sexta-feira, agosto 08, 2025

Os Inglusos


Formam uma raça à parte, uma espécie de casta, embora pálida e sem turbante. Representam-se como o genérico lusitano de uma elite. Não se juntam muito entre si, porque são de tempos diferentes ou porque os feitios e os afetos os fizeram conflituar e, vá lá!, porque todos têm o individualismo como o único modo filosófico de vida que é "bem" adotar.

Alguns já não vão para novos, outros assumem uma postura eterna de maduros, outros são velhos há muito, embora sem disso se terem dado conta. Todos, um dia, por qualquer razão, atravessaram a Mancha, graças aos cabedais da família ou à ajuda da Gulbenkian. Tal como Baptista Pereira chegava a nado às praias de Dover, as braçadas burocráticas deles levaram-nos até às ruas de Oxbridge. Nas bibliotecas da sabedoria, nos claustros dos "colleges" ou sob o fumo dos pubs cruzaram por ali nomes famosos. Que hoje citam, claro. Passarinharam por cursos que, por cá, nem se imaginavam, fizeram teses definitivas, que lhes adubam o currículo com que arrasam a concorrência.

Começaram todos - mas todos! - na esquerda, a maioria vive hoje na esperança de que a direita os perdoe desse pecadilho pouco original, afadigando-se em contribuir para a sua instrução - com artigos, com livros ou apenas com dichotes, mais ou menos espirituosos. Ainda não se percebeu bem o que lhes irá acontecer com o Brexit. Às tantas, ficam apátridas. Nasceram em Portugal (ninguém é perfeito!), mas mantêm o coração nessa grã-ilha a que pertencem, por direito natural. Idealmente, a maternidade do St Antony's College seria o seu berço óbvio, mas têm de contentar-se com o facto de S. Sebastião da Pedreira figurar no seu Cartão de Cidadão.

Alguns falam e vestem como acham que os ingleses devem falar e vestir. Quando atingidos pelos "blues" da vivência nesta "piolheira" que lhes caiu em rifa natal, à falta dos couros de Pall Mall, vão tomar chá à York House, pelas tardes pardacentas. Adoram Churchill e os Church"s. Escrevem (às vezes, bem), bebem (alguns já tiveram melhores fígados) e todos resmungam (de preferência, por escrito) contra este país onde não há um "Spectator" capaz, este lugar que verdadeiramente os não merece - no que têm toda a razão: Portugal nada fez de mal ao mundo para ter de os aturar. São os "inglusos". Não são nem ingleses nem lusos. São uma espécie de náufragos do autocarro, mas do tempo em que a Carris era britânica. Não passam de uns expatriados, não de cá, mas de lá. Era justo que Boris Johnson se preocupasse com eles.

(Publiquei este artigo há cinco anos, na coluna semanal que então tinha no Jornal de Notícias. Muita coisa mudou. A York House já não é o que era, o Brexit foi chão que deu uvas, sei lá bem onde anda o Boris Johnson. Só que ontem, no "Onda Azul" cruzei-me com um dos tais "inglusos", ajoujado com um garrafão de água. Está velho mas, para surda vingança dele, tenho de concordar que eu também estou.)

quinta-feira, agosto 07, 2025

Oferta

 


Morreu o último ministro de Salazar


O último ministro de um governo de Salazar - e também do governo de Marcelo Caetano - que ainda estava vivo, Mário Júlio de Almeida Costa, morreu ontem, com 97 anos. 

Almeida Costa tomou posse como ministro da Justiça em 22 setembro de 1967. Foi reconfirmado no cargo por Marcelo Caetano, em 27 de setembro de 1968. Deixou o cargo em 7 novembro de 1973. Foi presidente da Câmara Corporativa de 16 de novembro de 1973 até ao 25 de Abril.

quarta-feira, agosto 06, 2025

Lições do Tio Sam

Ver Trump e a sua camarilha, agressores diários da separação de poderes e da liberdade dos media, incentivadores de conspirações violentas contra a democracia, virem acusar as libérrimas instituições brasileiras de abusos de poder seria caso para gargalhada se não fosse trágico.

Não me convinha...

Há horas, falei por aqui num tenente que era conhecido como "podre", um velho militar de Viana do Castelo cujas atitudes bizarras o meu pai se divertia a contar.

Hoje, vou referir uma outra pessoa de Viana, cujo nome nunca cheguei a reter, protagonista de outro episódio curioso que o meu pai relatava.

A pessoa em causa era casada com uma senhora com "pêlo na venta" - esperando que os leitores mais velhos possam explicar aos mais jovens que a expressão identifica uma pessoa com mau génio. 

Reza a historieta que essa senhora, indo um dia pela rua com o marido, se pegou de razões com um indivíduo qualquer. O conflito terá azedado e, como reação a algo que a mulher teria dito, essa pessoa pespegou na senhora uma valente bofetada. Sem poder competir com o agressor em poderio físico, a senhora não reagiu à agressão.

E o marido da senhora? Não foi capaz de defender a honra ferida da cônjuge? Essa foi a pergunta que, nas horas e dias seguintes, amigos e familiares fizeram ao homem: "Então tu não reagiste?" A resposta do homem ficou nos anais: 'Não me convinha..."

Nunca terão ficado claras as relevantes razões de conveniência que terão tolhido a mão do cauteloso marido. O qual, para sempre, ficou conhecido como o "não me convinha". 

terça-feira, agosto 05, 2025

Índia

Estejam atentos. Uma chave determinante para o futuro do sistema geopolítico global chama-se Índia. O que vier a ocorrer em torno da evolução da posição desse país, na sua relação com os EUA, a China e a Rússia, num prazo muito curto, será relevante muito para além das suas fronteiras. Repito: estejam atentos.

segunda-feira, agosto 04, 2025

O Hamas e as vítimas

As crianças devem morrer à fome em Gaza como forma de castigar o Hamas? Mas então não era ponto assente que o Hamas não tinha legitimidade democrática e mantinha a população de Gaza debaixo de coação, sob um regime de violência e medo? Se assim é, que culpa tem a população?

De costas direitas


Por razões bem identificadas, sofro "das cruzes", como antes se dizia. Ganho assim em estar sentado "de costas direitas" (sem ser no sentido figurado), não forçando a coluna a posições inconvenientes, não devendo "dobrar a cerviz". Coisas da minha crescente juventude, nesta idade em que o corpo nos adolesce a olhos vistos. Por essa razão, e porque há quem se preocupe comigo, ouço frequentemente: "Senta-te direito! Não te "estendas" no sofá!" Eu obedeço, claro, durante cinco minutos. Depois, as "cruzes" queixam-se. E volto à postura (que fino!) inicial. 

Ao ouvir ontem, pela milésima vez, o "senta-te direito!", lembrei-me do Tenente Podre. O meu pai, nativo de Viana do Castelo, que teve um doce exílio em Vila Real durante 60 anos, levou consigo para lá um montão das suas histórias de infância e juventude, que passaram a fazer parte do património de uma memória que não vivi. Às vezes, falava no Tenente Podre. 

