quarta-feira, janeiro 26, 2022

A Nato, a Rússia e a Ucrânia


A tensão atual NATO-Rússia parte de duas realidades incontroversas e potencialmente conflituantes entre si.

De um lado, está o tropismo ocidental, muito estimulado pelos Estados Unidos e pelos países saídos da tutela soviética, de explorar a fragilidade de Moscovo, no pós-guerra fria, para "ganhar terreno" o mais a Leste possível. As aventuras americanas na Geórgia e até, por algum tempo, na Ásia Central (neste caso, a pretexto da luta contra o terrorismo), são disso flagrante exemplo.

Do outro lado, está a vontade da liderança russa de resgatar o sentido de derrota que, para o seu povo, constituiu o fim da União Soviética e o declínio, como potência, que daí resultou para a Federação Russa. A chefia de Putin, instituindo um regime autoritário que apenas salvaguarda os "mínimos" democráticos, parece ir bem com o sentimento maioritário de um país que se sente humilhado e, de certo modo, permanece sob um temor de "cerco".

Neste cenário de fundo, projeta-se a Ucrânia.

A Ucrânia é um "Estado-charneira", onde convivem (conviviam?) perceções antagónicas, polarizadas pelos dois "mundos" acima referidos. A razoabilidade aconselharia a que os sinais dados a Kiev, por ambos os lados, fossem no sentido de entender a sua especificidade geopolítica, com vista a combinar, com gestos de prudência, a compatibilidade com essas duas realidades.

O ocidente, na continuidade do tropismo liderado pelos EUA, que atrás referi, estimulou a reversão, num golpe de Estado de rua, de um presidente ucraniano que a comunidade internacional sempre considerou ter sido legitimamente eleito, mas que, aparentemente, tinha o "defeito" de ser pró-russo. Contribuiu assim para a implantação em Kiev de um poder político que logo sonhou com a entrada na União Europeia e mesmo na NATO.

Num ambiente de crescente agressividade face às populações russófilas e russófonas do país instituído pelo novo regime, não foi espanto para ninguém que estas reagissem no sentido de salvaguardar os direitos que tinham desde a independência do país. E parece também de falsa inocência a admiração com que se olhou para o facto da Rússia ter avançado em apoio a essas populações.

A essa manobra ocidental despudorada, que legitimou o atropelo dos direitos das populações russas da Ucrânia, correspondeu, entretanto, um avanço oportunista russo, que aproveitou o ensejo da guerra entre os seu aliados russóficos e o novo poder em Kiev para "deitar mão" à península da Crimeia, cuja tutela ucraniana lhe tinha "ficado atravessada" desde o fim da União Soviética.

O ocidente, aturdido, "bombardeou" então a Rússia com declarações fortes, comunicados graves e algumas sanções - um preço barato para uma zona de imensa importância geopolítica. No chamado "acordo de Minsk", que estabelece as bases para o cessar-fogo na guerra breve entre o governo ucraniano e os separatistas pró-russos, a palavra "Crimeia" são surge, o que já representa uma incontestável vitória russa.

Entretanto, o esperado incumprimento do "acordo de Minsk" acabou por suceder. As culpas estarão de ambos os lados, não sendo de excluir que o lado pró-russo, manipulado pelo interesse de Moscovo, seja o mais empenhado em provocar uma confrontação como a que está a ocorrer em torno de Mariupol, cidade dominada pelo exército de Kiev, e cuja tomada pelos separatistas poderia significar, para Moscovo, a concretização do "sonho" de ligação terrestre da Federação Russa à península da Crimeia, até agora uma espécie de "ilha", difícil de manter por via marítima. O aproveitamento do fator climático, isto é, a oportunidade das próximas semanas de tempo razoável para facilitação de ações militares, pode ter aqui algum papel.

Esta tensão localizada, somada a outros incidentes que mostram o que muitos sabiam já há muito - que o "acordo de Kiev" era muito difícil de subsistir -, está a criar uma crescente tensão entre a Rússia e o ocidente, isto é, a NATO, isto é, os Estados Unidos. A União Europeia tem aqui um papel subsidiário, com a Alemanha e França a "fingirem" ser poder, quando, na realidade, estão "mortas" para restabelecerem os seus negócios com Moscovo mas, ao mesmo tempo, não querem desagradar aos Estados do Centro e Leste, sob uma liderança inconstante da Polónia, cuja relação traumática com a Rússia lhes cega a racionalidade.

Estes Estados, dentre os quais os países bálticos alimentam uma linguagem mais belicista, confiam muito pouco na União Europeia e colocam todas as suas cartas na NATO, o que é o mesmo que dizer nos EUA. Porque já perceberam, e bem, que se 'isto der para o torto", só a força militar americana os pode salvar.

O drama essencial nesta conjuntura é, a meu ver, a assimetria nos modelos decisórios.

De um lado está a NATO, sujeita a regras claras, a uma "accountability" democrática, que nunca será facilmente mobilizável por pulsões "jingoístas" de alguns parceiros mais impacientes. Mais do que a sua força militar, que será tanto mais valiosa quanto não tiver de ser usada, a NATO consagra um corpo de compromissos muito fortes. Mas, precisamente porque assim é, a NATO não pode nem deve prestar-se a servir de escudo ao aventureirismo de alguns dos seus Estados, por muito importantes que eles sejam no seu seio. A decisão americana de enviar algumas centenas de pára-quedistas para a Ucrânia representa um desses atos que, sendo um risco americano na essência, configura um risco colateral para toda a Aliança.

Do outro lado está a Rússia. Para além da coreografia constitucional que lhe é própria, a realidade mostra que o poder, em Moscovo, não está sujeito a "checks-and-balances" similares aos do lado ocidental. Ora isso converte a Rússia num poder com contornos muito mais imprevisíveis no seu processo de decisão política, em particular, militar. E, por isso, os riscos potenciais do lado da Rússia são muito mais elevados.

Por tudo isto, o sentido de responsabilidade do lado da NATO torna-se ainda maior. A NATO não deve alimentar uma linguagem confrontacional e deve abster-se de atos de cariz militar, em termos de manobras e outros procedimentos de mobilização de tropas e meios de ação, que possam configurar um modelo de provocação suscetível de ser aproveitado pelo "outro lado". Noutro sentido, a NATO deveria definir no seu seio, de forma muito clara, mas sempre respeitando estritamente o seu estatuto e os mandatos multinacionais aplicáveis, o que entendem ser as "linhas vermelhas" que a Rússia não poderá ultrapassar, sem o que um conflito se tornará inevitável. E fazê-los saber a Moscovo, “alto-e-bom-som”.

A Guerra Fria provou que Moscovo é um leitor atento dos sinais claros que receba por parte de quem está disposto a fazer-lhe frente. O novo poder no Kremlin não é igual ao que existia durante a União Soviética. Por muitos defeitos que tenha, há mesmo que convir que é um pouco melhor.

(Publiquei este artigo no “Observador”, em 2015… há sete anos! Subscrevo-o linha por linha)

terça-feira, janeiro 25, 2022

À volta da Ucrânia


Pode ver aqui, entre os minutos 32 e 44, uma análise às tensões que envolvem a Ucrânia, com notas sobre as atitudes de Moscovo, dos EUA e da União Europeia.

segunda-feira, janeiro 24, 2022

Retratos


Ao longo da vida, tive várias máquinas fotográficas. Achava que, porque me “saíam” quase sempre más fotografias, a culpa era dos aparelhos, pelo que neles fui gastando algum dinheiro, sempre sem préstimo. Com o tempo e com a experiência, cheguei à única conclusão verdadeira: a culpa era toda minha, sou um péssimo fotógrafo!

Como com (quase) todos os defeitos (ou falta de qualidades) que tenho, aprendi a viver e até a ironizar com isso. E deixei de me preocupar, em absoluto, com o assunto. E como passei a usar um iPhone, agora só faço fotografias com aquilo - embora o modelo que uso já esteja a ficar para as calendas. Umas saem assim-assim, outras “de fugir”! É-me indiferente, podem crer!

No sábado, no castelo, tirei esta fotografia. Se acaso a submetesse a alguns amigos que fotografam muito bem, eles diriam, com piedade sorridente: “Não está mal!” E, intimamente, pensariam: “É uma banalidade, tipo “National Geographic” de trazer por casa, só falta um pôr-do-sol para o “kitsch” ser completo! Por que é que este tipo não se preocupa com as coisas da Abcásia ou do Saara Ocidental, que são temas de que ele ainda sabe alguma coisa?” Pois é, mas é o que me “sai”!

Fachos




Ontem, a propósito dos tempos que correm, deu-me para ler “fachos”. No caso, Salazar. Deixo-os com esta pérola. Para lembrar ”do que a casa gasta”…

domingo, janeiro 23, 2022

Boa!


