segunda-feira, setembro 08, 2025

Ai "A Minha Vida"!


"Viste que o Paulo Portas promoveu, no final do seu programa dominical na TVI, uma obra do Trotsky?! Está tudo doido?" Quem me dizia isto, ao telefone, há minutos, escandalizado, era um amigo que andou pelo CDS e que agora, nas férias, não perde a festarola laranja no Pontal, com fogos ou sem eles.

Por regra, vivo sem a televisão ligada. Mas, tal como o Augusto Gil fazia, na "Balada da Neve", quando ouvia barulho lá fora, fui ver. E lá vi que, além de um romance de espionagem, Paulo Portas saudou o surgimento de (creio, mais) uma edição portuguesa do "A Minha Vida", a biografia de Lev Davidovich Bronstein, mais conhecido por Leon Troksky. Esclareceu que o lera, com proveito, há anos, a conselho de Vasco Pulido Valente. Quero crer que Francisco Louçã deve ter dado uma bela gargalhada na noite de hoje. E imagino que Miguel Portas poria aquele seu sorriso bom ao constatar que, ao fim dos tempos, "les beaux esprits se recontrent".

Nunca fui trotskista, mas sempre achei graça histórica à personagem, cuja crueldade não ficava muito distante da de Estaline, como os marinheiros de Kronstadt sentiram na pele. Li algum Trotsky mas nunca me interessou destrinçar entre as diferentes correntes trotskistas - dos lambertistas aos pablistas, passando pelos frankistas (salvo seja!) e não sei se outros. Tenho vários e bons amigos que andaram por aquele mundo e fiquei com a ideia de que, verdadeiramente, dentro de todos eles, sem exceção, ficou sempre uma réstea daquela ideologia algo elitista, saída da grande caldeira revolucionária do marxismo. Ah!, claro, quando fui à cidade do México fui de romaria à casa de Trotsky (e à de Frida Kahlo, também), ao local onde o martelo do gelo empunhado por Ramón Mercader lhe acabou os dias, a mando distante de Estaline. 

Voltemos ao "A Minha Vida". Comprei o livro em Bayonne, no final dos anos 60, numa edição do "Le Livre de Poche", que já deve jazer no fundo bibliográfico que, com o meu nome, existe na Biblioteca Municipal de Vila Real. Tinha-o sobre a mesa de cabeceira no quarto da casa de saúde da Carcereira, no Porto, quando aí fui operado a um joelho, há precisamente 55 anos. 

Num dos dias dessa semana de internamento, para minha imensa surpresa, entraram a certa altura no quarto duas freiras teresianas, que se apresentaram. Uma era a madre superiora do lar onde se alojava a então minha namorada, hoje minha mulher. Eu estava muito longe de esperar esse tão amável gesto de simpatia. Tenho ideia de que a conversa não terá sido muito longa: o meu mundo era de outro mundo. Na sua saída, reparei que o olhar da madre superiora se fixou no "Ma Vie", que estava na mesa. Já passou muito tempo sobre aquela tarde, mas, para sempre, fiquei com a impressão de que a cara da senhora se toldou um pouco, ao ver o livro que o namorado da sua acolhida tinha ali à cabeceira. Mas talvez não, talvez ela nem soubesse quem era o Trotsky, a saga extraordinária da vida errante daquele ucraniano com ar mefistofélico, a "revolução permanente", as noites com Kahlo, o ódio de Stalin, a imagem apagada nas fotografias, o "entrismo", o martelo de Mercader e outras coisas assim. Mas sabe-se lá!

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