terça-feira, maio 19, 2015

O Acordo poderia ter duas linhas...

Um amigo que muito prezo, escreveu um texto delicioso sobre o Acordo Ortográfico, sob o título em epígrafe, que lhe pedi que me deixasse publicar por aqui. Ele aí vai:
 
"Para que fique bem clara a minha posição sobre o Acordo Ortográfico: percebo que este dispositivo interesse aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros para dar uma imagem de cooperação entre os países de língua portuguesa. Se tivesse sido eu a escrevê-lo, teria a seguinte formulação:
 
Artigo único:
 
Reconheçam-se como válidas, em todos os países da CPLP, as normas ortográficas em vigor nos restantes países.
 
Esta formulação permitiria que o uso de qualquer variante ortográfica não pudesse ser penalizado ou considerado ilegítimo em qualquer país de língua oficial portuguesa ou em qualquer contexto de uso da língua.
 
Esta não foi a opção de quem negociou o Acordo Ortográfico, tendo sido preferida uma versão que tenta unificar a ortografia.
 
Quem me conhece sabe que não consegue arrancar de mim nenhuma posição inflamada a favor ou contra o Acordo Ortográfico. Sei que a ortografia é uma mera convenção, que nenhuma versão da nossa ortografia foi coerente entre transparência ou etimologia e que esta e outras versões de instrumentos de normalização ortográfica têm problemas técnicos já assinalados por vários. Não me parece que a versão 1990 seja pior ou melhor do que a versão 1945 – basta pensar no uso do hífen. É apenas uma convenção – o facto de “hospital” se escrever com em português e sem em italiano não tem qualquer consequência.
 
Muito do debate em torno do Acordo Ortográfico rasa o absurdo e descreve as consequências da sua aplicação como algo próximo do Armagedão. Há dados que me fazem manter-me longe deste debate.
 
Sempre que sai uma notícia num jornal sobre o Acordo Ortográfico, surgem centenas de comentários de leitores que, horrorizados, listam os horrores do Acordo Ortográfico em mensagens pejadas de erros ortográficos.
 
Ouvia, há tempos, alguém que tinha escrito “nada a opôr [sic]” vociferando que não retirava o acento circunflexo, porque se recusa a escrever com o Acordo Ortográfico, que sempre escreveu assim e não vai mudar!
 
O mesmo, tal e qual, ouvi de alguém que, num programa de rádio, dizia: “não é por causa dos brasileiros que vou tirar a cedilha de vocês”!
 
A obsessão com a ortografia e tudo o que se diz sobre o seu impacto no mundo é a consequência de uma escolarização em que as produções escritas são, tradicionalmente, corrigidas em função de desempenhos temáticos e ortográficos. Coesão e coerência, conformidade com sequências textuais ou explicitação de regras de pontuação são dimensões da escrita a que a escola nunca prestou a devida atenção, que justificam muitos problemas de escrita (e leitura) e que explicam que se dê tanta importância à ortografia.
 
Tratando-se apenas de uma convenção, a ortografia não gera penalizações. Se eu escrever a minha lista de compras para o supermercado com inúmeros erros, ninguém saberá e, mesmo que saiba, nada acontece. Só no sistema educativo é que há penalização do erro e é interessante verificar que a introdução do Acordo Ortográfico no sistema educativo se deu sem problemas.
 
Se é verdade que a ortografia é uma mera convenção e que quem redigiu o Acordo visou uma unificação da ortografia, também é verdade que qualquer pessoa minimamente informada sobre as variantes do português deveria saber que as diferenças fundamentais entre o português usado em Portugal, no Brasil, Angola, Moçambique não estão na ortografia. Tente-se escrever um texto em conjunto com um colega brasileiro e veja-se como se tropeça em cada linha. Há um evidente desconhecimento da língua portuguesa na génese de algumas decisões políticas, o que é confrangedor.
 
Passados vinte anos sobre a criação deste Acordo, não são ainda evidentes os passos claros que a CPLP está a dar para uma eficiente política de língua. Para dar apenas um exemplo, ainda não se vislumbra uma política comum sobre o ensino de português no estrangeiro.
 
Dito tudo isto, alguns amigos que conhecem esta minha posição (ou ausência de posição), perguntam-me se uso ou não o Acordo Ortográfico. Comecei a usar no dia em que li um arrazoado de argumentos nacionalistas e de comentários racistas sobre os restantes países da CPLP a propósito do Acordo Ortográfico. Pensei que não queria ser identificado com aquele tipo de argumentação e nesse mesmo dia passei a utilizar, sem grande dificuldade, a nova convenção ortográfica (nunca senti aquela insegurança de que alguns falam, dizendo “Agora não sei como se escreve”).
 
