domingo, junho 07, 2009

O ciclo trabalhista

A vida política do Reino Unido tem, para o equilíbrio global da Europa, uma importância muito maior do que às vezes se supõe. A crise que atravessa a liderança britânica, no que pode vir a representar de mudança no paradigma de comportamento de Londres face ao projecto europeu e do seu potencial impacto na "special relationship" com os Estados Unidos, acaba por ser um tema que diz respeito a todos nós.

Nas últimas semanas, entretive-me, em algumas escassas horas vagas, a fazer a leitura cruzada de quatro livros que ajudam a explicar as tensões que afectam o "Labour" britânico, em especial a evolução da complexa relação entre as suas duas mais importantes personalidades, em tempos mais recentes: Tony Blair e Gordon Brown.

(Este é um velho "vício" de que não me liberto: juntar alguns livros de memórias sobre um determinado período e lê-los em paralelo, avaliando as diferentes visões dos mesmos factos. Fiz isto em temas tão diversos como o fim dos anos De Gaulle, o caso Watergate, as transições democráticas espanhola e brasileira, a queda de Margareth Thatcher, os últimos anos Clinton, etc. A quem tiver tempo e paciência, recomendo o método, porque vale francamente a pena.)

"The Point of Departure", do falecido ex-MNE Robin Cook, "The Blair Years", um diário de Alastair Campbell, assessor de imprensa de Blair, "Tony's Ten Years: Memoires of the Blair Administration", do jornalista televisivo Adam Boulton, e, finalmente, o curioso "Speaking for Myself", de Cherie Blair, a advogada e mulher de Tony Blair, são importantes testemunhos que hoje nos ajudam a perceber, não apenas o que se passou, mas igualmente o que se está a passar no actual ciclo do trabalhismo britânico. Um ciclo que, em 1997, trouxe de volta o "Labour" ao poder, 18 anos depois da experiência de Callaghan, pondo fim a uma travessia do deserto com as lideranças sem êxito de Michael Foot, Niel Kinnock e John Smith.

Para melhor fixar o retrato deste período, aí virão em breve as memórias de Tony Blair. Depois, seguramente, será a vez de Gordon Brown. E, para melhor se entender o duo deste ciclo trabalhista, teremos de ficar à espera das de Peter Mandelson, cujo livro de 2002 já está inapelavelmente datado.

Este tipo de revisitação memorialista do passado recente, em que os britânicos são mestres, é também uma forma de transparência democrática, que qualifica positivamente o sistema político do Reino Unido.

sábado, junho 06, 2009

A planta


Era um aeroporto de um país tropical. A sala VIP era desconfortável, arejada por ruidosos aparelhos à espera eterna de revisão, que quase abafavam as conversas. A delegação portuguesa espojava-se por horrorosos sofás de napa, no final de cinco dias de uma viagem oficial quase tão intensa quanto inútil.

O dignitário português que chefiava a comitiva, enfarpelado como a ocasião ainda recomendava, encaixara-se num canto, acompanhado por um qualquer ministro local, trocando banalidades.

Sem uma contraparte natural para a ocasião da despedida, já ansiosa pela "executiva" do avião que tardava, a esposa do chefe da delegação portuguesa errava pela sala, comentando as peças de artesanato que algumas senhoras da comitiva tinham ido adquirir, à última da hora, ao comércio do aeroporto, como forma de se verem livres do resto da moeda local.

Porém, a certa altura, nota-se que a senhora avança em direcção a um arbusto que fazia paisagem no fundo da sala. A embaixatriz de Portugal, mais por tropismo protocolar do que por uma qualquer evidente necessidade de apoio, segue-a, um tanto intrigada com aquele súbito interesse. E quando a vê, bem decidida, agarrar um dos ramos do arbusto, puxando-o com força, ousa perguntar-lhe, um tanto assarapantada: "O que está a fazer?". A resposta elucidou-a: "Estou a tirar um raminho para plantar lá no jardim. Não acha gira esta planta?". A embaixatriz, de facto, achava, mas duvidava muito que o plástico viesse a frutificar no jardim da esposa do nosso político.

Dia D

Hoje, na Normandia, comemoraram-se os 65 anos de um dia decisivo para a libertação da Europa. De toda a Europa? Não. Para além da Europa que Ialta deixou sob a tutela de Moscovo, os aliados "esqueceram-se", por razões que a Guerra Fria explicará, de fazer um gesto favorável ao desmantelamento das duas ditaduras ibéricas. E assim o povo português foi condenado a mais três décadas de autoritarismo e o nosso Dia D foi adiado até 25 de Abril de 1974.

sexta-feira, junho 05, 2009

Voto

Como aqui já foi dito, o Parlamento Europeu tem hoje, na vida política da União Europeia, bastante mais importância do que a que tinha no passado. E, se acaso o Tratado de Lisboa vier a entrar em vigor, essa importância irá aumentar e a capacidade da instituição de influenciar o nosso destino vai ainda reforçar-se. Por isso, é fundamental que tenhamos naquele Parlamento um grupo de deputados em quem confiemos, que defendam as nossas ideias e que o façam de forma eficaz.

Talvez ainda mais do que para os cidadãos que vivem no seu próprio país, a Europa comunitária é hoje um enquadramento decisivo para a actividade de quem está fixado noutro Estado-membro da União. O aperfeiçoamento do quadro dos direitos que a cidadania europeia concede é, assim, uma matéria que não pode ser indiferente a quem está expatriado, tanto mais que essa é uma das áreas relevantes da actividade do Parlamento Europeu.

Por essa razão, se acaso o leitor deste blogue é um cidadão português inscrito nos cadernos eleitorais num país estrangeiro, faça um esforço e, hoje ou amanhã, procure uma estrutura consular portuguesa e vote nas eleições para o Parlamento Europeu. É que, a exemplo das eleições para Presidente da República, nas eleições europeias o seu voto conta como qualquer outro e, se acaso esse mesmo voto não estiver no apuramento final, o leitor deixa de ter qualquer legitimidade para se queixar do resultado que os outros - os que não foram preguiçosos e foram votar - lhe impuseram. E, por cinco anos, vai ter de suportar as consequências políticas do resultado que esses outros decidiram por si, porque o Parlamento Europeu - é bom que saiba! - não pode ser dissolvido. Lembre-se disto!

Necessidades

A Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses acaba de tornar público o seu novo site. Para quem se interessar, pode aí ler várias opiniões sobre a carreira diplomática, entre as quais a minha, ligando aqui.

Nomes

Telefonou-me, há pouco, um amigo a contar que vai abrir um bar com o nome de "O Bicho da Sede". Acho magnífico, embora eu tenha, há vários anos, a ideia de que seria um sucesso, em especial para uma clientela estrangeira nostálgica do 25 de Abril, abrir em Campo de Ourique, em Lisboa, o "Hotel Saraiva de Carvalho". Mas, vá-se lá saber porquê, ninguém pega na ideia...

Agustina


Foi já no dia 3, eu estava bastante longe, mas dizem-me que foi muito interessante e apreciada pelas dezenas de pessoas presentes a conferência que teve lugar na Embaixada, subordinada ao tema “Agustina Bessa-Luis e Manoel de Oliveira – um tecer do tempo e da vida” proferida por Catherine Dumas (professora na Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III) e por António Preto (doutorando na Universidade Paris VII).



Esta sessão inseriu-se no âmbito das comemorações do Ano Agustina - uma iniciativa da Guimarães Editores, apoiada pelo Instituto Camões e que assinalam o 55º aniversário da primeira edição do romance "A Sibila" - e foi feita em colaboração com os Leitorados de Português nas universidades de Paris.

Esta é uma teimosia minha: vamos continuar de portas cada vez mais abertas para as coisas culturais.