É uma imensa auto-ironia esta frase do meu amigo Luís Marques Mendes.

Do mal o menos


Os “passistas” são o diabo! (Sem graças para o “diabo” que, afinal, não veio com a Geringonça). Esta tarde, a caminho do voto antecipado, encontrei um: “Então o Rio, afinal, não era assim tão mau como vocês diziam! Parecem empolgados!”. Ele: “Quem não tem cão caça com Zé Albino!” Frase felina! 

Teste

Um teste ao vosso sentido democrático: imaginem que, nas eleições de dia 30, o Chega tinha hipóteses de ganhar e que, por uma qualquer moscambilha, tinham possibilidade de impedi-lo. Faziam-no? (E não venham com a falsa simetria com o Bloco, está bem?). Não vale a pena responderem. Pensem!

Vote!

Fui votar por antecipação. Como sempre fiz no passado, mas por maioria de razão nos difíceis dias que correm, agradeci aos membros da mesa de voto a sua disponibilidade cívica para nos ajudarem a praticar a democracia.

Viena


Comprei este óleo, por uma pechincha, há quase 20 anos, num leilão no Doroteum, em Viena. Representa a Stephansplatz, onde o Graben (onde vivi, entre 2002 e 2005) encontra a Kartnerstrasse. 

De memória, passando por lá, há não muito tempo, tentei fotografar uma perspetiva idêntica. Encontrei-a agora nas minhas fotografias. Constato que não é bem a mesma coisa. 

sábado, janeiro 22, 2022

Até que enfim!




Fim de todas as portagens? Claro que sim! E já vem tarde! E também dessa obrigação, iníqua e absurda, que é o ter de pagar a água, a eletricidade, o gás, a renda de casa ou proceder à liquidação de empréstimos aos bancos - esses agiotas! Antecedendo, claro está, essa medida essencial que é a gratuitidade da gasolina e do gasóleo. Algum partido falou disto? É o falas! Estão todos feitos com a Galp, a BP, a Repsol e companhia!

E também ninguém fala, já viram? na necessidade, urgente e imperiosa, da eliminação desse abusivo (e até incomodativo) hábito que é a apresentação da conta no final das refeições, nos restaurantes, ou à saída das lojas, depois de uma simples compra. Então, se precisamos das coisas (se não precisássemos, vá lá!) há direito de alguém vir pedir-nos dinheiro por elas?! É um absurdo, mas ninguém toma uma atitude! “Não se paga nada!“ tem de ser, mais cedo ou mais tarde, a palavra de ordem na vida portuguesa. 

Finalmente, o nosso país aproxima-se, fulgurantemente, do glorioso momento de libertação em que acabará por ser proposta, por algum partido decente, essa medida, básica e mais do que justa, que é o fim definitivo de todos os impostos - um inaceitável açambarcamento dos nossos recursos privados pela sinistra máquina do Estado, para alimentar calões e políticos, uma das maiores violências a que os cidadãos continuam a ser abusivamente sujeitos. É preciso “secar” de vez essa máquina deletéria que é a administração pública!

Têm dúvidas sobre a legitimidade desta medida? Ai sim?! Então por que razão ninguém tem a coragem de levar referendo - esse tão sensato e nada demagógico nem populista método de aferição de vontade coletiva - a simples pergunta: “Quer continuar a pagar impostos?” Têm dúvidas sobre o resultado do referendo? Eu não. Mas eles não têm coragem… Cambada de cobardes, é o que é! 

Anseio, alías, pelo dia em que seja igualmente aprovada a revogação da medida - iníqua, repressiva e iliberal - que é a proibição da caça aos gambozinos, decisão de matriz gonçalvista que, estranhamente, ainda persiste no ordenamento legal nacional. O PAN não gosta? E ninguém se importa com o que pensa a CAP? E dizem-se eles democratas! 

Zambeze


Fui lá, pela primeira vez, já há muitos anos. E gostei. Volto, de quando em vez, sempre sem me arrepender. Fica a meio caminho entre a rua da Madalena e o castelo, por detrás do CDS, um pouco antes do Chapitô, com o qual partilha uma deslumbrante vista sobre Lisboa. O Zambeze apresenta uma bela e competente lista onde, juntamente com a culinária portuguesa, se podem encontrar algumas notas gastronómicas moçambicanas (tal como acontece no Ibo, no Cais do Sodré), tendo aliás ao seu serviço pessoal da mesma origem, que são de uma extrema gentileza e eficácia (mas, hoje, a cozinha esteve um tanto lenta). Come-se ali muito bem, numa excelente relação qualidade/preço. E para estacionar o carro, naquela área? já estou a presumir o leitor a perguntar. É muito fácil. O Zambeze fica no topo de um prédio com um amplo parque de estacionamento, ainda por cima com um conveniente Pingo Doce na base.

A senhora loira


Ao final da tarde de ontem, entrei na livraria Férin. Depois da Bertrand, a Férin é, seguramente, a mais antiga livraria de Lisboa. Nunca me aproximo das suas duas montras sem me lembrar da angústia de Artur Corvelo, a personagem de “A Capital”, de Eça de Queiroz, tentando perceber se o seu “Esmaltes e Jóias” estava a vender bem. Não estava.

As mesas da Férin, desde que a conheço, têm uma lógica de apresentação única, entre todas as livrarias da capital. Oferecem-nos, muitas vezes, belas surpresas, em especial em livros estrangeiros, onde Lisboa é quase um deserto. Ontem, deparei com as memórias de um diplomata brasileiro que me interessaram e que comprei. E, de caminho, lembrei-me de um episódio antigo. Logo perceberão porquê.

Foi um jantar com umas dezenas de convidados, na residência do embaixador egípcio, na Asa Norte de Brasília. Tínhamos chegado ao Brasil há poucos dias, nesse início do ano de 2005. O meu colega do Egito quis ter a amabilidade de nos convidar, quase de imediato, dando-nos assim as primeiras boas-vindas, talvez por indicação do seu antecessor, que era nosso amigo em Viena.

O jantar era um esplêndido "buffet". À entrada, soubemos a mesa que nos competiria mas, mais tarde, quando lá chegados, verificámos que não havia cartões, que era "free seating", o que não nos permitia conhecer com facilidade quem eram os nossos comparsas da refeição. Uma das exceções era eu. A embaixatriz, delicada, convidou-me para ficar à sua direita, como convidado de honra do jantar. No meu outro lado, sentou-se uma senhora, cujo nome e nacionalidade não entendi bem, na rápida e algo atabalhoada apresentação que fizemos, com outros convidados à mistura. À mesa, toda a gente se expressava em inglês. Era uma mulher loira, com a pele muito clara e um sorriso sereno. Uma interessante companheira de mesa, logo pensei.

Durante alguns minutos, conversei com a nossa agradável anfitriã. Depois, na alternância protocolar do costume, voltei-me para a vizinha do outro lado e troquei com ela algumas palavras de circunstância, de elogio sobre a comida, sobre a casa ou qualquer outro tema para encher o tempo. Na mesa, as conversas prosseguiam em inglês. Não tinha percebido a nacionalidade da senhora, mas não lha perguntei, porque não queria dar a ideia de que estivera desatento, quando ela me fora apresentada. Disse cá para mim: com o tempo, lá chegarei! Quantas vezes, na vida, isso me aconteceu! E fui-me divertindo com o processo de adivinhação. 

Desde o início, fiquei com a sensação segura de que devia ser nórdica. Talvez mulher de diplomata (pela idade dela, imaginei que o "partner" já podia ser embaixador), porque tinha um discurso bem cosmopolita. Não entrou no "talking shop" sobre a política local, típico das "chères collègues", pelo que concluí que não era, ela própria, uma embaixadora estrangeira em Brasília (eu, recém-chegado, ainda não conhecia a maioria dos meus colegas). Estava bem vestida, mas num estilo clássico, o que excluía que fosse de uma qualquer ONG. Não tinha também a linguagem viciada de algum pessoal de organizações internacionais. Não lhe notei aquelas "inspirações" quase asmáticas, tipicas das interjeições, que as norueguesas costumam fazer. E não tinha o toque "viseense" do falar islandês. O seu inglês (que não era o típico americano ou outro "nativo", o que excluía que fosse britânica ou irlandesa) não tinha o "arranhado" dos dinamarqueses, nem a tonalidade algo rural que identifica, "por uma pinta", os finlandeses. Fez um comentário simpático sobre qualquer coisa da Rússia, pelo que, de imediato, deduzi que não podia ser originária de um país báltico. E, claro, pela mesma razão, também não seria polaca. Aliás, algumas ideias que perpassavam no seu discurso, com alguma "rightousness" um tanto puritana e pouco "free-marketeer", fizeram-me afastar, em definitivo, a hipótese de ser de um antigo país comunista da Europa. É isso, por exclusão de partes, devia ser sueca! Teria estado em outro posto antes de Brasília ou não? Arrisquei:

- Did you come to Brazil straight from Sweden?