Passados alguns meses, participei numa reunião em que, em defesa do Acordo Ortográfico, ouvi um eminente académico tecer comentários absolutamente nacionalistas e a rasar o racismo... Fiquei sem saber o que fazer e, pela primeira vez, me deparei com a hesitação de não saber como escrever.
 
Cresce em mim a vontade de reagir de forma adolescente e não usar o Acordo quando escrevo àqueles que o defendem ferozmente e usar quando escrevo aos que são violentamente contra. Mas, por vezes, tenho de escrever a ambos e, nessa altura, penso: isto é apenas uma convenção, para quê gastar tempo a pensar no assunto?
 
Se se tivessem ficado pelas minhas duas linhas, ter-se-ia poupado muito tempo...
 
João Costa
 
PS: Ao reler o texto, apercebo-me de que, por vezes, o Acordo Ortográfico não tem mesmo importância nenhuma na forma como se escreve. E garanto que não foi intencional.
 

27 comentários:

Anónimo disse...

E as duas linhas explicam o porquê da fragilidade do argumento "anti" "nas outras línguas não houve necessidade de acordo". É que, se formos a Inglaterra e comprarmos um "best seller" americano publicado por uma editora inglesa, ele está escrito exatamente da mesma forma como o veríamos em Nova Iorque.

Mas como os "tugas" são de quintinhas - e, por inerência, os seus filhos do outro lado, também -, é preciso, mesmo que haja um acordo.


Catinga (sem paciência para fazer login)

jj.amarante disse...

Eu subscreveria esse artigo único. Reconheço as inconsistências na grafia de 1945 bem como nas de 1990. Dado que mudar a grafia tem consequências pesadas uma pessoa interroga-se: quais as razões ponderosas para a mudança? E constata que um dos objectivos alegadamente principais, a uniformização da grafia falha redondamente, quer pela admissão explícita de múltiplas variantes quer pela existência de países lusófonos que não aderem ao acordo. Quer ainda porque além de termos os livros muito antigos onde se escrevia pharmacia temos agora outros onde aparece Egipto e mais uns recentes on aparece Egito.

António Pedro Pereira disse...

Caro Senhor Embaixador:
Disse: «Se é verdade que a ortografia é uma mera convenção e que quem redigiu o Acordo visou uma unificação da ortografia».
Aqui é que está o grande equívoco sobre o qual os defensores do AO se escusam sempre a falar.
O problema não está na existência de acordos ortográficos em si, embora os anglo-saxónicos nunca se tenham preocupado em criar tal instrumento de regulação da sua Língua.
Como eu também já aqui referi, se o objectivo era a unificação da ortografia, por que razão o AO não só não procedeu a tal unificação como fez o contrário, criando mais de 2000 casos de grafias duplas, inexistentes anteriormente?
Disse ainda: «também é verdade que qualquer pessoa minimamente informada sobre as variantes do português deveria saber que as diferenças fundamentais entre o português usado em Portugal, no Brasil, Angola, Moçambique não estão na ortografia. Tente-se escrever um texto em conjunto com um colega brasileiro e veja-se como se tropeça em cada linha»
No anterior post sobre o tema, o senhor Embaixador disse que não tinha sido por razões de pressão diplomática (a que eu acrescento, do Brasil, depois de a Língua Portuguesa se ter tornado língua oficial na UE) que se fez o AO (acrescento eu, este atentado à inteligência, por ter tido como resultado o contrário do que propagou e por ser, em si, incoerente).
Devo dizer que nada tenho contra acordos ortográficos nem sou nacionalista nos termos em que referiu nos exemplos.
Sou radicalmente contra este AO pelas duas razões que aludi.

patricio branco disse...

há uma estética da lingua escrita que tambem conta, alem da fonética, da etimologia, etc.

Felipa Monteverde disse...

Também vociferei contra o Acordo. Em 2008. Mas houve alguém que me disse que verificasse se os meus argumentos contra o dito não teriam a ver com preconceito em relação a certos irmãos nossos. Verifiquei mesmo. E rasavam, de facto, o preconceito. E desde essa altura tentei compreender as diferenças entre o novo e o velho e tento escrever sem erros. Foi como voltar à primária. Mas gosto. Porque aprender é manter a mente ativa. E uma mente ativa envelhece mais tardiamente.

Anónimo disse...