Obama

O poder é algo que, por vezes, não precisa de se afirmar para ser reconhecido. O modo como o mundo em geral - e Israel e os árabes em particular - aguardou o discurso no Cairo do presidente Obama foi a prova provada de que os EUA continuam a ser o dono do jogo estratégico à escala global, com ou sem crise, goste-se ou não. Com a Europa a ver, claro.

quinta-feira, junho 04, 2009

Benjamim Marques

Benjamim Marques é um nome da cultura portuguesa em França, onde vive desde há muito. Conhecia-o de nome, mas não ao seu trabalho. Abriu ontem uma exposição retrospectiva sobre alguns tempos mais recentes da sua obra - das "geologias" às "galaxiais", passando por outros caminhos novos, como me disse. Óleos, desenhos e aguarelas compõem um conjunto bastante interessante de um autor que, historicamente, se reivindica do surrealismo português do Café Gelo (embora "dissidente") e do seu trabalho junto de Vieira da Silva.

Esta exposição de Benjamim Marques está patente no "suR un R de Flora", um espaço multicultural de dimensão lusófona - "restaurant & bar musical & galerie d'art" - para os lados da Place de la Nation, em Paris, que merece uma visita mais cuidada do que a que ontem me foi possível fazer.

Marcello

Marcello Duarte Mathias é, para além de um amigo e colega diplomata, um excelente escritor. De quem creio ter lido tudo quanto publicou em livro.

Ontem, na Fundação Gulbenkian, aqui em Paris, foi lançado "À contre-jour: journal 1962-2008", uma selecção dos seus vários diários, editado na "La Différence", por essa personalidade a quem a cultura portuguesa em França muito deve, que se chama Joaquim Vital.

Um público interessado, entre o qual tive o prazer de me contar, ainda mal refeito do "jet lag" transatlântico, seguiu a apresentação feita por Catherine Dumas, também tradutora, tendo ouvido extractos lidos por Jean-Luc Debattice.

Marcello é autor de uma escrita culta, onde há muito de Camus e de um decantar crítico, às vezes algo cruel mas sempre inteligente, da sua experiência de vida, feita por alguns locais que também me coube em sorte frequentar, como Nova Iorque, Brasília ou Paris. Mas foi, sem dúvida, Paris, onde estudou, quando o seu pai por aqui foi embaixador, por quase duas décadas, a cidade que o terá marcado. E onde terminou a sua carreira, como embaixador junto da UNESCO. Talvez por isso, nas palavras que proferiu, retomou como sua a frase de Thomas Jefferson: "Tout homme a deux patries: la sienne et la France".

Comissão Europeia

João Vale de Almeida, chefe de gabinete de Durão Barroso, é o novo director-geral português na União Europeia. Uma ascensão merecida para alguém que tem uma longa carreira dentro das instituições comunitárias, essencialmente construída pelo próprio, como resultado do seu esforço e prestígio pessoais.

Dez anos depois de Portugal ter deixado de ter um director-geral e cinco anos depois de ter sido escolhido um presidente da Comissão com a nacionalidade portuguesa, o nosso país volta a ter acesso a um dos 34 lugares de topo da administração comunitária.

Um dia tenciono contar, em detalhe, a história da "perda" do director-geral português, um episódio onde se cruzam algumas responsabilidades nunca assumidas. E fá-lo-ei "naming names", como dizem os anglo-saxónicos.

A comunidade silenciosa

Às vezes, torna-se importante recordar o que alguns passaram, em tempos bem difíceis, para melhor se medir o caminho percorrido desde então. E ter legítimo orgulho nele.

Recomendo que leiam isto.

quarta-feira, junho 03, 2009

GM

"What's good for the country is good for General Motors, and vice-versa" - disse um dia, para a História, Charles E. Wilson, antigo presidente da General Motors e, mais tarde, responsável pela pasta da Defesa nos Estados Unidos.

Ao ler-se hoje, em toda a grande imprensa americana, uma patética carta do sucessor de Wilson aos actuais clientes da empresa, no dia em que se consagra a sua falência e a aquisição de parte por uma obscura firma chinesa, não podemos deixar de reflectir nas partidas que o destino pode pregar àquele que já foi um dos grandes emblemas da América.

Notas americanas


1. Referências em vinhos na lista de um restaurante em Washington: "Organic grapes", "Biodynamic solar powered winery", "Sustainable viticulture". Uma percentagem das receitas da venda dos vinhos é dedicada a "to help disadvantadge women transition into work place". A América é, de facto, outro mundo.

2. Magnífico (e tentador...) o hábito americano de manter abertas as livrarias de "bargains" e usados até bem tarde.

3. Pululam novas edições elogiosas da política securitária da administração Bush e sente-se que a administração Obama está sujeita a um fogo crítico pouco comum, num período que costuma ser de "estado de graça". Se há um azar...

4. Reencontro a "Dissent", a revista liberal que faz as delícias do "Upper West Side" nova-iorquino, da qual já fui assinante e leitor atento. Tal como muitas congéneres, permanece muito centrada na perspectiva americana, com o mundo islâmico e a China como focos prioritários de interesse. O crédito de Obama no seio do radicalismo liberal está claramente sob teste.

5. Não é só impressão minha: confirmam-me a crescente presença de locutores de cor nas televisões americanas.

6. Cada vez é mais comum encontrar falantes de espanhol nos EUA. Em 2050 serão um terço da população. Hoje, os avisos em espanhol fazem já parte da paisagem pública.

7. O grande tema mediático é a nova candidata hispânica à Corte Suprema, uma aposta de Obama já sujeita a críticas, algumas com laivos preconceituosos.

8. O voo da Air France no qual, daqui a pouco, vou atravessar o Atlântico oferece imensos lugares vagos. Sem surpresas.

terça-feira, junho 02, 2009

Brasil

Há ocasiões em que se percebe melhor o êxito de um país como os Estados Unidos da América. São as mesmas ocasiões em que não se entende como esse mesmo país pode, por vezes, cometer erros históricos de uma dimensão inimaginável. A capacidade que os EUA têm de gerar informação de alta qualidade não condiz com o ocasional tropismo que Washington tem para a não utilizar devidamente na suas opções de política.

Um seminário sobre as relações entre os EUA, a Europa e o Brasil, em que me coube o papel de "keynote speaker" sobre a perspectiva europeia, lado a lado com um investigador alemão, numa mesa com 20 pessoas, foi também uma ocasião para ouvir excelentes análises feitas por personalidades de 8 países, entre os quais professores de Bolonha, Sciences-Po/Paris, Munique, S. Paulo, MIT, Columbia, etc., para além de figuras do Banco Mundial e de diversos "think tanks" americanos.

O Brasil está na moda e a Johns Hopkins University conseguiu congregar especialistas da área económica, do mundo académico e de centros de estudo de relações internacionais que nos proporcionaram visões profundas, despreconceituadas e - o que é reconfortante - genericamente bastante positivas sobre o futuro do Brasil.

segunda-feira, junho 01, 2009

USA

Palestrar do outro lado do Atlântico é algo que, para além de satisfação, dá algum trabalho e cansaço. Mas a um convite da Johns Hopkins University não se resiste.

Para já, algumas horas depois de chegar, apenas pude notar que Washington está "obâmica" de esperança.

domingo, maio 31, 2009

Porto, claro!

Pronto! O Porto lá conseguiu igualar ontem o Sporting em vitórias na Taça de Portugal. Depois de ganhar o seu quarto campeonato consecutivo. Com um treinador português.

