sexta-feira, junho 05, 2015

A direita


O tema é polémico, difícil de abordar sem provocar reações. Mas acho que vale a pena fazê-lo, com serenidade. Trata-se do estatuto da “direita” na sociedade portuguesa.

Alguns dirão que as diferenças entre esquerda e direita estão hoje ultrapassadas, que essa tipificação é já sem sentido. O filósofo francês Alain afirmava que quem dizia isso não era seguramente uma pessoa “de esquerda”. E isso é quase sempre verdade.

Contrariamente à esquerda, que tende a afirmar-se como tal, a direita portuguesa esconde-se geralmente por detrás de alguns “heterónimos” -  “centro-direita”, “liberal” (embora a medo, porque "neo-liberal" surge hoje com carga muito negativa) ou, ainda, como “conservadora”, um termo bem clássico e honroso, hoje pouco utilizado. O mais comum, contudo, é ver a grande maioria das pessoas de direita a tentarem escapar à classificação, afirmando "não serem de esquerda".

Porque as sociedades democráticas só ganham em serem transparentes, faz falta ver a direita portuguesa assumir-se abertamente como tal. Temos hoje, por exemplo, o governo mais à direita da nossa história democrática, mas não vejo nenhum dos seus membros assumir isso, sem sofismas - "somos de direita". Pelo contrário, se alguém afirma isso, sente-se que ficam quase ofendidos, como se fosse um insulto.

Alguns dirão: “mas se nos afirmamos de direita, a esquerda atira-nos isso à cara, chama-nos "fascistas", “reacionários”, liga-nos ao tempo da ditadura”.

Talvez valesse a pena pensar por que é que isso acontece. Em parte, isso deve-se ao facto de alguma direita se sentir na permanente obrigação de relativizar a gravidade dos tempos salazomarcelistas, deixando cair, a espaços, elogios ou desculpabilizações de parte desse passado. A direita portuguesa não soube fazer a rutura entre um pensamento contemporâneo conservador e as brumas sinistras da ditadura e do colonialismo. Alguma direita em Portugal não fez – e recusa-se a fazer - o "exorcismo" do que se passou antes do 25 de abril. Quando conseguir assumir a denúncia sincera desse passado, a esquerda mais agressiva, que se pretende “proprietária” dos valores da Revolução, deixará de ter argumentos para a diabolização e será obrigada a defrontá-la no terreno da luta democrática de ideias.

É tempo da direita portuguesa, a que não tem "esqueletos no armário", afirmar com orgulho o que é, defender as suas propostas, apresentar-se no debate político sem disfarces. Embora, nem por um segundo, alguma direita acredite, foi também para isso que se fez o 25 de abril.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, junho 04, 2015

Católicos


Há anos que repito aos meus amigos que sou adepto de "um clube essencialmente católico", o Sporting. Porquê? Porque "só ganha quando deus quiser"!

Mas não era preciso exagerar, nomeando Jesus para treinador...

quarta-feira, junho 03, 2015

Saudades do Gastão


Foi em Paris. Era quase meia noite. Eu tinha passado por casa desses meus amigos para o que pensava ir ser uma conversa breve e que, afinal, acabou por se prolongar. E o dia daquele casal começava sempre mais cedo do que o meu.

O Gastão, o velho cão da família, nunca me havia dado grande confiança, sempre que eu ia lá a casa. Aturava as festas que eu lhe fazia com aquele ar solene que os porteiros dos hotéis de luxo dedicam a qualquer visitante com um rendimento abaixo do Bill Gates. Essa noite não foi exceção: o Gastão, que descera as escadas para me aguardar à porta, ignorou-me depois olimpicamente, deixando-se ficar no tapete do corredor, lugar de guardião imponente da casa que era a sua predileção. Mas só até certa altura. Num determinado momento, ia já alta a conversa, o Gastão fez a sua entrada na sala. De início, não saiu da soleira da porta, onde estacou por uns minutos. Porém, Logo depois, começou a aproximar-se de mim. Estaria interessado no que eu estava a dizer? Mas não havia da sua parte o sinal da menor agressividade. Estava ali, mirando-me, à medida que eu falava. Não olhava para mais ninguém da casa, só para mim, para o único visitante. Ia-se aliás aproximando cada vez mais, já quase não me permitindo cruzar a perna, no sofá onde me sentava. Não era incómodo, mas era estranho.

Estranho foi também o súbito sorriso dos donos da casa, a quem eu, a certo passo, devo ter dado qualquer nota física de "uneasiness" com a crescente proximidade do Gastão. A explicação veio logo:

- Não sabes por que é que o Gastão se está a aproximar de ti, pois não? Porque quer dar a volta noturna com o dono e, por sistema, faz essa "pressão", como que a "dizer" à visita que acha que chegou a hora de se ir embora. Desculpa lá!

Guardei para sempre este episódio com o Gastão, cuja postura digna, com traços de esfinge egípcia, lhe chegou a merecer o neologismo de "embaixacão".

O Gastão morreu agora. De velho. Durante muitos anos foi um companheiro ímpar dos seus donos. Esteve com eles em tempos muito, mesmo muito, complexos. Pode presumir-se que sentiu os estados de alma de quem lhe dedicava uma imensa afeição. O Gastão retribuiu como podia e sabia, mas fê-lo de tal forma que a sua memória irá acompanhar os donos para sempre. A ambos deixo aqui um abraço forte.

terça-feira, junho 02, 2015

A grande oportunidade

O encontro havia sido marcado através de um cuidado boca-a-boca, sem o uso de telefones. Não podiam correr o mínimo risco. A revolução estava na rua há menos de um mês. Os "agentes da DGS" tinham sido detidos, avançava o "saneamento" dos envolvidos com o regime caído naquela data "fatídica" de abril de 1974. Os "inimigos da Pátria" andavam à solta pelo país, tinham atravessado a fronteira sem limitações, outros haviam sido libertados de Caxias e Peniche, estavam mesmo a ser vistos como "heróis". O "esforço patriótico pela defesa do Ultramar" revelara-se, enfim, em vão, com os "movimentos terroristas" cada vez mais senhores da situação em África. O marcelismo, como eles sempre haviam pensado, havia sido o "coveiro do Estado Novo".

Era um grupo de radicais de direita, que combatera politicamente Marcelo Caetano e mantivera bem acesa a "chama do exemplo de Salazar", que se havia juntado nesse fim de tarde, em casa de um deles, lamentando o estado de um Portugal que viam reduzido ao "retângulo" europeu, eles que haviam feito toda a sua vida animados pela "gesta do Império". A alguns, começavam a chegar rumores da sua iminente prisão. Haviam-se exposto em publicações "nacional-revolucionárias" e o "sinistro" MFA, "manipulado pelos comunas" não deixaria de tirar desforço. Uns eram mais conhecidos, outros eram figuras cinzentas dessa odiada "extrema-direita", que estava agora na primeira linha da diabolização que a imprensa e a televisão acicatavam hora após hora. Alguns haviam integrado o "Jovem Portugal", outros haviam saído dessa escola "nacionalista" que foi a coimbrã "Cidadela", outros ainda haviam escrito laudas no "Agora" e, depois, na "Política", passando em certos casos pelo "Resistência" e folhas congéneres.

Trocaram informações, avaliaram riscos, estudaram hipóteses. Para alguns, a saída do país era a única solução. Outros alimentavam a ideia de dar corpo a formações políticas conservadoras, de que viriam a ser exemplos o "Partido do Progresso", o Movimento Federalista Português" ou o "Partido Liberal". A hipótese de integrar o CDS tentava alguns mais moderados, enquanto os mais radicais consideravam já ajudar Manuel Múrias no lançamento do "Bandarra". Outros testavam o caminho para o Brasil ou para Madrid. Nenhum estava, contudo, minimamente otimista.

O ambiente estava assim longe de ser festivo, tudo parecia correr mal, e essa foi a razão porque o espanto invadiu todas a caras quando, de uma cadeira do canto da sala, uma voz se ergueu com uma frase surpreendente e enigmática:

- Havia aqui uma grande oportunidade!

