quarta-feira, setembro 10, 2025

Ernâni Lopes



Há quinze anos, neste mesmo blogue, por ocasião da morte de Ernâni Lopes, escrevi que a sua palavra livre ia fazer muita falta a Portugal e que, se havia dias em que um país entrava de luto, aquele deveria ser um deles. 

A morte de Ernâni Lopes foi uma grande perda para Portugal, para a nossa lucidez, para o nosso patriotismo, que ele ilustrava como poucos. Foi-o também para a nossa diplomacia, onde ele exerceu, com brilho raro, funções da maior importância, que ajudaram o país em momentos negociais delicados. Foi-o, igualmente, para a política portuguesa, onde a sua coragem e a sua visão souberam afrontar momentos de rara dificuldade. Portugal deve-lhe muito.

Em parte das suas últimas duas décadas da vida, cruzei-me bastante com Ernâni Lopes, que teve a simpatia de discutir abertamente comigo algumas coisas sobre a Europa em que ambos então acreditávamos. Foi, também, o ensejo de falarmos sobre esse triângulo estratégico entre Portugal, o Brasil e a África, que tanto o entusiasmava e que ele desenvolvia nas iniciativas da SAER. Nesses e alguns outros temas, nem sempre estive de acordo com a sua leitura das coisas, mas reconhecia nela uma genuinidade que era forçoso respeitar, pela seriedade que sempre lhe estava subjacente.

Longe de uma intimidade pessoal que nunca tivemos, cedo me reconciliei ao tratamento por tu que ele generosamente me impôs desde o primeiro momento, como que a sublinhar a proximidade de algumas das ideias que partilhávamos. Recordo-me, muito em especial, dos tempos que passámos numa efémera "task force" criada, em 2003, para assessorar o primeiro-ministro de então, na fase terminal do malogrado Tratado Constitucional europeu. 

Notava-se que a participação no exercício, a que, tal como eu, não se pôde furtar, estava a ser para ele algo penosa. É que tinha sido esse mesmo governo que o não tinha autorizado a apresentar, no termo da Convenção Europeia em que ele representara Portugal, e que lançara as bases desse tratado (inspirador, no essencial, do Tratado de Lisboa), uma declaração de voto em que, de forma muito frontal, clarificava o seu afastamento (que ele achava, e bem, dever ser o de Portugal) quanto ao equívoco consenso que resultou do trabalho dos "convencionais". Talvez valesse a pena, para a história da nossa política europeia, ser agora conhecido esse projeto de declaração de voto.

No final da primeira dessas reuniões, na qual eu tinha feito uma longa e bastante crítica intervenção sobre o modo como o governo de então conduzia essa negociação, e que não me pareceu ter sido muito apreciada por quem tinha tido a iniciativa de convocar o grupo, ao sairmos do "bunker" de S. Bento, pela escada que leva ao rés-do-chão da residência oficial do primeiro-ministro, Ernâni Lopes meteu-me o braço e, com um imenso sorriso e a atitude amiga do homem de bem que era, disse-me, com a voz mais baixa que o seu vozeirão permitia: "Tiveste-os no sítio!"

Com muita pena minha, não vou poder estar no lançamento do livro que, sob a coordenação do meu amigo José Pena do Amaral, hoje homenageará Ernâni Lopes. Em especial porque tinha uma imensa curiosidade em ouvir o que irá dizer, no "discurso inaugural" de homenagem, a mesma pessoa que impediu Ernâni Lopes de apresentar o seu testemunho no termo da Convenção Europeia...

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