Olhou-me, surpreendida:

- From Sweden? No!

Já não tinha recuo. Tive de perguntar:

- But where are you from?

- From Brazil, of course! 

Aí dei uma gargalhada do tamanho da sala. Revelei que era o novo embaixador português (ela explicou depois que achara que eu era, imagine-se, grego!) e a "loira sueca", afinal brasileira de gema, disse-me que era diplomata, casada com um outro diplomata brasileiro, que estava sentado no outro lado da mesa. E que, curiosamente, o seu último posto fora… Lisboa! Convém ter sempre muita atenção nas apresentações, concluí, uma vez mais.

O livro de memórias que ontem estava à venda na Férin foi escrito por aquele que era então marido da senhora. E que já não o é, nos dias de hoje. Contudo, com insuperável elegância e continuada amizade, o livro também é dedicado à sua antiga mulher. Bonito!

sexta-feira, janeiro 21, 2022

Cabeças no ar



O exercício da diplomacia, em postos de elevada tensão, em países em conflito armado, necessita de escapes que permitam aligeirar os dias, permitindo conferir ao quotidiano, às vezes muito cansativo, rotineiro e exasperante, alguma graça. A imaginação joga assim um papel essencial e uma boa gargalhada, num ambiente pesado e difícil, acaba por ser um bálsamo.

Esta é uma história passada na nossa embaixada em Luanda, na primeira metade da década de 80 do século passado. Pela cidade, havia recolher obrigatório, vivíamos quase todos num mesmo prédio onde também trabalhávamos, Luanda praticamente não tinha comércio nem restaurantes, as batatas, os ovos, o café (!) e muitas outras coisas eram, por cada um de nós, adquiridas em Lisboa e chegavam, todas as semanas, pela ansiada mala diplomática. Salvava-se o sol, a cerveja, o whisky e a amizade. E a idade que então tínhamos.

No pressuposto de que a embaixada de Portugal era a mais bem informada da capital angolana - o que, aliás, era pura verdade - os nossos diplomatas eram muito procurados por colegas ocidentais sobre temas da política local, sobre a situação militar no país, para tentar “tirar nabos da púcara”, “checkar” boatos e, muito em particular para saber “quem era quem” que emergisse na “nomenklatura” do regime, qual a sua importância relativa futura no processo político decisório. Pressupunham eles que nós “bebíamos do fino”! Às vezes sim, às vezes sabíamos tanto como eles! 

Um dia, entrei no gabinete do ministro-conselheiro, José Guilherme Stichini Vilela, substituto temporário do embaixador, que estava à conversa com o seu homólogo britânico. Era um amigo comum e, não havendo segredos entre nós, sentei-me por lá.

Ouvi-o então contar ao homem do “Foreign Office” uma história espantosa, que metia cabeças humanas encontradas num saco, algures nos arredores de Luanda, tudo envolvido em contornos políticos misteriosos e não esclarecidos. Sem mostrar um mínimo de surpresa (essa impassibilidade é a atitude que se espera de um diplomata, mesmo perante a coisa mais absurda do mundo), eu estava intimamente espantado! Aquilo não podia ser verdade! Se fosse, eu teria sabido antes! A juventude tem destas coisas: eu achava então que, por ali, sabia “tudo”, que nada me escapava, da guerra ao “gossip” político de Luanda e à “futungologia”. 

Logo que saído o britânico, seguramente já a congeminar a feitura, para Londres, de um “bem elaborado telegrama” (expressão que, em outros tempos, era muito comum nas Necessidades), perguntei ao José Guilherme o que era aquilo a que eu tinha assistido. 

Ele tinha acabado de levar o “bife” ao elevador, e escangalhou-se a rir. Tinha-lhe apetecido divertir-se, fora tudo uma pura invenção! “Como eu disse ao tipo que era um mero boato que nos tinha chegado, não nos compromete”, retorquiu-me, com uma gargalhada. Acho que contámos o episódio ao cônsul-geral, Fernando Andresen Guimarães, que ainda se lembrará do assunto, mas rapidamente arquivámos a questão.

Passaram umas semanas. Pela mala diplomática, com carimbo de “secreto” e recomendação de que fosse mantida toda a confidencialidade, chegou à embaixada, de Lisboa, em papel sem timbre, numa informação oriunda “dos serviços de informação de um país amigo”, a historieta que o britânico tinha recolhido na nossa embaixada. Sem essa menção, claro. O José Guilherme, entre gargalhadas, ao ler o texto, reagiu: “ Há aqui coisas menos precisas! Ele não foi totalmente fiel à minha informação!”. Foi um momento de galhofa, à custa da “pérfida Albion”.

quinta-feira, janeiro 20, 2022

“A Arte da Guerra”


A reaproximação do Irão à Organização de Cooperação Islâmica, um breve balanço de um ano de presidência de Joe Biden nos EUA e as atribulações de Boris Johnson e do príncipe Andrew no Reino Unido são os temas desta semana na minha conversa com António Freitas de Sousa em “A Arte da Guerra”, na plataforma digital do “Jornal Económico”. 

Pode ver aqui.

David Davis


Ontem, na Câmara dos Comuns, o deputado conservador britânico David Davis lançou uma espécie de “bomba atómica” política, ao apelar, da bancada “tory”, a que o primeiro-ministro Boris Johnson saia de Downing Street.

Davis é um “maverick” da política britânica, uma figura que nunca receia a polémica. Foi o primeiro responsável ministerial para o Brexit, pasta em que ficou famoso por parecer olhar com alguma distância os dossiês técnicos e insistir em proclamações políticas incendiárias. Demitiu-se depois, com estrondo, do governo de Theresa May. Esteve então muito próximo de Boris Johnson, de quem vinha a dar sinais de afastamento nas últimas semanas e que agora parece pretender minar no seio do partido.

Conheço pessoalmente David Davis há mais de 25 anos. No final de 1995, acabado de entrar para o governo de António Guterres como secretário de Estado dos Assuntos Europeus, fui por ele convidado a ir a Londres. Era então o meu contraparte no governo britânico, como vice-ministro para a Europa. Era uma figura agradável, galhofeira, com a piada cáustica britânica, que dava ares de não se levar excessivamente a sério, o que é sinal de inteligência. É visceralmente anti-europeísta e, por mais de uma vez, deu sinais de ter ambições primo-ministeriais. 

Tinha-o conhecido bem, ao longo desse ano, em várias reuniões do “grupo de reflexão”, organizado no seio da União Europeia, para rever o Tratado de Maastricht. Portugal era representado nesse grupo pelo professor André Gonçalves Pereira, de quem eu era o “número dois”, ao tempo em que tinha o cargo de subdiretor-geral dos Assuntos Europeus.

O convite de Davis ocorreu por ocasião da primeira reunião em Bruxelas a que fui na minha nova função. Durante o almoço com os restantes colegas, Davis disse, a rir: “Um destes dias, os meus funcionários começam a ter ideias de me substituir”. Era uma referência ao facto de me ter conhecido, durante meses, como diplomata e, de um momento para o outro, ver-me no governo. Mas também era apenas uma graça: no Reino Unido, só pode ser membro de governos quem tem um assento parlamentar. Nenhum funcionário do Foreign Office, salvo de abandonar a profissão e conseguir ser eleito, pode aspirar a entrar para um governo. Com uma exceção: se for aristocrata e, por essa via, ter lugar na Câmara dos Lordes.

Na visita que fiz a Londres, Davis recebeu-me com grande simpatia, tendo mesmo feito uma entrevista conjunta comigo na BBC.

O novo governo britânico parecia inquieto quanto ao “novo” Portugal. Tentava perceber se o recém-empossado governo português, chefiado por António Guterres, ia introduzir alguma clivagem, em matéria de política europeia, face à linha seguida pelo anterior executivo, de Cavaco Silva. Alguma coisa devia ter “transpirado” de Lisboa que levava essa perplexidade. Imaginei que fosse a postura muito pró-europeísta de Guterres que estivesse a preocupar os britânicos, que cada vez se viam mais isolados no debate europeu.

Quando, depois de um almoço que me ofereceu no Foreign Office, eu disse a Davis que ia ter um encontro na nossa embaixada com um representante do Partido Trabalhista, vi-o reagir, perplexo: “Vais-te encontrar com os meus adversários?” Eu esclareci: “Quando os vossos ministros forem a Lisboa, asseguro-te que acharemos normal que eles se encontrem com figuras do PSD ou do CSD”. E rimo-nos.