Apenas constatando o óbvio, tenho dito, para zanga de alguns leitores deste blogue, que o clube das Antas continua a não ter rival em Portugal, goste-se ou não da sua gestão. E repito isso hoje. Parabéns ao FCP.

sábado, maio 30, 2009

Fugas

O ministério francês dos Negócios Estrangeiros apresentou uma queixa judicial para tentar apurar a origem de fugas, para o semanário satírico "Canard Enchaîné", de algumas comunicações oficiais oriundas dos postos diplomáticos franceses espalhados pelo mundo. É que, nos últimos tempos, um seu funcionário pouco escrupuloso estará a pôr em causa a segurança do Estado, à luz de um peculiar conceito de transparência da coisa pública.

Esta é uma questão que, num tempo ou noutro, tem afectado quase todas as carreiras diplomáticas, embora normalmente com maior incidência em momentos de forte tensão política, interna ou internacional. Recordo-me do escândalo provocado pela reprodução de uma célebre comunicação do meu querido amigo "Chencho" Arias, antigo embaixador espanhol na ONU, que surgiu na imprensa de todo o mundo, ao tempo da invasão americana do Iraque, em 2003.

Trata-se de um problema que é sempre de extrema delicadeza, porque a falta de confiança no secretismo de uma determinada rede diplomática conduz ao natural empobrecimento da informação por ela produzida, pelo facto de provocar uma compreensível retracção por parte de quem transmite por essa via. Os diplomatas não são espiões, trabalham com a chamada "informação aberta", colhida através de meios totalmente legais, mas a sua produção escrita inclui valorações opinativas que, porque destinadas em exclusivo aos seus governos, não agradariam necessariamente a outras entidades que a elas pudessem ter acesso.

Portugal não escapou, no passado, a este tipo de questões mas, verdade seja, de há muito que me não lembro de ver reproduzida correspondência diplomática portuguesa na imprensa - ou nos blogues, o que seria o mesmo. O que talvez nos deva levar a concluir que o sentido de Estado dos nossos funcionários - diplomatas ou outros que têm acesso a esse tipo de comunicações - tem vindo a prevalecer sobre qualquer tendência para a indiscrição.

Pauleta

Pedro Pauleta é um futebolista a quem - há que dizer isto bem alto - Portugal não deu nunca o reconhecimento que lhe seria devido. Talvez por nunca ter jogado na divisão principal do futebol português, talvez por nunca ter integrado qualquer dos seus três maiores clubes, Pauleta acabou por não ter, em Portugal, a grande homenagem que a sua excepcional carreira justificaria. E, no entanto, estamos "apenas" perante o melhor marcador de sempre das nossas selecções nacionais, autor de golos que marcaram positivamente o destino de muitos dos 88 jogos em que vestiu a camisola de Portugal.

Jogador correctíssimo e com forte personalidade, figura simples e de grande simpatia pessoal, deixou nos estádios e nos adeptos franceses uma imagem extremamente positiva, para além de ter dado, durante anos, fortes alegrias aos portugueses e luso-descendentes. Por aqui ganhou campeonatos de França pelo Girondins de Bordeaux e pelo Paris Saint-Germain (PSG), sendo o maior marcador de sempre da história deste clube. Antes, havia sido campeão de Espanha pelo Deportivo de Coruña.

Como embaixador de Portugal, entendi não dever deixar passar o momento em que o PSG comemora o "jubilé" de Pedro Pauleta sem lhe prestar uma singela homenagem na nossa Embaixada, durante um almoço que hoje teve lugar. Nele reuni amigos de Pauleta e dirigentes do PSG, o clube que mais o tem acarinhado, do qual é agora "embaixador" pelo mundo e que, também por essa razão, se terá convertido naquele que hoje concita o maior apoio entre os portugueses e luso-descendentes em França.

Amanhã, lá estaremos todos a dar a Pedro Pauleta, no ambiente quente do seu Parc des Princes, um abraço de amizade e reconhecimento. O governo da Região Autónoma dos Açores aceitou a sugestão para se associar a este evento e, desta forma, as ilhas de Pauleta lá irão também, com a sua música e as suas tradições, estar representadas nesta justa homenagem pública.

sexta-feira, maio 29, 2009

Ténis

Tem 16 anos, é portuguesa, chama-se Micaela (Michelle, para a imprensa internacional) Larcher de Brito e foi a grande e sonora sensação de Roland-Garros, aqui em Paris.

Perdeu o apuramento para os oitavos de final, mas fez história no ténis mundial.

Até para o ano, Micaela!

O Tempo na Cultura

Manuel d'Olivares é um pintor português residente em Barcelona. Apresentou na 3.ª feira, na Cité Universitaire de Paris, "Meteorologia para Piano - duplicidade e cumplicidade", uma exposição de óleos onde as temáticas do clima e da música estão presentes, numa aliança - imagine-se! - suscitada pelo famoso anticiclone dos Açores. O espectáculo incluiu um concerto de Miran Devetak, um excelente pianista ítalo-esloveno, que se ligou, de forma magnífica, ao espírito da apresentação.

Foi uma iniciativa do Instituto Camões de Paris, aproveitando a hospitalidade da Casa de Portugal na Cité, com uma muito boa presença de público. Este é mais um caminho para abrirmos as expressões da nossa cultura a novos olhos e ouvidos em França. Porque os meios disponíveis para este tipo de iniciativas são muito limitados, temos de trabalhar numa lógica de "sopa da pedra"...

quinta-feira, maio 28, 2009

28 de Maio

Há minutos, um amigo perguntava-me se, nas notas que este blogue costuma fazer em relação a algumas datas portuguesas, não havia espaço para o 28 de Maio. Não que ele pretendesse comemorá-lo - deixou claro -, mas porque isso seria talvez interessante, como memória para alguns leitores mais jovens, para quem as diferenças entre tempos passados acabam por diluir-se no seio de alguma indiferença. Tem toda a razão.

O movimento de 28 de Maio de 1926 foi um golpe de Estado militar, com apoio de sectores conservadores civis, que pôs termo à experiência democrática iniciada cerca de 16 anos antes, com a instauração da I República, em 1910. Muito por obra da persistente oposição dos seus inimigos, a que se somou a incapacidade da burguesia urbana de consensualizar um modelo político fora dos vícios do antigo rotativismo monárquico, cumulado por um agitação operária que ia com os tempos, a jovem República acabou por instalar um regime de grande instabilidade política, que alienou, sucessivamente, vários sectores sociais, diminuindo drasticamente a sua base de apoio.

Na execução do 28 de Maio cooperaram forças de vária natureza, desde monárquicos revanchistas a republicanos desiludidos, de sectores integristas católicos a meios empresariais cansados das tensões sindicais. O movimento, que acabou por se revelar filofascista, teve inspiração em modelos congéneres que emergiram noutros países europeus e, no caso português, acabou por servir de escape a um profundo mal-estar no seio da instituição militar, que a participação na Primeira Grande Guerra tinha potenciado.

Em poucos dias, o 28 de Maio trucidou sucessivamente dois dos seus líderes, acabando a nova Ditadura Militar por deixar na chefia do Estado o general Óscar Fragoso Carmona, que abriu o caminho que viria a ser prosseguido pelo jovem economista coimbrão, militante católico conservador, que deu pelo nome de António de Oliveira Salazar.

Um dia, Salazar, num dos seus mais célebres discursos, disse: "Sei o que quero e para onde vou". E, porque ele sabia, escusou-se a perguntar aos portugueses, durante quase 40 anos, se queriam ir por aí.

Delors

Há duas Europas: a de antes de Jacques Delors e a que resultou do seu empenhamento e entusiasmo, parte da qual não lhe sobreviveu.

Hoje, ao final da tarde, no Centro Gulbenkian em Paris, um Delors na sua melhor forma, já sem as limitações das responsabilidades directas e com a frontalidade de quem sabe bem que o que diz conta e pesa, falou-nos do projecto europeu e dos riscos que sobre ele impendem. Mas falou-nos também do optimismo, da esperança e da sua crença no futuro daquele que considera ser o mais bem-sucedido desenho institucional de sempre, em matéria de cooperação entre nações: a União Europeia.