O Tenente Podre não se chamava assim. Era conhecido com essa designação porque, rezavam as crónicas, cheirava em regra mal, provavelmente por défice crónico de lavagem corporal, detetável por quem com ele se cruzava nas ruas. Tinha sido da arma de Cavalaria, mas o facto de não ter passado daquela patente, já na fase avançada da vida em que o meu pai o tinha conhecido, fazia presumir que a sua carreira castrense não fora por aí além. 

Casado com a Dona Miquelina (do que eu me lembro!), o Tenente era conhecido por usar para com ela expressões tributárias da sua especialidade militar. No Café Bar, para lhe pedir o açúcar, ficara famoso o seu: "Ó Miquelina, dá aí um coice no açucareiro!". Na Bandeira, a caminho da casa, que parece que era perto da Capela das Almas, se a cônjuge se adiantava na passada, atirava-lhe, à distância: "Ó Miquelina, parece que vais com o freio nos dentes!"

O Tenente e a Miquelina tinham uma filha solteira, a Ilda. Dizia o meu pai que a pequena, já entradora numa então preocupante trintena de anos, passava bastante ao largo da formusura e que o decurso do tempo não parecia ajudar a que arranjasse um par que a fizesse desamparar a casa paterna. A Ilda tinha por mau hábito, ao andar, inclinar-se um pouco para a frente. O Tenente, pressentindo que essa atitude corporal poderia agravar a já de si escassa atração de pretendentes, volta e meia berrava-lhe, com voz de parada: "Ó Ilda! Põe-te tesa!"

Há que convir que entre o "senta-te direito!", que vou ouvindo cá por casa, e o "põe-te tesa!" que a Ilda escutava do pai militar não há, salvo no estilo, um oceano de diferenças. Em ambos os casos, é tudo por boas causas.

O serviço na restauração turística


Estou de férias numa zona de praia. Um pouco por todo o lado, mais do que em anos anteriores, quando falo com responsáveis pelos restaurantes, ouço sempre queixas de falta de pessoal para o serviço de restauração. Já nem é pessoal qualificado, parece ser pessoal "tout court". Será que isso se deve, como é voz corrente, às baixas remunerações que são oferecidas? Não sei, mas admito que possa ser isso. Sinto que a qualidade média do serviço que é prestado nos restaurantes mais caros baixou de forma sensível, tendo como termo de comparação anos anteriores. Nos restaurantes de qualidade inferior a diferença não é tão sensível, talvez porque as expetativas não são já muito elevadas. Pode ser uma perceção caricatural da minha parte, mas fico também com a ideia de que, na maioria das unidades de restauração, neste mercado que dura apenas alguns meses, está criada uma espécie de hierarquia funcional: os portugueses chefiam, por regra, os brasileiros, com os empregados de outras nacionalidades a cumprirem, quase sempre, funções abaixo ou sob o controlo destes. Aliás, os brasileiros são, a uma grande distância, na perspetiva do regular cliente de restaurantes que sou, o que vai salvando, pela sua simpatia, a qualidade do serviço que nos é prestado - mesmo se comparados com os empregados portugueses. E alguns patrões já perceberam isso, atribuindo-lhes crescentes responsabilidades. Os empregados de outras nacionalidades têm maior dificuldade em ultrapassar o desconhecimento das subtilezas da língua portuguesa e isso condiciona-os bastante, não obstante o visível esforço que a maioria faz para estar à altura das tarefas. Em geral, é patente uma grande debilidade na formação profissional para as funções executadas, uma falta de maturidade no "métier", área em que também não se salvam muitos empregados portugueses. Como consumidor, mesmo pagando caro, sinto que há um visível declínio no serviço prestado pelo pessoal na restauração, em zonas de alta intensidade e de exigência turística. Dito isto, fica uma boa notícia: salva-se a comida, cuja qualidade, nos locais mais caros, não me parece ter baixado de qualidade.

sexta-feira, agosto 01, 2025

Ulster


Hesitação dramática sobre a melhor forma de apoiar a justa luta do povo do Ulster (que, para quem não saiba, não é corresponde exatamente à região da Irlanda do Norte).

Leis

Marcelo Rebelo de Sousa, com algumas decisões sobre diplomas governativos, avisa Luís Montenegro de que, em São Bento, existe um executivo que é apenas minoritário, pelo que não pode "armar-se" em maioritário na atitude, em especial quando legisla sobre temas altamente polémicos.

Democracia. Ponto

Ouvi há pouco uma declaração deliciosa: "Não me venhas com essa conversa ideológica da 'democracia liberal'. Democracia é democracia, não precisa de adjetivos. Não estraguem a democracia com qualificativos que só afetam o seu bom nome."

"Chapeau!"


Não conheço Pedro Tadeu, salvo das conversas que lhe ouvi com Jaime Nogueira Pinto, na rádio. Vou comprar este seu livro porque estou muito curioso em conhecer as razões que levam a que alguém se proclame abertamente comunista nos dias de hoje, em que a popularidade da ideologia não parece estar no topo de venda de ideias. E mais: que tenha tido coragem para fazê-lo, nestes tempos de caça às bruxas e de fachos à solta. "Chapeau!"

Velhos são os brancos!

O governo nomeou João Soalheiro com presidente do Instituto do Património. Não conheço o senhor, mas conheço o Soalheiro Vinhas Velhas (bebam bem fresco!), pelo que me parece um nome adequado para tratar de coisas antigas.

Ah! Pois é!

A Finlândia comemora um ano sem mortes nas estradas. Imagino o comentário dos nossos aceleras, à conversa, a atestar uma bejeca à porta de uma loja de "tunning":  "Aquela malta não pisa o pedal nas estradas e depois queixa-se: tem depressões e suicida-se. Vai dar ao mesmo."

A "Visão"


Envio um abraço de imensa solidariedade a Rui Tavares Guedes e à equipa que, contra ventos e marés, continua a assegurar a publicação da "Visão", uma revista que há muito faz parte do melhor jornalismo português, que atravessa um período de extrema dificuldade, fruto de erros de gestão dos quais sai prejudicado o produto do trabalho dos seus excelentes profissionais e a qualidade da informação oferecida aos seus leitores.

Sou um "teimoso" leitor da "Visão" desde o seu primeiro número, em 1993, ao tempo de Carlos Cáceres Monteiro. Creio que nunca deixei de adquirir qualquer das suas edições, tendo mesmo passado a ser seu assinante, na última meia dúzia de anos, precisamente para reforçar o meu apoio ao seu excelente jornalismo. 

Custa-me imenso encarar a hipótese de perder esta "news magazine", que nasceu da escola de "O Jornal" e que fez par com outras publicações do antigo grupo, onde também se destaca o magnífico "Jornal de Letras", este sob a batuta do meu amigo José Carlos de Vasconcelos, a quem também mando um forte abraço.

quinta-feira, julho 31, 2025

Devolvam-me o Ras!


