco de isolamento que pretende fazer à Ucrânia pelo sul. E também porque o secretário-geral da ONU pressente que a Ucrânia, forte do apoio militar crescente com que conta reverter a sorte do conflito, avalia que as próximas semanas lhe podem trazer vantagens. Um dos dois contendores está enganado na sorte que o relógio lhe pode trazer, mas só no final se saberá qual.

É imperioso sair do impasse da situação no terreno. Os países ocidentais, mantendo-se sempre firmes no apoio que dão à Ucrânia - essa é, alías, a expressão essencial do seu poder neste contexto - deveriam abrir uma frente negocial direta com Moscovo. Um conflito que pode escalar para proporções (in)imagináveis não pode ficar dependente exclusivamente dos eventuais resultados de uma diplomacia ucraniana acossada pela agressão e pela expectativa ansiosa da evolução da situação militar no seu terreno.

O envolvimento negocial ocidental deveria, como é óbvio, associar plenamente a Ucrânia e ter no centro os seus legítimos interesses de soberania, mas igualmente não poderia deixar de ponderar as consequências económicas, e em breve também sócio-políticas, decorrentes do efeito “boomerang” das sanções e dos previsíveis problemas decorrentes da situação dos muitos refugiados que não poderão ainda regressar à sua terra . Há que ter consciência, e aparentemente ela parece não existir, de que o momento ótimo de consenso entre os aliados vai começar a diluir-se, por virtude dos efeitos do inevitável desgaste de vontade, em vários paises europeus.

O mundo que Vladimir Putin conhece é o da força. Ora o ocidente tem hoje, nas suas mãos, dois instrumentos negociais que podem ser decisivos para qualquer compromisso: a sua capacidade e determinação em poder continuar a armar a Ucrânia, colocando-a em condições de ir “empatando” a guerra, e o fortíssimo pacote de sanções, que, recordo, foi posto em prática por virtude da agressão russa, pelo que parte do qual pode ser usado como moeda de troca na hipótese de um eventual compromisso.

Macron mantém o número de telefone de Moscovo. Draghi deu sinais, em Washington, de que favorece um caminho de um diálogo exigente, sempre sob uma posição comum. Berlim, nesta sua fase hesitante, conta bastante pouco para ousadias. O jingoísmo descabelado de Boris Johnson ecoará o que Washington ditar. É nos Estados Unidos que reside a chave de um eventual novo tempo neste processo, pelo que compete aos europeus lembrar-lhes que é só deste lado do Atlântico que, por agora, continua a guerra.

A História mostra que, para pôr termo a um conflito, ou se derrota totalmente o inimigo (e a Rússia não é derrotável, enquanto potência, como sabe quem sabe destas coisas) ou se fala com ele para ir aferindo das hipóteses de um acordo. Pensar que o tempo corre sempre a nosso favor é uma ingenuidade perigosa.

quinta-feira, agosto 04, 2016

Digo eu, não sei...

A aceitação pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de uma "boleia" da GALP para ir ao Europeu é uma insensatez. Acho eu.

Daí a isso justificar a sua demissão vai uma imensa distância. Acho eu.

O país, contudo, não pode estar à mercê do meu (ou do seu, leitor), "achismo". Tem de haver alguem com legitimidade, originária ou delegada, para se pronunciar sobre isso.

A ausência de um organismo próprio, que avalie e dê pareceres sobre as questões de ética pública, não implica que essa avaliação se não faça.

No tocante ao comportamento dos membros do governo, é ao presidente da República que compete essa avaliação.

(Recordo, em 2000, que Jorge Sampaio exigiu a António Guterres a demissão de Armando Vara, por uma determinada questão).

Se, neste caso, o presidente (que se saiba) não atuou, isso pode significar que, no seu juízo (o juízo de quem tem uma indiscutível legitimidade), o caso não se reveste de uma gravidade que justifique a demissão do secretário de Estado.

É essa, também, a minha opinião, que, porém, vale tanto como a do leitor. Ou, para usar uma bela expressão que muito se diz na minha terra: digo eu, não sei...

