Ao ouvir ontem, pela milésima vez, o "senta-te direito!", lembrei-me do Tenente Podre. O meu pai, nativo de Viana do Castelo, que teve um doce exílio em Vila Real durante 60 anos, levou consigo para lá um montão das suas histórias de infância e juventude, que passaram a fazer parte do património de uma memória que não vivi. Às vezes, falava no Tenente Podre.
O Tenente Podre não se chamava assim. Era conhecido com essa designação porque, rezavam as crónicas, cheirava em regra mal, provavelmente por défice crónico de lavagem corporal, detetável por quem com ele se cruzava nas ruas. Tinha sido da arma de Cavalaria, mas o facto de não ter passado daquela patente, já na fase avançada da vida em que o meu pai o tinha conhecido, fazia presumir que a sua carreira castrense não fora por aí além.
Casado com a Dona Miquelina (do que eu me lembro!), o Tenente era conhecido por usar para com ela expressões tributárias da sua especialidade militar. No Café Bar, para lhe pedir o açúcar, ficara famoso o seu: "Ó Miquelina, dá aí um coice no açucareiro!". Na Bandeira, a caminho da casa, que parece que era perto da Capela das Almas, se a cônjuge se adiantava na passada, atirava-lhe, à distância: "Ó Miquelina, parece que vais com o freio nos dentes!"
O Tenente e a Miquelina tinham uma filha solteira, a Ilda. Dizia o meu pai que a pequena, já entradora numa então preocupante trintena de anos, passava bastante ao largo da formusura e que o decurso do tempo não parecia ajudar a que arranjasse um par que a fizesse desamparar a casa paterna. A Ilda tinha por mau hábito, ao andar, inclinar-se um pouco para a frente. O Tenente, pressentindo que essa atitude corporal poderia agravar a já de si escassa atração de pretendentes, volta e meia berrava-lhe, com voz de parada: "Ó Ilda! Põe-te tesa!"
Há que convir que entre o "senta-te direito!", que vou ouvindo cá por casa, e o "põe-te tesa!" que a Ilda escutava do pai militar não há, salvo no estilo, um oceano de diferenças. Em ambos os casos, é tudo por boas causas.
3 comentários:
Tambem recebo esses mimos da parte do meu filho "Oh mae endireita-te!!!" que e o mesmo que dizer "poe-te tesa" rsrsrs.
Mas um homem desta idade (da minha!) ouvir "alguém" dizer "põe-te teso" ficaria ainda mais encurvado, como dizia um meu antepassado, em "asa de chávena"!
Quando era o tempo dos namoriscos, tive esse problema: com o meu 1,84 era obrigado a fazer atenção à estatura da menina...Alguns ensaios levaram os meus amigos a fazer desenhos da "sorte grande e da aproximação"! Era assim que me viam quando a diferença era bem visível! E quando queria guardar a "eleita" do meu coração, quando passeávamos, era obrigado a curvar-me, e era mau para a estética...
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