"Uma grande oportunidade"?! As denúncias caíam sobre eles, nos seus empregos a sua situação e das suas famílias estava a tornar-se, dia-a-dia, mais complicada, os que eram docentes haviam deixado de poder entrar nas universidades, lá em casa as "criadas" passaram, de repente, a surgir como intrusas e potenciais denunciantes, os "homens" das quintas de família mostravam-se crescentemente arrogantes, alguns "amigos" haviam-se prudentemente afastado. Os militares que lhes eram próximos tinham sido postos de lado, dos responsáveis da "polícia política" nem era bom falar e a própria "nomenklatura" do marcelismo, que tão irresponsável se havia mostrado para travar a revolta da "soldadesca", estava, também ela, agora em apuros. E era nesse contexto que aquele companheiro de luta falava de "oportunidade"?!

Todos se voltaram para ele. E ele explicou. Não tinham regressado ao país todos os "traidores" que, ao longo dos anos, de Moscovo à Argélia, de Paris à Suécia, de Roma a Londres, se haviam refugiado no estrangeiro, alguns "bombistas", outros desertores e "subversivos", que estavam bem identificados e que, de súbito, acharam que já podiam passear-se com toda a desenvoltura pelo Rossio?

Os outros concordaram, mas não conseguiam perceber onde ele queria chegar. E ele completou a explicação:

- Não estão cá todos os que o regime andou, durante décadas, a tentar agarrar? Quando eu falo de  "oportunidade" é para significar que, se ainda fosse possível, "dar uma volta a isto" e retomar o controlo do país, tinhamos, agora e pela primeira vez, todos esses traidores por aqui, metiamo-los "na grelha" e o país podia, enfim, ver-se livre para sempre desse bando de comunas e de gentalha da mesma laia. Por muito tempo, não nos iriam incomodar! Não era uma grande oportunidade?!

Esta é uma história verdadeira. Ouvi-a de um participante dessa reunião de maio de 1974, em que este terá sido o único momento divertido.

segunda-feira, junho 01, 2015

O café do senhor José

Não muito longe de minha casa, existe o café do senhor José. Não se chama assim, mas é assim que é conhecido na família, que lhe dá preferência, que lhe gaba a simpatia, a atenção do serviço e os doces variados. Passei por lá algumas vezes (para o meu gosto, é exagerada a "walking distance" em relação a minha casa, mas esse é um problema meu) e confirmei amplamente a avaliação feita. Constatei também que, pela exiguidade do espaço onde se aloja a clientela, anda-se lá dentro um pouco aos encontrões, mas que isso não provoca a menor reação negativa nos fiéis fregueses do bairro. O ambiente no café do senhor José é magnífico e familiar.

Mas se a circulação da pequena multidão no café do senhor José não constitui um problema e se consegue resolver sempre sem o menor incómodo de ninguém, já o é, a certas horas, o insuportável estacionamento dos automóveis dos dois lados da rua, nas suas cercanias, sem respeito pelos transportes públicos e privados que tentam circular, não raramente provocando confusões e episódicos engarrafamentos, sem atenção pela pressa dos outros. É que alguns comodistas frequentadores do café do senhor José - ou da lavandaria do chinês ou da padaria ou da farmácia ou mesmo da ourivesaria - decidem levar até à porta o seu carro. Pena é que não saibam que não lhes basta morar por ali para poderem exibir um atestado de civilidade. Esta demonstra-se por essa coisa tão simples que é a educação, que reside menos no beija-mão e mais nos gestos comuns de urbanidade do dia-a-dia.

Lisboa é uma cidade muito agradável para viver e o espírito de bairro ajuda muito a isso. Mas mais ajudaria se os lisboetas fossem mais cuidadosos com os direitos dos outros, fossem mais civilizados e menos egoístas, cuidassem em pôr o lixo convenientemente nos devidos recipientes, não deixassem os carros nos passeios sem espaço para os peões passarem, não parqueassem viaturas no meio da rua a impedir os elétricos enquanto entregam as crianças nos infantários ou colégios, se mostrassem previdentemente solidários com quem se suja com o lixo dos seus cães.

Também eu gostaria muito de poder ir de carro tomar um café matinal ao sr. José, ao Chef ou às Cristal lá do bairro, agora que a Valquíria se tornou num local "inível", como dizia um velho amigo. Mas não vou, porque teimo em ter pelos outros o respeito que muitos outros não têm.

O Bruxo de Fafe em Lisboa

Sentadinho na cadeira
Quase chega
Com os pézinhos ao chão,
A esforçar-se.

Se se senta mesmo à beira
E escorrega,
Pode dar um trambolhão
E desgraçar-se.

De dedito espetado,
Perspicaz,
Ele debita com desdém
O arrazoado.

É rapaz bem informado
E é capaz 
De mandar aqui e além
O seu recado.

Quem lhe conta os segredos
Que revela?
Quem lhe dá tanto pretexto
P'ra brilhar?


Como sabe aqueles enredos,
O tagarela?
Sempre "dentro do contexto"
P'ra variar.

Ao olhá-lo, perorando
Com delícia
(Que o valente pequerrucho
Desabafe!)

Qual Sibila revelando
A notícia.
Já o conhecem como o Bruxo
Lá de Fafe.

31/5/15

O meu amigo e colega António Russo Dias publicou na sua página de Facebook este retrato rimado que não resisto a reproduzir. Estou certo que até o dr. Marques Mendes o apreciará

domingo, maio 31, 2015

Notícias de Oeiras


- Então não dizes nada sobre a vitória do Sporting na Taça de Portugal?

- Está a custar-me, confesso! Não me apetece lembrar aos meus amigos do Porto que acabámos de os igualar no número destes troféus.

- Então, e o Benfica?

- Coitados! Lá ficaram com a tacita Lucílio Baptista, uma espécie de segunda dama de honor. Todos contentes...

- Mas ganharam o campeonato!

- Claro! E, por uma vez, ganharam bem! Mas a propósito é que isso vem? Não era de taças que tu querias falar?

Levy


Pela décima vez, o filósofo francês Bernard-Henry Levy voltou a ser atingido, numa ocasião pública, por tartes de doce, o conhecido "atentado pasteleiro", que a história tem consagrado.

Levy é uma das mais irritantes personagens do universo intelectual francês. É, além disso, o "iluminado" político que conseguiu convencer Nicolas Sarkozy à operação de intervenção na Líbia, apresentando-lhe as figuras da oposição a Kadhafi que acabaram por fazer o "lindo serviço" que está à vista! Grande parte da tragédia das migrações mediterrânicas deve-se ao atual caos na Líbia, provocado por uma intervenção que não levou a cabo exclusivamente aquilo a que o mandato das Nações Unidas lhe permitia, "explorando o sucesso" (como dizem os militares) e descuidando o dia seguinte. Foi a clara e oportunista subversão desse mandato que deu um bom alibi à Rússia para recusar soluções para a Síria no Conselho de Segurança.

Noel Godin, o anarco-humorista que organiza regularmente estes "atentados" contra o cabelo estudadamente armado de Levy, realiza o sonho clandestino de muita gente. Francesa e não só...

Carlos Costa


Conheço Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, há bastantes anos. É uma personalidade a quem sempre reconheci um elevado sentido de responsabilidade no serviço público, uma pessoa séria e dedicada, com grande conhecimento da área financeira e europeia. Não tenho a menor dúvida em considerá-lo um dos grandes técnicos que Portugal possui nesta área. 

Todos estes atributos não excluem a possibilidade de Carlos Costa poder cometer erros. No caso BES pareceu-me ter ficado evidente que Carlos Costa, podendo tendo visto chegar a "vaga" da tragédia que se aproximava, não foi capaz, em tempo útil, de "puxar o tapete" a Ricardo Salgado. A doutrina divide-se sobre as razões por que assim procedeu, sendo que a versão menos benévola é a de que teve receio de provocar um embaraço público ao governo no termo da presença da "troika", com risco de afetar a "glória" da "saída limpa". 

