sexta-feira, janeiro 07, 2022

O adversário ausente

Dei comigo a perguntar que consequências podem resultar do embate televisivo entre António Costa e André Ventura, que acabo de ver.

Estamos perante dois “campeonatos” diferentes: não acredito que Ventura tenha conseguido deslocar sequer um voto de um eleitor que estivesse a pensar votar no PS, do mesmo modo que só por milagre alguém que estivesse inclinado a votar no Chega se convenceu, subitamente, das vantagens “do socialismo”, só por ouvir Costa. Não creio que “le coeur balance” entre o PS e o Chega no peito de muita gente.

Ventura está neste jogo para segurar o que for possível do meio milhão de votos que obteve nas presidenciais. O seu mercado eleitoral são faixas à direita que, orfãs de Passos ou de um outro PSD que fosse um seu “genérico”, se não reveem na moderação de Rui Rio, vivem irritadas com a “cumplicidade” de Marcelo com Costa e podem sentir-se tentadas a usar o voto no presidente do Chega para “partir a louça e depois logo se vê”.

Os slogans populistas e simplistas de Ventura, convocando indignações de vários matizes, têm eco em imensos ouvidos - mesmo nos de alguns que não vão votar nele: “o tipo até diz algumas verdades, mas não transmite confiança e já se sabe que não ganha”, ouve-se, às vezes. É por isso que o adversário de André Ventura, em qualquer debate, se chama, apenas e só, Rui Rio. Este é o terreiro da sua “guerra”.

O eleitorado potencial de António Costa é, como é natural, muito mais complexo.

Além do PS, que é, com razão, “taken for granted”, Costa quer ser visto, neste confronto com Ventura, como o representante da esquerda “eficaz”. Quero com isto dizer que Costa pretende vir a assegurar o apoio de muitos adeptos da Geringonça que, no passado, tendo sido capturados afetivamente pelo voto “útil” no PCP e pelo Bloco, para evitar que o PS tivesse excessivo poder, acordaram um dia com um orçamento chumbado e, tal como no PEC IV em 2011, para seu susto, pela mão da mesma esquerda em quem tinham confiado, viram aberto o caminho a um possível regresso da direita ao poder. Costa tenta demonstrar a essas pessoas, a maioria das quais votou Ana Gomes nas presidenciais, que, afinal, votar PS nas legislativas evitaria os riscos que agora se confirmaram. É o discurso do “eu não dizia?”

Mas Costa também fala para um outro eleitorado flutuante, bem mais importante em termos quantitativos, aquele que, às vezes, também vota PSD e que ele tenta agora captar com o seu estilo “statesmanlike”, forte dos galões que crê ter ganhado na luta contra a pandemia e no desenho das políticas económicas compensatórias para fazer face aos seus efeitos. Embora com destinatários de mensagem em geral diferentes dos de Ventura, também aqui o seu adversário se chama Rui Rio, face ao qual Costa pretende ser visto como um operador governativo incomparavelmente mais capaz, numa conjuntura difícil, onde “não convém arriscar”.

Ontem à noite, Rui Rio deve ter ficado com as orelhas a arder. 

9 comentários:

Luís Lavoura disse...

Não creio que “le coeur balance” entre o PS e o Chega no peito de muita gente.

Parece-me que o Francisco erra totalmente neste ponto.

Tal como em França houve muitos eleitores que transitaram do Partido Comunista para a Frente Nacional, também cá poderá haver (quiçá muita) gente que vota usualmente nos partidos do sistema mas que, a qualquer momento, se farta deles.

Luís Lavoura disse...

Ontem à noite, Rui Rio deve ter ficado com as orelhas a arder.

Talvez. Cada pessoa vê cada debate da sua forma. Mas, na minha modesta opinião, o debate de ontem foi vencido por Ventura por larga margem. Eu diria mesmo que António Costa foi esmagado. E, note-se, eu não sou, de forma nenhuma, adepto de Ventura.

Luís Lavoura disse...

os galões que crê ter ganhado na luta contra a pandemia e no desenho das políticas económicas compensatórias para fazer face aos seus efeitos

Só asneiras.

A luta contra a pendemia foi a pior época de toda a governação de Costa. Tomou medidas erradas e prejudiciais umas a seguir às outras. Fechou escolas. Manteve o país fechado na primavera de 2020, quando a pandemia estava em baixo. Impediu vôos. Foi um desnorte completo.

Agora as políticas económicas compensatórias vão ser o mesmo desastre. Elas vão adicionar poder de compra precisamente quando há inflação e a mão de obra e os materiais são escassos. Vai pôr-se a fazer obras públicas que não têm qualquer relação com os setores mais afetados pela pandemia (que foram o turismo e os serviços).