Delors referiu-se, com grande simpatia, a Portugal e aos portugueses, ao "mais bem-conseguido alargamento de sempre" feito pela Europa. É bom ouvir os amigos, e Delors sempre fez questão em ser um bom amigo de Portugal. E, quando foi necessário, juntou os seus actos às suas palavras.

Julgo que muitos saíram hoje da Gulbenkian de Paris com esta ideia: que falta fazem à Europa contemporânea homens como Jacques Delors!

Coreia do Norte

O ensaio nuclear norte-coreano, na sua trágica irresponsabilidade, tem a colateral virtualidade de ajudar a acordar a China e a Rússia para a emergência, na sua vizinhança, de um poder dotado da arma mais poderosa, com um forte potencial desestabilizador. E esse poder é tanto mais imponderável quanto resulta de um Estado onde as atitudes não procedem de um processo decisório com base democrática.

À Coreia do Norte parece poder hoje aplicar-se o que alguns dizem das lideranças palestinianas: "They never miss an opportunity to miss an opportunity". Ao seu governo foram dadas várias hipóteses e soluções, com estímulos financeiros e de outra ordem, por diversos sectores da comunidade internacional. Moscovo e Pequim tomaram em atenção o que consideraram serem os legítimos interesses norte-coreanos no âmbito das "six parties talks", perante o compreensível alarme do Japão e a errática agenda dos EUA - que muitos, de forma simplista, identificam com a da Coreia do Sul. Resta-lhes avaliar o saldo dessa táctica.

Importará agora saber se esta nova intranquilidade criada em Moscovo e em Pequim tem possibilidade de vir a consagrar-se em termos de uma efectiva coerção sobre Pyongyang, através da mobilização eficaz de todos os meios diplomáticos disponíveis. Se isso viesse a acontecer, com resultados práticos, talvez abrisse portas para a sequente ponderação de medidas de contenção, com idêntico objectivo, noutros cenários de instabilidade e risco nuclear. E, quem sabe, talvez também pudesse servir de base à exploração da viabilidade das propostas feita pelo presidente Obama, no seu discurso em Praga, no tocante a uma ambiciosa agenda global de desarmamento nuclear. Mas isso seria jogar com a sorte e, infelizmente, a História prova que raramente tudo corre bem.

quarta-feira, maio 27, 2009

Eleitos


Já está! Tal como ficou sugerido aquando da reunião que organizei com eleitos de origem portuguesa em Bordéus, há pouco mais de uma semana, foi criada pela Embaixada de Portugal em França a plataforma informática que permitirá aos eleitos de origem portuguesa em França corresponderem-se e interagirem entre si, apresentando os seus textos, ideias, iniciativas, propostas e tudo o resto que muito bem entenderem.

Com o endereço electrónico de www.france-portugal.blogspot.com, este espaço, para além de poder ser lido pela generalidade das pessoas que tenham acesso à internet, é de livre utilização por todos os cidadãos de origem portuguesa que tenham sido eleitos em órgãos locais, regionais ou nacionais em França. O objectivo é proporcionar um local de debate sobre assuntos de interesse comum, de apresentação de iniciativas e formulação de propostas.

Os eleitos de origem portuguesa que desejem ter acesso à plataforma informática necessitam apenas de dirigir um e-mail para o endereço fraporelus@gmail.com, após o que receberão de volta uma senha que lhes permitirá participar no espaço de discussão, nela podendo utilizar a língua portuguesa ou francesa indiferentemente.

E, contrariamente à asserção bíblica, segundo a qual "muitos são os eleitos, poucos são os escolhidos", todos os eleitos podem fazer parte deste novo mundo de diálogo...

Piano

Dezenas de amigos de Portugal estiveram ontem, ao final da tarde, na nossa Embaixada em Paris para ouvir a música trazida por Adriano Jordão, num intervalo das suas funções de Conselheiro Cultural em Brasília.

Depois do jazz ouvido há semanas e antes da guitarra clássica portuguesa, que aí virá em Junho, foi agora a vez do piano. A música é também uma forma de se fazer diplomacia.

terça-feira, maio 26, 2009

Vinho do Porto

Há semanas, estive na apresentação em Paris de um vinho do Porto rosé! É verdade, o "marketing" imaginativo do Porto já vai por esses caminhos, embora presuma que isso possa incomodar alguns puristas.

Confesso que não me preocupa nada que se possam descobrir novas fórmulas que nos permitam vender o nosso vinho, desde que se tenha sempre a qualidade como permanente referencial.

Em França, o vinho do Porto continua como um forte emblema de Portugal, com a curiosidade de ser servido Porto "doce" antes das refeições, ao contrário da maioria dos países, onde o Porto "seco" abre os repastos.

Deixo-lhes um som sobre o vinho do Porto, da autoria de Carlos Paião, pelos Donna Maria, para além de uma foto do Douro, região que, no segundo semestre, a Embaixada de Portugal em Paris vai promover com algumas iniciativas.

À Espera de Godinho

"Três portugueses e um belga de origem portuguesa, nascidos nos anos 40 do século XX e cujos caminhos se cruzam em Bruxelas, reúnem-se em quatro jantares à espera de um quinto conviva que se faz rogado" - é assim que um livro de conversas de memórias se apresenta, com o "beckettiano" título de "À espera de Godinho", editado pela Bizâncio.

O livro foi-me enviado por um dos autores conversantes, o Amadeu Lopes Sabino - aliás, para quem não saiba e na minha opinião, uma das melhores escritas em língua portuguesa surgida nas últimas décadas. Nele se espelham-se os vários percursos pessoais, diferentes mas idênticos aos de muitos que andaram por esses tempos de Bruxelas, de Paris ou Londres, feitos de exílio ou de recusa da guerra colonial, com a Europa a servir-lhes hoje de sereno traço comum de vida.

Como ilustração, deixo a lembrança de um curto e curioso poema de Pessoa, chamado ao livro:

"António de Oliveira SalazarTrês nomes em sequência regular...António é AntónioOliveira é uma árvoreSalazar é só apelido.O que não faz sentido
É o sentido que tudo isso tem".

Simone

Simone Veil é uma das personalidades cujo percurso talvez melhor traduza o destino da Europa contemporânea. Sobrevivente à barbárie nazi que a levou para um campo de concentração, foi a ministra da Saúde que abriu as portas da França à modernidade da lei do aborto, tendo-se tornado na primeira mulher eleita para presidir ao Parlamento Europeu. É uma figura serena, quase discreta, com um olhar vivo e atento, onde o leve sorriso não apaga por completo alguma melancolia que a História lhe pode ter tornado inevitável.

Ontem, aqui em Paris, juntou-se ao prémio Nobel da Economia Amartya Sen e a outras figuras cimeiras da vida académica mundial graças ao convite da Fundação António Champalimaud, dirigida por Leonor Beleza, uma bela instituição que nos traz um Portugal mais solidário e voltado para o mundo.

segunda-feira, maio 25, 2009

Frase

"Se entendemos que Chipre é na Europa, embora se trate de uma ilha ao largo da Síria, é difícil não considerar que a Turquia se não situa na Europa".

Carl Bildt, ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia, no "Figaro", hoje.

Peso

Há umas semanas, na qualidade de embaixador de Portugal em França, fui simpaticamente convidado a integrar uma prestigiada confraria gastronómica francesa, a "Académie des Psychologues du Goût", instituição de reuniões aperiódicas, cuja fundação data de 1923, e que integra essa sumidade nacional das coisas da mesa que é José Bento dos Santos - sendo nós dois, aliás, os únicos estrangeiros "em exercício".