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

José Augusto Duarte


Para quem, como eu, não foi um apoiante de Marcelo Rebelo de Sousa, é um agradável "embaraço" ter de saudar as suas anunciadas escolhas pessoais, ainda antes da sua chegada a Belém. 

Já por aqui falei da chefia da Casa Civil, depois do Conselho de Estado onde, entre outras opções acertadas, vejo com agrado os nomes de António Lobo Xavier e António Guterres, dois amigos cujas qualidades são assim distinguidas.

Agora, surge o nome de um colega da minha antiga profissão, o embaixador José Augusto Duarte, que deixa a embaixada em Maputo para chefiar a assessoria diplomática da Presidência da República. 

Trata-se de um dos mais qualificados diplomatas da sua geração, que tem sido um excecional embaixador em Moçambique, sendo além disso possuidor de uma diversificada experiência profissional. Conheço-o há mais de duas décadas e, pelo seu perfil, dá sólidas garantias de um ir garantir um bom relacionamento interinstitucional. Mais uma excelente escolha! 

quarta-feira, outubro 12, 2022

“Ucrânia - é imperioso sair da caixa”


Fez ontem cinco meses, publiquei este artigo no “Expresso”. Algumas coisas estão datadas e ocorreu a alteração de certas circunstâncias, mas, mesmo assim, hoje apetece-me relembrá-lo, porque o essencial não mudou e continuo a pensar exatamente o mesmo:

”Esta guerra já não é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. É cada vez maior o envolvimento, através de ajuda militar e de sanções, de muitos países que passaram a ser parte, embora por ora não beligerante, no conflito. Em moldes todavia nunca comparáveis ao sofrimento da população da Ucrânia, as respetivas sociedades estão a começar a sentir as consequências do prolongamento da guerra.

Parece não ter sentido que os países envolvidos no apoio à Ucrânia fiquem a aguardar o resultado, cada vez mais duvidoso, de um processo negocial, aparentemente suspenso, entre Kiev e Moscovo. Há dimensões do conflito, como fica evidente na questão das armas nucleares, que vão muito para além da situação concreta da Ucrânia, embora com ela interligada.

António Guterres disse hoje que não parece haver condições para um cessar-fogo bilateral. Porquê? Porque entende que a Rússia pretende estabilizar alguns dos seus ganhos e não completou o cerco de isolamento que pretende fazer à Ucrânia pelo sul. E também porque o secretário-geral da ONU pressente que a Ucrânia, forte do apoio militar crescente com que conta reverter a sorte do conflito, avalia que as próximas semanas lhe podem trazer vantagens. Um dos dois contendores está enganado na sorte que o relógio lhe pode trazer, mas só no final se saberá qual.

É imperioso sair do impasse da situação no terreno. Os países ocidentais, mantendo-se sempre firmes no apoio que dão à Ucrânia - essa é, alías, a expressão essencial do seu poder neste contexto - deveriam abrir uma frente negocial direta com Moscovo. Um conflito que pode escalar para proporções (in)imagináveis não pode ficar dependente exclusivamente dos eventuais resultados de uma diplomacia ucraniana acossada pela agressão e pela expectativa ansiosa da evolução da situação militar no seu terreno.

O envolvimento negocial ocidental deveria, como é óbvio, associar plenamente a Ucrânia e ter no centro os seus legítimos interesses de soberania, mas igualmente não poderia deixar de ponderar as consequências económicas, e em breve também sócio-políticas, decorrentes do efeito “boomerang” das sanções e dos previsíveis problemas decorrentes da situação dos muitos refugiados que não poderão ainda regressar à sua terra . Há que ter consciência, e aparentemente ela parece não existir, de que o momento ótimo de consenso entre os aliados vai começar a diluir-se, por virtude dos efeitos do inevitável desgaste de vontade, em vários paises europeus.

O mundo que Vladimir Putin conhece é o da força. Ora o ocidente tem hoje, nas suas mãos, dois instrumentos negociais que podem ser decisivos para qualquer compromisso: a sua capacidade e determinação em poder continuar a armar a Ucrânia, colocando-a em condições de ir “empatando” a guerra, e o fortíssimo pacote de sanções, que, recordo, foi posto em prática por virtude da agressão russa, pelo que parte do qual pode ser usado como moeda de troca na hipótese de um eventual compromisso.