Já me parece menos criticável a solução encontrada para o BES, embora todos devamos estar solidários com os custos que a mesma implicou para muitos. Naqueles difíceis dias, julgo que Carlos Costa - que o executivo deixou, de forma cobarde, sozinho no meio da praça - teve uma atuação muito responsável e tecnicamente tão boa quanto era possível. Com a única exceção, como à época aqui disse: não ter acautelado a eventualidade do processo poder acabar por ter um encargo substancial para o erário. Neste particular, ao afirmar, com aparente convicção, aquilo que não era uma evidência, fez um desnecessário frete ao governo e não prestou assim um serviço à imagem do Banco de Portugal. Foi pena.

A recondução de Carlos Costa por Passos Coelho não me surpreendeu. Como também não me surpreendeu que os tenores da maioria na Assembleia da República, que haviam sido estimulados pelas declarações da ministra das Finanças a criticar a supervisão na Comissão parlamentar de inquérito sobre o BES, tivessem mudado de agulha verbal, quando confrontados com (mais um)a cacofonia dissonante do governo - e isto não é um elogio para eles, é claro. 

O primeiro-ministro quer no Banco de Portugal, nos próximos anos, alguém que prolongue, qualquer que seja o seu destino nas urnas, a defesa da bondade da solução encontrada para o BES. Melhor: alguém que lhe sirva de pára-raios retroativo no caso do processo Novo Banco vir a obrigar um forte custeio orçamental. Passos Coelho, lá de Massamá, irá silenciosamente fazer dizer que a decisão da solução foi de Carlos Costa. Se acaso as coisas correrem menos mal, então não deixará de lembrar que foi ele quem renomeou Carlos Costa.

Termino dizendo que Carlos Costa não deveria ter aceite continuar sem exigir ao governo que o PS ficasse associado à sua recondução. Da mesma maneira que, quando foi nomeado por um governo PS, este não deixou de tomar em conta a opinião do então principal partido da oposição, o PSD, partido de quem Carlos Costa nunca escondeu estar politicamente próximo. Tenho muita pena que isso não tivesse acontecido, por Carlos Costa e pelo país, que necessitaria de ter, nos próximos anos, um governador do Banco de Portugal forte e com um reforço político assegurado.

sábado, maio 30, 2015

Seleção

Na semana que agora termina, fiz parte de um painel de seleção de jovens "trainees" para uma das maiores empresas nacionais, cujo negócio se situa maioritariamente fora do país. Ao longo de vários dias, foram muitas horas de diálogo com dezenas de jovens de diversas origens académicas, sem exceção com mestrados em excelentes instituições universitárias, com idades que raramente ultrapassavam os 25 anos. O grupo a selecionar representava já só 1% (leram bem) dos inscritos, que haviam sido sujeitos, ao longo de meses, a um rigoroso processo de seleção profissional. Já em 2014 tivera experiências idênticas, em Portugal e no estrangeiro. Dentro de semanas, farei isso noutro continente.

Devo dizer que ser parte deste exercicio é, ao mesmo tempo, uma experiência fascinante e delicada. 

Fascinante porque este tipo de experiência acaba por ser uma montra ilustrativa do Portugal de hoje. Ouvir os jovens falar das suas ambições, dos seus interesses pessoais, do modo como olham o país e o mundo, da sua leitura da relação com a família e os amigos é muito interessante e instrutivo. No meu caso, para quem viveu muito tempo no estrangeiro e perdeu um pouco a ligação à realidade do país novo que aí está, este tipo de tarefa, somada às incursões que tenho vindo a fazer na vida universitária, permite "atualizar-me" sobre Portugal. E, sem ter tido surpresas, confesso que tive algumas revelações.

A delicadeza deste tipo de exercícios é, contudo, muito grande. Trata-se de conseguir avaliar, pela observação da interação em exercícios conjuntos, complementada por entrevistas individuais, a disponibilidade para o trabalho em grupo, o potencial de liderança e de entusiasmo pelas tarefas que os esperam, que leitura esses jovens têm da realidade que os envolve, procurando perceber, por detrás do que exprimem e de como se exprimem, se revelam potencial para as exigências específicas da profissão a que se estão a candidar. A complexidade agrava-se ainda mais pensarmos na imensa responsabilidade que consiste, através de um simples "sim" ou de um "não", dar sequência ou pôr termo a um sonho de carreira, a um investimento pessoal num concurso que, para cada um deles, pode significar uma profunda mudança de vida. 

sexta-feira, maio 29, 2015

Anarquismos

Ontem, à hora de almoço, passei em frente à morada onde esteve instalado o restaurante "Os Anarquistas", junto ao teatro da Trindade. O que por lá está hoje já não lembra o que foi. Era um dos mais antigos restaurantes de Lisboa, criado em 1906, por décadas pouso de artistas, intelectuais, jornalistas e outros frequentadores de animadas tertúlias. Diz-se que o nome viria mais dessa agitação verbal do que de qualquer vocação libertária. Recordo-me de, nos anos 70, quando trabalhei na zona do Chiado, ter lá comido algumas vezes, curiosamente sem grande memória apreciativa do que o restaurante servia, registando apenas que não era muito barato e que fazia parte da tradição de cozinha de galegos que muito marcou a restauração de Lisboa. 

Há anos, um amigo meu passou em frente ao restaurante e, num impulso, decidiu almoçar por lá. O nome tinha mudado e ele achou curioso experimentar o que propunha a nova gerência. Entrou, sentou-se, pediu a lista à empregada e começou a ler o seu jornal. Quando levantou os olhos, notou, com alguma perplexidade, que naquele espaço só havia mulheres, em todas as mesas à sua volta. Essa estranheza foi reforçada pelo facto de algumas delas deitarem olhares insistentes para a mesa onde ele estava, sozinho, a aguardar o que tinha encomendado. A persistência dessas miradas começou mesmo a incomodá-lo. 

De repente, teve um sopro de conforto: tinha acabado de entrar uma velha amiga! Finalmente, ia quebar o seu isolamento! A reação da amiga, contudo, surpreendeu-o: "O que é que tu estás aqui a fazer?!". De início não percebeu o espanto mas o sorriso malicioso da sua agora companheira de mesa acabou por fazê-lo compreender no que se metera! O espaço que sucedera a "Os Anarquistas" era agora um lugar gay feminino! A amiga, uma conhecida figura pública que ele sabia ter essa tendência, estava divertidíssima. Ele, logo que pôde, pôs-se a milhas... 

Falar claro


Há dias, num debate público, veio à baila a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). De imediato, convergiram sobre a organização os tradicionais discursos congratulatórios sobre o trabalho desenvolvido, com a "juventude" do modelo a ser arguida como justificação complacente para as suas insuficiências. Não foi por espírito de contradição que não me juntei ao coro.

A CPLP tem quase duas décadas, pelo que tem já as responsabilidades da maioridade. Se hoje é o que é, isto é, se não atingiu uma velocidade de cruzeiro mais entusiasmante, não foi por falta de tempo: foi por ausência de vontade política dos Estados integrantes para ter ido mais longe.

Não vale a pena esconder o facto de que a organização sofre da anómala circunstância de que, ao contrário das suas congéneres britânica ou francesa, não está centrada no seu país membro mais relevante à escala global. Como a questão do acesso da Guiné-Equatorial bem demonstrou, Portugal não tem hoje qualquer tutela substantiva sobre a CPLP – e isso torna-a, em grande medida uma organização mais igualitária e equilibrada. Mas, nem por isso, mais dinâmica.

Desenhada nos seus estatutos sob valores ético-jurídicos tributários de uma cultura política “eurocentrada”, no processo interno da CPLP projeta-se uma ordem de valores onde prevalece a leitura mais flexível e relativizada com que, tradicionalmente, o Sul sempre olha as dimensões democráticas ou do Estado de direito. Isto é um juízo de facto, não de valor.

Mas este é apenas um dos aspetos em que a atipicidade da CPLP se objetiva. Com “sócios” nos cinco continentes, sem fronteiras entre si e com graus de desenvolvimento muito díspares, os Estados CPLP têm a caraterística de operarem em espaços de afirmação geopolítica sem potenciais contradições entre si. O crescimento de cada um dos Estados acarretará assim vantagens sinérgicas para o conjunto. E isto é muito valioso.