Sou um praticante errático de palavras cruzadas. Faço-as quando o tédio se encaminha para o desespero. Gosto delas muito difíceis, das que têm várias letras a que se não chega por verticais ou por horizontais, nomes de aves raras do Bornéu ou interjeições tupi-guarani que nem o "Aurelião" acolhe. Detesto os irritantes "romanos", a graçola medíocre do "no meio de", as batidas notas musicais e, claro, as palavras hiper-banais - a pedra de altar "ara" ou o velho "aru", um sapo que nunca consegui ver no Amazonas. Sempre achei graça ao rio da Suíça Aar, até que a minha amiga Manuela Júdice retirou todo o mistério ao vocábulo, dizendo-me ter vivido numa casa com vista para as suas águas.

Mas a que propósito vem isto? É que pressinto no ar uma imensa jogada de discriminação política e étnico-cultural, um pouco subtil deliberado de esquecimento de alguém que, desde a minha juventude, me tinha habituado a ter entre os íntimos, essa insigne figura que sempre foi o chefe etíope Ras. Foram décadas em que fui acompanhado pelo Ras. Agora, nem a mais medíocre folha pseudo-informativa do interior se digna lembrar esse nome histórico do cruzadismo. Há, manifestamente, uma conspiração contra a Etiópia! Não há vergonha! A terra do Preste João, do Negus, do Abebe Bikila! Devolvam-me o Ras, por favor!

quarta-feira, julho 30, 2025

Mau, Maria!

A política externa não é uma coisa "de modas", mas de princípios. Não se vai "por aqui" ou "por ali" apenas porque os outros países vão nessa direção. Se vier a reconhecer a Palestina agora que outros o fazem, Portugal não passará de uma "Maria vai com as outras" ... se as outras forem. O comodismo é muito triste!

O preço dos vinhos


Frequentemente, ouço pessoas a queixar-se do preço das garrafas de vinho nas listas de restaurantes. Às vezes têm razão, outras vezes não.

Um garrafa, num restaurante, nunca custa o mesmo que, pelo mesmo produto, nos é pedido numa loja especializada em vinhos ou numa grande superfície. É uma ingenuidade pensar que um restaurante teria a obrigação de cobrar, por uma garrafa, um preço similar àquele pelo qual ela é vendida no comércio de rua. No vinho, como em qualquer outro produto que comercia, o restaurante cobra sempre um diferencial: com ele paga o investimento da aquisição, os custos do serviço, os salários, os encargos de estrutura (rendas, empréstimos, etc) e, naturalmente, o lucro legítimo que o proprietário retira do seu negócio.

A minha experiência mostra-me que, nos vinhos mais baratos, o multiplicador normal é três vezes superior ao custo em loja, nos vinhos topo de gama um mínimo de duas vezes mais e, nos vinhos intermédios, 2,5 vezes. Mas há restaurantes que praticam multiplicadores bem maiores. Resta ainda acrescentar que, sendo o preço base, para os nossos cálculos, o valot comercial em loja, é preciso ter em conta que os maiores restaurantes compram os vinhos que vendem, em regra, nas empresas distribuidoras, que praticam uma tabela de preços mais baixa. Assim, o seu lucro é ainda maior. Nos vinhos pouco conhecidos, de produtores independentes ou com marcas novas, alguns restaurantes fazem o que muito bem entendem, o mais das vezes à nossa custa...

Como frequentador regular de restaurantes, sigo o princípio de ter sempre presente os preços médio de três ou quatro marcas vulgares de vinhos (sempre com atenção ao ano), no Pingo Doce ou no Continente, comparando-os depois com aquilo que me apresentam na lista de vinhos do restaurante. Até três vezes o preço em loja, acho razoável; mais do que isso, entendo ser um exagero. E a minha apreciação do restaurante "ressente-se" disso, nos conselhos que depois dou aos amigos. Um critério que também sigo é o uso da "app" "Vivino", que permite "fotografar" os rótulos e nos indica, de imediato, o preço médio em loja do vinho.

segunda-feira, julho 28, 2025

Os sorrisos dos dias felizes da relação transatlântica

 



Trump 15 - Europa 0

Conheço alguma coisa de negociações internacionais para ousar ter um juízo simplista sobre o resultado da negociação comercial que, aparentemente, terá ontem ficado concluída entre os EUA e a União Europeia. (Escrevo "aparentemente" porque, com Trump, nada é seguro). Quero com isto dizer que não tenho a certeza de que uma qualquer outra equipa negocial europeia tivesse conseguido fazer melhor, nas atuais circunstâncias. Mas uma coisa é bem clara e não pode ser iludida: tratou-se de um "diktat" e o resultado é brutalmente desequilibrado em desfavor da Europa. A acrescer aos direitos aduaneiros impostos (que devem ser comparados com os atuais, não com o pior cenário, como desonestamente Bruxelas está a fazer), a Europa comprometeu-se (ainda não percebi bem como, dado que não se trata de uma competência comunitária) a comprar gás e petróleo aos Estados Unidos, bem como "enorme quantidade" (Trump dixit) de equipamento militar. Se alguém tinha pensado que o aumento exponencial de verbas orçamentais que vai passar a ser dedicado à defesa, aprovado no quadro NATO sob pressão americana, se destinava a reforçar as indústrias europeias e a contribuir para vir a obter a famosa "autonomia estratégica" do continente, pode tirar já o cavalo da chuva, antes que ele se constipe. Os europeus, que desde há três anos vivem atarantados com a ideia de que a Rússia pode "chegar com os tanques à praça da Concórdia", para recuperar uma célebre mitologia de 1981, entregaram-se agora por completo à vontade de Washington. Nada de novo, convenhamos, salvo esta humilhação alfandegária. Era possível fazer melhor? Não sei e, com total franqueza, duvido que fosse. Mas que o resultado é péssimo, disso não tenho a menor dúvida. E há que assumi-lo, sem querer fazer de nós parvos.

domingo, julho 27, 2025

"Bonito 7!"


Ontem, num jantar de amigos de início de férias, surgiu na conversa o tema das idas ao cinema, na juventude de alguns de nós, nas salas de espetáculo de província. Falou-se de Vila Real, de Viana, de Coimbra e até de Portimão. 

Para admiração da gente presente que era de Lisboa, onde os filmes se demoram por alguns dias nas salas, explicou-se que, nessas terras pequenas, eles só passavam uma única noite (havia umas matinées nos domingos, com coisas muito leves para crianças), em sessões que, em regra, ocorriam duas vezes por semana. Por esse tempo, com o pouco que então havia para fazer por aquelas localidades, e com os bilhetes, na categorias mais simples, a preços relativamente baixos, era quase de regra ir-se ao cinema nessas noites.

Contudo, havia um problema: a idade. Alguns filmes eram "para adultos", o que implicava ter mais de 17 anos. À porta, o cavalheiro que "cortava" os bilhetes, se desconfiava da nossa idade, pedia o Bilhete de Identidade. 

Lembro-me que, a certa altura, comecei a ter inveja dos mais velhos, que contavam que tinham assistido às "cenas quentes" de um drama ou de uma comédia qualquer. Com pormenores que assumiam laivos de sadismo, nos dias seguintes, nos intervalos das aulas, comentavam entre si o que tinham visto na véspera. Nós, a quem a idade tinha impedido o acesso ao filme, ali ficávamos, "ougados", com alguma raiva.