Macron mantém o número de telefone de Moscovo. Draghi deu sinais, em Washington, de que favorece um caminho de um diálogo exigente, sempre sob uma posição comum. Berlim, nesta sua fase hesitante, conta bastante pouco para ousadias. O jingoísmo descabelado de Boris Johnson ecoará o que Washington ditar. É nos Estados Unidos que reside a chave de um eventual novo tempo neste processo, pelo que compete aos europeus lembrar-lhes que é só deste lado do Atlântico que, por agora, continua a guerra.

A História mostra que, para pôr termo a um conflito, ou se derrota totalmente o inimigo (e a Rússia não é derrotável, enquanto potência, como sabe quem sabe destas coisas) ou se fala com ele para ir aferindo das hipóteses de um acordo. Pensar que o tempo corre sempre a nosso favor é uma ingenuidade perigosa.

segunda-feira, junho 11, 2018

Retrato de grupo com alguém sentado




A fotografia de Trump, sentado, tendo à volta os restantes líderes do G7, é magnífica, porque revela muito daquilo que foi o ambiente naquela reunião. 

Num registo diferente, lembrou-me uma cena passada na madrugada final da longa negociação do Tratado de Nice, em dezembro de 2000. 

Tinhamos passado dezenas de horas a debater os votos e os deputados europeus atribuídos a cada país. Uma discussão dura e complicada, em que António Guterres lutou até obter tudo, repito, tudo quanto considerou indispensável para a defesa dos interesses portugueses. Nem todos saíram daquela negociação tão satisfeitos como nós.

De súbito, lá para as cinco da manhã, quando tudo parecia apontar para um acordo “a quinze”, o primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt, pediu a palavra, para grande desespero de Jacques Chirac, que presidia à sessão, ladeado por um impassível Lionel Jospin e pelo MNE francês, Hubert Védrine, quase vencido pelo sono. O chefe do governo belga propunha que os conselhos europeus passassem a ter lugar, mais regularmente, em Bruxelas. E sugeria uma reabertura de alguns pontos, para além do ali acordado, aquilo que um ano depois viria ser a “declaração de Læken”. Chirac resistiu mas o líder belga, visivelmente pressionado pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Louis Michel, pediu uma suspensão da sessão. E foi para um “confessionário” (como no “argot” multilateral se designam os encontros restritos) com Chirac, com este acompanhado pelo indispensável secretário-geral adjunto do Conselho da UE, Pierre de Boissieu, o seu braço direito nesses dias negociais.

Minutos depois, vimos Chirac, fumegando de visível raiva, atravessar a sala, seguido de Verhofstadt. Com a sessão interrompida, os primeiros-ministros e os ministros tinham-se juntado em grupos. Um desses grupos formou-se à volta da delegação belga, discutindo os termos da proposta que obrigara àquela pausa. Eu estava por ali, discreto, para tentar perceber melhor o que os belgas realmente queriam. No centro desse grupo, sentado de costas para a mesa, estava o MNE Louis Michel. 

Chirac aproximou-se então e, confesso, quando vi a sua mão agitada no ar, pensei que ia bater em Michel, o único que estava sentado. (Daí a similitude com a fotografia do G7). “C’est vous! Vous êtes le coupable!”, gritou Chirac para Michel. Este tentou levantar-se, retorquindo qualquer coisa, mas o gigante Chirac, que parecia ainda maior perante a figura espalmada na cadeira à sua frente, não lhe dava espaço para recuperar a posição vertical. E a mão do presidente francês, com um dedo acusatório espetado, vogava já a centímetros da barba de um acossado Louis Michel. Chirac, na conversa com Verhofstadt, deve ter sabido que a exigência belga de última hora, que ameaçava a preciosa unanimidade que ele laboriosamente conseguira, era culpa do ministro dos Negócios Estrangeiros. 

Já não sei como as coisas acabaram, mas Chirac lá retomou a presidência da reunião, Michel não foi esbofeteado e nós pudémos, finalmente, fechar aquela interminável negociação.

