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Tive o ensejo de assistir presencialmente a várias sessões nos Comuns, ao tempo em que trabalhava na Embaixada em Londres. Recordo, em especial, o famoso discurso de despedida de Margareth Thatcher, um dia depois do seu afastamento do poder, em fins de Novembro de 1990. Apesar do abalo sofrido, a senhora Thatcher fez uma notável prestação, num ambiente que acabou por gerar uma quase simpatia colectiva, que a levou a proferir uma exclamação que ficou para a História: "I'm enjoying this!".
Apesar da informalidade que parece marcar os debates, o cerimonial e o corpo de regras da Câmara é imenso e, quase sempre, estritamente respeitado. Até pelos próprios visitantes, sujeitos a determinações muito rígidas, como a impossibilidade de levarem consigo jornais para a tribuna e a total proibição de se tirar notas escritas.
Em 1993, durante a sua visita de Estado ao Reino Unido, o então presidente Mário Soares fez uma visita informal à Câmara dos Comuns, numa hora em que esta não estava em sessão, passeando-se com a comitiva por toda a sala. A certo passo, notei que o acompanhante oficial que o Palácio de Buckingham tinha designado para estar com o presidente português, um aristrocrata, membro da Câmara dos Lordes, demonstrava um inusitado e quase turístico interesse pelos pormenores do mobiliário e pelo conjunto de símbolos que ocupam a mesa central, em frente aos quais governo e oposição se degladiam. A certa altura, aproximou-se de mim e disse-me: "Sabe, estou um pouco emocionado!". No instante, não percebi bem a razão dessa emoção. "É que, como membro da Câmara dos Lordes, estou impedido de visitar a Câmara dos Comuns e, em toda a minha vida, esta é a primeira vez que consigo entrar aqui." Peculiaridades do sistema político britânico.
3 comentários:
Episodio que resume bem as particularidades atribuidas aos ingleses. :-)
Especias nasceram, especiais ficarao. Mas afinal, talvez seja uma boa coisa, o facto que mantenham a sua singularidade em varios aspectos.
Mario
Singularidades é, de facto, a expressão mais adequada para aplicar aos ingleses.
Mas que essas singularidades não têm obstado à sua riqueza como povo também é um facto!
Concordo com a Helena Sacadura Cabral.
A democracia mais antiga do velho continente tem particularidades muito especiais.
Demitiu-se na semana passada o speaker da Câmara dos Comuns, Michael Martin, atingido pelos estilhaços do escândalo das despesas pagas indevidamente a alguns deputados, incluindo ele próprio. Tal facto não acontecia há cerca de 300 anos!
Desde a década de oitenta também tivémos o nosso escândalozinho. O das "viagens-fantasma" dos depautados. As viagens não usadas eram gastas por familires e amigos.
Parece que a coisa atingia 30 deputados de vários partidos, num valor global de 230.000 euros. Após abertura de inquérito pela PGR, o procurador, Souto Moura, decide arquivar o processo, comunicando à Assembleia da República que "os prevaricadores, ainda devedores, deverão devolver o dinheiro, indevidamente gasto, aos cofres do paralamento".
O administrador da Assembleia da República, João Sá, resolve a questão dizendo que os visados "ou devolveriam o dinheiro, ou avançava com processos cíveis contra eles". No final de tudo lá se arranjou um bode expiatório. Um tal António Coimbra...
Eis uma diferença muito singular!
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