Era voz corrente que o porteiro do cinema, quando exigia a identificação de alguém, só olhava o ano de nascimento - nunca o mês e a data. Um dos meus colegas, o Teixeirinha, um tipo franzino que perdi de vista há mais de 60 anos, tinha nascido no dia 29 de dezembro de 1947. Assim, desde janeiro de 1964, o Teixeirinha passou a "ter" os requeridos 17 anos. Ora eu, por um azar histórico que devia atribuir à falta de cuidado dos meus pais, tinha nascido "apenas" em janeiro de 1948. Por um mês, eu "tinha" menos um ano do que o Teixeirinha. E isso significava um imenso atraso na construção da minha base filmográfica. 

Quem é mais antigo recordar-se-á que os Bilhetes de Identidade não eram plastificados e eram preenchidos à mão, desde o nome à datas e outros pormenores. Um dia do ano de 1964, com vontade de acelerar o meu acesso às delícias da maioridade, para efeitos de écrans, tomei a íntima decisão de falsificar o último algarismo do meu ano de nascimento. Sabia que o meu pai ficaria furioso de viesse a descobrir, mas decidi arriscar. Com delicada mas não muito hábil precisão, limpei com lexívia o "8" do ano e escrevi por cima um mal amanhado "7". Como, com a pressa, não tinha deixado secar bem o resultado da operação, o algarismo do crime acabou por sair um tanto borrado. 

Dias depois, imagino que com um frio imenso a percorrer-me a espinha, lá fui para a fila de entrada do Cine-Teatro Avenida, para ir ver uma fita qualquer "para maiores de 17". À entrada, estava o cavalheiro do costume. Devo ter feito uma cara séria, para dar ares de mais idoso, levando o documento de identificação bem à mão. Escolhi um momento em que a fila estava densa, tentando que ele não mo fosse pedir, mas o homem não dispensou: "Tem o seu Bilhete de Identidade?" Tenso e nervoso, estendi-lhe o papel. O cavalheiro, pai de uma colega de liceu, que ali fazia um extra para arredondar o seu ordenado de funcionário das Finanças, e que aliás conhecia o meu pai, olhou para mim, sorriu discretamente e disse apenas: "Bonito 7!" E mandou-me entrar. 

No dia seguinte, lá estava eu no intervalo a disputar a um perplexo Teixeirinha os detalhes sobre o filme do dia anterior. Mas a minha ousadia ficou por ali: nunca mais arrisquei enfrentar o porteiro do cinema, em filmes para adultos. Dias depois, voltei a utilizar lexívia e repus o 8. Imagino como aquilo terá ficado... E só conto isto agora porque estou certo de que o "crime" já prescreveu!

(A imagem de exemplo é de um BI dessa altura, apanhada na net)

"Le Tour"


Cá por casa, nos fins de julho de cada ano, é certo e sabido: para-se para ver o "Tour de France". De duas maneiras diferentes: eu só tenho paciência para os "destaques", para os final das etapas e para olhar as paisagens, mas há no casal quem se obstine em ver quase tudo, quem saiba o nome dos ciclistas e coisas assim. Feitios.

A Volta à França de 2025 acaba hoje, com a clássica chegada aos Campos Elísios, em Paris. Há pouco, por curiosidade, olhei o desenho das etapas e, porque andava distraído, reparei, pela primeira vez, que o "Tour" anda aos saltinhos, havendo uma regular descontinuidade entre os vários percursos diários. Deixo dois mapas comparativos da prova de hoje com a de, por exemplo,1939.


Nuno Portas


Aos 90 anos, morreu agora Nuno Portas, figura maior da arquitetura portuguesa mas, igualmente, da reflexão e da intervenção na dimensão social do urbanismo, setor de que iria ser o primeiro governante em Portugal, logo após o 25 de Abril. 

Portas era, para a minha geração, uma figura quase mítica dessa arquitetura, tal como Nuno Teotónio Pereira, com quem teve obra conjunta. 

Grande amigo de Jorge Sampaio, foi num jantar nos 60 anos deste que o vim a conhecer melhor. Recordo que tivemos uma bela e longa conversa. Há uns anos, fez-me a agradável surpresa de me ir ouvir a uma palestra que fiz no Porto. À saída, disse-me: "Saio daqui mais preocupado do que entrei, sobre o futuro da Europa". Tinha razão para isso.

Deixo um abraço de muito pesar à Catarina e ao Paulo.

O "Público", no online, publica um magnífico texto de Jorge Figueira sobre Nuno Portas.

sábado, julho 26, 2025

Ser ou não ser

"Ele não é socialista", opinou alguém sobre uma mediática figura que há muito se dedica a atacar o seu partido, que a direita adora e que é exibido em debates para fingir diversidade. Um outro não concordou: "Não, ele é socialista". Mas acrescentou: "Só que não é praticante".

"Janela Global"



Ontem, na RTP 3, conversei com Márcia Rodrigues, no "Janela Global".

Falamos de Gaza e da sua tragédia, do anúncio de Macron face à Palestina, da Europa e da sua cacofonia, dos Estados Unidos com as atribulações de Trump, mas também de Lula da Silva e do estado da arte na CPLP. Além de outras coisas mais, como um certo livro que Márcia Rodrigues decidiu trazer à conversa, que pode ser vista aqui:  https://www.rtp.pt/play/p14327/e866868/janela-global

sexta-feira, julho 25, 2025

Um adeus

Fomos hoje dizer adeus a uma amiga. Não era uma amiga antiga. Há uma década, mal tínhamos falado. Depois, o tempo e a vida fizeram o resto - a simpatia, a proximidade, a afetividade. Uma vez mais confirmei que há amizades tardias tão boas como as mais antigas.

quinta-feira, julho 24, 2025

Carlos Branco

A minha leitura do mundo não coincide, em alguns aspetos, com a do general Carlos Branco. Conheço-o há muitos anos, prefaciei-lhe um livro e com ele colaborei em duas obras coletivas. Não sei o que se passou na CNN. Sei que o canal perde em pluralidade com a sua decisão de sair.

No banco

Como português, desejo sinceramente que o novo governador do Banco de Portugal tenha sucesso e um mandato à altura do prestígio do seu antecessor. Contudo, quanto à sua independência política, estamos conversados: integrou o governo mais à direita desde o derrube da ditadura.

Conselho Estratégico

Aceitei com gosto o convite que me foi pessoalmente formulado pelo Secretário-Geral do Partido Socialista, José Luís Carneiro, para integrar o Conselho Estratégico que criou, para refletir sobre o futuro do país e a contribuição que os socialistas podem dar para desenhar uma alternativa à atual governação.

Nunca na vida tive a menor dúvida de que é na esquerda e no socialismo, que aliás não se esgotam no PS, que continua a estar aquela que sempre foi a "minha gente". 

Por isso, apetece-me repetir aqui este lapidar texto de Nuno Brederode Santos




... a nossa (salvo seja) e algum PS

Em Portugal, com uma extrema-direita cavernícola, a atual direita repete-lhe o essencial do discurso, embora lhe retire os adjetivos mais alarves. Algum PS também acha que democracia equivale a representar preconceitos e esquece as lições de Soares, Sampaio e Guterres.

A direita francesa...