Na foto, Trump não está a ser ameaçado de levar um par de estalos. Mas, estou certo, no grupo da foto haveria quem muito gostaria de lhos dar. Um grupo em que a única pessoa comum com a reunião de Nice é o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker.

segunda-feira, setembro 19, 2016

Os "Guedais"


Era assim que, carinhosamente, em família, nos quatro anos que vivi em Luanda, nos anos 80 donséculo passado, tratávamos os três primos lisboetas que, creio que de três em três meses, aí se revezavam, para assegurar a gestão local da Guedal, uma empresa de representação de comércio automóvel. Ele eram o Sérgio Guedes de Sousa, o José António Arantes Pedroso e o Vasco Correa Mendes. Os dois primeiros já desapareceram. O seu pouso angolano era um amplo apartamento, com um grande terraço, na rua da Missão, muito próximo dos dois locais onde vivi na capital angolana: o Hotel Trópico e um apartamento que vim a ocupar no "compound" da embaixada.

Só quem conheceu a dureza da vida em Luanda, nesse tempo de conflito militar e desoladora penúria de comércio e serviços, poderá avaliar o que foi a "bênção" de poder dispor da imensa generosidade desses três amigos, que, com frequência, nos chamavam para sua casa, para divertidas jantaradas e, nos fins de semana, organizavam caravanas a Cabo Ledo. 

Cada um desses três primos desenhava, curiosamente, um estilo diferente de vida social, durante as suas estadas. Se havia gente sempre comum (e nós, afortunadamente, pertencíamos a esse "núcleo duro", com várias outras pessoas, de que a mais animada era sempre a Ana Poppe), muitos outros convidados variavam nesses ciclos, o que coloria e diversificava os vários eventos. Comum era também a presença risonha do Manuel Guterres, um minhoto de Seixas, funcionário da Guedal, um operacional indispensável dessas ocasiões. 

Naquela casa havia um pouco de tudo, desde a zona da sala, cheia de sofás, onde passavam filmes, clássicos ou novidades, que cada um ia trazendo, fruto de encomendas ou visitas à Europa, até ao terraço sobre a baía, com mesas recheadas de vitualhas, que surgiam sabe-se lá de onde, que nos alimentavam conversas intermináveis ou relatos de episódios desse estranho mundo angolano de então. Ah! e música, com bailes improvisados que duravam até à meia-noite (a "Cinderela time" do recolher obrigatório) ou, passada esta, nos "forçava" a ficar por ali, a charlar e bebericar, pelo menos até às cinco da manhã.

Nesta minha visita a Luanda, passei em frente àquele prédio e senti uma imensa gratidão pelo gesto daqueles que, por simples amizade e simpatia, muito nos ajudaram a atravessar, com ímpar generosidade, esses tempos que só a passagem dos anos suavizou, decantando para a nossa memória afetiva apenas essas coisas boas que a sorte quis que nos acontecessem.

segunda-feira, janeiro 29, 2024

"Friends in high places"


Durante a negociação do Tratado de Nice, que Portugal chefiou no primeiro semestre de 2000, uma das questões mais polémicas era o tema das "cooperações reforçadas", da "integração diferenciada" ou da "flexibilidade", como lhe queiram chamar. Trata-se da possibilidade de um grupo de Estados poder adotar certas políticas dentro da União, sem que os outros os sigam. Para simplificar: modelos similares à moeda única ou ao acordo de Schengen.

Graças à genialidade criativa de Josefina Carvalho, a diplomata portuguesa mais competente que alguma vez conheci em matérias institucionais europeias, e que por sorte então me coadjuvava na chefia da negociação, colocámos sobre a mesa um conjunto engenhoso de propostas sobre esse assunto. Portugal foi mesmo a "vedeta" dessa discussão, que António Guterres titulou à mesa do Conselho europeu. 

Lembrei-me disso, este fim de semana, no hotel de Seteais, que, há precisamente 24 anos, ocupámos para um exercício de reflexão de dois dias, envolvendo os negociadores de todos os Estados membros, e que tinha aquele tema no centro da agenda de trabalhos.