No final de semana passado, e como reconhecimento pelo facto de terem sido os judeus portugueses, perseguidos pela Inquisição, a trazerem para França a tradição do chocolate, Portugal foi o país convidado de honra das "Jornadas do Chocolate" de Bayonne, e o embaixador de Portugal foi então entronizado como novo membro da Academia do Chocolate, função cujo conteúdo operacional terá ainda que ser aquilatado.

Também por estas razões, começo a entender melhor que este posto de Paris constitui uma responsabilidade com consequências de peso...

domingo, maio 24, 2009

Arte Equestre

Há dias - neste caso, noites - em que sentimos que uma certa imagem de Portugal se projecta, com um impacto de especial prestígio, sobre a sociedade francesa. Foi o que aconteceu na última 6ª feira.

A Escola Portuguesa de Arte Equestre esteve em Saumur, no vale do Loire, a fazer uma apresentação conjunta com o "Cadre Noir", da École Nationale d'Équitation de França, perante cerca de dois mil espectadores, numa cerimónia a que tive a honra de co-presidir. Foi um espectáculo memorável, no termo do qual, Filipe Figueiredo, seu director, recebeu a Légion d'Honneur, a mais prestigiada condecoração da República francesa, como reconhecimento pelo seu excepcional trabalho de cooperação com a escola francesa.

A nossa escola conserva uma tradição secular de notável arte equestre, sublinhada por trajes clássicos que são uma referência de tempos idos, cultivados com empenho pelos seus integrantes, cuja qualidade e técnica só têm paralelo, à escala mundial, nas suas homólogas francesa, austríaca e espanhola. Por isso, esta é uma imagem da nossa História que nos compete preservar e promover.

Espero que a escola equestre portuguesa possa continuar a voltar muitas vezes a França e bem gostaria que a nossa comunidade tivesse ocasião de apreciá-la e de constatar como a França a acarinha. Para os portugueses e luso-descendentes que aqui vivem, é muito importante ver a França a reconhecer o que temos de melhor.

Belenenses

Alguns clubes de futebol, por razões nem sempre evidentes para muitos, tendem a concitar uma simpatia bastante maior do que aquilo que os seus resultados poderiam justificar. O Belenenses, o eterno "quarto grande" das lides futebolísticas portuguesas, é, em Portugal, um desses grupos. É que a história do futebol português não esquece Matateu (na imagem), Vicente, José Pereira, Capela, Feliciano e outros distintos portadores da histórica camisola azul do Restelo.

Num ano em que o Porto confirmou a sua imensa superioridade a nível nacional, a descida de divisão do Belenenses acaba por constituir um momento de alguma tristeza para quantos, como é o meu caso, não tendo o Belenenses como seu clube de estimação, não deixam de o estimar. Mas o passado já provou que o Belenenses sabe dar a volta ao azar e aí estará, daqui a uns tempos, de novo no campeonato de topo.

Arena

Foi hoje, em Cannes, aqui em França, que o realizador português João Salaviza ganhou, com o seu filme "Arena", o prémio para a melhor curta-metragem.

Um nome português no mais prestigiado festival cinematográfico da Europa. Uma excelente notícia.

"Et pourtant"

O meu jovem colega Charles Aznavour fez, no passado sábado, 85 anos. Escrevo "jovem colega" porque Aznavour acaba de ser designado pelo governo da Arménia como seu embaixador junto das instituições multilaterais em Genebra, na Suíça. Sabia-se da sua ascendência arménia, mas não se supunha que ela o viesse a conduzir ao ingresso na carreira diplomática com uma idade superior, em duas décadas, àquela em que os diplomatas portugueses deixam de poder exercer funções no estrangeiro. "Et pourtant"...

Aznavour está para a canção francesa como Sinatra o está para a americana - que me desculpem outros tantos, como Montand, Bécaud, Ferré ou Brassens. Julgo que tal é sentido dessa forma em Portugal, por onde espalhou, em décadas passadas, o seu romantismo e a sua voz inconfundível.

Por isso, como homenagem, aqui fica, naturalmente, o seu intemporal "Et pourtant".

sábado, maio 23, 2009

Ataúro, Timor, 1975

Morreu Lemos Pires, o último governador da província ultramarina de Timor.

Sei que esta opinião tem muito de controverso, mas é minha firme convicção que a imagem de Lemos Pires na história da descolonização portuguesa sofre de uma profunda distorção, fruto da necessidade de se encontrarem bodes expiatórios para um tempo de irresponsabilidade colectiva.

Como militar, recordo-me bem da "importância" que era dada ao dossiê Timor nas reuniões da Assembleia do MFA e, já funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, acompanhei de muito perto as peripécias que envolveram a atitude de Lisboa face à frágil administração portuguesa em Timor, apanhada entre dois fogos, com alguns a fazerem jogos que não ficarão nas páginas mais gloriosas da nossa História. Essa era uma época em que era muito fácil, e politicamente rentável, falar com ironia da saída para Ataúro e da "cobardia" das tropas portuguesas.

Um dia, na Noruega, há precisamente 30 anos, tive a oportunidade de falar longamente com Lemos Pires sobre esses acontecimentos, na base do que eu sabia e no que então dele pude colher. Confirmei, nesse dia, a impressão que já tinha e que conservei até hoje, até à sua morte: Lemos Pires era um homem de bem e, na tragédia de Timor, comportou-se de uma forma que não deslustra a sua imagem de militar português.

sexta-feira, maio 22, 2009

Coincidências (3)

No mesmo dia em que Dick Cheney justifica os interrogatórios violentos aos detidos de Guantánamo, com base em razões de segurança americana, um juíz constata que Leonor Cipriano, a mãe da desaparecida Joana, terá sido sujeita a torturas.

Bénard da Costa (1935 -2009)

A partir da carta escrita pelo Bispo do Porto a Salazar, no final dos anos 50, a vida política política portuguesa passou a contar, de forma cada vez mais interveniente, com a presença de personalidades católicas no seio do campo democrático que se opunha ao salazarismo. Ficou então claro que o Estado Novo não tinha o monopólio do apoio dos católicos portugueses, que parecia incontestado desde o início da ditadura.

João Bénard da Costa, que acaba de falecer, foi uma das figuras que esteve no centro desse novo tipo de actividade cívica dos católicos, o qual acabou por ter significativa expressão política - desde diversos manifestos à organização da Revolta da Sé (1959), de uma participação activa nas listas da Oposição democrática, uma década depois, às movimentações em torno do caso do padre Felicidade Alves ou dos incidentes da Capela do Rato (1971). Pelo meio, chegaria mesmo a ser criado um efémero movimento radical, com forte presença de alguns desses católicos, o MAR (Movimento de Acção Revolucionária).

Mas seria no terreno intelectual, em torno da propagação em Portugal das ideias do Concílio Vaticano II e das reflexões de Emmanuel Mounier e de Teilhard de Chardin, que os então chamados "católicos progressistas", no seio dos quais Bénard da Costa viria a ter um papel decisivo, iriam representar um tempo novo na vida portuguesa. A Moraes Editora e a revista "O Tempo e o Modo" constituíram o eixo prático dessa movimentação, como o próprio Bénard da Costa bem relata, num pequeno mas importante livro chamado "Nós, os Vencidos do Catolicismo".