Desde Sarkozy, a direita francesa (arrumado que foi o "détaille" do pai Le Pen) vive na ânsia de mimetizar a extrema-direita no dossiê migração-segurança, sem lhe herdar o rótulo. Por isso, ocupar o Ministério do Interior é uma velha obsessão para os que tentam chegar ao Eliseu.

RTP

O desconhecimento é parceiro da má fé. Quando se fala da privatização da RTP, ninguém diz que são 19 serviços de televisão, rádio e streaming, único meio de difusão onde intérpretes de música clássica podem ser ouvidos, onde passam séries excelentes que nenhuma privada exibe, etc

quarta-feira, julho 23, 2025

... e assim acontece!


Foi perto do Arco do Carvalhão, num acesso esconso à A5, há minutos. Há por ali uma caixa de eletricidade. Sobre ela, estavam quatro volumes da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. 

Eu ia a guiar, vi a cena em segundos. E pensei: o que terá levado alguém a desfazer-se assim da obra? Estaria completa? Teriam lá estado os outros 36 volumes? E as atualizações? Quem levou os restantes volumes (se é que lá estiveram), que critério usou na sua escolha? Começou pelo A? E, a bem dizer, o que é que isto interessa? 

Chegado a casa, olhei a minha enciclopédia na estante e não tive coragem de lhe contar o que vira.

terça-feira, julho 22, 2025

Centeno


Um forte abraço a Mário Centeno. 

Não consegui, até ao momento, encontrar uma fotografia do cidadão português que, no futuro, irá ser eleito pelos ministros das Finanças do Eurogrupo para seu presidente.

segunda-feira, julho 21, 2025

Sexualidade fora da cidadania


O luso-trumpismo tem a graça de ser saloiamente cavernícola.

Náufragos em terra


Agora mesmo, parado há horas num Alfa Pendular, "in the middle of nowhere", a caminho de Lisboa, lembrei-me da saga de Steinbeck no "Náufragos do autocarro", mas a verdade é que não vislumbrei a saliência artística de Jayne Mainsfield em nenhuma das carruagens, pelo que talvez esta cena de espera nervosa acabe por ficar mais próxima do "Autoestrada do Sul", de Cortázar, no "Todos os Fogos o Fogo", adequada a quando andamos em tempo de férias e se diz ser um incêndio a causa desta infindável seca, pelo que logo me fui precavendo no bar, com sanduiches e uma Superbock, assim acabando por não passar nada mal o tempo, muito também graças ao ar condicionado e à Netflix que trago no "tablet" e que já me deu mais de duas horas de diversão, só perturbada por ter tido de mandar um "pouco barulho!" a uma fulana que andava a anunciar alto, pelo corredor, que já tinha tentado queixar-se junto de um ministro amigo, o qual não lhe terá atendido o telefonema, como confessou em tom mais baixo, o que só prova que este governo, embora não pareça, ainda pode ter por lá alguma gente sensata.

Expo


Estava assim em junho de 1996. Dois anos depois, inaugurávamos a Expo 98. Ah! Pois é!

Dúvida

Uma dúvida é legítima: a hesitação europeia em retaliar à altura da provocação tarifária de Trump deve-se apenas à cumulação de objeções nacionais que impedem uma decisão ou (é ainda) à chantagem sobre o apoio militar à Ucrânia?

Coimbra B

Se já não existe outra estação, por que diabo a CP teima em chamar "Coimbra B" à única estação existente em Coimbra?

domingo, julho 20, 2025

Tremores e temores


Um dia, há mais de 30 anos, cruzei-me num corredor da OCDE, em Paris, com um diplomata islandês com quem, em outras reuniões, tinha estabelecido uma boa relação. Não guardei o seu nome, mas tenho ideia de ser uma das figuras mais prestigiadas da diplomacia do seu país. Era embaixador em Paris e fora secretário-geral do seu ministério dos Estrangeiros - lugar de topo da respetiva carreira diplomática. Com uma estrutura pequena em termos de relações externas, a Islândia apostava em profissionais muito qualificados. Esse era claramente um dos casos.

Na conversa, o homem inquiriu: "Então o meu amigo recusou o convite que eu lhe tinha feito para ir a Reikjavik, para consultas sobre temas europeus?! Lembra-se que, há uns meses, em Estrasburgo, à margem de uma reunião do Conselho da Europa, tinha acedido a ir?" Lembrava-me do convite, mas não recordava ter recusado. Ao que parece, haveria uma carta do meu gabinete nesse sentido.

Chegado a Lisboa, fui ver o que se tinha passado. Lá estava a cópia da carta e a minha resposta negativa, através de uma comunicação do meu chefe de gabinete. 

O Miguel Almeida e Sousa, um excelente diplomata que tinha servido no gabinete de Cavaco Silva e que, para surpresa (e até escândalo) de muita gente, convidei para meu chefe de gabinete no primeiro governo de António Guterres, explicou: "A sua agenda estava muito cheia, a Islândia é longe, implica perder quase quatro dias e havia outras coisas prioritárias. Disse-lhes que, para o ano, pensaríamos na viagem". 

A justificação tinha alguma lógica, porque, de facto, a minha vida, em termos de compromissos externos, era, por esse tempo, muitíssimo complicada. E o Miguel, que muitas vezes me acompanhava nas viagens, tinha essa cuidada gestão a seu cargo. E eu dava-lhe imensa liberdade para decidir. 

Mas um ligeiro sorriso na sua cara fez-me pressentir que haveria por ali algo mais. "Foi só por isso que recusou a viagem?" A cara do Miguel abriu-se: "Foi também pelos tremores de terra! Parece que aquilo treme a toda a hora. E os vulcões estão sempre a rebentar!". Vim a constatar, nesse instante, que ele era um "empanicado" com esse tipo de eventos naturais e que, por tabela, me tinha querido "proteger". E acabei por nunca ir à Islândia como secretário de Estado.

Fui lá esta semana, agora como turista. Não senti nenhum tremor de terra mas, de facto, vi ao longe este vulcão em atividade (a fotografia não é minha). Coisa que, creio, o Miguel nunca viu em parte alguma. E imagino que não deva ter pena.

José Blanco


Morreu José Blanco. Era uma figura amável, um homem de cultura, sendo por muito tempo administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, com ação relevante no Grémio Literário. 

Alguns talvez desconheçam a grande influência que teve na feitura do "Portugal e o Futuro", de António de Spínola, ao tempo em que, como militar, trabalhou na Guiné com o general de monóculo.

Os meus sentimentos à sua família.

CPL quê?


A CPLP existe pelo "P" final - a língua do colonizador, que os ex-colonizados entenderam útil usar como potenciador da sua expressão internacional, como sinergia de alguns interesses identificados como comuns. 

A CPLP tem, como cimento e pano de fundo, uma afetividade humana que o tempo e a diluição de alguns agravos históricos foi consagrando, no seio de um grupo em que o ex-colonizador não era excessivamente forte e impositivo. 

A organização baseou-se num conjunto de princípios que, na sua fundação, foram aceite por todos com leituras intimamente diferenciadas, mas que eram promovidos pelo politicamente correto internacional que, à época, fazia escola e parecia ir permanecer no "ar do tempo", do qual ninguém formalmente ousava afastar-se.