De facto, a preocupação britânica tinha algum fundamento: é possível datar o início dos governos de António Guterres como o ponto de viragem para um crescente afastamento entre Portugal e o Reino Unido, no âmbito da Europa. Embora, depois de 1997, com o governo trabalhista de Tony Blair, tivesse havido alguma aproximação entre os primeiros ministros português e britânico, no terreno de Bruxelas, que me competia gerir, as dissonâncias foram sempre muito grandes, salvo nas questões de Defesa e Segurança e na atitude face à importância de manter o laço transatlântico. Nunca mais se atenuaram, julgo saber.

Veremos agora se Davis, com a sua ousada provocação a Boris Johnson, consegue o mesmo efeito que a célebre intervenção de Geoffrey Howe acabou por ter na queda de Margareth Thatcher, em 1990. Comparando o nível das personalidades envolvidas neste teatro de poder, pode talvez concluir-se que, três décadas depois, os atores têm uma grandeza bem diferente.

quarta-feira, janeiro 19, 2022

O mapa




Encontrámo-nos no Chiado, há dias. Tinhamos iniciado o nosso conhecimento em Angola. Ele pertencia a uma empresa portuguesa, eu trabalhava na nossa embaixada, onde estive colocado entre 1982 e 1986.

Já não nos víamos há muito tempo. Por isso, surpreendeu-me, quando exclamou: “Ainda me lembro do seu mapa. em Luanda!” Por um instante, não percebi. Depois, como dizem os brasileiros, “caiu a ficha”.

Em Luanda, tinha a meu cargo, além da área da cooperacão, a recolha da informação político-militar. Vivia-se a era de guerra civil, entre o Estado angolano e a guerrilha da UNITA. A nossa “intelligence”, nesse tempo, não tinha por lá ninguém dedicado ao tema. Por isso, cabia-me a mim ajudar o embaixador na elaboração dos relatórios sobre a evolução da situação que se vivia por todo país. Tarefa nada fácil. Salvo escassos voos para capitais de províncias, não nos era permitido sair de Luanda, nem tal era seguro. Tinhamos apenas um consulado em Benguela.

Acresce que o ambiente político bilateral era oficialmente muito tenso, com as relações entre os governos de Lisboa e Luanda marcadas por acusações e bastante desconfiança, potenciada esta pelo facto da UNITA atuar, em Lisboa, com uma liberdade que irritava fortemente as autoridades angolanas. Portugal era, em especial por isso, zurzido com regularidade no “Jornal de Angola”, a voz impressa do regime. 

Valha a verdade que, nos contactos pessoais locais, essa tensão era menos evidente. Os angolanos são dos povos mais cordiais com que contactei e, mesmo nesses tempos complexos, todos criámos amizades, que, no meu caso, até hoje perduram. Digo mesmo mais: se a vida era então difícil para nós, diplomatas, ela era bem mais difícil para a generalidade dos angolanos com quem contactávamos. E, paradoxalmente, era graças a essas pessoas que tudo se tornava um pouco mais fácil. Nunca esquecerei isso.

A embaixada trabalhava assim de forma deliberadamente discreta, procurando não correr o risco de pisar quaisquer linhas vermelhas, à luz dos limites que a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas impunha.

Um diplomata não é um espião, não usa meios ilegítimos, apenas coleta dados que sejam publicamente acessíveis e, naturalmente, procura juntar todos os elementos relevantes que possa recolher ou que, por qualquer via, lhe cheguem. A experiência obrigava a aferir sempre as coisas à luz de dois critérios essenciais: a credibilidade da fonte e a verosimilhança da notícia.

Luanda era um contínuo vespeiro de boatos, às vezes de desinformação. A todas as pessoas da embaixada, do Consulado-Geral ou dos serviços comerciais, chegavam diariamente “notícias”, que era preciso “recortar”, para as transformar em “informação” útil. Retirar de tudo aquilo o que pudesse ser a ”fotografia” da realidade era uma tarefa muito complicada. Mas fascinante.

Interessava-nos mapear constantemente a situação em todo o território angolano, procurando saber com precisão onde estavam cidadãos e interesses portugueses (o que, às vezes, era facilitado pelo respetivo recurso aos serviços consulares), tentando antecipar os riscos que corriam, em função da evolução do conflito no terreno, que era decisivo interpretar diacronicamente. Não podíamos, por exemplo, permitir a colocação de cooperantes, pagos pelo Estado português, em locais que entendêssemos perigosos, independentemente a opinião das autoridades angolanas. Já tínhamos mesmo pagado o preço de erros cometidos nesse âmbito.

Como é óbvio, num quadro de guerra civil, era vital ir acompanhando a relação de forças entre as duas partes, bem como as zonas por onde andavam os militares cubanos que assessoravam as forças armadas angolanas - as “gloriosas FAPLA”, na linguagem mediática oficial e única. E também era importante, no cômputo político desse tempo de Guerra Fria, onde o Portugal de então tinha o seu “lado”, saber onde e quantos “cooperantes” de “países de Leste” por ali andavam, bem como aquilo que faziam.

As conversas com cidadãos portugueses vindos das cidades do interior, nas suas deslocações a Luanda, tornavam-se importantes. Por eles, conseguiamos um retrato do ambiente que se vivia em cada cidade, da sua segurança, dos problemas de abastecimento, do ambiente social que se vivia, da atitude face às autoridades e face à UNITA. Esses portugueses eram uma espécie de “honorable correspondants”, para utilizar o modelo que a França criaram nas suas antigas colónias. Às vezes, perante a ausência de dados sobre uma determinada cidade, eu pedia ao Consulado-Geral: “ Se aparecer por aí alguém de X, liguem-me, porque gostava de falar com essa pessoa”.

Angola é muito grande, as cidades tinham mudado de nome e a guerra obrigava-nos a procurar descortinar zonas que nos eram completamente desconhecidas. Os nossos mapas, bastante precários, eram “do tempo do colono”, como então se dizia por lá.

Um dia, recebi uma proposta a que não resisti. Alguém se oferecia para me vender um grande mapa de Angola já com toda a toponímia atualizada. Era impresso na União Soviética! Preço? Duas garrafas de whisky.

O mapa não trazia nenhum segredo de Estado! Era uma mapa normal, copiado dos anteriores, com o desenho orográfico (montes e rios), as estradas (a maioria, por essa época, intransitáveis, por insegurança e degradação) e os caminhos de ferro (então parados). Ter os novos nomes das localidades dava-lhe um sentido prático inestimável.

Pressenti, contudo, estar na “borderline” das regras da Convenção de Viena. O mapa chegava-me por uma via ínvia, fora do mercado (mas onde é que estava o mercado?) A tentação falou mais alto. Comprei o mapa, coloquei-o na parede do meu imenso gabinete no edifício da então rua Karl Marx (tinha sido antes rua Vasco da Gama e é hoje avenida de Portugal) e, nos primeiros dias, foi um corropio de visitas, sob a minha constante ausência de resposta à pergunta “Onde é que arranjaste isto?”. É que, em toda a Luanda, quase não havias lojas abertas, pelo que era impensável haver um mapa “made in URSS” à venda. E eu não fora entretanto a Moscovo, onde seguramente também o não conseguiria obter.

Por esse tempo, no “Jornal de Angola”, eram publicados, com alguma regularidade, comunicados das FAPLA, onde eram (sempre) anunciadas “estrondosas vitórias” sob as forças da UNITA. Comecei a colocar no mapa pequenas marcas desses combates, com nota das datas. Acontece que a UNITA, em Lisboa, passou a difundir comunicados do teor similar, anunciando as “extraordinárias vitórias” das FALA (as suas forças armadas) sobre o “inimigo”, quase sempre também com datas dos incidentes. O mais das vezes, cada “equipa” reclamava vitória no mesmo “jogo”.

Ora a nós, mais do que quem ganhava ou perdia as batalhas, interessava-nos, como observadores, anotar a geografia dos combates. Porquê? Porque isso ia permitindo perceber que, semana após semana, a UNITA, tal como se pressentia, ia ganhando terreno e aproximando-se de Luanda. Lembro-me de, a certa altura, com base na observação cumulativa desses sucessivos episódios militares, e olhando-os sob a lógica das linhas orográficas por onde a progressão era mais fácil, chegar a prever a iminência de determinados ataques dos guerrilheiros a duas cidades. Que acabariam por ter lugar.

