Aqui deixo a segunda polémica.
Prezado Senhor Mino Carta
Director de Redacção da Carta Capital
Leitor atento da vossa revista, acabo de ler o artigo do vosso colaborador Miguel Sanches Neto, sob o título de ‘Brasil recolonizado’, no último número da Carta Capital. Gostaria de ter o direito de réplica a essa peça, pelo que lhe envio em anexo um texto cuja publicação muito agradeceria. Com os melhores cumprimentos.
Francisco Seixas da Costa
Embaixador de Portugal no Brasil
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Quem tem medo de Inês Pedrosa?
No Brasil há menos de um ano, aprendi rápido que a abertura ao mundo constitui uma das matrizes deste país, fruto da sua permanente convivência descomplexada com a diferença. A brasilidade fez-se e firmou-se sobre todas as marcas e referências que aqui chegaram, usando-as e transformando-as num magma cultural original, com uma identidade fortíssima, que hoje não precisa de defesas artificiais para se afirmar.
Por tudo isso, foi com alguma surpresa que li o artigo de Miguel Sanches Neto, ‘Brasil recolonizado’, onde é feita uma aberta apologia do proteccionismo linguístico, do fechamento da fronteira cultural do Brasil à nova literatura portuguesa, tida por poluente veículo de uma estética convencional, apoiada numa norma escrita já decrépita, fechada à sacralização da oralidade. A crer no autor, urge afundar no horizonte, pela crítica profilática, as novas naus de letras que agora trazem por aí Inês Pedrosa, Sousa Tavares, Lídia Jorge, Lobo Antunes, Hélder Macedo, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Francisco José Viegas, Rui Zink e tantos e tantos outros, com o usurpador nobélico Saramago na proa. Por que não se deixa que sejam os leitores brasileiros a usar a sua maturidade para separar o trigo do joio, o que gostam ou não, sem necessitarem de filtros tutelares preventivos?
Faço a justiça de não colocar Sanches Neto nos cultores do despeito atávico pelo que vem da ‘terrinha’, coisa velha em algumas mentalidades residuais, onde o anti-portuguesismo – essa doença infantil da brasilidade – se mantém recorrente, espreitando pelas esquinas do preconceito, sobrevivendo em algumas vozes e penas, no desespero em tentar fazer do Brasil e de Portugal dois países separados por uma língua comum. Mas é bem triste ver adubada e ajudada essa mesma deriva por figuras da cultura, dando verniz ideológico e intelectual ao preconceito.
Deixo apenas uma nota mais.
Na minha juventude em Portugal, a ditadura não se atrevia a privar-nos de Amado, Guimarães Rosa ou Veríssimo, a afastar-nos da Pasárgada da esperança acenada por Bandeira, que nos ajudava a sonhar longe dos ‘mortos de sobrecasaca’ que nos rondavam os dias. Se alguém hoje ousasse por lá dizer que Nélida Piñon, Ferreira Gullar, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro ou o outro Veríssimo afectavam a estética literária caseira teria, como resposta, uma gargalhada do tamanho do Atlântico, ouvida no Além pela velhinha de Taubaté*.
(*) A "velhinha de Taubaté" foi uma figura suscitada em textos de Luiz Fernando Veríssimo, que, à época, era muito conhecida no Brasil