Jaime Santos disse...

Gostei mais de ver Tavares a limpar o chão com Ventura, mas Costa mostrou bem que se era visto como o delfim de Sampaio, na verdade é o herdeiro político de Soares.

Começar por encostar Ventura à parede com a vacina e obrigá-lo a definir-se, deve ter custado uns quantos milhares de votos negacionistas ao líder do Chega...

Melhor ainda foi o ataque pela Direita à tese de Ventura, numa altura em que ele tinha posições liberais, mas suspeito que não haverá muitos eleitores bem informados sobre isso.

E a lembrança final de que Ventura foi condenado pelo STJ como caluniador de uma família, não só uma ofensa abjecta, mas um pecado grave para quem se diz muito religioso, deve ter anulado os dislates sobre Sócrates...

Tony disse...

Sr. Embaixador. Anda tudo a malhar no Costa. A direita, populista, demagógica e perigosa; a esquerda, arranha-se toda, metendo medo às pessoas, para que o PS, não obtenha a maioria, suficiente para governar(como já o Costa, terá dito, 50%+1). Nas atuais circunstâncias, até, por notória falta de alternativas, só há uma saída. Darem voto de confiança ao PS, para continuar a governar, com reforço de número de deputados. Faltavam-lhe 8 mandatos, na legislatura abortada, agora, vai ser reforçado com 14, vindos: 12 do eleitorado do BE, e 2 do PCP. Isto, que fique claro, é mera intuição, e o que eu desejo, sem necessidade de ir à bruxa do F.C.do Porto.

José disse...

Num mundo alternativo onde a realidade é vista sem o filtro politiqueiro, o Ventura colocou o Costa em sentido. Foi firme, agressivo qb, mais contido do que é habitual e deixou o António Costa calado diversas vezes (e demonstrando um ar visivelmente incomodado).

António Costa não soube explicar (nem quereria), porque razão a economia continua a afundar-se nem soube reagir ao incómodo dos vários governantes com problemas com a justiça.

A rábula da preocupação com a saúde de Ventura foi absolutamente ridícula, própria de quem vê os debates como um espetáculo para enganar papalvos.

No fim, o Ventura ainda teve de espevitar-se para conseguir usar os dois minutos que tinha a menos do que o Costa (e não conseguiu esgotá-los, que o moderador estava com pressa).

Nas entrevistas pós-debate, mais uma vez, o Costa teve vantagem de tempo e foi visível o enervamento da personagem, sinal de que, ao contrário dos comentadores de serviço, ele sabia que aquilo não tinha sido grande coisa.

Quanto aos comentadores e locutores, toda a preocupação era pela prestação do Ventura. A certa altura fiquei a pensar se tinha assistido a um debate entre um "extremista" e uma parede, tal era a ausência de opinião sobre Costa. Pobre diretor do Público, escorregou ao "elogiar" a defesa de Ventura no que toca à "flat rate". Na próxima pandemia, leva menos, para aprender...

"O senhor, por mim, não passa!" - que frase magnífica, anuncia o sistema. O fantasma do Churchill deve estar a revirar-se por não se ter lembrado de semelhante tirada...

Jaime Santos disse...

A Direita vê Ventura a esmagar Costa porque lhe dá jeito e porque assim o deseja (wishful thinking). Compreende-se o azedume. Se Rui Tavares mostrou que Ventura era só letra, Costa mostrou que é um hipócrita, o que também já sabíamos. E até o obrigou a dizer que afinal quer vacinar-se, obrigando a saltar para um dos lados da paliçada.

Nada que espante, porque afinal as posições desta Direita (como defender a prioridade da Economia sobre a Saúde) mostram logo que quer meter-se na cama com Ventura.

Meus senhores, espero que vos faça muito bom proveito porque sinceramente não há pachorra para vos aturar...

José disse...

Não resisto a perguntar se gostaram, ontem, da preocupação que a locutora da RTP3 e a senhora da Lusa demonstraram pela falta de desportivismo do Ventura que, com dois minutos à maior deixados pela má gestão de tempo do Costa (chiu, é segredo...), decidiu atacar o PM!

O espanto! O horror! Aproveitar uma vantagem para atacar um adversário num debate... Razão tinha o moderador do beicinho em querer despachar aquilo. Não se aguenta estes políticos "bas-fond". Chega! (ler "Basta!") Abram a janela.

soudocontra disse...

"A injustiça da justiça fica sempre impune?"
Não, não senhor, a injustiça de Justiça, que foi tremenda aqui há meia-dúzia de anos, devia ser completamente culpabilizada e os responsáveis condenados. Sem dúvida!!!

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