Por essa altura, algumas delegações revelavam particular interesse pelo assunto e ajudaram-nos a desenvolvê-lo. Uma dessas delegações foi a finlandesa, dirigida por um homem magnífico, com uma serenidade ártica, o embaixador Antti Satuli, um bom amigo infelizmente já desaparecido. Antti era coadjuvado por um diplomata muito jovem, entusiasta, inteligente e imaginativo, quase "latino" na atitude, que tinha com a nossa delegação uma relação de grande cordialidade e colaboração. Chamava-se Alexander Stubb. O tema da "flexibilidade" apaixonava-o. 

Em 2002, já eu estava colocado em Viena, envolvido em outras tarefas, recebi um pedido de Alexander Stubb pedindo-me para poder usar um artigo sobre o tema da "flexibilidade", que eu tinha publicado, em tempos, num jornal estrangeiro. Queria utilizá-lo num livro que ia publicar. Acedi com gosto e, meses depois, Stubb enviou-me o livro, editado em inglês, com uma carta muito simpática. Trocámos, depois disso, um ou dois emails e, como é da regra da vida, fomos perdendo o contacto.

Eu, contudo, não o perdi de vista. Ao longo dos anos, vi-o ser, sucessivamente, deputado europeu, ministro dos Assuntos Europeus, ministro das Finanças, ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro. 

No domingo passado, Alexander Stubb ganhou a primeira volta das eleições presidenciais na Finlândia, sendo muito possível que, daqui a dias, venha a ser o próximo chefe de Estado do seu país. 

Agora, por uma qualquer razão, veio-me à memória o título de um conhecido livro do jornalista britânico Jeremy Paxman: "Friends in high places"...

quinta-feira, janeiro 22, 2015

Leon Brittan (1939-2015)


Posso correr o risco de estar a ser injusto, mas tenho a sensação de que Leon Brittan, o antigo comissário europeu que agora faleceu, não tinha um especial apreço por Portugal. Digo-o com a convicção de quem com ele lidou diretamente durante alguns anos, em especial no tempo em que dirigiu a Política Comercial da União Europeia. Nunca o vi demonstrar simpatia pelos interesses específicos do nosso país, num tempo em que o desmantelamento pautal da UE, quer no quadro da Organização Mundial de Comércio quer nos acordos bi-regionais ou com países terceiros, se fez muito à custa dos Estados membros cuja produção tinha um grau de sofisticação tecnológica que ficava aquém da média europeia.

Visitei-o uma primeira vez, logo em fins de 1995, acompanhando Jaime Gama. A corrente claramente não passou entre o então ministro português dos Negócios Estrangeiros e Brittan, que era um poderoso vice-presidente da Comissão, ao tempo sob a frágil liderança de Jacques Santer. Gama expôs-lhe as dificuldades de Portugal, com um tecido industrial em curso de reconversão, em poder praticar cedências no tocante à "oferta" comunitária nas negociações comerciais. Brittan não deu sinais de ter ficado minimamente sensibilizado. Era essa, aliás, a impressão dominante na direção-geral dos Assuntos Europeus onde eu, até então, fora subdiretor-geral.

Brittan tinha um estilo snobe, um sorriso que era um meio esgar e que facilmente podia ser lido como cínico. Sabia-se que fazia o que muito bem lhe apetecia no âmbito da Comissão, e isso mesmo tinha ficado claro para nós durante um anterior encontro com Santer, que manifestamente o não controlava e deixava disso nota. Liberal até à medula, achava que a salvação da indústria e dos serviços da Europa se faria pelos ganhos de mercado exterior dos seus setores mais avançados, com os restantes a terem de suportar o facto de estarem condenados a desaparecer. Quando lhe falávamos das falências que entretanto se sucediam em Portugal, em setores produtivos ainda com uma dimensão apreciável de mão-de-obra e sem esperanças de reconversão por qualificação, percebia-se que isso lhe era praticamente indiferente. 

