Há 35 anos exatos, o António Pinto Rodrigues chegou uma noite a minha casa, em Lisboa, com uma ideia "genial". O "caso República" estava no auge, a polémica em torno da saída forçada de Raul Rego e dos restantes membros socialistas do jornal, tomado de assalto por uma linha radical, havia-se transformado num acontecimento internacional. Que tal publicar um livro "rápido", com um dossiê sobre o assunto? O mercado estava maduro...
Para quem o não conheça, convém começar por dizer que o António era e é um empreendedor nato, com ideias sempre a transbordar, às vezes só travadas por essa trágica parede de desilusão que é a realidade das coisas.
"Quem edita? Estás a brincar... Toda a gente quereria editar um livro desses, mas nessa é que não caímos: editamos nós! Vamos ganhar uma pipa de massa! Arranjamos uma tipografia, assinamos umas letras e damos ao Lopes do Souto para distribuir. É dinheiro em caixa. Vai por mim!". E eu fui.
A conversa com Lopes do Souto, uma figura consagrada da distribuição, que o António já conhecia, não me deixou sossegado: "Olhem que o mercado está saturado de livros políticos. Estamos no pico do Verão. Isto desatualiza-se rapidamente".
Qual quê! O António não se deixava ir nestas cantigas desanimadoras: "Estes gajos são uns medricas. Isto está para lavar e durar! Vai ser um êxito. E, para evitar a chatice das reedições, fazemos já 12 mil exemplares". A edição deste tipo de livros raramente excedia 1500 exemplares, mas o entusiasmo do António, que tinha trabalhado no ramo, calou as minhas dúvidas - num tempo em que eu estava mais ocupado a fazer a estranha transição entre ser militar do PREC e passar a diplomata dos Negócios Estrangeiros, em cujo concurso de entrada fora entretanto apurado.
Em duas noites, escrevi o texto que estruturava o livro. Hoje, sorrio ao observar a linguagem e o estilo dessa longa introdução, que é menos uma reflexão ponderada sobre o "caso" em si e, muito mais, um belo retrato de mim mesmo, nesses tempos. O livro ficou artesanal, com tipo e papel bem pobres, estrutura estilo "recorta-e-cola", com alguns depoimentos recolhidos à pressa, outros pirateados da comunicação social. Salvava-se a capa, com alguma graça. As gralhas foram mais do que muitas, mas, apesar de tudo, muito menos que os milhares de exemplares que ficaram por vender e que, a certa altura, já nem sabíamos onde guardar.
Claro que, de imediato, veio a fatura. As letras venciam-se e nós tínhamos de as reformar, dos nossos próprios pobres salários da época. Era "fiador" o então sogro do António, José Palla e Carmo. Foi bastante duro, durante vários meses.
Depois, o António e eu fomos viver por esse mundo fora, encontrando-nos a espaços, amigos para sempre, tendo como "obra" comum "O Caso República". E a memória ímpar desse mítico verão de 1975.
Ah! não vale a pena procurarem um exemplar de "O Caso República". Está esgotadíssimo!