Agora, num tempo de nova Guerra Fria, é da mais elementar prudência não testar excessivamente os limites do consenso dentro da organização e procurar deixá-la sobreviver num registo de mínimos, à espera de melhores dias.

Uma nota: isto não é um recado apenas para o governo português.

sábado, julho 19, 2025

O papagaio-do-mar e eu


Em regra, o papagaio-do-mar é dificil de observar de perto. Aparece em lugares remotos em alguns escassos meses do ano. Ontem vi e fotografei um. Olhou-me de lado, o magano! E, embora não sendo um fatalista, concluí: foi esta a última vez que vi o papagaio-do-mar. De facto, sendo eu muito pouco dado a viagens por sítios bizarros (às vezes, acontece-me, como agora) a probabilidade de voltar a ver aquela ave é nula. É triste concluir isto? Nada. Há muito mais vida para além do papagaio-do-mar!

sexta-feira, julho 18, 2025

quinta-feira, julho 17, 2025

Centenário



A minha terra, Vila Real, deixou de ser vila há precisamente 100 anos. Em 1925, passou a ter estatuto de cidade. 

Para comemorar essa efeméride, foram distinguidas com a Medalha do Centenário algumas entidades coletivas representativas da cidade, bem com cerca de três dezenas personalidades locais que se terão destacado ao longo dos últimos 100 anos.

Fico muito honrado pelo facto de ter sido escolhido para integrar os galardoados, gesto que muito agradeço ao Município de Vila Real, na pessoa do seu presidente, Dr. Alexandre Favaios.

A circunstância de estar fora do país impediu-me de estar presente no ato de entrega do galardão, que hoje teve lugar no Palácio de Mateus.

Sempre os mesmos

Há cerca de três anos, ouvia-se: "Há o risco do PS 'mexicanizar' o regime, ficando no poder eternamente". Agora, ouve-se: "O PS está numa crise existencial. Pode mesmo acabar". A voz é sempre a mesma: a direita, velha e relha. Ah! E a História do "fim do socialismo" já tem barbas...

Ver e o resto


Há quem goste de ver géiseres ou de ver passar os ciclistas e há quem viva para fotografar as coisas. Estamos assim.

quarta-feira, julho 16, 2025

Ser socialista

O Partido Socialista tem de saber dizer, alto e bom som, ao autarca que o representa em Loures que dizer-se socialista não é um rótulo de oportunidade, é a responsabilidade de sempre assumir um comportamento humanista, sem deixar que a ânsia da vitória o arraste na demagogia populista.

É feriar, minha gente!

O julgamento de José Sócrates foi interrompido pelas férias judiciais de Verão (é que há outras): de 15 de julho a 31 de agosto. É verdade! Mês e meio! E, no passado, já foram dois meses! 

Dou um doce virtual a quem se lembrar do nome de quem decidiu reduzir aquelas férias, concitando a ira dos magistrados.

O Doutor Homem



Hoje à tarde, António Sousa Homem lança um novo livro. Dizem-me que não tenciona sair do seu eremitério do Moledo para estar na apresentação. Se mesmo uma visita a Viana há muito o não tenta, muito menos se disporá a ir a Lisboa! É pena, tenho uma amiga que há muito gostaria de conhecê-lo.

Francisco José Viegas, acompanhado por dois distintos comparsas, fará a honra das novas páginas. Não podendo estar presente, só posso desejar uma boa sessão.

Há pouco, aqui na Islândia, estava a comentar o evento com quem me acompanha quando alguém, da mesa ao lado, se saiu com isto: "Verður til útgáfa á okkar tungumáli?". Esclareci que não, que não haverá tradução em islandês. Mas posso estar enganado.

A "Salvação" do Álvaro


Já um dia contei por aqui esta história, mas vou repeti-la hoje, sintetizada. Logo verão a razão por que o faço.

Tive um grande amigo, bastante mais velho do que eu, chamado Álvaro, que já se foi desta vida há muitos anos. Foi uma das pessoas mais forretas que conheci - e já conheci várias, algumas refinadas. Conheço-lhe histórias deliciosas, fruto desse seu vício temperamental.

Um dia, o Álvaro telefonou-me a perguntar se eu conhecia alguém na Islândia. Ele sabia que, quando eu vivia em Oslo, tinha estado acreditado junto daquele país.

De facto, eu tinha tido contactos com o cônsul honorário português em Reykjavik e disse-lho. Ficou imensamente satisfeito e passou a relatar-me o que pretendia. Ia à Islândia, numa viagem que lhe fora oferecida por um jornal com o qual colaborava, mas estava a ter dificuldade em reservar o alojamento que pretendia. Será que o nosso cônsul podia ajudá-lo?

Para evitar ter de incomodar o nosso cônsul honorário, por um assunto tão fútil, disse-lhe que tinha um conhecimento numa agência de viagens, que seguramente lhe trataria da reserva. O Álvaro reagiu: “Isso também eu tenho! Mas nenhuma agência consegue marcar aquilo que eu quero”. 

Que diabo de alojamento tão especial era impossível de marcar, a partir de Lisboa, num mundo onde essas coisas já se faziam, à distância, com toda a facilidade? 

O Álvaro pareceu-me um pouco embaraçado: “Bom, é que eu soube que as instalações do “Exército de Salvação” têm umas camaratas coletivas muito boas, com um preço que me ficava muito em conta. Se o nosso cônsul pudesse fazer um telefonemazito para lá..."

Nem queria acreditar! Ficar numa camarata do "Exército de Salvação”! O Álvaro era um quadro superior. E já não tinha idade nem estatuto para aquilo. Mas ele não se importava: sabia que preço da dormida era muito “jeitoso”. “Eh, pá! Não sejas chato! Pede lá isso ao homem, não te custa nada”. Não pedi, claro. E, ao que soube, o Álvaro acabou por nunca dormir nas tais camaratas. 

Hoje à noite, estando eu esta noite alojado num hotel em Reykjavik, tive uma ideia: se tiver oportunidade, vou tentar dar uma saltada à “Salvation Army Guesthouse” da cidade. Só por curiosidade. Mas já não vou a tempo de dar ao Álvaro a minha opinião.

terça-feira, julho 15, 2025

Sócrates

Alguma comunicação social começa a perceber que dar palco ao laborioso argumentário de Sócrates poderá vir a pôr em cheque o Ministério Público, entidade que, durante anos, a municiou com fugas do segredo de justiça, que ajudaram à criação do juízo prévio de culpabilidade instalado.

Um ZBB é que era!

Há um imaginativo debate orçamental em França. São apresentadas propostas de redução das despesas, não face às despesas reais anteriores mas face às despesas previsíveis se o deslizar dos gastos continuasse com a anterior tendência crescente. Estão é a precisar de um ZBB! 

A ética por um canudo

Com a inovadora escolha do seu candidato autárquico para Oeiras, o PSD de Luís Montenegro dá uma bofetada de luva laranja no seu candidato presidencial. Não deixa de ter graça.