Duas décadas depois da sua criação, o que leva a esta evidente “anemia” da organização? O principal fator é o facto do Brasil não se ter decidido utilizar a CPLP como um instrumento matricial da sua política externa. É no empenhamento do Brasil que reside a chave do futuro da organização. Mas isso não chega.



A CPLP tem de ser olhada em perspetiva e repensada, de forma aberta e descomplexada, nisso envolvendo a multiplicidade dos agentes que hoje se expressam em português. Uma língua falada por muitos milhões de pessoas mas da qual praticamente ninguém fala fora desse espaço. E isto é preocupante.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, maio 28, 2015

O consenso "à la carte"

A palavra "consenso" tem uma carga forte nos últimos anos. Nem sempre pelas melhores razões.

Nos últimos tempos, sempre que foi necessário fazer pagar aos portugueses um custo que afetasse os seus haveres, o governo apelou ao consenso do principal partido da oposição.

Há dias, viu-se isso na hipótese de voltar a cortar nas atuais reformas. Era a forma de partilhar o odioso, uma forma de desresponsabilização sobre o fracasso de uma política. Em 2013, como se recordarão, o presidente da República foi um complacente agente da "operação consenso".

Mas, curiosamente, não se viu agora o chefe do Estado apelar publicamente a que, em temas como a questão da privatização total da TAP ou da recondução do governador do Banco de Portugal, o maior partido da oposição fosse ouvido. Por que será?  O consenso é "à la carte"?

quarta-feira, maio 27, 2015

150 anos em português


O "Diário de Notícias" faz 150 anos. Para um jornal, é obra! Esta bela imagem de Stuart, de 1930, cujo desenho a alguns trará à recordação dos tempos do "major Alvega", serve-me de suporte à nota sobre um debate em que participei esta manhã, comemorativo do aniversário, sobre os desafios da língua portuguesa no mundo, com colegas de vários países lusófonos, no Pavilhão de Portugal do Parque das Nações.

terça-feira, maio 26, 2015

Teresa Paixão


A RTP 2 é o parente pobre da RTP. E, no entanto, sob a mão culta e imaginativa de Teresa Paixão, o canal dá hoje, cada vez mais, grandes lições de qualidade televisiva, em sinal aberto, a muita gente que anda aí pelo cabo.

Um grande abraço de parabéns, Teresa! Viva a televisão pública!

Acordar sereno

Nos tempos da “outra senhora”, o discurso oposicionista dizia que os portugueses ansiavam por ter a certeza de que, quando alguém lhes batia à porta de manhã cedo, era o padeiro e não a polícia política. Os padeiros, ou os leiteiros, já não batem diariamente à nossa porta (infelizmente!) e a polícia política desapareceu. A democracia pretendeu regular o arbítrio e, em tese, dar sossego a um cidadão que não deva nem tema.
 
Nos dias de hoje, os portugueses anseiam por uma sociedade previsível, continuam a não gostar de más surpresas, estando contudo preparados para as mudanças que lhes sejam benéficas. A sociedade democrática tem a mudança no seu ADN. Ao colocar regularmente aos eleitores a possibilidade de escolhas, abre o caminho à alteração das regras da sociedade, mas, sempre e só, com o objetivo de melhorar a qualidade das políticas públicas, de oferecer aos cidadãos soluções coletivas mais favoráveis à realização dos seus interesses individuais.
 
Porque não é de admitir que os programas políticos apresentem novas propostas apenas pelo capricho de “fazer diferente”, é suposto que a imaginação de quem se propõe mudar o “statu quo” não ultrapasse nunca esse limiar de responsabilidade cívica. Olhando para o que o principal partido da oposição agora propõe – e que, no essencial, está já à vista dos futuros eleitores -, parece evidente que tal vai nesse caminho.
 
Nos últimos anos, esta espécie de “suspensão da democracia”, que o programa da “troika” e os excessos locais de zelo nos trouxeram, acarretou uma instabilidade sem precedentes na vida dos portugueses. Era inevitável? Se o respeito pelas pessoas, em especial pelas mais idosas, mais frágeis e mais desprovidas de recursos, tivesse sido a regra orientadora da execução das políticas, o país não teria mergulhado nesta angústia ansiosa de que ainda se não libertou.
 
A arrogância autoritária com que hoje se mudam as regras, com que unilateralmente se reformula o contrato entre o cidadão de boa fé e o Estado, em que a instabilidade fiscal e legislativa em geral passou a fazer parte do nosso quotidiano, em que uma espécie de administração “kafkiana” se converteu numa instância inapelável, tudo isso induziu nos portugueses uma profunda síndroma de desconfiança. Nos dias que vivemos, está criada a sensação de que nada pode ser dado por assente ou adquirido, porque o que era verdade ontem pode deixar de sê-lo amanhã, sem uma desculpa, sem uma justificação, no fundo, sem respeito pelos cidadãos.
 
Se há um conselho – e um só – que eu possa dar àqueles que se propõem como alternativa para tutelar o Estado nos próximos anos é o de que procurem transmitir aos portugueses a certeza de que tudo farão para que eles possam vir a acordar, todos os dias, sem o temor de que esse mesmo Estado lhe vai trazer más surpresas e mudanças drásticas e incómodas à sua vida e das suas famílias. Alguns anos vividos nessa simples mas essencial estabilidade poderiam ajudar muito a recuperar a confiança perdida, reconciliando os cidadãos com o seu Estado.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

A ler vamos...


José António Inácio de Sousa Quitério, conhecido como José Quitério, de quem aqui já muito se falou, homem que deu à cultura da alimentação em Portugal grande parte da sua vida, acaba de publicar este seu quinto livro, onde reúne textos magníficos, que nos ensinam e dão muito prazer.
 
Se pudesse, publicava aqui essa elegia que se chama "O Adeus português ao Bacalhau", um texto imperdível que este livro também acolhe, onde a História se cruza com a cultura e a cultura da nossa culinária, um fresco nacional onde todos estamos representados.
 
Muitas vezes, no final das noites, nas madrugadas em que hesito entre a escolha da última leitura, regalo-me com um pedaço de um texto de José Quitério como faço com as crónicas de Manuel António Pina ou de Miguel Esteves Cardoso ou com a poesia de Alexandre O'Neill. São eles, entre outros, que, com o seu humor saudável, me mantêm bem acordado para as coisas da vida, antes de ir dormir.
 
Leiam este livro de José Quitério. Garanto que não se arrependerão!

segunda-feira, maio 25, 2015

Terei olhado os jacarandás?


Entre abril e junho, em alguns locais de Lisboa, florescem os jacarandás. É uma árvore que alia a beleza a algum incómodo, porque o seu fruto, quando tomba sobre a pintura dos automóveis, não deixa os respetivos proprietários em excessivo contentamento.

Tal como a parte superior da rua Castilho, a avenida dom Carlos I (nunca percebi por que se diz "primeiro", porque nada indica que vá haver um "segundo"...) parece-me ser a artéria da capital onde os jacarandás oferecem um panorama mais deslumbrante (agora me lembro que, no jardim da casa onde vivi em Brasília, havia também um jacaradá fabuloso!).

A "dom Carlos" foi, em 1974, o local onde o MES (o então recém-criado Movimento de Esquerda Socialista) tinha as suas instalações, em dois prédio diferentes. Já me tenho perguntado se, à época, a nossa militância (eu sempre fui um sofrível militante) nos permitiu atentar na beleza do arvoredo da artéria. Duvido muito! Embora as coisas e as pessoas bonitas não fossem indiferentes a uma geração que se entretinha então a fazer a Revolução, posso imaginar que o ritmo desses dias (e, principalmente, dessas noites) não dava espaço para contemplações dessa natureza. É que só uma certa maturidade nos conduz a parar perante algumas coisas (e também pessoas) que, por muito evidentes "ali à volta", tendemos a não olhar com a atenção devida.