Um dia, tive a visita de um militar angolano no meu gabinete. Vinha por um assunto bem concreto, ligado a uma questão técnica qualquer. Olhou o mapa, aproximou-se e viu as notas com as datas dos confrontos. Antes que ele fosse mais longe em qualquer especulação, disse-lhe que tudo era retirado das comunicações oficiais angolanas e dos comunicados da UNITA. Vi que ficou algo perplexo. Desde logo, com certeza, por eu ter o mapa. Por coincidência ou não, nas semanas seguintes, as notícias divulgadas pelas “gloriosas FAPLA” passaram a ser bem menos detalhadas.

Pouco tempo depois, regressei de Luanda a Lisboa. O meu mapa “soviético”, de que o conhecido que encontrei no Chiado se lembrava, por lá ficou. Ainda ali existirá, quatro décadas depois?

terça-feira, janeiro 18, 2022

Os galos, a capoeira e coisas de pintar a manta

Na história das administrações americanas existe um conflito potencial clássico entre o responsável pelo ”Ministério dos Negócios Estrangeiros” (”State Secretary” que dirige o “State Department”) e o Conselheiro de Segurança Nacional (“National Security Advisor”). São, por assim dizer, dois ”galos” na mesma capoeira da ação externa.

É claro que houve já casos de serena coabitação entre os titulares de ambos os cargos, normalmente feita à custa do apagamento de um deles - e houve também exemplos de transição do NSA para “State Secretary”, mas não o contrário, claro. O facto de se tratar de terrenos “cinzentos”, com responsabilidades que podem conflituar, ajuda bastante à possibilidade de conflito. A circunstância do NSA estar fisicamente mais próximo do presidente tem redundado, muitas vezes, numa sua maior capacidade de influência junto do “chefe”. Mas não é irrelevante que o “State Secretary” tenha, sob o seu controlo, toda a máquina diplomática, em especial externa. Na realidade, a chave para esta equação é e será sempre o grau de audição que cada um desses protagonistas consiga obter por parte do presidente.

Resta acrescentar que, por vezes, surge um terceiro elemento que pode interferir nesta disputa, que é o “ministro da Defesa” (“Defense Secretary”) e, em casos raros, o diretor da CIA, às vezes através de jogos de alianças, que se tornam mais evidentes nas crises ou em tempos mais avançados dos mandatos.

Lembrei-me disto, há pouco, ao ler uma entrevista do NSA Jack Sullivan à “Foreign Policy”. Será que está garantida a sua compatibilidade com o “State Secretary” Anthony Blinken? Não faço ideia, embora a grande experiência de Joe Biden na área externa o torne menos dependente dos dois colaboradores principais nesse domínio, quiçá assim contribuindo para a paz inter-institucional.

E por cá, perguntará o leitor? Nós não vivemos num regime presidencialista. Embora o presidente da República tenha competências na área externa, o governo tem, nesse domínio, um papel central, quer através do ministro dos Negócios Estrangeiros, quer por via do próprio primeiro-ministro - neste caso, cada vez mais no terreno dos Conselhos Europeus, onde o nefando Tratado de Lisboa retirou visibilidade e influência direta ao chefe da diplomacia. Por isso, uma boa articulação entre o ministro dos Negócios Estrangeiros e o assessor diplomático do primeiro-ministo é essencial. E ela, ao que me chega, está bem e recomenda-se.

Mas nem sempre aconteceu no passado. A pequena história da paróquia provou que, em alguns casos, o choque de egos pode tornar-se letal. E quando, pelo meio, existia uma comunicação social que, embora tida por “independente”, era tudo menos isso, chegou a ser possível inventar, em tardes de canivetes curtos, histórias falsas de pintar a manta!

Este blogue

Os leitores atentos deste blogue - e são bastantes, em média mais de 1500 por dia - já se terão dado conta de que por aqui houve, no passado fim de semana, algumas alterações no “lay out”. Talvez se surpreendam se lhes disser que essas alterações foram involuntárias, provocadas por uma intervenção “técnica” desastrada, própria do “nabo” informático que continuo a ser. Estou a tentar regressar à “estaca zero”, mas não prometo resultados para breve, porque as horas são escassas e o saber não abunda.

segunda-feira, janeiro 17, 2022

Horta Osório



Nunca falei com António Horta Osório, mas confesso que há muito que tenho admiração por uma pessoa que, com indiscutível mérito, fez um percurso notável na banca internacional, unanimemente reconhecido. 

Por essa razão, e porque não faço parte de quantos se comprazem com a queda ou os azares dos “poderosos”, fazendo dessa atitude de cedência ao populismo uma filosofia invejosa de vida, lamento a recente crise que envolveu a sua carreira. O extraordinário trajeto profissional de Horta Osório, que está longe de ter acabado, merece melhor.

Em toda esta história, é curioso observar como a persistência cansativa da pandemia, de certa maneira, nos acaba por igualar humanamente. Afinal, nós e esses “poderosos” somos feitos da mesma massa e, perante situações quase limite, acabamos por revelar forças ou fragilidades insuspeitadas.

domingo, janeiro 16, 2022

A polémica do dia

Pronto! Com a decisão australiana sobre o tenista sérvio está criado um folhetim com todos os ingredientes: vedetas, política, teorias da conspiração e até pandemia. O mundo vive para consumir (e discutir) este tipo de histórias. Até à próxima.

Coisas simples

“Olha! Está um belo dia de sol!” Com os anos, dei por mim a valorizar cada vez mais as pequenas coisas positivas do quotidiano, mas, igualmente, a fazer um esforço para tentar preocupar-me o mínimo possível com o que acaso me corre mal, desde que não sejam coisas essenciais. Se chego junto do meu carro e vejo que tem um (novo) risco na pintura, digo cá para mim “que chatice!”, mas tento passar logo adiante, na lógica de que “o que não tem remédio remediado está”. Se perco a carteira, com os documentos, dou a mim mesmo um quarto de hora para me irritar, antes de ”esfriar” e tentar passar adiante, listando o que há a fazer para cancelar o cartão de crédito e ter um novo cartão de cidadão (Bem me basta tê-los perdido! Que me adianta aborrecer-me mais?) Esta técnica de viver, desde há uns tempos, inclui não ver praticamente telejornais, nem ler, nos jornais, notícias com títulos sobre “o que correu mal”. Dou-me conta de que também fujo, cada vez mais, aos “dramalhões” do cinema, às obras (mesmo que primas) angustiadas, às tragédias, aos filmes (mesmo que imperdíveis) e aos livros que “fazem pensar” e a coisas assim. (Alguns dirão: estás a perder coisas essenciais da vida). Por que será que “ando” assim ? Não tenho uma ideia segura, embora pense que talvez tenha a ver com o facto do hoje ser o primeiro dia do resto da minha vida, de estar sol e de eu achar que tenho ainda de aproveitar a tarde, porque a manhã já se foi. Deixo-os com esta filosofia de pacotilha, antes de ir almoçar, com bons amigos, a um restaurante sobre uma praia. Não compliquemos a vida! 

sábado, janeiro 15, 2022

“Lamassa”


É no meio do Estoril, terra com ruas onde sempre me perco. Instalações simples, arejadas, sem luxos. Tem poucos lugares. Ou se vai às 19:00 ou às 21:00. O serviço é atento, profissional, diligente. Tem uma lista de vinhos que surpreende. A conta foi justa. Come-se muito bem no Lamassa, a julgar pela experiência, que há que repetir. Lead: Pelos vistos, há um belo italiano no Estoril.

Campanha

Embora tenha visto poucos debates, mas pelas sínteses que vi e pelo que fui lendo, fiquei com a sensação de que esta campanha eleitoral está a ser esclarecedora e útil, salvo na prestação de alguns cromos histriónicos que tentam compensar pelo basqueiro a rerefação nas ideias.

Tréguas hipócritas

Depois do debate Costa-Rio, assistimos a valentes exercícios de hipocrisia. Pedronunistas mortos por ver Costa pelas costas juraram a pés juntos que o primeiro-ministro tinha arrasado. Passistas em travessia do deserto foram enfáticos nas loas à prestação daquele que detestam ver na liderança. No dia 30, tudo volta à normalidade.

É isto!

 


Quando teremos esta coragem? 

sexta-feira, janeiro 14, 2022

“If you go to San Francisco…”


Quem me mandou a mim procurar o link tão tarde?! Já estão esgotados os voos Madrid-S. Francisco por 190 euros!

Enfim, fiquei a recordar aqui

Juízo independente

No Reino Unido, o comportamento de Boris Johnson está a ser avaliado por uma “senior civil servant”, isto é, uma funcionária pública de nível elevado.
 
É com base nesse juízo, independente, expresso num relatório que vai apresentar, que o futuro daquele governante será avaliado. 