Santa Luzia


Dormi na então Pousada de Santa Luzia, em Elvas, bastantes anos antes do seu encerramento, em 2012. Regressei lá, já como Hotel Santa Luzia, em 2015. Por coincidência, voltei a dormir lá há poucos dias, precisamente nas vésperas do seu encerramento. É a vida.

Ardisson


As figuras públicas televisivas acabam por fazer parte do nosso universo pessoal, embora não necessariamente de um modo positivo, em termos de afetividade. Thierry Ardisson, que me habituei a ver, durante anos, nos écrans televisivos franceses, nunca foi, para mim, uma figura simpática. Havia uma agressividade, por vezes desrespeitosa, na forma como aquele homem sempre de preto entrevistava e contraditava os convidados. Era, contudo, um "performer" de qualidade. E, também por isso, desgosta-me saber da sua morte.

segunda-feira, julho 14, 2025

O dia das cambalhotas

Em face da decisão de Trump de apoiar militarmente a Ucrânia, vamos ver por cá umas belas cambalhotas: os ucranófilos, aliviados, vão dizer que Trump, afinal, não é tão mau como se pensava; os russófilos, desencantados, vão poder voltar a dizer mal da América, como sempre gostaram de fazer.

"La France va-t-en-guerre"

Vale a pena estar atento ao que se vai passar em França nos próximos dias. Ontem, Macron anunciou um aumento brutal nas despesas militares, nos próximos dois orçamentos, precisamente aqueles que terão de ser aprovados até ao final do seu mandato.

O PM Bayrou tinha anunciado para o dia 15 as bases de um orçamento de extremo rigor, por forma a colocar a França - o país mais endividado da zona euro e com maior défice - numa trajetória de correção das suas mais do que degradadas contas públicas. E sem alta de impostos.

Como a quadratura do círculo não é coisa fácil, estou curioso para perceber como será possível o impossível. Desde logo, aprovar um orçamento "de rigueur" num país que salta para a rua sob qualquer pretexto social, com um parlamento em que o executivo governa em minoria.

Macron, que está com uma taxa de aceitação baixíssima, salvo nas redações de alguns jornais portugueses, adotou um estilo "va-t-en-guerre" que deve agradar imenso à indústria bélica mas é capaz de soar a novas ajudas de Estado para as bandas de Bruxelas.

E, para fechar tudo isto com chave de ouro, a França, que, em dias de "Tour de France", lidera destacadíssima o pelotão dos países com mais elevado rácio despesa pública versus PIB na Europa, irá agora isolar-se, numa fuga em frente, neste domínio.

Bayrou, cujas divergências com Macron se têm acentuado, poderá acabar por não ser o homem para esta hercúlea tarefa. Um nome que se diz que Macron poderia escolher seria Sébastien Lecornu, que é, nem mais nem menos, o ministro da Defesa. "Et pour cause..."

Gastos com Defesa


Fala-se muito do compromisso assumido pelos países da NATO de atingirem, em 2035, um gasto em matéria de defesa correspondente a 5% da riqueza (PIB) de cada Estado membro.

Se essa meta fosse aplicada hoje, isso corresponderia a 12% do Orçamento Geral do Estado.

Veja aqui a conversa que tive com Maria João Babo, Gonçalo Moura Martins e António Ramalho no Negócios online.

Bolas

E lá vi, ao fim de tarde de ontem, a abada que o Chelsea deu ao PSG! Por uma qualquer razão, salvo este jogo final, não perdi tempo com qualquer outro jogo deste torneio de verão. Achei aquilo uma organização algo artificial, feira para empochar dinheiro.

" A Arte da Guerra"


O podcast "A Arte da Guerra", emitido semanalmente pelo Jornal Económico desde o início de 2021, uma conversa de cerca de meia hora, sobre três temas internacionais, entre o jornalista António Freitas de Sousa e eu, vai agora "de merecida vilegiatura", como dizia o velho e já desaparecido jornal da minha terra, "O Vilarealense", quando anunciava a ida a banhos dos seus assinantes mais notáveis. 

Assim, pelo menos até metade de agosto, vamos deixar os nossos ouvintes em paz, isto é, deixamo-los com as guerra que por aí andam. 

sábado, julho 12, 2025

Falemos então da velhice, através de Philippe Noiret


"Il me semble qu'ils fabriquent des escaliers plus durs qu'autrefois. Les marches sont plus hautes, il y en a davantage. En tout cas, il est plus difficile de monter deux marches à la fois. Aujourd'hui, je ne peux en prendre qu'une seule.

A noter aussi les petits caractères d'imprimerie qu'ils utilisent maintenant. Les journaux s'éloignent de plus en plus de moi quand je les lis : je dois loucher pour y parvenir. L'autre jour, il m'a presque fallu sortir de la cabine téléphonique pour lire les chiffres inscrits sur les fentes à sous.

Il est ridicule de suggérer qu'une personne de mon âge ait besoin de lunettes, mais la seule autre façon pour moi de savoir les nouvelles est de me les faire lire à haute voix - ce qui ne me satisfait guère, car de nos jours les gens parlent si bas que je ne les entends pas très bien.

Tout est plus éloigné. La distance de ma maison à la gare a doublé, et ils ont ajouté une colline que je n'avais jamais remarquée avant.

En outre, les trains partent plus tôt. J'ai perdu l'habitude de courir pour les attraper, étant donné qu'ils démarrent un peu plus tôt, quand j'arrive.

Ils ne prennent pas non plus la même étoffe pour les costumes. Tous mes costumes ont tendance à rétrécir, surtout à la taille.

Leurs lacets de chaussures aussi sont plus difficiles à atteindre.

Le temps lui-même, change. Il fait froid l'hiver, les étés sont plus chauds. Je voyagerais, si cela n'était pas aussi loin. La neige est plus lourde quand j'essaie de la déblayer. Les courants d'air sont plus forts. Cela doit venir de la façon dont ils fabriquent les fenêtres aujourd'hui.

Les gens sont plus jeunes qu'ils n'étaient quand j'avais leur âge.

Je suis allé récemment à une réunion d'anciens de mon université, et j'ai été choqué de voir quels bébés ils admettent comme étudiants. Il faut reconnaître qu'ils ont l'air plus poli que nous ne l'étions ; plusieurs d'entre eux m'ont appelé monsieur ; il y en a un qui s'est offert à m'aider pour traverser la rue.

Phénomène parallèle : les gens de mon âge sont plus vieux que moi. Je me rends bien compte que ma génération approche de ce que l'on est convenu d'appeler un certain âge, mais est-ce une raison pour que mes camarades de classe avancent en trébuchant dans un état de sénilité avancée ?

Au bar de l'université, ce soir-là, j'ai rencontré un camarade. Il avait tellement changé qu'il ne m'a pas reconnu."

O Nobel do ridículo


Ver aqui.

sexta-feira, julho 11, 2025

A festa pouco alegre dos BRICS


Ver aqui.

Os parvos e os outros

Ao ver a imensidão de baixas médicas dos guardas prisionais, que hoje emulam com garbo as de muitos outros setores da função pública, lembrei-me que, em 42 anos de funcionário do Estado, devo ter "metido baixa" menos de uma dúzia de vezes. "Não tivesses sido parvo", imagino alguns a pensar.