Ao andar pela cidade, reparei uma vez mais nos jacarandás. Mas, passados todos estes anos, só há horas descobri que, no largo do Rato, também há jacarandás. Não deixa de ser curioso...   

domingo, maio 24, 2015

Sem saudades

Náo há nenhuma razão particular nem nenhum motivo próximo para que aqui recorde uma pequena historieta que o meu pai me contava, em criança, e que sempre muito me impressionou. Só o facto de a ter relatado a um amigo, hoje, durante uma conversa.

Era a propósito de um cavalheiro que, nos anos 20 do século passado, estava emigrado no Brasil. Era um homem relativamente abastado, pelo êxito obtido nos seus negócios. Para trás, deixara a família, numa aldeia nos arredores de Viana do Castelo. Cada três ou quatro anos, regressava à terra, nessas longas viagens de barco que o aproximavam ou separavam da mulher e dos filhos.

Invariavelmente, o convívio com a família distante "acabava mal". Depois de algumas discussões, que se agravavam nos últimos dias da sua estada na aldeia, acabava quase sempre por bater nos filhos, numa atitude que chocava os seus amigos.

Um deles ousou um dia perguntar-lhe a razão desse comportamente, tanto mais que os filhos manifestamente gostavam dele e sofriam com a sua ausência. A resposta do homem, na rudeza de uma cultura comportamental em que a exposição do afeto não era muito comum, foi surpreendente: "É porque gosto muito deles que lhe bato, nas vésperas da minha partida. Vou estar de novo fora muito tempo, até posso morrer por lá. Por isso, ao bater-lhes, espero que sofram menos com a minha ausência, que tenham menos saudades de mim"

Diplomatas


Há dias, descobri por acaso, numa livraria, um pequeno livro editado pela Universidade Católica Editora que recolhe os testemunhos pessoais de seis embaixadores portugueses sobre o futuro da União Europeia. Trata-se da transcrição de palestras feitas em 2013 e 2014 pelos nossos embaixadores em Madrid, Roma, Londres, Berlim, Dublin e Paris - respetivamente, Álvaro Mendonça e Moura, Manuel Lobo Antunes, João de Vallera, Luís de Almeida Sampaio, Bernardo Futscher Pereira e José Felipe Moraes Cabral.

Lamento imenso que este livro não tenha tido a divulgação que merece. Cada um a seu estilo, com perspetivas e metodologias de abordagem diferentes, estes meus colegas, também muito diferentes entre si, apresentam um magnífico fresco de reflexões sobre a Europa, lida esta a partir dos países onde estão ou estiveram acreditados.

Tenho pena que a classe política portuguesa e a nossa comunicação social não leia com atenção estes trabalhos, porque talvez pudesse, através deles, avaliar da excecional qualidade de observação da nossa diplomacia, do modo atento como defendem o interesse português no contexto da União Europeia e do mundo, bem como da profundidade, culta e profissional, da sua abordagem. É que, ao fazê-lo, talvez pudessem diluir algumas ideias preconceituosas sobre aquela que é uma grande carreira de serviço público, por vezes caricaturada e muito mal tratada. 

sábado, maio 23, 2015

Joaquim Durão


Há menos de dois anos, publiquei aqui este texto:

"Há pessoas que perdemos de vista, às vezes por anos, e que, por um acaso, voltamos a reencontrar. Ontem, voltei a cruzar uma figura que as novas gerações provavelmente desconhecem mas que, décadas atrás, foi um nome destacado do desporto nacional, imensamente popularizado pela televisão. Refiro-me ao xadrezista Joaquim Durão.

Conhecemo-nos em Angola, quando ele foi por lá representar o xadrez português. Encontrámo-nos depois, em outras ocasiões. Curiosamente, seria de novo Angola - ou melhor, uma conversa sobre um artigo que ontem publiquei sobre as relações luso-angolanas - a "juntar-nos".

Joaquim Durão tem hoje 82 anos e uma história notável contada no curto filme (6 minutos) que pode ser visto aqui."

Revelo agora que nos "juntámos" nesse dia 17 de outubro de 2013 numa longa conversa telefónica, por sua iniciativa, a felicitar-me por um artigo que eu tinha escrito num jornal sobre as relações luso-angolanas. Disse-me então coisas muito simpáticas, porque, sem eu saber, seguia a minha vida com alguma atenção. Lembrou-me ter estado no lançamento de um livro meu, uma surpresa muito agradável que eu também não tinha esquecido. Tomei a iniciativa de lhe enviar outro que ele não possuía. Nunca mais falámos.

Joaquim Durão fazia parte das minhas antigas memórias televisivas. Aprendi a "mexer as pedras" com ele no écran. Foi ele quem, com o seu estilo agradável e didático, me fez despertar o gosto pelo xadrez. Possuo uma foto do meu pai a jogar uma "simultânea" com Joaquim Durão, nos claustros do Governo Civil de Vila Real, em que havia conseguido um empate com o mestre, feito de que muito se orgulhava. Em 1984, Joaquim Durão foi a Angola, onde o seu prestígio como xadrezista era imenso. Em alguns dias consecutivos, em jantares em minha casa, nesses tempos poucos fáceis da vida de Luanda, criámos uma relação de forte simpatia, que perduraria para sempre.

Soube que Joaquim Durão morreu, há três dias. Se não fosse uma banalidade, eu diria que perdeu o seu último jogo, numa vida felizmente cheia de grandes vitórias. Mas não sei dizer melhor. Deixo aqui o meu muito sincero pesar à sua família.

Ainda sobre o meu voto



A propósito do artigo "A cara", que publiquei no "Jornal de Notícias" e aqui reproduzi, em que defini o perfil daquele em quem votarei para primeiro-ministro, Helena Sacadura Cabral, numa simpática nota no seu blogue, inquire de mim: "só me resta perguntar se ele conseguiu, sempre, encontrar ao longo dos anos em que terá votado, os políticos que cumpriram com este seu retrato. É que, basicamente, os votantes desejam sempre que o modelo seja este. Todavia o aumento inegável da abstenção parece demonstrar o contrário..."

É uma resposta difícil, se a queremos dada com sinceridade. E eu vou ser sincero sobre os meus votos, de toda a espécie. Que exerci várias vezes em Lisboa, outras no "círculo da Europa", mais do que uma vez em Vila Real (onde desde há uns anos estou inscrito!) e também no "círculo do resto do Mundo".

Desde que comecei a votar - a primeira vez foi em 1969 - não votei sempre da mesma maneira, longe disso!, mas votei invariavelmente no mesmo sentido, "if you know what I mean"... Cheguei a votar em partidos e pessoas que sabia, à partida, que não tinham a menor possibilidade de serem eleitos, quase apenas para aferir estatisticamente quantos "maduros" seguiam a mesma e teimosa opção. Votei, por vezes, mais contra certas pessoas do que a favor das que beneficiaram do meu voto, porque detestava a ideia de ver eleitas as primeiras (numas vezes tive sucesso, noutras não). Votei em favor de partidos diferentes, em eleições autárquicas e legislativas próximas, embora, como disse, sempre "no mesmo sentido". Votei em candidatos e partidos que foram derrotados e nunca me arrependi de nenhum desses votos, sem exceção. Abstive-me algumas (poucas) vezes, nunca votei branco ou nulo. Nunca votei (nem votarei) num qualquer referendo: levo a família ao local de voto e fico à porta. Acho o referendo um instituto caricatural e populista.

Volto agora à pergunta da Helena. Se já houve políticos que cumpriram o que deles esperava com o meu voto? Claro que sim. Dois presidentes e dois primeiros-ministros. Os quatro cumpriram, no essencial, aquilo a que se tinham comprometido a fazer e que eu esperava que fizessem. E, nas duas eleições que aí vêm, vou fazer o mesmo, exatamente com a mesma confiança. Porque vou votar em pessoas de bem - só voto em pessoas que, à partida, tenho por pessoas de bem -, o que me sossega duplamente: faço o que puder para que sejam eleitos e fico também de bem com a minha consciência. 

sexta-feira, maio 22, 2015

Paulo Castilho


Sou amigo e colega de profissão de Paulo Castilho. Mas sou, igualmente e não por essa razão, um leitor atento e fiel de tudo quanto publicou até agora. Gosto da sua escrita límpida, sem artificialismos, num registo que ressoa a alguma literatura anglo-saxónica. Paulo Castilho tem uma maneira muito própria de, nos seus livros, olhar as mulheres e os mundos que elas criam à sua volta. Por tudo isso, porque já tinha passado demasiado tempo sem que um seu novo romance tivesse surgido, estou muito curioso de ler "O Sonho Português", que imagino vá ser um sucesso na Feira do Livro que aí vem.

