Passava-se há bem mais de meio século, todos os dias. Nos Olivais, pela manhã, apanhava o 21, o autocarro para Entrecampos. Aí saltava para o Metro, até aos Restauradores. A fila era sempre razoável, para subir no elevador da Glória. Aquilo chiava que se fartava pela ladeira acima, mas eu tinha a convição, típica dos inconscientes, de que nada aconteceria: se aquilo tinha durado décadas, não era nessas manhãs que ia falhar. Chegado ao topo, pé lesto a saltar para o passeio, começava o corta-mato em passo apressado pelo Bairro Alto. Em cima das nove e meia, lá entrava eu ofegante no meu emprego, na Caixa, no Calhariz. É que às nove e trinta e cinco, o senhor Marques recolhia o livro de ponto.
Sei lá quantas vezes, nesses meus anos de bancário, terei subido o elevador da Glória! Curiosamente, não me recordo de ter alguma vez descido por ele, como hoje acontecia com quem teve o azar de ser vítima de um estúpido acidente, como soe dizer-se. Aliás, um acidente só pode ser estúpido, porque, que se saiba, ainda não inventaram acidentes inteligentes.
Amanhã, à descida da Bica, ou no Lavra, haverá com certeza um pouco menos de turistas, sob o peso da tragédia d véspera. Talvez até em Santa Justa as filas sejam menores. A menos que, entretanto, na lógica do "casa roubada, trancas à porta", tenha sido decidida uma suspensão, para revisão geral do material. Ah! E haverá o "rigoroso inquérito", que é de regra demorar muito tempo e cujas conclusões ninguém lerá.
A vida das cidades também se faz destes acasos bem tristes. Depois, tem de seguir em frente.
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