Algum político, em Portugal, admitiria ser avaliado desta forma?

quinta-feira, janeiro 13, 2022

O debate


Gostei muito da perspetiva de Rui Rio sobre a crise ucraniana. Mais claro não podia ter sido! Vi ali o dedo dos conselhos do meu amigo Tiago Moreira de Sá. E que me dizem às reticências de António Costa quanto à posição da Nato sobre os mísseis de curto alcance? Pareceu-me descortinar, no que disse, uma ligeira dissonância com o que o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, afirmou hoje de manhã. Mas pode ter sido impressão minha. Revelador é que nenhum dos dois tenha querido ir mais longe na questão da China. Por que terá sido? E o que é que Rio quis dizer naquela sua referência ambígua a Angola, na sequência da pergunta de Clara de Sousa? Costa interrompeu-o e mudou logo de assunto. Achei estranho. Parecia ”langue de bois” do velho ”bloco central”. No fim de contas, satisfez-me que a política externa, ainda que não muito desenvolvida no tocante aos países da lusofonia, tenha garantido uma parte interessante nos debates.

O tal…

Parece que o debate Costa-Rio já começou. Estou a jantar e a conversar sobre outras coisas que não a política. À noite verei, com interesse, mas sem pressa.

“A Arte da Guerra”


A revolta no Casaquistão, o folhetim entre a Ucrânia e o ocidente a propósito da Ucrânia e o reacender do separatismo sérvio na Bósnia-Herzegovina são os três temas que, esta semana, discuto com o jornalista António Freitas de Sousa no podcast do “Jornal Económico”, que pode ver clicando aqui: https://youtu.be/wwabaO3TyxQ

CDS

Certos eleitores do CDS devem sentir-se pouco confortáveis ao verem o seu partido, que sempre se deu ares de sereno e responsável, ser representado por um miúdo esgazeado e aos berros, com frases feitas trazidas num papel. Além de que levantar a voz denuncia sempre desespero!

quarta-feira, janeiro 12, 2022

Quem quer ser diplomata?


Conhece alguém que deseje entrar para a Carreira Diplomática? Avise-o de que vai haver, em breve, um concurso de acesso ao MNE. E que a Universidade Autónoma de Lisboa tem, uma vez mais, um curso de preparação que ajuda os candidatos a prepararem-se para esse exigente exame.

Lech Walesa


Li, há momentos, que Lech Walesa passa por sérios apuros financeiros, com uma escassa reforma e com a pandemia a ter suspendido o circuito internacional de conferências em que se apoiava financeiramente. Vende agora fotografias autografadas para sobreviver. 

Em 1998, acompanhei Jorge Sampaio na sua visita de Estado à Polónia. À margem da última cerimónia oficial, perguntei a um destacado responsável polaco, que, por acaso, conhecia bastante bem Portugal, por que razão, em nenhum dos momentos da visita, que tinha incluído receções a que tinham estado presentes dezenas de figuras da vida pública polaca, no que me pareceu ser uma relativa abrangência, nunca surgira Lech Walesa, seguramente a mais conhecida personalidade política da Polónia democrática.

Notei que o meu interlocutor ficou um pouco perplexo. Respondeu-me com duas perguntas.

A primeira foi saber se acaso Jorge Sampaio teria gostado de encontrar Walesa. Disse-lhe que não sabia, que não tinha comentado isso com o presidente, mas que, pelo interesse que colocara em conseguir uma visita ao estaleiro naval onde Walesa se notabilizara, em Gdansk, estava certo que isso teria agradado a Sampaio. O homem ficou a pensar, por um instante e fez-me uma segunda pergunta: “Vocês, em Portugal, convidam o Otelo Saraiva de Carvalho para as cerimónias oficiais, na visita de um chefe de Estado estrangeiro?”

Disse-lhe que era uma comparação com pouco sentido. Otelo nunca tivera funções de Estado no Portugal democrático, tinha tido problemas sérios com a justiça, pelo que era natural que não integrasse a “lista social” do protocolo português. Ora Walesa tinha sido presidente por cinco anos e fora um destacado Prémio Nobel da Paz, com forte prestígio internacional. Mas percebi aquela tentativa “maladroite” de criar um paralelo entre dois heróis da liberdade. E o assunto acabou por ali.

Numa outra qualidade, passei a visitar a Polónia, com alguma regularidade, já na última década. Um dia, falei a alguém de Lech Walesa. “Gostava de o conhecer?”, perguntou-me essa pessoa. Referi que, se isso pudesse ter lugar, acharia com certeza interessante. 

Meses mais tarde, já lá vão uns bons anos, essa ocasião foi-me proporcionada. Fiquei sentado ao lado de Walesa, num jantar, conversámos bastante, embora via intérprete, durante toda a refeição. Não me recordo de ter sido uma conversa particularmente fascinante. 

Walesa é uma personalidade simpática, algo histriónica, loquaz. A minha principal curiosidade era tentar ouvi-lo falar sobre figuras polacas que cruzara, como o general Jaruselski, Tadeus Mazovjecki ou Bronislaw Geremek Mas também gostava de o ver observar os principais líderes internacionais que contactara, comentar a situação política interna mais recente, as relações com os EUA e a Rússia, as questões bielorrussa e ucraniana, a sua perspetiva sobre o papel polaco na Europa, etc. Talvez tenha sido fruto da existência de um intérprete de permeio, o que corta sempre o tempo por metade, mas não guardei nada de marcante que Walesa me tenha dito, além de algumas generalidades e anedotas (no sentido anglo-saxónico de “anecdote”). E, no entanto, ele falou todo o tempo e eu costumo ter boa memória para o essencial. Guardei, mesmo assim, uma fotografia do momento.

A vida de Walesa deu muitas voltas, e não para melhor. Há tempos, vi Mikhail Gorbatchov fazer anúncios às malas Vuitton. As coisas, às vezes, não são fáceis para alguns políticos que, tendo andado na crista da onda da História, acabaram submergidos por ela, restando-lhes apenas esperar que a memória futura dessa mesma História lhes não seja madrasta.

terça-feira, janeiro 11, 2022

Jornalismo?

Foram inqualificáveis algumas das perguntas a que Jerónimo de Sousa foi sujeito por parte de certos ditos jornalistas, na conversa televisionada que hoje teve, antes do seu internamento. Que tristeza!

Nas redações, não há chefias, não há sensibilidade, ninguém ensina nada a quem, manifestamente, sabe muito pouco do “métier”?

segunda-feira, janeiro 10, 2022

Rússia

Há pouco, recebi do António Freitas de Sousa, o jornalista com quem faço, para o “Jornal Económico”, o programa “A Arte da Guerra”, a lista com a proposta dos três temas a abordar esta semana. Reparo que todos, direta ou indiretamente, se ligam à Rússia. Para aquela que alguns dizem ser uma “potência regional” (Obama dixit), não parece nada mal…

domingo, janeiro 09, 2022

Poesia no mato


Já me tinham falado no livro. Embora, como há dias me notava António Alberto Alves, o culto livreiro da “Traga-Mundos”, em Vila Real, aquilo seja “bastante mais do que um livro”. Mas já lá vamos!

Jorge Ginja foi um médico que nos deixou vai para dois anos. (Falei dele aqui). Desde os anos 80, o Jorge tinha feito de Vila Real a sua terra. 

Por ali foi figura ativa na política, na promoção cultural e, naturalmente, na sua profissão. Tinhamo-nos conhecido e ficado amigos no Teatro Universitário do Porto, em 1966/68. Fui-o, entretanto, reencontrando, a espaços, quando passava pela já também sua cidade. 

O Jorge, soube agora, tinha ficado amigo de Mário Viegas, um ator e “diseur” que teve vasta obra e curta vida. Viegas entrou para o TUP no ano em que saí do Porto, pelo que só vim a conhecê-lo (embora mal) quando, por acaso, ambos “fizémos tropa”, na Administração Militar, em Lisboa, em 1973/74.

Antes, no final dos anos 60, quando foi mobilizado para a guerra colonial, Jorge Ginja tinha pedido a Mário Viegas para gravar, em fita, um conjunto de poemas e textos teatrais que selecionou. Levou essa gravação consigo, para África.

Agora, a família de Jorge Ginja recuperou essa gravação, com 31 inéditos de Viegas. Com os poemas e os restantes textos ditos, fez-se o belíssimo livro “Voz Própria”, sintetizado no subtítulo “Poesia, Resistência e Liberdade”, editado pela “In Libris” e pela Direção-geral de Cultura do Norte. O volume integra dois CD com a declamação dos poemas e outros textos feita por Mário Viegas. O livro, ao lado de cada poema, também insere um código de leitura (QR Code) que permite ouvir essa voz num simples telemóvel. Aqui fica a explicação da razão por que, afinal, “é mais do que um livro”.