A cara

 
Os socialistas apresentaram as ideias centrais do seu programa eleitoral. Há quem acuse o texto de ter uma preocupação tão obsessiva em ser realista que, porventura, alguns o verão como pouco mobilizador.
 
Nos seus detratores, para além dos sons normais da polémica, nota-se alguma dificuldade em colar ao texto um rótulo de vendedor de uma irresponsável ilusão.
 
Um dos fatores descredibilizantes da nossa vida política prende-se com o facto dos programas eleitorais terem quase sempre pouco a ver com a prática dos partidos, quando chegados ao poder. Chamemos as coisas pelos nomes que têm. Os portugueses - não só os portugueses - parece aceitarem, sem grande escândalo, que os políticos têm uma espécie de licença para mentir. E, em lugar de os punirem fortemente nas eleições seguintes, muitos acabam por aceitar isso como um "fact of life", como se estivesse na sua inescapável natureza serem, em geral, uns relapsos e incuráveis pantomimeiros. É como se, ao votar neles, os insultassem: "eu sei que este tipo é um mentiroso, mas tudo bem!". O grau de "respeito" que daqui decorre para a imagem da classe política parece-me óbvio.
 
Romper com este ciclo de ilusão desencantada é um dever de quem quer estar na política como uma pessoa de bem. E ainda há muitas pessoas de bem na política, se bem que haja outras que - tira-se-lhes "pela pinta", basta olhar-lhes para a cara! - se percebe logo "ao que andam". Estar na política como pessoa de bem obriga a cumprir o que se prometeu, a não se enredar na desculpa estafada de que a realidade trouxe surpresas e de que, afinal, as coisas não eram aquilo que pareciam. Um político que quer ser uma pessoa de bem, se acaso não pode pontualmente cumprir algo a que se comprometeu, pede desculpa, explica isso ao país, não tenta "jongleries" verbais, meias-verdades que querem fazer passar os outros por parvos. A humildade é um sinal de caráter.
 
Nas eleições legislativas que aí vêm, para além dos partidos e dos seus programas, estaremos a escolher a pessoa que vai dirigir o futuro Governo. Dir-me-ão que não é bem assim, que são os deputados que iremos selecionar. A mim, contudo, importa-me essencialmente a cara daquele a quem eu posso pedir contas pelo voto que lhe dei. E, neste jogo de caras, de credibilidade, eu só estarei ao lado de uma pessoa de bem, de quem tenha um passado político e cívico cristalino e intocável, de alguém a quem nunca tenha visto fazer o contrário daquilo que prometeu.
 
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, maio 21, 2015

Felicidade ?

Encontrei-o esta tarde no Chiado. Já o não via há bastante tempo. Eu vinha de um almoço, com pressa, porque tinha um compromisso para o qual já estava atrasado. Ele passeava-se, com calma, já um pouco bronzeado, gozando a sua reforma. Lancei-lhe:
 
- Gosto de te ver com esse ar feliz!
 
- É verdade, tenho saúde, não tenho problemas pessoais e o dinheiro vai dando. A felicidade, tenho vindo a aprender, é uma coisa simples.
 
- Simples, uma ova, meu caro!
 
- Estás enganado! Basta que nos deitemos a desejar que o dia seguinte seja pelo menos tão bom como o que acaba.
 
Pensando bem, ele é capaz de ter razão. Esta noite vou lembrar-me disso.

quarta-feira, maio 20, 2015

Ele há cada coincidência!



20 de maio de 1965. Um grupo de arruaceiros da ditadura, enquadrados por elementos da Legião Portuguesa, assaltava as instalações da Sociedade Portuguesa de Escritores, que o governo encerraria formalmente no dia subsequente. O motivo foi a atribuição à obra "Luuanda", de Luandino Vieira, um nacionalista angolano então preso no campo de concentração do Tarrafal, do prémio anual de literatura da Sociedade. António Valdemar conta a história hoje no Público. Membros do júri do prémio foram então detidos. Entre os elementos da direção da SPE que não se solidarizaram com os seus colegas figurava o nome de Luís Forjaz Trigueiros (1915-2000), jornalista, escritor e crítico. Por esse seu gesto, pagou para sempre um preço no mundo intelectual português.
 
20 de maio de 2015. Passou exatamente meio século, dia por dia, Há minutos, num alfarrabista de Campo de Ourique, por cinco euros, adquiri o "Diário 1962-1972" de João Palma Ferreira. Era da biblioteca de Trigueiros, com um cartão com a dedicatória: "Ao Luis Forjaz Trigueiros, recordando tantas amabilidades, com a gratidão do seu sempre admirador e amigo, João Palma-Ferreira, Salamanca, Abril, 72" . (Para tornar mais críptica a compra, vem dentro um bilhete para uma "poltrona" no Jardim Cinema, sessão da noite de 1 de março de 1969. 10 escudos, para que conste). 

"Observador"


Faz agora um ano que um grupo de investidores criou o "Observador". Trata-se do primeiro jornal informático em Portugal de acesso aberto, que reproduz, sem o copiar, o espanhol "El Confidencial". O projeto, dirigido por David Dinis e José Manuel Fernandes, tem real qualidade e, na minha opinião, tem vindo a melhorar como produto jornalístico.

A coluna de opinião do "Observador" foi, desde o primeiro momento, a sua marca de identidade. Um sintomático artigo ontem nela publicado por Maria João Avillez revela isso de uma forma quase incauta: trata-se de um projeto destinado a dar direito de cidade às várias direitas que aí andam pela praça pública, parte delas sempre um pouco "mal à l'aise" com o estigma da velha ditadura a que alguma esquerda teima em colá-las. Nele se acolhem alguns notórios "arrependidos" (a começar por José Manuel Fernandes e Manuel Vilaverde Cabral) até ao conservadorismo bloguista (os blogues estão hoje a ficar fora de moda), onde as escolas ideológicas da Universidade Católica, do Compromisso Portugal e da velha revista Atlântico estão também fortemente presentes. Na economia como nas coisas da vida, o "Observador" hesita entre correntes liberais (da escola de Chicago a uma linha mais tocada pela democracia cristã) até perspetivas da direita mais radical, tendo dele praticamente desaparecido qualquer matriz social-democrata.

Para mim, leitor atento e regular, não tenho a menor dúvida, identificando bem os financiadores do projeto: a criação do "Observador" teve como objetivo, a montante do que previam ser o risco do fim deste ciclo de tomada do poder pela direita (governo e Presidência), apoiado na oportuna ideologia da "troika", tentar captar politicamente um "novo" Portugal, da casa dos 30 e 40 anos, que aí anda com maior frequência das redes sociais e dos meios informáticos. No fundo: tentar evitar que a esquerda possa vir a ganhar as ocasiões eleitorais de 2015 e 2016. Nada que seja ilegítimo em democracia, diga-se, desde já.

Devo dizer que considero saudável que a direita, em democracia, explicite de cara aberta (ia dizer "de cara ao sol", mas os meus amigos de direita chamar-me-iam provocador) as suas ambições e os seus reais desígnios. Isso é preferível a uma ínvia cultura ideológica que só se qualifica por contraponto, uma espécie de envergonhada "não esquerda", temerosa de assumir o rótulo. Porque acho isso? Porque, nas batalhas, facilita o combate ver os adversários bem de frente.

