sexta-feira, agosto 08, 2025

Os Inglusos


Formam uma raça à parte, uma espécie de casta, embora pálida e sem turbante. Representam-se como o genérico lusitano de uma elite. Não se juntam muito entre si, porque são de tempos diferentes ou porque os feitios e os afetos os fizeram conflituar e, vá lá!, porque todos têm o individualismo como o único modo filosófico de vida que é "bem" adotar.

Alguns já não vão para novos, outros assumem uma postura eterna de maduros, outros são velhos há muito, embora sem disso se terem dado conta. Todos, um dia, por qualquer razão, atravessaram a Mancha, graças aos cabedais da família ou à ajuda da Gulbenkian. Tal como Baptista Pereira chegava a nado às praias de Dover, as braçadas burocráticas deles levaram-nos até às ruas de Oxbridge. Nas bibliotecas da sabedoria, nos claustros dos "colleges" ou sob o fumo dos pubs cruzaram por ali nomes famosos. Que hoje citam, claro. Passarinharam por cursos que, por cá, nem se imaginavam, fizeram teses definitivas, que lhes adubam o currículo com que arrasam a concorrência.

Começaram todos - mas todos! - na esquerda, a maioria vive hoje na esperança de que a direita os perdoe desse pecadilho pouco original, afadigando-se em contribuir para a sua instrução - com artigos, com livros ou apenas com dichotes, mais ou menos espirituosos. Ainda não se percebeu bem o que lhes irá acontecer com o Brexit. Às tantas, ficam apátridas. Nasceram em Portugal (ninguém é perfeito!), mas mantêm o coração nessa grã-ilha a que pertencem, por direito natural. Idealmente, a maternidade do St Antony's College seria o seu berço óbvio, mas têm de contentar-se com o facto de S. Sebastião da Pedreira figurar no seu Cartão de Cidadão.

Alguns falam e vestem como acham que os ingleses devem falar e vestir. Quando atingidos pelos "blues" da vivência nesta "piolheira" que lhes caiu em rifa natal, à falta dos couros de Pall Mall, vão tomar chá à York House, pelas tardes pardacentas. Adoram Churchill e os Church"s. Escrevem (às vezes, bem), bebem (alguns já tiveram melhores fígados) e todos resmungam (de preferência, por escrito) contra este país onde não há um "Spectator" capaz, este lugar que verdadeiramente os não merece - no que têm toda a razão: Portugal nada fez de mal ao mundo para ter de os aturar. São os "inglusos". Não são nem ingleses nem lusos. São uma espécie de náufragos do autocarro, mas do tempo em que a Carris era britânica. Não passam de uns expatriados, não de cá, mas de lá. Era justo que Boris Johnson se preocupasse com eles.

(Publiquei este artigo há cinco anos, na coluna semanal que então tinha no Jornal de Notícias. Muita coisa mudou. A York House já não é o que era, o Brexit foi chão que deu uvas, sei lá bem onde anda o Boris Johnson. Só que ontem, no "Onda Azul" cruzei-me com um dos tais "inglusos", ajoujado com um garrafão de água. Está velho mas, para surda vingança dele, tenho de concordar que eu também estou.)

9 comentários:

aguerreiro disse...

Não se esqueça dos "françusos"!

Anónimo disse...

Lembram Eça, num comentário que hoje não seria possível publicar. Falava ele dos pretos de S. Tomé que punham dois monóculos para parecer europeus e acabavam a andar aos tombos.
Mais recente poderia ser o comentário que vi há anos sobre um político alemão, ex-CDU e hoje AfD: era tão British na indumentária como só um alemão podia ser.

marsupilami disse...

Que saudades de Lord Charles Spade!...

João Cabral disse...

Também há tantos franclusos... Demasiados.

ematejoca disse...

Eu germanófica me confesso!!

aamgvieira disse...

existem ainda alguns masudos....

Anónimo disse...

Mais germanófilo que eu não é fácil. Ainda assim, digo-lhe: muito provincianos. Não como nós, isso é difícil. Mas não são mais abertos ao mundo que os nossos vizinhos espanhóis. Afinal de contas, não passavam de províncias do império dos Habsburgos. E a verdade é que passado um século Berlim continus a não ser Viena. Muito menos é Munique ou Hamburgo.

Anónimo disse...

E espanholusos, não existem? Esses é que me preocupam!

sts disse...

E váo para os rooftops beber uns drinks e apreciar o sunset.

Pousio

Os comentários a este blogue andam muito agitados. Em lugar de ter de os selecionar, acho mais avisado suspender a sua aceitação. Até ver.