Na "Brasília do Casaquistão", Astana, teve lugar, em 1 e 2 de Dezembro, uma cimeira da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que reuniu os chefes de Estado ou governo (ou seus representantes) dos 56 Estados da organização.
Já
aqui se falou, com algum pormenor, sobre a OSCE, nomeadamente à luz da experiência na presidência portuguesa, em 2002. Quem quiser ir um pouco mais além neste assunto, pode procurar também
aqui.
Na sua história de cerca de 35 anos, a OSCE teve poucas cimeiras, uma das quais em Lisboa, em 1996, num momento importante do complexo percurso desta organização de segurança. Vale a pena notar que Portugal apoiou, desde o início, a pretensão do Casaquistão de assumir esta presidência anual e, mais tarde, a própria organização desta cimeira.
Muitos se interrogaram sobre se haveria novas circunstâncias que justificassem que a OSCE fizesse agora uma cimeira - originalmente, as cimeiras deveriam ter lugar a cada dois anos, mas cedo se verificou que isso era algo insensato; não seria por acaso que há 11 anos elas não tinham lugar. Não estando maturadas as condições para promover novos saltos qualitativos em matéria de objetivos no seio da OSCE, atentas as profundas divergências que subsistem entre os seus Estados, houve quem legitimamente se perguntasse sobre se a realização de uma cimeira que viesse a terminar sem grandes resultados não seria mesmo contraproducente para a própria organização.
A importância específica desta Cimeira de Astana residia, a meu ver, no facto dela consagrar o culminar, não apenas uma inédita tentativa de mobilização da OSCE por um grande Estado da Ásia Central, mas, em especial, pelo facto de se tratar da primeira presidência anual exercida por um país "a leste de Viena" - como se costuma dizer no jargão da OSCE. A circunstância de caber a um antiga república soviética essa responsabilidade representava uma certa mudança de paradigma dentro da organização, por muito que, em termos práticos, pudesse não trazer algo de substancialmente novo no tocante às linhas divisivas que marcam, no essencial, as suas duas últimas décadas de história.
Lendo a "Declaração Comemorativa de Astana", acordada no dia 2 de Dezembro, constata-se que a "agreed language" ficou bastante perto da dos princípios constitutivos da OSCE, se bem que com dois ou três interessantes sublinhados de contemporaneidade. Deliberadamente, essa linguagem fugiu a encarar algumas das linhas mais divisivas no seio da OSCE, notando-se, por omissão, óbvias cedências mútuas. Era natural que assim acontecesse, até porque é ainda muito cedo para se poderem refletir na OSCE, em termos de segurança cooperativa, os possíveis efeitos do novo partenariado estratégico que ficou desenhado na cimeira da NATO, em 24 de Novembro, em Lisboa. Refiro-me, naturalmente, à posição russa. Aliás, o título do artigo que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, publicou no dia 1 de Dezembro, no "Le Figaro", não deixava qualquer dúvida sobre o "estado da arte", na visão de Moscovo: "A OSCE deve deixar de dar lições". Por esse título, e por ora, a Leste nada de novo...
A OSCE vai assim fazendo o seu caminho possível, num ambiente geopolítico complexo e, por ora, ainda muito pouco claro. Realisticamente, há que concluir que talvez não possa fazer mais do que atualmente faz. Pode ser um defeito de perspetiva de quem andou pela organização, mas eu continuo a ter a sensação de que, se determinadas condições vierem a alterar-se, a OSCE pode ainda ter um papel importante em matéria de prevenção de crises e de geração de medidas de confiança, quem sabe se num cenário de "regionalização" de tarefas delegadas pela ONU. E quem sabe se, nesse contexto, não interessará especialmente a Moscovo revitalizá-la. A ver vamos.