Este perfil cívico não deve fazer esquecer que Bénard da Costa foi, também, uma figura maior da memória do cinema em Portugal, como crítico de escrita inigualável e, mais tarde, como director da Cinemateca Nacional. Foi uma personalidade de grande valor, das mais importantes da sua geração, que muita falta fará à cultura portuguesa. Ver mais aqui.

quinta-feira, maio 21, 2009

Alexandria

Há dias, num jantar em Paris, fiquei ao lado de um cavalheiro, que se apresentou, mas cujo nome e ocupação, no momento, acabei por não fixar. Na conversa que se seguiu, verifiquei que era um homem muito culto e interessante, com uma visão alargada da vida e das coisas, que conhecia bem a literatura portuguesa, tendo-me também falado com entusiamo de Jorge Sampaio e da sua Aliança de Civilizações, à qual estava também ligado. A certa altura, dei-me conta de uma coisa incómoda: tinha-se já passado uma boa meia hora de charla, ele sabia quem eu era mas, a mim, continuava a escapar-me quem ele era e o que, no essencial, fazia na vida. A conversa divagava por temas diversos e, de certo modo, já começava a ser delicado eu inquirir essa coisa tão básica, a que eu deveria ter tomado atenção, desde o início. Com alguma técnica que a profissão ensina, acabei por chegar lá, sem perguntar directamente: era o director da nova biblioteca de Alexandria, no Egipto. Chama-se Ismail Serageldin e foi vice-presidente do Banco Mundial.

A bibliteca de Alexandria é uma daquelas referências quase mitológicas na História do mundo e, por isso, quis saber como ele sentia o peso dessa responsabilidade. Pareceu-me muito calmo ao abordar, com realismo, a dimensão da magnífica tarefa que lhe compete, para estar à altura da ideia que a sua biblioteca tem no imaginário mundial. E acrescentou: "Confesso que tenho um problema: não me posso queixar do meu antecessor. Deixou o cargo há quase dois mil anos..."

Nações Unidas

Em menos de uma semana, segundo o Flag Counter (que pode ser consultado na coluna ao lado), este blogue foi visitado por leitores de 35 países. Uau!

quarta-feira, maio 20, 2009

Comuns

A crise que actualmente abala o Parlamento britânico trouxe-nos imagens da Câmara dos Comuns, apinhada como um ovo. E com muita gente de pé. O que algumas pessoas desconhecem é que, na "mãe de todos os Parlamentos", para usar uma expressão bebida da imagem criada por Saddam Hussein, não há lugares sentados para todos os seus membros. Assim, quando se regista uma grande afluência, em dia de debates importantes, muitos têm de ficar de pé.

Tive o ensejo de assistir presencialmente a várias sessões nos Comuns, ao tempo em que trabalhava na Embaixada em Londres. Recordo, em especial, o famoso discurso de despedida de Margareth Thatcher, um dia depois do seu afastamento do poder, em fins de Novembro de 1990. Apesar do abalo sofrido, a senhora Thatcher fez uma notável prestação, num ambiente que acabou por gerar uma quase simpatia colectiva, que a levou a proferir uma exclamação que ficou para a História: "I'm enjoying this!".

Apesar da informalidade que parece marcar os debates, o cerimonial e o corpo de regras da Câmara é imenso e, quase sempre, estritamente respeitado. Até pelos próprios visitantes, sujeitos a determinações muito rígidas, como a impossibilidade de levarem consigo jornais para a tribuna e a total proibição de se tirar notas escritas.

Em 1993, durante a sua visita de Estado ao Reino Unido, o então presidente Mário Soares fez uma visita informal à Câmara dos Comuns, numa hora em que esta não estava em sessão, passeando-se com a comitiva por toda a sala. A certo passo, notei que o acompanhante oficial que o Palácio de Buckingham tinha designado para estar com o presidente português, um aristrocrata, membro da Câmara dos Lordes, demonstrava um inusitado e quase turístico interesse pelos pormenores do mobiliário e pelo conjunto de símbolos que ocupam a mesa central, em frente aos quais governo e oposição se degladiam. A certa altura, aproximou-se de mim e disse-me: "Sabe, estou um pouco emocionado!". No instante, não percebi bem a razão dessa emoção. "É que, como membro da Câmara dos Lordes, estou impedido de visitar a Câmara dos Comuns e, em toda a minha vida, esta é a primeira vez que consigo entrar aqui." Peculiaridades do sistema político britânico.

Ser português

Isto de se ser português tem muito que se lhe diga.

Hoje, acordei com a notícia, repescada do Independent pelos sites franceses, de que as "galères portugaises" (em inglês, "Portuguese men-of-war", vá-se lá saber porquê), que são das medusas mais venenosas do mundo, estão a invadir as praias do Mediterrâneo. (Aqui entre nós: nunca tinha ouvido falar delas...). Uma "má notícia", portanto.

Durante um almoço, também hoje, recheado de temas europeus, as virtualidades da Estratégia de Lisboa e a urgência da aprovação do Tratado de Lisboa ligaram, na conversa, o nome da capital portuguesa a passos importantes na vida comunitária. Logo, uma "boa notícia".

Em todas estas referência ao nome de Portugal pelo mundo - e, até nos dias que correm, há algumas outras por aí, umas mais prestigiantes que outras - em que categoria de ressonância subliminar devemos encaixar o cão-de-água do presidente Obama?

terça-feira, maio 19, 2009

Médio Oriente

O actual momento do diálogo entre Washington e Tel-Aviv, simbolizado pelo encontro entre o presidente Obama e o primeiro-ministro Netanyahu, pode vir a ser, porventura, o acontecimento mais importante no quadro da acção externa desenvolvida pelos EUA, desde a entrada em funções da sua nova administração, embora outros possam ter tido uma expressão mediática mais forte.

Todos estamos muito longe de conhecer o que se terá passado nessa conversa e nas que paralelamente a prepararam, mas, a crer nos sinais que nos chegam, há alguns indícios de poderemos estar a assistir a um significativo tempo de viragem por parte do Governo americano, face de um dossiê que, desde há décadas, tem condicionado sobremaneira a sua política internacional.

Uma relação tão intensa como a que tem ligado, embora com importantes "nuances", sucessivas administrações americanas aos diversos governos israelitas não se justifica apenas, como alguns simplisticamente têm sustentado, pelo peso do lóbi judaico dentro dos EUA. Israel era, igualmente, uma peça importante no complexo jogo de interesses americanos na região - interesses esses a que, aliás, estão ligados outros parceiros ocidentais, a começar pela União Europeia.

O que poderá ter mudado - "poderá", porque não é, em absoluto, certo que isso tenha ocorrido - é a avaliação americana sobre o papel que Israel pode desempenhar, no seu quadro actual de interesses na região. Washington nunca "deixará cair" Israel, nem seria aceitável que tal acontecesse: o Estado israelita é um dado da História e qualquer solução de futuro terá sempre que passar pela sua preservação e pelo direito da sua população a viver em paz, dentro de fronteiras estáveis e seguras.

Mas é óbvio que o quadro global de insegurança que se vive em toda a região, que vai de Israel ao Paquistão, sob um espectro de fortes tensões globais de natureza cultural e interétnica, poderá ter levado Washington a, por uma vez, decidir não permanecer tão permeável, como era seu hábito, à leitura das "soluções" de segurança que Tel-Aviv ciclicamente testava nas suas relações de proximidade. Até por uma razão bem simples: porque todas elas falharam.

O que os EUA poderão ter aprendido é que, não apenas se revelaram erradas as estratégias de defesa/agressão aplicadas por Israel, em particular no quadro da sua relação com os palestinianos, como esse mesmo curso de tensões, sucessivo e crescente, se transformou num factor indutor de outras dinâmicas de instabilidade, muitas das quais têm já hoje uma quase completa autonomia face ao próprio quadro israelo-palestiniano. E se constituíram, elas próprias, em preocupações com projecção à escala global.

Além disso, Israel poderá estar a ser, aos olhos da nova administração americana, o pior inimigo de si mesmo. Com efeito, algumas declarações e tomadas de posição oriundas de Tel-Aviv relevam já do que parece ser a adopção de uma estratégia de "quanto pior, melhor", reveladora de algum desnorte e de uma política de "navegação à vista" que não prenuncia nada de sustentável.