Sondagens


Há algo de estranho na maioria das sondagens que aí andam. No passado, a posição relativa dos vários partidos era a medida seguida. Hoje, o PS já não é comparado com o PSD, mas é medido face à soma do PSD com o CDS. Dir-se-á que isso é natural, dado que a coligação foi renovada. Só que esse método de análise esconde, por exemplo, que o principal partido da oposição está com uma apreciação popular muito acima do partido que indicou o primeiro-ministro que agora está em funções. Repito: não é inocente que as sondagens não comparem PS com PSD - isso faz-se deliberadamente para desvalorizar a circunstância do PS estar, em termos de sondagens, a uma distância do PSD que é quase histórica, nas últimas décadas. Os céticos desta leitura regressarão à luta, retorquindo: mas é ou não o somatório dos dois partidos da coligação que realmente conta para formar governo? Eu respondo: sim. Só que há um pequeno pormenor de que muito poucos falam: é que a coligação só pode governar se tiver maioria absoluta - e não há nenhuma sondagem, mesmo as mais otimistas, que aproximem, ainda que minimamente, a coligação do limiar dessa maioria absoluta, isto é, 44/45% dos votos. E aqui as coisas são muito claras: se a coligação não tiver maioria absoluta, não pode nunca formar governo, porque é óbvio que nenhum partido da atual oposição irá viabilizá-lo. Já o mesmo problema não deverá ter o PS se, por si só, não obtiver maioria absoluta, dado que, potencialmente, para ver um seu governo aprovado, lhe basta contar com a abstenção de partidos à sua esquerda. É claro que os mais céticos ainda poderão argumentar: o PCP e o Bloco não se aliaram à direita em 2011 para derrubar o governo PS de então? É verdade. Mas alguém acha que o fariam agora, para renovar esta maioria, imediatamente após terem feito uma campanha contra ela? Dei comigo a pensar nisto. Mas posso estar errado, claro.  

terça-feira, maio 19, 2015

O Acordo poderia ter duas linhas...

Um amigo que muito prezo, escreveu um texto delicioso sobre o Acordo Ortográfico, sob o título em epígrafe, que lhe pedi que me deixasse publicar por aqui. Ele aí vai:
 
"Para que fique bem clara a minha posição sobre o Acordo Ortográfico: percebo que este dispositivo interesse aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros para dar uma imagem de cooperação entre os países de língua portuguesa. Se tivesse sido eu a escrevê-lo, teria a seguinte formulação:
 
Artigo único:
 
Reconheçam-se como válidas, em todos os países da CPLP, as normas ortográficas em vigor nos restantes países.
 
Esta formulação permitiria que o uso de qualquer variante ortográfica não pudesse ser penalizado ou considerado ilegítimo em qualquer país de língua oficial portuguesa ou em qualquer contexto de uso da língua.
 
Esta não foi a opção de quem negociou o Acordo Ortográfico, tendo sido preferida uma versão que tenta unificar a ortografia.
 
Quem me conhece sabe que não consegue arrancar de mim nenhuma posição inflamada a favor ou contra o Acordo Ortográfico. Sei que a ortografia é uma mera convenção, que nenhuma versão da nossa ortografia foi coerente entre transparência ou etimologia e que esta e outras versões de instrumentos de normalização ortográfica têm problemas técnicos já assinalados por vários. Não me parece que a versão 1990 seja pior ou melhor do que a versão 1945 – basta pensar no uso do hífen. É apenas uma convenção – o facto de “hospital” se escrever com em português e sem em italiano não tem qualquer consequência.
 
Muito do debate em torno do Acordo Ortográfico rasa o absurdo e descreve as consequências da sua aplicação como algo próximo do Armagedão. Há dados que me fazem manter-me longe deste debate.
 
Sempre que sai uma notícia num jornal sobre o Acordo Ortográfico, surgem centenas de comentários de leitores que, horrorizados, listam os horrores do Acordo Ortográfico em mensagens pejadas de erros ortográficos.
 
Ouvia, há tempos, alguém que tinha escrito “nada a opôr [sic]” vociferando que não retirava o acento circunflexo, porque se recusa a escrever com o Acordo Ortográfico, que sempre escreveu assim e não vai mudar!
 
O mesmo, tal e qual, ouvi de alguém que, num programa de rádio, dizia: “não é por causa dos brasileiros que vou tirar a cedilha de vocês”!
 
A obsessão com a ortografia e tudo o que se diz sobre o seu impacto no mundo é a consequência de uma escolarização em que as produções escritas são, tradicionalmente, corrigidas em função de desempenhos temáticos e ortográficos. Coesão e coerência, conformidade com sequências textuais ou explicitação de regras de pontuação são dimensões da escrita a que a escola nunca prestou a devida atenção, que justificam muitos problemas de escrita (e leitura) e que explicam que se dê tanta importância à ortografia.
 
Tratando-se apenas de uma convenção, a ortografia não gera penalizações. Se eu escrever a minha lista de compras para o supermercado com inúmeros erros, ninguém saberá e, mesmo que saiba, nada acontece. Só no sistema educativo é que há penalização do erro e é interessante verificar que a introdução do Acordo Ortográfico no sistema educativo se deu sem problemas.
 
Se é verdade que a ortografia é uma mera convenção e que quem redigiu o Acordo visou uma unificação da ortografia, também é verdade que qualquer pessoa minimamente informada sobre as variantes do português deveria saber que as diferenças fundamentais entre o português usado em Portugal, no Brasil, Angola, Moçambique não estão na ortografia. Tente-se escrever um texto em conjunto com um colega brasileiro e veja-se como se tropeça em cada linha. Há um evidente desconhecimento da língua portuguesa na génese de algumas decisões políticas, o que é confrangedor.
 
Passados vinte anos sobre a criação deste Acordo, não são ainda evidentes os passos claros que a CPLP está a dar para uma eficiente política de língua. Para dar apenas um exemplo, ainda não se vislumbra uma política comum sobre o ensino de português no estrangeiro.
 
Dito tudo isto, alguns amigos que conhecem esta minha posição (ou ausência de posição), perguntam-me se uso ou não o Acordo Ortográfico. Comecei a usar no dia em que li um arrazoado de argumentos nacionalistas e de comentários racistas sobre os restantes países da CPLP a propósito do Acordo Ortográfico. Pensei que não queria ser identificado com aquele tipo de argumentação e nesse mesmo dia passei a utilizar, sem grande dificuldade, a nova convenção ortográfica (nunca senti aquela insegurança de que alguns falam, dizendo “Agora não sei como se escreve”).
 
Passados alguns meses, participei numa reunião em que, em defesa do Acordo Ortográfico, ouvi um eminente académico tecer comentários absolutamente nacionalistas e a rasar o racismo... Fiquei sem saber o que fazer e, pela primeira vez, me deparei com a hesitação de não saber como escrever.
 
Cresce em mim a vontade de reagir de forma adolescente e não usar o Acordo quando escrevo àqueles que o defendem ferozmente e usar quando escrevo aos que são violentamente contra. Mas, por vezes, tenho de escrever a ambos e, nessa altura, penso: isto é apenas uma convenção, para quê gastar tempo a pensar no assunto?
 
Se se tivessem ficado pelas minhas duas linhas, ter-se-ia poupado muito tempo...
 
João Costa
 
PS: Ao reler o texto, apercebo-me de que, por vezes, o Acordo Ortográfico não tem mesmo importância nenhuma na forma como se escreve. E garanto que não foi intencional.
 

segunda-feira, maio 18, 2015

Embaixadorias


O meu amigo Ascenso Simões publica hoje no jornal "i" um artigo sobre a nossa diplomacia. Nele escreve algumas coisas com que concordo e outras de que discordo. É a vida.
 
(Tenho com Ascenso Simões cumplicidades antigas. Na cidade de onde ambos somos originários, há 18 anos, partilhámos uma aventura política numa candidatura ao município. Ele para presidente da Câmara, eu para presidente da Assembleia Municipal. Fomos ambos derrotados. No meu caso, por Passos Coelho ... pai!)
 