Dei esta obra a mim mesmo, como prenda de Ano Novo. Toda a gente oferece prendas no Natal, eu resolvi inovar. Fi-lo, porém, com a rara certeza de que o destinatário da oferta ficava contente ao recebê-la. Diria mesmo mais, tive tanto prazer em dar este livro como tive em recebê-lo. São coisas que dão algum trabalho mas, com imaginação e organização, se conseguem fazer.

“A Arte da Guerra”

“A Arte da Guerra”, o podcast no Youtube editado pelo “Jornal Económico”, onde semanalmente falo sobre questões internacionais com o jornalista António Freitas da Costa, passou, em 2022, a ser emitido às 11:00 horas das quintas-feiras.

Para ver e ouvir o programa, onde introduzimos algumas novidades de forma, à hora que quiser, pode sempre clicar no link que surge neste blogue, na página do Facebook do “Económico” ou nas minhas próprias páginas no Facebook ou no Twitter. 

Na primeira edição de 2022, falámos das próximas eleições presidenciais em Itália, na inesperada nova conflitualidade que surgiu na vida política no Sudão, bem como na crescente perceção de que a escolha do novo presidente da Líbia, que vem a ser adiada desde 2018, pode, uma vez mais, não acontecer.

Para ver, clique aqui.

Africa, adeus!


As guerras coloniais, as guerras do Ultramar, as guerras de libertação ou as guerras de África - cada um fique na sua, de acordo com a opção que escolher - mobilizaram a sociedade portuguesa entre 1961 e 1974, nas três frentes de combate. 

Este post não quer dar para o peditório dessa luta semântica (e peço, a bem da serenidade política, que ninguém vá por aí!). O seu objetivo é, muito simplesmente, dar conta da recente publicação, com o apoio da Câmara Municipal de Vila Real e de outras entidades, do livro “Adeus… até ao meu regresso!”. 

Trata-se de uma recolha de fotografias pessoais, intercaladas por alguma iconografia, cedidas por 56 cidadãos, oriundos do concelho de Vila Real, que estiveram mobilizados nas três frentes de combate. São, quase sempre, imagens de momentos descontraídos, mas não só, nesses anos que muito devem ter custado a passar a quem se vestiu de verde e teve uma arma na mão. Pelas páginas do livro, encontrei muita gente conhecida. 

Esta edição, sem fins lucrativos, à qual de associou a Liga dos Combatentes, presta também um homenagem às dezenas de cidadãos do concelho de Vila Real que perderam a vida nessas guerras.

Não faço ideia se, em outras localidades do país, alguém já procedeu a compilações idênticas. Nunca vi. 

Acho que esta foi uma excelente iniciativa, no centro da qual constato que esteve, além do meu velho amigo Carlos Almeida, a figura de Duarte Carvalho, um vila-realense que, nos últimos anos, se tem dedicado a publicar interessantes obras de recolha fotográfica sobre a cidade de Vila Real. Sinceros parabéns a ambos!

sábado, janeiro 08, 2022

Ao sábado, claro!


Só hoje li o “Expresso” de ontem. Ainda estou a adaptar-me à ideia de que o jornal vai passar a sair às sextas-feiras. O “Expresso”, para mim, rima com o sábado. Esta semana, o “Expresso” fez 49 anos e também faz 49 anos que, sem uma falha, eu compro o “Expresso”, isto é, os 2567 números que saíram até agora. Foi precisamente esta semana que os “hackers” fizeram um assalto informático à Impresa, proprietária do jornal e da SIC, roubando dados, tentando paralizar a sua estrutura de produção. Fazendo das fraquezas forças, o “Expresso”, tal como a SIC, conseguiu manter-se em atividade, provando uma saudável vitalidade, ou, como agora alguns dizem, a sua resiliência. Foi muito bom que assim fosse, a bem da pluralidade da informação. Nem sempre gosto do “Expresso” que semanalmente me chega, acho que o jornal vive ideologicamente muito enviezado, parece ter abandonado, sem o assumir, alguma neutralidade que lhe deu prestígio, e, tal como alguns restaurantes que conhecemos, “já não é o que era”. Valha a verdade, toda a informação está hoje muito diferente do que já foi. Para o bem e para o mal. E a nossa exigência mudou. É que, embora teimemos em dar a ideia de que continuamos a ser os mesmos, também não somos. Para o bem e para o mal, também! É a vida, que eu desejo longa ao “Expresso”.

sexta-feira, janeiro 07, 2022

Injustiça

Aconteceu com Miguel Macedo, acontece agora com Azeredo Lopes. A justiça contribuiu para a desgraça pública de figuras políticas, ao ter dado armas, com acusações insensatas, para a sua condenação, naquela que é a verdadeira primeira instância, sem apelo - a má língua de rua, os títulos indignados da imprensa, as incendiárias peças telelevisivas. E agora, constatado o seu rotundo fracasso, a essa justiça, não acontece nada? A injustiça da justiça fica sempre impune?

O adversário ausente

Dei comigo a perguntar que consequências podem resultar do embate televisivo entre António Costa e André Ventura, que acabo de ver.

Estamos perante dois “campeonatos” diferentes: não acredito que Ventura tenha conseguido deslocar sequer um voto de um eleitor que estivesse a pensar votar no PS, do mesmo modo que só por milagre alguém que estivesse inclinado a votar no Chega se convenceu, subitamente, das vantagens “do socialismo”, só por ouvir Costa. Não creio que “le coeur balance” entre o PS e o Chega no peito de muita gente.

Ventura está neste jogo para segurar o que for possível do meio milhão de votos que obteve nas presidenciais. O seu mercado eleitoral são faixas à direita que, orfãs de Passos ou de um outro PSD que fosse um seu “genérico”, se não reveem na moderação de Rui Rio, vivem irritadas com a “cumplicidade” de Marcelo com Costa e podem sentir-se tentadas a usar o voto no presidente do Chega para “partir a louça e depois logo se vê”.

Os slogans populistas e simplistas de Ventura, convocando indignações de vários matizes, têm eco em imensos ouvidos - mesmo nos de alguns que não vão votar nele: “o tipo até diz algumas verdades, mas não transmite confiança e já se sabe que não ganha”, ouve-se, às vezes. É por isso que o adversário de André Ventura, em qualquer debate, se chama, apenas e só, Rui Rio. Este é o terreiro da sua “guerra”.

O eleitorado potencial de António Costa é, como é natural, muito mais complexo.

Além do PS, que é, com razão, “taken for granted”, Costa quer ser visto, neste confronto com Ventura, como o representante da esquerda “eficaz”. Quero com isto dizer que Costa pretende vir a assegurar o apoio de muitos adeptos da Geringonça que, no passado, tendo sido capturados afetivamente pelo voto “útil” no PCP e pelo Bloco, para evitar que o PS tivesse excessivo poder, acordaram um dia com um orçamento chumbado e, tal como no PEC IV em 2011, para seu susto, pela mão da mesma esquerda em quem tinham confiado, viram aberto o caminho a um possível regresso da direita ao poder. Costa tenta demonstrar a essas pessoas, a maioria das quais votou Ana Gomes nas presidenciais, que, afinal, votar PS nas legislativas evitaria os riscos que agora se confirmaram. É o discurso do “eu não dizia?”

Mas Costa também fala para um outro eleitorado flutuante, bem mais importante em termos quantitativos, aquele que, às vezes, também vota PSD e que ele tenta agora captar com o seu estilo “statesmanlike”, forte dos galões que crê ter ganhado na luta contra a pandemia e no desenho das políticas económicas compensatórias para fazer face aos seus efeitos. Embora com destinatários de mensagem em geral diferentes dos de Ventura, também aqui o seu adversário se chama Rui Rio, face ao qual Costa pretende ser visto como um operador governativo incomparavelmente mais capaz, numa conjuntura difícil, onde “não convém arriscar”.

Ontem à noite, Rui Rio deve ter ficado com as orelhas a arder. 

quarta-feira, janeiro 05, 2022

Macron


Foi isto que Macron disse e que está a agitar a França. 

Penso como ele.

Sousa Mendes


Ao folhear a minha coleção da “Ilustração Portuguesa”, deparei com um antigo colega, conhecido de todos nós, numa notícia de 1918. O referido “elogio dos seus superiores” não se manteria, como bem sabemos, até ao termo da sua carreira.

terça-feira, janeiro 04, 2022

As teses de janeiro

Do que Rui Rio disse no debate com André Ventura ficou clara uma coisa: o PSD não fará um governo que inclua o Chega mas estará aberto a negociar o seu apoio parlamentar em troca da reinterpretação "semântica" que fará das propostas mais radicais desse partido.

Sob pena de uma revolta interna que, com toda a certeza, ameaçaria a própria liderança, uma direção do PSD nunca poderá vir a admitir, como não admitiu no Açores, que havendo a mínima possibilidade de afastar o PS do poder, isso não viesse a ocorrer apenas pelo "prurido" de poder necessitar de ter, para tal, o apoio do Chega.