As coisas, porém, não se esgotam por aí. Nesta complexa equação insere-se, necessariamente, a questão nuclear na região e, muito em particular, o problema iraniano. E todos sabemos que, quando se trabalha no quadro de expressões políticas assentes em radicalismos, a racionalidade quase sempre não é a filosofia prevalecente.

Tudo o que atrás se escreveu parte do princípio de que há condições para que alguma coisa mude na política americana face a Israel. Já muitas vezes se pensou isso, no passado, e tal não aconteceu. O que nos faz pensar que, desta vez, algo poderá ser diferente é a percepção de que Washington estará a entender - depois do Afeganistão, do Iraque, do Paquistão - que há um quadro novo, no qual se projectam os interesses que entende dever defender, em cujo âmbito o factor Israel tem já um peso inferior na equação final.

A ver vamos.

segunda-feira, maio 18, 2009

Mudança


O importante pintor e escultor alemão Anselm Kiefer, que tinha, desde 1993, o seu atelier em Barjac, no sul da França, ter-se-á incompatibilizado com a vizinhança e decidiu mudar-se para Portugal, com todas as suas obras, provocando uma reacção de alguns meios franceses, que vêem com desagrado este "déménagement" artístico.

A "Floresta Cultural" de Kiefer será instalada no vale Perdido, na Herdade da Comporta.

Para exemplo de alguns portugueses, continua a haver quem nos considere um local simpático para viver.

domingo, maio 17, 2009

Mourinho(s)

Há muito quem discuta o seu estilo pessoal, quem deteste a sua assumida arrogância, quem se irrite com a sua constante propensão para a provocação mediática. Mas se, no mundo futebol, são apenas os resultados que contam, José Mourinho é um vencedor. Agora foi na Itália, levando o Inter ao título.

Que tal aproveitar o ensejo para felicitar também o outro Mourinho, seu pai, antigo guarda-redes e treinador do Vitória de Setúbal, que mandava o filho observar as equipas adversárias, actividade em que este terá aperfeiçoado as suas qualidades de planificador táctico? Mas será alguém ainda se recorda ainda desse outro Mourinho? E será que isso tem alguma importância?

Memória

Foi ontem, no Consulado-Geral em Bordeaux. Eram umas dezenas de eleitos em autarquias francesas, cujo ponto comum era uma relação, próxima ou longínqua, com Portugal. A grande maioria não se conhecia entre si mas todos responderam a um convite pessoal que eu havia endereçado, numa carta a cada um, para, em conjunto, reflectirmos sobre o modo como entendiam que a memória de Portugal, que os une, que conservam e que querem promover, pode passar a ser tratada no futuro. E o papel que entendem que a Embaixada pode ter em tudo isso, sem intuitos de controlo ou enquadramento, sem prejuízo da autonomia devida à sua condição de eleitos do quadro das instituições francesas.

Durante mais de duas horas, quase sempre em francês - única língua que era acessivel a todos, dado que alguns falam pouco português - discutimos temas tão diversos como a participação eleitoral, as geminações, o apoio às associações, as televisões portuguesas no exterior, o ensino de português, as questões culturais, a imagem de Portugal e dos portugueses, as novas migrações portuguesas para França, etc. E, o que pareceu significativo, falaram quase todos os presentes, dando conta da diversidade das suas preocupações.

Para mim, foi um dos momentos mais ricos, em termos de aprendizagem, desde que cheguei a França. Da reunião saiu a base para a possível criação, até ao final de Maio, de uma plataforma informática em que, os que assim o pretendam, podem vir a colocar as suas questões, os seus anseios e mostrar as suas realizações em áreas que possam ser do interesse comum. E a poderem interagir entre si. Veremos se esta ideia tem pernas para andar.

Este exercício, agora iniciado na reunião da Aquitaine, procurarei reproduzi-lo em outras áreas de França. Com tempo, mas com determinação.

sábado, maio 16, 2009

Ainda o "Le Monde"

Ontem, revelei a minha ligação afectiva ao jornal "Le Monde". Mas tenho uma história que prova bem que essa afectividade não é um exclusivo meu.

Estávamos em 1976. Surgira em S. Tomé e Príncipe uma greve dos professores cooperantes portugueses... por cuja pré-selecção eu próprio tinha sido responsável, pouco tempo antes. Aparentemente, os nossos docentes sentiam estar a haver alguma discrepância entre as condições que lhes haviam sido prometidas, antes de partirem de Portugal, e a realidade local com que então se defrontavam. A coisa parecia séria, as aulas estavam suspensas e a "batata quente" foi passada para as minhas mãos, porque eu fora o elo de ligação com as autoridades santomenses. E aí fui eu despachado de Lisboa, viajando através de Paris e de Libreville, no Gabão, para o cumprimento da minha primeira missão externa. Cinco meses depois de entrar para o MNE, imaginem!

Chegado a S. Tomé, o embaixador português, Amândio Pinto, homem simpatiquíssimo, sem dar mostras de qualquer agastamento por terem mandado um "miúdo" para resolver um problema diplomático, perguntou-me logo se eu queria encontrar... o primeiro-ministro, Miguel Trovoada, que era também responsável pela pasta da Cooperação. "O primeiro-ministro!?", inquiriu o recém-admitido adido de embaixada que eu era. "Claro, não há qualquer problema", disse o embaixador. E, com a maior naturalidade, pegou no telefone e ligou ao primeiro-ministro. Para meu espanto, de neófito, meia hora depois, lá estávamos no respectivo gabinete.

Ao cumprimentar o chefe do Governo de S. Tomé, que veio depois a ser presidente da República, dei-me conta de que, sobre a sua secretária, tinha um exemplar do jornal português "O Século". E, pelo título de uma notícia, percebi que aquele jornal teria, pelo menos, duas semanas. Aí, não resisti: "Vejo que está a ler um Século antigo. O senhor primeiro-ministro quer o Monde de ontem?". Trovoada fez um olhar surpreendido: "Mas como é que você tem o Le Monde ontem?". Expliquei-lhe que saíra de Paris na tarde da antevéspera, já com o Monde desse dia (aliás, com a data do dia seguinte) debaixo do braço. Miguel Trovoada, homem que muito frequentara a França, sorriu, encantado com a possibilidade de ter notícias frescas da Europa, e, logo ali, disse que mandaria um carro à nossa Embaixada, para recolher a novidade informativa. O nosso embaixador prontificou-se a ser ele a mandar entregar-lhe o jornal, de imediato.

Para a pequena história, assinale-se que o governo santomense fez algumas concessões que permitiram acomodar as reivindicações dos nossos professores e me deram ensejo de com eles negociar o fim da greve. E que o jovem adido de embaixada que eu era regressou, impante, a Lisboa, com a missão bem cumprida.

Será que o "Le Monde" teve alguma coisa a ver com isso?

sexta-feira, maio 15, 2009

Filinto Elísio

Conhecemo-nos há dois anos no Brasil, chama-se Filinto Elísio, é um poeta de Cabo Verde que Pedro Támen qualifica como "uma voz original e genuína" e acaba de publicar "Li Cores & Ad Vinhos", numa magnífica edição da portuguesa Letras Várias.

Cerca de 100 pessoas estiveram a ouvi-lo, ontem à noite, na Embaixada de Portugal em Paris, apresentado pelo professor Luis Silva. As Embaixadas de Cabo Verde e de Portugal juntaram-se para esta iniciativa, numa parceria de lusofonia que espero possa frutificar.

O pássaro da foto? É de Cabo Verde.

Angola

O embaixador do Congo em Paris, Henri Lopes, contou-me, há dias, uma história curiosa, passada em 1974.