Caro Francisco, subscrevo o clarividente "Artigo único" do seu amigo... Aliás, tanto quanto me é dado observa,r tem sido a linha seguida pelos países europeus cujas línguas são das mais , naturalmente (?), de Portugal. Pelos menos 3 acordos em cerca de 100 anos... É obra!
J Honorato Ferreira

Anónimo disse...

O Patrício Branco tem razão. E na sequência do que ele escreveu, digo que é muito feio grafar nomes em letra minúscula e sem os devidos acentos. Só por questões estéticas, entenda-se...

Anónimo disse...

A cada passo, um exemplo de desonestidade intelectual.

Os opositores ao AO criticam-no porque vem criar "2000" diferenças.

... por outro lado ...

Os opositores ao AO criticam-no porque não havia necessidade de acabar com muitos milhares mais de diferenças.

Anónimo disse...

De tanto falarem nisto, sem grande utilidade quanto a mim, “ passei a reconhecer” que pode haver um problema de “arquitectura” no AO:
Arquitecta será sempre arquiteta?... Não é o que vejo…
O Duriense

António Pedro Pereira disse...

Caro Anónimo das 16h00:
Adjectivar ou outros de desonestidade intelectual sem se saber do que se fala é o quê?
Eu acho que é pior do que desonestidade intelectual, mas não digo o que é.
Como o senhor Embaixador não gosta que se deixe aqui links, sugiro-lhe que leia no Google o artigo «A falsa unidade ortográfica», de Maria Regina Rocha, Professora e Consultora do Portal da Língua Portuguesa Ciberdúvidas.
Ela explica bem o que fica igual, o que se ganhou unificando e o que se perdeu desunificando, em números exactos, pois é especialista na matéria.
Não deia de ser curioso que alguns comentadores anti-AO, como é o meu caso, tragam a discussão para o campo da objectividade, dos números, evidenciando que estes provam precisamente o contrário do que a maioria das pessoas pensa que o AO fez: a unificação da Língua.
Mas que do lado dos pró-AO estes fujam dessa discussão a sete pés.
Afinal, o AO foi feito para unificar ou para desunificar?
Diga-me, se faz favor… já agora sem me ofender gratuitamente.

RH disse...

Veja lá isto Seixas da Costa: qual era, afinal, o problema da ortografia anterior com a qual escreveu praticamente durante todo o seu tempo de vida? Explique lá. É que mesmo com o acordo continua a haver duas variantes (ORTOGRÁFICAS) bem distintas da língua (agora já há três). Já viu a estupidez em que se enredou?

Anónimo disse...

Subscrevo a 100%. A ortografia é uma mera convenção. É ridículo o ruído à volta do AO.
Fernando Neves

RH disse...

A solução do linguista João Costa é ainda mais estapafúrdia do que o próprio acordo. Então "Antônio" estaria correcto em Portugal? Aquele acento não denota uma especificidade fonética e cultural que não existe de todo em Portugal? Não é difícil de imaginar a confusão se juntarmos milhares de palavras, pois não? Mais, cada um escreveria efectivamente como lhe apetecesse (ainda mais do que com o AO, ou seja, um retorno à Idade Média), o que contraria o próprio conceito de norma ortográfica (é para que nos entendamos todos uns aos outros, certo?). João Costa, em vez de analisar cientificamente o acordo, acha por bem defendê-lo na presença de opositores e atacá-lo (mas pouco) na presença de apoiantes. Isto é atitude de um cientista da língua? Além disso, participou na famigerada TLEBS e no Dicionário Terminológico...
Seixas da Costa, em relação a matérias da língua, pouco percebe. Assuma isso, não custa.

Anónimo disse...

Última Hora:

Última actualização do dicionário de língua Portuguesa:



Testículo: Texto pequeno

Abismado: Sujeito que caiu de um abismo

Pressupor: Colocar preço em alguma coisa

Biscoito: Fazer sexo duas vezes

Coitado: Pessoa vítima de coito

Padrão: Padre muito alto

Estouro: Boi que sofreu operação de mudança de sexo

Democracia: Sistema de governo do inferno

Barracão: Proíbe a entrada de caninos

Homossexual: Sabão em pó para lavar as partes íntimas

Ministério: Aparelho de som de dimensões muito reduzidas

Detergente: Acto de prender seres humanos

Eficiência: Estudo das propriedades da letra F

Conversão: Conversa prolongada

Halogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentes

Expedidor: Mendigo que mudou de classe social

Luz solar: Sapato que emite luz por baixo

Cleptomaníaco: Mania por Eric Clapton

Tripulante: Especialista em salto triplo

Contribuir: Ir para algum lugar com vários índios

Aspirado: Carta de baralho completamente maluca

Assaltante: Um "A" que salta

Determine: Prender a namorada do Mickey Mouse

Ortográfico: Horta feita com letras

Destilado: do lado contrário

Pornográfico: O mesmo que colocar no desenho

Coordenada: Que não tem cor

Presidiário: Aquele que é preso diariamente

Ratificar: Tornar-se um rato

Violentamente: Viu com lentidão

Anónimo disse...