Esquerda e direita

Não há grandes diferenças entre a esquerda e a direita? Há um século, um filósofo francês escrevia: "l’homme qui pose cette question n’est certainement pas un homme de gauche". Olhe-se a questão da privatização total da TAP é aí têm a prova provada da falsidade da ideia.

A lata

A carta de Trump a Lula, anunciando direitos aduaneiros sobre os produtos brasileiros, pelo facto da democracia brasileira estar prestes a condenar um ex-presidente golpista, vai ficar na história da infâmia diplomática. Trump tem uma imensa "vantagem": tem uma lata estanhada.

Denunciar

Há por aí quem procure aterrorizar os incautos, espalhando a ideia de que criticar as ações de Israel e defender abertamente os direitos dos palestinos equivale a ser anti-semita e até pró-terrorista. É preciso denunciar abertamente esta miserável falcatrua argumentativa. 

Desaguisado

Trump parece ter perdido a paciência com Putin. Putin terá alienado a boa vontade que Trump sempre lhe tinha dedicado. Há histórias de amizades rompidas bem mais interessantes, mas poucas com tantas consequências geopolíticas como esta. Os próximos capítulos vão ter graça.

O "espião" saído do quente


Há tempos, numa visita de trabalho a Luanda, ao olhar a baía do quarto do hotel onde estava hospedado, o meu olhar cruzou-se com aquela varanda. Era no andar de topo de um prédio não muito alto, que hoje se vê bastante degradado, num largo que dava para a 4 de fevereiro, a avenida marginal.

Nos anos 80, ali moravam uns amigos que, por vezes, nos convidavam. O dono da casa era português, a sua mulher era de uma das famílias mais conhecidas de Angola. Eram sempre ocasiões divertidas, no calor da noite, com música, grandes conversas, a comida e a bebida que podia haver, com a fantástica generosidade dos angolanos como pano de fundo.

Os tempos não iam fáceis para as relações políticas entre Portugal e Angola, mas tenho a sensação, vistas as coisas à distância, que a nossa qualidade de diplomatas portugueses nunca foi minimamente inibitória a que circulássemos pelas casas dos muitos angolanos que íamos conhecendo. Criámos nesses anos excelentes amizades, algumas que ainda perduram bem sólidas, mais de quatro décadas passadas. Como é aliás o caso das pessoas que então habitavam naquela casa.

Nesse tempo de guerra civil em Angola, cabiam-me, na nossa embaixada em Luanda, entre outras, tarefas de informação político-militar. Perceber as relações de poder no seio da classe dirigente angolana, tentar identificar e avaliar a força relativa das várias personalidades e das principais alas políticas, acompanhar a evolução do conflito então em curso - tudo isso fazia parte das minhas tarefas. E era um trabalho fascinante.

Um diplomata não é um espião, no sentido técnico do termo. Não usa fontes clandestinas, não paga informação, não anda atrás de segredos de Estado. Eu não cometia a menor ilegalidade e comportava-me sempre na escrupulosa observância dos limites impostos pela Convenção de Viena, essa "magna carta" a que a diplomacia tem de se subordinar. Conversava com muita gente, lia toda a informação "aberta" disponível, ouvia e tentava interpretar o que me chegava, por forma a procurar informar o meu governo, independentemente da cor política que prevalecesse em Lisboa, que vai variando com os humores do voto.

Na Luanda de então, quem comigo falava, tal como com os restantes colegas da embaixada, sabia do nosso interesse em andar bem informados. As outras embaixadas, em especial ocidentais, alimentavam o mito de que nós, portugueses, "sabíamos tudo". Não sabíamos, embora, em regra, soubéssemos bastante mais do que eles e, em especial, tivéssemos um quadro interpretativo dos factos que sempre me pareceu bastante mais eficaz do que o seu.

Contudo, muitas das vezes, ao falar com os meus interlocutores locais, dava-me conta de estar a receber informação errada, quer isso fosse feito deliberadamente para nos confundir, quer pelo interesse de alguns de se vangloriarem de conhecimentos que, afinal, não tinham. É da vida dos círculos diplomáticos, em toda a parte do mundo, que as coisas assim sejam. É sempre necessário contar com isso, no esforço para decantar a verdade.

No fundo, acabava por ser um jogo amigável, tanto mais que, estando Portugal e Angola, à época, um pouco "de candeias às avessas", pela liberdade de que a Unita então usufruía em Portugal e que desagradava muito ao governo angolano, isso não significava que, a prazo, estivéssemos necessariamente em rota de séria colisão. Como o tempo, aliás, veio a provar à saciedade.

Numa das noites passadas naquela varanda, num fim de semana, calhou na minha mesa um militar angolano muito bem colocado na máquina de guerra. Mesmo sem ser estimulado a revelações, foi-se abrindo sobre a evolução do conflito. Parecia estar propositadamente a ser loquaz. Ele sabia perfeitamente quem eu era e que o que me dissesse iria chegar às autoridades portuguesas. Eu ia colocando algumas questões e ele ia respondendo à minha curiosidade. Não eram segredos de Estado, mas o que ele dizia era muito mais significativo do que o que ouvíamos no discurso oficial. Eu estava muito atento e interessado naquela conversa.

Em Luanda, por esse tempo, em especial nos fins de semana, bebia-se bastante. Nessa noite, eu não estava a ser uma exceção. Por isso, tinha a noção de que as preciosidades informativas a que estava a ter um casual acesso não se estavam a fixar na minha cabeça com o rigor necessário.

Chegado a casa, no início da madrugada, procurei colocar no papel aquilo que de relevante recordava da conversa com o importante militar - dados que, pela fonte de onde provinham, tinham mais credibilidade e, daí, maior interesse para Lisboa. Rabisquei umas folhas de papel, na expetativa de poder delas vir depois a extrair um belo "telegrama", como a linguagem diplomática chama à correspondência entre os postos no exterior e as capitais. E fui-me deitar.

No dia seguinte, já sóbrio para trabalhar, olhei o que tinha escrito na véspera e constatei que percebia muito pouco do que tinha registado, sob alguma influência do álcool. Até eu tinha dificuldade de entender a minha letra, além de que algumas coisas não jogavam bem com as outras. Fiquei furioso comigo mesmo. Ainda repesquei algumas frases, mas tudo ficou muito distante da riqueza da conversa da noite anterior. O tal telegrama não ficou a obra-prima que eu pensara.

O militar que foi meu interlocutor nessa noite veio a ter uma carreira de enorme relevo. Nunca mais nos cruzámos. Já várias vezes pensei que, se acaso isso tivesse acontecido, teria coragem para lhe contar o que agora aqui revelo. Mas também pensei que ele me poderia vir a responder que, naquela noite, tinha tido o cuidado de me passar informação falsa ou orientada, aquilo a que, na linguagem desse mundo de sombras da "intelligence", na expressão clássica russa, se chama "dezinformatsyia". E ficávamos quites.

Reconhecimento

O governo português tomou a decisão correta de reconhecer o Estado da Palestina, como resposta moral à crescente e bárbara agressão de Israe...