O Chega, nessa circunstância, sacrificar-se-á, “por patriotismo", como única forma de afastar "o socialismo do governo", desistindo, no segundo seguinte, das suas “imprescindíveis” (se bem que implausíveis) pastas ministeriais, passando a aceitar que o PSD, num jogo de "ambiguidade construtiva", recupere pontualmente "o essencial" das suas bandeiras. O eleitorado do Chega não perdoaria a André Ventura uma atitude diferente.

Os eleitores do Chega, como Rui Rio bem sabe, não nasceram do nada: vieram, essencialmente, do eleitorado tradicional do PSD e, tal como grande parte da IL (neste caso, há que contar com caras novas), só se organizaram autonomamente pela mera razão de que Passos Coelho já não estava na liderança do PSD.

Custa-me a dizer isto por alguns amigos, mas, em face do radicalismo (diverso, mas radicalismo na mesma) que hoje o Chega e a IL representam, sou obrigado a recordar que essas linhas já estiveram dentro do PSD, isto é, o PSD era também aquilo. No final de contas, o PSD foi o partido em que André Ventura era dirigente.

Correr com eles

O meu colega e amigo Luís Filipe Castro Mendes, na sua hebdomadária tribuna opinativa no ”Diário de Notícias”, que um elementar exercício de bom gosto obriga a que nunca perdamos, faz hoje uma excelente incursão pelo que nos espera, no ano que ora já pisamos.

Pena é que tenha pousado uma grave gralha naquele belo texto, de onde respigo o excerto:

”Esperemos e lutemos por que de todos estes invernos do nosso descontentamento não venha ainda mais avassalar-nos o vírus fascista. É certo que, segundo a melhor ciência política, o fascismo nunca existiu (parece que nem na Itália...). Mas, parafraseando o provérbio, "fia-te na ciência política e não corras e verás o que te acontece!" “

Ora bem. Como é óbvio, onde está ”não corras e verás” deveria estar ”não corras com eles e verás”. É que a fórmula publicada na “folha da Moagem” dá ideia de que devemos fugir. Na realidade, eles é que devem ser corridos à nossa frente!

Estou certo que, na reedição da tarde do prestigiado periódico, o erro não deixará de ser corrigido.

segunda-feira, janeiro 03, 2022

Rio - Ventura

Rui Rio esteve bastante mal, atropelado por André Ventura, sempre à defesa, sem conseguir segurar o debate. Para o eleitorado potencial do Chega, o discurso de André Ventura funciona em pleno. A continuar neste registo embaraçado, Rui Rio não convencerá os eleitores. Foi uma boa noite para António Costa.

Mais papistas…


Em 2017, Jaime Nogueira Pinto foi convidado por um grupo de estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, para aí fazer uma palestra.

Levantou-se logo uma onda de protestos pelo facto de um “fascista” ali ir tomar a palavra, com imediatas ameaças de boicote. O movimento foi liderado por alunos tidos como afetos ao Bloco de Esquerda. A palestra, para evitar os incidentes que se anunciavam, viria a ser cancelada, numa decisão que não foi isenta de alguma polémica. (Conheço bastante bem o assunto porque, à época, eu próprio era membro do Conselho daquela Faculdade).

Lembrei-me disto, há dias, ao ver Jaime Nogueira e Fernando Rosas em ameno e urbano debate na CNN Portugal. E recordei-me, também, que, já em 2016, eu havia feito parte de um painel de debate, em Cascais, com outros dois convidados: Jaime Nogueira Pinto e … Francisco Louçã.

Afinal, constata-se que dois fundadores do Bloco de Esquerda não se sentem nada incomodados por contracenarem com Jaime Nogueira Pinto. Como, aliás, há muito tempo, conhecidos militantes do PCP - primeiro Rúben de Carvalho, agora Pedro Tadeu - dialogam com ele, com regularidade semanal, na rádio pública.

Os excitados seguidores do Bloco na FCSH na Nova, que se constata terem sido “mais papistas do que o papa”, é que são capazes de ainda não se terem dado conta disso. E se alguém os avisasse?

Debates

Ficar desobrigado de dar opinião sobre quem ganhou um debate eleitoral, muito simplesmente por não ter assistido a ele, é uma imensa sensação de liberdade, podem crer. Aconteceu-me ontem à noite.

A mensagem

Confesso que, particularmente este ano, teria gostado muito de ouvir o comentador televisivo Marcelo Rebelo de Sousa fazer a exegese crítica da mensagem de ano novo do presidente da República portuguesa que, por curiosa coincidência, é seu homónimo.

domingo, janeiro 02, 2022

Vista (2)

 … e aposto em como também não foram ao miradouro de S. Pedro de Fontes, ali perto de Santa Marta de Penaguião! 

Vista


Já foram ao miradouro (de onde se mira mesmo o Douro) de S. Domingos de Fontelo, a caminho de Armamar? Não foram, pois não?

“Vamelàver” poucos

De toda a imensão (insana!) de debates pré-eleitorais, tenciono ver uma meia dúzia, no máximo (AC-RR, RR-AV, AC-AV, CM-JS, CF-AV, RR-CF).

Dos restantes, espero que surjam, em qualquer lado, os mais notórios “soundbytes” e, se me constar que alguma coisa terá valido a pena, irei à “pesca” retroativa do que se tiver passado.

sábado, janeiro 01, 2022

Não é?

Constou-me, de fontes que me dizem ser da máxima confiança, que 2022 vai ser um ano magnífico. Inquiri sobre se os meus amigos estavam incluídos. Disseram-me que sim. Como não tenho a menor razão para desconfiar da pessoa a quem ouvi isso, até porque nunca a tinha visto antes, só posso acreditar, não é?

Em atraso


Chegamos ao dia de Ano Novo e damos conta de que ainda há cartões de Boas Festas por responder.

(a sério: uma relíquia que, há muitos anos, recebi de um amigo)

A linha da data


- Ó doutor! O boletim está mal preenchido. Falta um dia! Assim, sai prejudicado!

Eu sabia a razão pela qual aquela simpática funcionária do “quarto andar”, dos “serviços centrais” do MNE, entendia que havia um lapso no boletim de viagem que eu tinha apresentado, depois de uma deslocação a uma reunião nas Fidji, em março/abril de 1990.

A senhora tinha notado que “faltava um dia”. E era ”verdade”: tinha saído num voo de Honolulu, no Havai, na tarde de uma terça-feira e, escassas horas depois, havia aterrado em Nadi, nas Fidji, ao fim da tarde de … quarta-feira!

- Mas então o doutor onde é que dormiu na terça-feira?

Fazer entender que, no percurso entre o Havai e as Fidji, eu tinha atravessado a famosa “linha internacional de mudança de data” não era coisa fácil.

Convocando a curiosidade de algumas colegas da senhora, nas mesas ao lado, lá fui explicando que, quando se anda à volta do mundo, de oriente para ocidente, vai-se “ganhando tempo” e, ao passar aquela linha imaginária - que sai do polo norte pelo estreito de Bering para atravessar, com uns zigue-zagues, o Pacífico, até à Antártida - se muda “subitamente” de data. Ao longo daquela minha viagem à volta do mundo, os meus dias tinham tido assim cada vez mais horas, pelo que, no final, eu “perdera”, ou “ganhara”, dependendo da perspetiva, um dia.

Não acredito que a explicação tenha sido de todo convincente. Valia-me a circunstância de eu estar a pedir “um dia a menos de ajudas de custo”. Devia ser o bom e o bonito se acaso fosse o contrário!

Há pouco, quando vi, na televisão, o fogo de artifício em Sidney, na Austrália, recordei outra conversa que havia tido em Lisboa, em meados do mês de dezembro.

Foi com uma jovem, de vinte e poucos anos, que me dizia que há muito que alimentava o sonho de ir passar o início de ano à Austrália, “o sítio mais distante onde, por causa da diferença horária, cada ano novo começa”. As reportagens televisivas têm este efeito.

Disse-lhe: “Está enganada! Se quiser estar no sítio mais distante, a oriente, onde o dia 1 de janeiro começa, vá às Ilhas Menores, no Pacífico. Depois de comemorar o ano novo ali, se tiver dinheiro, apanhe um avião para o arquipélago de Kiribati. Ainda pode passar lá o resto da … véspera, do dia 31 de dezembro do ano anterior. E, assim, pode voltar a celebrar ali, de novo, … o ano novo!”

Olhou para mim com um ar de pouca crença! Vou recomendar que leia “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, de Jules Verne. Está lá tudo explicado.

Tarde do dia de Consoada