Sir Leon Brittan, que havia sido "knighted" pela soberana britânica antes de ingressar na Comissão Europeia, foi uma figura com certo destaque na política interna britânica, onde havia sido ministro do Interior e teve um importante cargo no "Treasury". Era uma personalidade brilhante, de uma inteligência rápida, embora com uns modos arrogantes e "untuosos" que não éramos os únicos a considerar supinamente irritantes.

Guardo dele ainda duas outras recordações pouco agradáveis. 

A primeira, um segundo encontro, no seu gabinete, em Bruxelas, quando manifestamente se mostrou enfadado com algumas outras nossas pretensões, já não recordo em que área. Deu a certo passo um grande suspiro. Irritado, levantei-me e, caminhando para a porta, lancei-lhe: "You look very tired! I'll be back when you'll feel better". Arregalou os olhos, balbuciou umas coisas e eu saí, de cara fechada. Dois dias depois, o seu chefe de gabinete telefonou-me para Lisboa, anunciando umas ligeiras concessões, quase "microscópicas". 

A segunda vez foi em Singapura, durante a reunião de lançamento da OMC, em 1996. Pedimos-lhe um encontro, eu e o Fernando Freire de Sousa, secretário de Estado do Ministério da Economia, à margem da reunião preparatória da UE. Foi difícil mobilizá-lo para a ocasião. Transmitimos-lhe a nossa reação negativa face a um inesperado ajuste à lista de "oferta", que excedia o mandato que antes tinhamos acordado em Bruxelas. Eram mais concessões, sempre à nossa custa. Leu o "non-paper" que lhe entregámos, olhou para as "posições pautais" nele inseridas e exclamou: "Oh! Your textiles, again!". Ouviu então uma ou duas coisas de que não gostou. Transmitimos à presidência da UE a nossa posição e o mandato acabou por não "evoluir" muito em nosso desfavor. Mas não por cedência de Brittan, suponho.

Ao longo dos mais de cinco anos em que tive responsabilidades de governo na área dos Assuntos Europeus, Leon Brittan foi talvez o comissário, dentre algumas dezenas com que lidei, com quem senti mais dificuldades de entendimento.

Um dia contei aqui uma história passada num encontro entre António Guterres e Jacques Chirac. Hoje revelo que o comissário europeu referido nesse episódio era Leon Brittan. Que descanse em paz!   

quarta-feira, junho 06, 2012

Sem agenda

Um dia, António Guterres explicou-me que "numa entrevista, a nossa pior frase será sempre o título". Sei isso bem, e, em geral, tenho-me precavido. Só não consigo evitar que títulos que se tornam deliberamente enganosos possam desvirtuar o que digo.

Hoje, leio na net: "Embaixador em Paris: Portugal sem agenda para a política francesa". Ó diabo, dirá qualquer leitor, particularmente aquele que nem chega a ler o texto. Então não temos "agenda"? Isso deve ser uma coisa má! Afinal, o que é que o embaixador anda a fazer por lá, sem "agenda"?

Vai-se ao texto e o que é que eu digo à Lusa: que Portugal não tem uma agenda nacional para projetar na política francesa. O que quer isto dizer? Quer dizer que a defesa dos interesses portugueses em França não passa pela afirmação de quaisquer reivindicações em matéria de execução de políticas que se reflita na ação legislativa das estruturas parlamentares que vão sair das eleições para a Assembleia Nacional, cuja primeira volta tem lugar no próximo domingo. No que eu disse, deixei uma única exceção: o nosso interesses em procurar sensibilizar o governo francês com vista a ver aumentados os lugares de professores de português no ensino oficial, por forma a garantir linhas de continuidade ao tratamento da língua portuguesa nos diversos patamares desse mesmo ensino.

Mas que se há-de fazer! Vender jornais obriga a estes jogos ilusionistas de palavras, a estas "jongleries" circenses para captar as atenções. Vale tudo!

segunda-feira, julho 11, 2022

Guterres


Assisti ao nascimento deste livro. Fico muito feliz por esta, bem merecida, edição internacional. Um abraço, Filipe e Pedro.

O poder da China

O "red carpet treatment" dado a Putin por Xi Jiping, depois da visita que fez à Sérvia e Hungria, parece ser um sinal claro, e def...