Uma das ideias que avança no seu artigo, porém, não apenas merece apenas a minha discordância como convoca a minha profunda rejeição. Vou transcrever o que escreveu:
 
"A perda de valor da CPLP deve assustar os próximos governos, deve implicar uma nova parceria entre Portugal e o Brasil, por assumir parte fundamental da penetração, na Europa e nas Américas, do poder lusófono. Esta realidade deveria elevar a nossa representação em Brasília. Se as diplomacias de outros países revelam a permissão de agentes fora da carreira, tendo em conta o posto e a estratégia para cada região, Portugal deveria poder assumir a nossa representação no território onde mais falantes de língua portuguesa se revelam, através da consagração do lugar a um antigo Presidente da República ou um anterior primeiro-ministro".
 
Três comentários.
 
O primeiro para sublinhar, sem mais delongas, que a nossa "representação em Brasília" não tem estado ao nível das exigências de Ascenso Simões. Tomo a devida nota, no que pessoalmente me toca.
 
O segundo para registar que um qualificado militante socialista entende que o corpo profissional de que a diplomacia portuguesa hoje dispõe não está à altura das exigências de projeção da nossa política externa, pelo que seria necessário um "reforço", quiçá vindo de hostes político-partidárias. Constato assim que, do seio do PS, emerge, uma vez mais, o tropismo para a nomeação de "embaixadores políticos".  
 
Um terceiro comentário. Ao localizar esta aparente exceção na "nossa representação no território onde mais falantes de língua portuguesa se revelam", Ascenso Simões mostra algum pragmatismo e alarga, com generosidade, o âmbito de recrutamento: de facto, qualquer político português possuiria o requisito linguístico indispensável para o exercício do cargo. Valha-nos isso!
 
Um quarto e último comentário.
 
Um antigo presidente da República? Sabe Ascenso Simões que a lei não permite que ninguém permaneça no serviço diplomático no estrangeiro depois dos 66 anos? Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco já passaram esse limite etário, como sabe. Muda-se a lei? Vale tudo? 
 
Um antigo primeiro-ministro? Balsemão também passou a fasquia etária, Guterres acaba de lá chegar. José Sócrates, por óbvias razões, parece excluído das contas de Ascenso Simões. Restam Durão Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho. Venha o Ascenso e escolha... Fico curioso! 
 
Dirão alguns que este post é inoportuno. Talvez seja, tal como entendo que o artigo o foi. Porém, comigo, já deviam ter aprendido: quem se mete com o MNE leva!

O Marquês, o Benfica e as televisões

A festa benfiquista no Marquês de Pombal redundou num espetáculo triste, com alguma violência e vítimas.

No entanto, estando longe de ser benfiquista, devo dizer que acho lamentável que a generalidade das televisões informativas tenham ajudado à "glorificação" da ação de alguns energúmenos que se dedicaram a estragar a alegria de outros.

Sei que o "dever de informar" impunha a cobertura dos distúrbios, mas talvez fosse igualmente ser dever das estações de televisão, numa noite tão importante para os adeptos do mais popular clube de Portugal, cuidar em dar conta da felicidade de muita gente que, por esse país fora, saudou, em ordem e com gosto, o bi-campeonato do Benfica. Passar horas a cobrir desordeiros de garrafas na mão e polícias a persegui-los pode ser um bom espetáculo televisivo, mas é um modelo de jornalismo que há esquece que há mais Benfica para além dos incidentes do Marquês.

Carnide em festa


O Benfica ganhou o "campeonato". Sejamos justos: este ano mereceu ganhar. Mesmo se, aqui ou ali, foi ajudado por um "sistema" que hoje muito influencia, aconteceu agora ao clube de Carnide (a imagem é do largo principal do estimável bairro onde se situa a agremiação) o mesmo que, muitas vezes, ocorreu com o seu rival do Norte, isto é, ganharia mesmo se não tivesse tido essas ajudas.

"Cá dentro", não gosto que o Benfica ganhe nada, confesso. (Lá fora, fui fã entusiasmado do grande Benfica dos anos 60, "puxei" por eles numa final europeia frustrada em Stuttgard e não me recordo de ter vibrado nunca com as suas derrotas internacionais). Sei que não estou a dar nenhuma surpresa a ninguém com esta minha declaração de interesses. Como os meus amigos "encarnados" também sabem, para mim, entre o Porto e o Benfica, "venha o diabo e escolha". Mas se alguém tiver que ganhar, que não seja o Benfica, claro. O qual, às vezes, lá ganha.

Uma palavra sobre o treinador do Benfica. Jorge Jesus é uma figura patética, na expressão, na imagem e no que representa, naquela arrogância saloia, cabelo corado "à poeta", que, às vezes, irrita menos do que a pena e o ridículo que induz. Mas, uma coisa é bem certa: sabe imenso de futebol. É um grande treinador, há que reconhecê-lo, coisa que andei (erradamente) muito tempo para fazer. Ao seu lado tem um presidente do clube que é também um inenarrável "cromo", com um ar sempre a armar ao sério e ao "grave", a que, na minha terra, se qualificaria de ar de "polícia da Régua". (Já sei que o presidente do meu clube, um tal Carvalho, não é melhor e tem, além disso, o defeito acrescido de não pôr a equipa a ganhar. Mas sobre essa figura já falei quanto baste). Mas - e aqui volto a elogiar - o tal presidente-cromo demonstrou, em várias ocasiões, nomeadamente quando conservou Jorge Jesus no clube, contra tudo e contra muitos, que sabia o que fazia.

Por tudo isto, e em síntese, parabéns ao Benfica pela justeza da sua vitória, reconhecimento à qualidade do seu treinador e do seu presidente, um abraço aos meus amigos benfiquistas e aos habitantes de Carnide, bairro que muito honram. No dia de hoje estão contentes "que nem uns cucos", mas eu ficaria mais satisfeito se o não estivessem, desculpem lá! Aqui por Lisboa, irão para o Marquês comemorar. Sempre sob olhar, complacente e férreo, do leão, claro! Desse não se livram! 

domingo, maio 17, 2015

Paris, Grécia


Há coincidências curiosas.
 
Ontem, ao final da tarde, fui atestar o depósito do carro numa bomba de gasolina na rua Domingos Sequeira, entre a Estrela e Campo de Ourique. Olhei então, com a habitual tristeza, a ruína do Paris-Cinema, que ali está há anos, sem solução urbanística à vista, já que é óbvio que a sua recuperação como casa de espetáculos estaria sempre fora de causa.
 
Entrei uma única vez naquela sala de cinema. Fará exatamente meio século, lá para outubro. Passei então duas semanas em Lisboa e, com um primo, fui lá ver o "Zorba", o filme com Anthony Quinn, Alan Bates e Irene Papas, uma mulher com beleza mediterrânica muito interessante, com um olhar simultaneamente rude e misteriosamente doce. Foi um filme que, à época, me impressionou imenso. E me fez conhecer, pela primeira vez a música belíssima de Mikis Teodorakis (ao lado de quem, uma vez, viajei entre Benghazi, na Líbia, e Atenas, apenas com coragem para lhe dizer como apreciava a sua música). Foi o "Zorba" que, se bem me lembro, despertou o meu primeiro interesse pela Grécia.
 
A coincidência está no facto de, há minutos, o "Zorba" ter surgido na televisão. Não consegui evitar rever o filme e, mais do que olhar de novo a sua trama, dei comigo, como sempre acontece com coisas que me marcaram (filmes, livros, situações), a recordar-me de como, neste caso há 50 anos, eu sentira o que vira. É enquanto estou a vê-lo que escrevo este post. 
 
Sei que a Grécia não está na moda, embora creia que vai estar cada vez mais nas notícias, talvez dentro em pouco, pelas razões menos boas (no entanto, alguns palermas domésticos não deixarão de aplaudir a tragédia alheia). Foi com essa nuvem de algum desgosto que hoje apreciei o "Zorba". E a sua dança.
 
Deixo a foto do Paris-Cinema como foi no passado. Uma imagem antiga, porque a ruina que agora lá está parece-se cada vez mais com alguma Grécia dos tempos de hoje e, provavelmente, dos que aí virão. 

Adeus, "Expresso"!

O "Expresso" considera que declarações "mesmo que feridas de ilegalidade" têm "um fundo de justiça". Estava à ...