Não deviam faltar muitos anos para o 25 de abril. No programa “Página Um”, da Rádio Renascença, ouvi um dia José Manuel Nunes apresentar o primeiro trabalho editado por um compositor e cantor português, que não estava presente no estúdio e de quem eu nunca tinha ouvido falar.
Tratava-se do primeiro disco de José Mário Branco. Foi então referido, com toda a naturalidade, que o autor não podia estar ali em estúdio, pelo facto de viver no estrangeiro. O verdadeiro motivo foi discretamente iludido: ele estava exilado em Paris.
Lembro-me, como se fosse hoje, da interessante peça instrumental “Gare de Austerlitz”, com que o disco abria: era um som ambiente, com ruídos de multidão e de comboios, que depois se iam enchendo progressivamente de música. Austerlitz era o nome da estação onde, em Paris, desembarcavam todos os portugueses que iam em busca de uma nova vida. Ou da liberdade.
Desde esse dia e até hoje, segui com algum cuidado o percurso de José Mário Branco, do trabalho que fez no exílio com Sérgio Godinho até às belas derivas que, como compositor, com Manuela de Freitas como letrista, empreendeu pela área do fado, de que Camané acabaria por ser um grande beneficiário. Pelo meio, nos anos 80, tivemos direito ao chocante “FMI”, um disco que me recordo de ter levado comigo para Angola e de ter ali o ouvido com amigos, em “alto berros”, que era como aquela peça de indignação radical merecia ser escutada.
Ao vivo, creio só ter visto José Mário Branco uma única vez, num espetáculo no CCB, já há muitos anos. Sempre o achei muito melhor compositor do que intérprete, embora ele soubesse tirar bom partido melódico daquela sua voz rouca e grave.
José Mário Branco morreu. Era de uma geração, a que também pertenço, que está agora de saída, embora com legítimo orgulho do legado que deixa.
Recordo-o aqui com uma canção divertida, de ritmo de marcha alegre, ancorada na geografia de Lisboa, que diz bastante mais do que aquilo que parece dizer: “ “Qual é a tua, ó meu?”.
O clássico chunga “Tira a mão da popeline!”, que surge dito a meio da música, ficou ali consagrado para sempre.