Na capital do Congo, Brazaville, estava situada aquela que era a principal representação externa do MPLA no exterior. Nesse tempo, o movimento defrontava-se com uma cisão chamada Revolta Activa, então chefiada por Mário Pinto de Andrade. A Organização de Unidade Africana (OUA) procurava encontrar uma solução para aquela fractura política e Henri Lopes, que era então primeiro-ministro do Congo, havia sido encarregado de tentar uma reconciliação. Em algumas conversas, Neto dera sinais de poder aceder a essa ideia, pelo que foi marcada uma reunião no gabinete do primeiro-ministro congolês.

Assim, numa manhã, Neto e Lopes falavam do tema, com o presidente do MPLA a dar indicações claras de que, nos termos de algumas condições, um compromisso era possível. Num determinado momento, porém, chega a notícia de que uma revolta tinha tido lugar em Portugal. Era dia 25 de Abril.

Ao espanto de Agostinho Neto sucedeu-se, de imediato, a sua decisão de pôr fim a qualquer mediação ou entendimento. O MPLA e a Revolta Activa acabaram por agravar as suas tensões, que chegou a momentos de alguma violência, mesmo em Brazaville. Os membros da Revolta Activa não viriam a ter qualquer papel no início da independência angolana.

É curioso como, aqui por Paris, se encontram histórias esparsas que se ligam à nossa aventura africana.

Ana Moura

Foi um sucesso - dizem-me - o espectáculo que a fadista portuguesa Ana Moura levou ontem a cabo no La Cigale, aqui em Paris.

O facto da ubiquidade não ser, pelo menos até ver, um atributo dos diplomatas impediu-me de estar presente, como desejaria. Fica o registo.

Turquia

O Presidente da República portuguesa, Cavaco Silva, deixou bem claro, na sua visita à Turquia, o compromisso de Portugal com as regras por que se regem as candidaturas de adesão à União Europeia: "Os critérios do alargamento são os critérios de Copenhaga. A identidade cultural dos povos, a religião que maioritariamente professam, não faz parte desses critérios". Esta declaração é da maior importância e reforça a posição de um país, como Portugal, que tem deixado bem evidenciada a sua atitude de respeito pela crediblidade do processo negocial que está em curso e que, na nossa perspectiva, deve prosseguir, sempre segundo critérios bem objectivos.

Portugal compreende e respeita as dificuldades que, por razões de ordem interna, e nalguns casos essencialmente conjuntural, alguns países registam, quanto à aceitação da candidatura turca. Os tratados europeus dizem, sem ambiguidades, que, para que uma nova adesão se possa concluir, será necessário o voto positivo de cada Estado, de cada parlamento e, em alguns casos, a submissão dessa mesma proposta a um voto popular interno. Essa será sempre uma decisão final que competirá a cada país e que teremos de respeitar, competindo a esse mesmo país arcar com o custo político da posição que vier a tomar - positiva ou negativa. Porém, iniciado que seja o processo, nenhum Estado pode obstaculizar formalmente ao prosseguimento do processo negocial, embora lhe assista o direito de, no âmbito deste, ir sustentando as objecções que entender, eventualmente dificultando a conclusão dos diversos capítulos de negociação. Essa é uma matéria que releva da responsabilidade de cada um.

As declarações do presidente Cavaco Silva, em nome de Portugal, foram a reafirmação da extrema coerência que o nosso país tem mantido perante esta questão. Na perspectiva portuguesa, a Turquia, que foi um aliado vital do Ocidente durante a Guerra Fria, não pode ser hoje tratada como uma entidade pertencente a um mundo diferente. Tanto mais que Ancara foi, já há muitos anos, convidada formalmente pelos Estados comunitários a apresentar o seu processo de candidatura e dispõe já de um acordo com a actual União Europeia que configura uma real expectativa de integração.

Além disso, os importantes sectores que, naquele país, lutam denodadamente, e por vezes com grande sacrifício e fortes incompreensões internas, pela fixação de um padrão civilizacional e comportamental que aproxime o país do modelo ocidental não merecem ser retribuídos com uma complacente indiferença europeia, muito menos com uma qualquer aberta hostilidade. Todos temos a obrigação de ter consciência de que a questão turca tem uma dimensão estratégica, de longo prazo, que deve estar para além das meras polémicas ou sensibilidades conjunturais.

Edgar Rodrigues (1921-2009)

Em Novembro de 2008, enquanto embaixador português no Brasil, prestei uma homenagem, no nosso Consulado-Geral no Rio de Janeiro, a Edgar Rodrigues, o mais antigo exiliado político português naquele aíd. Foi a enterrar no Rio de Janeiro em 15 de maio de 2009.

Conhecia Edgar Rodrigues apenas por alguns dos seus muitos livros, essencialmente dedicados ao movimento anarco-sindicalista. No Brasil, tive algum trabalho até conseguir contactá-lo, porque não fazia parte dos circuitos tradicionais da comunidade portuguesa. Escrevi-lhe e respondeu-me com uma carta comovente, de grande reconhecimento pelo meu gesto de aproximação.

Edgar Rodrigues era uma figura muito interessante, que viveu quase sempre alheada dos principais grupos políticos que mantiveram oposição ao Estado Novo no Brasil. A sua obra escrita, com várias dezenas de livros, publicados em diversos países, é de grande importância para o estudo dos movimentos sociais em Portugal. Foi objecto de diversas exposições e os seus trabalhos foram reconhecidos por vários investigadores.

Tentei que, ainda em vida, fosse atribuída a Edgar Rodrigues a Ordem da Liberdade. Não consegui.

Sobre Edgar Rodrigues recomendo as seguintes leituras: http://arepublicano.blogspot.pt/2009/05/in-memoriam-de-edgar-rodrigues-1921.html e https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Edgar_Rodrigues

Le Monde

O jornal Le Monde chega hoje ao seu nº 20.000. Para quem gosta das coisas da política internacional, o Monde é uma companhia indispensável de vida. Bem antes da escolha profissional me ter conduzido pelos caminhos da diplomacia, comprar o "Monde" era, para mim, o gesto rotineiro, logo que cruzava a fronteira francesa. Era o meu primeiro "banho de Europa", após ter saído de um Portugal abafado e de imprensa triste. O "Monde" era, para muitos da minha geração, a cara do mundo exterior.

Recordo, nos tempos pré-Abril, como trocávamos informações sobre o que, segundo constava, "vem hoje no Monde" e que a polícia não deixara passar para os quiosques. E, no auge da agitação de 74, lembro-me de conversas com Marcel Niedergang, apresentado pelo José Rebelo (correspondente do Monde em Lisboa), no bar do Hotel Mundial, tentando decifrar-lhe as bizarrias da complexa política doméstica.

Habituei-me ao Monde ainda sem fotografias, com uma publicidade muito escassa, com textos densos e, por vezes, de leitura difícil, mas sempre bastante rigorosos. Nele aprendi coisas sobre temáticas pouco comuns, através dele fui alertado para opiniões diversas e divergentes, em especial sobre a vida política interna francesa. Lembro-me bem dos célebres editoriais de Beuve-Méry, dito Sirius, e tenho saudades das pequenas e deliciosas "caixas" na primeira página de Robert Escarpit. Assisti a diversas reformas gráficas e acompanhei as suas crises e polémicas internas. E no Monde tive a honra de ser publicado, quando a ocasião se proporcionou.

Não me conheço interessado sobre questões internacionais sem ter o Monde à minha frente. Durante décadas, visitei centenas de bancas de jornais, em aeroportos ou hotéis, por esse mundo fora, sempre em busca do último Monde. Sou fiel ao Herald Tribune, gosto muito do Financial Times, faz-me falta o Economist. Mas - e sei que esta opinião é hoje minoritária -, se tivesse que escolher um único jornal para ler, ele seria o Monde, embora reconheça que é talvez uma atitude que tem algo de sentimental. Por isso, todas as tardes, espero-o como se espera um amigo que sabemos que nos visita em cada dia. Embora, neste caso, sempre anunciado com a data do dia seguinte...

Genial

Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...