O Manuel Silva continua a alinhar pelo lado da desonestidade intelectual:

por um lado, os apoiantes do acordo defendem o anterior estado de coisas porque "a diversidade é uma riqueza"

... por outro lado...

queixam-se de que, agora (supostamente), há mais uma variedade.

Mas, então, em que é ficamos?! A "diversidade" é uma riqueza, ou não?

Donelvira disse...

Pois eu estou adorar, todo o ruído sobre o AO.
Queridos,qualquer semelhança com " Voando Sobre Um Ninho de Cucos", é pura coincidência .

Os aderentes do AO me tratam Arquitêta, aí eu questiono qual...a direi ta ou a esquerda???
rrsssss


Anónimo disse...

Caro Chico

Com Acordo ou com desacordo no mau Crónicas das minhas teclas eu escrevo em desacordo e o autor do prefácio Francisco Seixas da Costa escreve de acordo com o Acordo.

Vêem como tudo se pode fazer; é só preciso haver boa vontade e consideração

Abç

Anónimo disse...

Ainda gostava de assistir às interessantes discussões que, com toda a certeza, ocorrem nas reuniões da CPLP, na hora de redigir as conclusões, ou actas/atas.
Sim, porque não deve ser fácil, com tantos países participantes e só três aderentes ao Acordo...!
Ou será que "fazem das tripas coração" para não usarem palavras com ortografia divergente?
Ou então, as actas/atas são redigidas na ortografia adoptada pelo país do redactor.
Mas nem tudo será assim tão facilmente resolvido, pois poderá haver casos impossíveis de harmonizar (incrível, e visava-se uma uniformização da ortografia!), como por exemplo quando houver necessidade de referir a recepção/receção feita aos convidados a uma cerimónia.
E já agora, uma curiosidade: em que versão (português de Portugal ou português outro) estará feito o corrector ortográfico?!

Anónimo disse...

A donelvira é uma 2 em 1: tem falta de graça e de originalidade.

Isabel Seixas disse...

Subscrevo
O acordo gera desacordo e daí?!

Devia ter duas linhas, também acho

Eu concordo
eu discordo

Julieta Campos disse...

Henrique : ainda bem que confessou.

Já todos havíamos percebido a mediocridade do "cronicas".

Agora o autor se autoclassificar de mau é algo inédito.
Parabéns.

Manuel do Edmundo-Filho disse...

Este acordo violenta a etimologia, atenta contra a estética da língua, baralha ainda mais a quem já a não escrevia bem, não a uniformiza(não foi ainda ratificado pelos principais países falantes e cria mais duplas grafias das que já existiam)-- que era, recorde-se, o seu principal objectivo.

Quanto mais a gente se abaixa...

António Pedro Pereira disse...

Ao Anónimo das 19h59, que não sei se é o das 16h00 a quem já respondi:
(Para além da cobardia, este é outro dos inconvenientes do uso do anonimato: nunca sabemos a quem nos estamos a dirigir.
No meu caso, e no das pessoas que não têm problemas em se identificar, quem nos queira responder pode fazê-lo sabendo quem é o interlocutor).
Volto à resposta ao Anónimo das 19h59.
Se o senhor (ou senhora) nem é capaz de ler o que eu escrevo (muito menos será capaz de compreender o que quero dizer), não vale a pena eu perder mais tempo com tão fraca criatura.

Anónimo disse...

Manuel Silva, para além da desonestidade intelectual (i.e., a confusão propositada entre prós e contras, conforme lhe convenha), ainda adota o habitual discurso agressivo dos anti AO. Pior do que a fragilidade dos argumentos e a geometria em constante variação, é, realmente, esta falta de classe de quem não sabe discutir sem ser com voz exaltada.

Uma tristeza.

Donelvira disse...


Como é mesmo sua graça? (03:31)

Você sim, é bué original e de rir até às lágrimas.

Me liga, sim ?

Beijão da Vivi.

Anónimo disse...

"A partir de agora as senhoras de volumes frontais generosos deixam de ser ARQUITECTAS e passaram a ser ARQUITETAS"

Anónimo disse...

Eh pá, paguem direitos ao RAP!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...