segunda-feira, novembro 02, 2009

Pousadas de Portugal


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(Alerta aos leitores: este post foi posteriormente rectificado. Leiam aqui)

De há muito que tenho o maior respeito pelo grupo hoteleiro Pestana, dirigido por Dionísio Pestana, um empreendedor de grande visão que soube transformar um núcleo de operação na Madeira numa das maiores - senão a maior - redes nacionais de hotéis, com expressão internacional. Fê-lo com capitais próprios, com imenso profissionalismo, com visão estratégica.
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No Brasil, durante vários anos, pude constatar e constantemente apoiar o alargamento da actividade do grupo, que se transformou numa imagem de marca da hotelaria portuguesa de qualidade - de que o magnífico Hotel Convento do Carmo, em Salvador da Bahia, é o seu melhor cartão de visita.

Já há uns anos, o Grupo Pestana obteve a concessão da Enatur, que dirige as Pousadas de Portugal, empresa onde o Estado português mantém, contudo, uma importante participação.

A rede Pousadas de Portugal é uma estrutura histórica. Criada em 1940, numa iniciativa de António Ferro, tinha subjacente uma lógica de promoção turística voltada para o mercado estrangeiro, com preços baixos (não admitia estadas de mais do que três noites consecutivas) e uma qualidade de serviço muito interessante, apoiada na exploração de valores gastronómicos nacionais. Era constituída por edifícios construídos de raiz, por outros adaptados e, com maior incidência nas últimas décadas, por edifícios históricos, os quais foram recuperados da ruína e do esquecimento, com fundos do orçamento público.

Sei bem do que falo porque, há muito que frequento com regularidade as Pousadas de Portugal, sendo que, pelas minhas contas, dormi até hoje em, precisamente, 41 dessas unidades, algumas delas entretanto já desaparecidas. Por isso, julgo ter algum "direito de utente" para me pronunciar sobre o que vi e sobre o que actualmente vejo.
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E hoje vejo, com grande desagrado, o grupo Pestana numa clara deriva no sentido de "ver-se livre" de algumas unidades cujo lucro não será aquilo com que contava, a alienar parte de um património que ninguém parece lembrar ter dimensões que estão muito para além das questões económicas, dimensões que, se o não foram, deveriam ter sido acauteladas no contrato de concessão, em eventual articulação de sustentação com as regiões turísticas e com as autarquias da região.
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As Pousadas de Portugal, para além do natural negócio que devem ser, são factores de equilíbrio regional, de polarização de circuitos turísticos, de conservação de valores de gastronomia local. Tais unidades hoteleiras constituíram sempre um orgulho para as populações locais e são também, goste-se ou não, um elemento de serviço público.
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Da mesma maneira que os Correios de Portugal ou a EDP são obrigados, por contrato, a levar as cartas ou a electricidade a zonas remotas do país, onde uma simples lógica económica recomendaria o imediato fechamento da operação, também as Pousadas devem ser vistas nessa perspectiva de utilidade pública, pelo facto de serem, em algumas áreas, o único suporte para alojamento turístico de alguma qualidade. Aliás será para isso, ao que julgo, que o Instituto de Turismo de Portugal permanece no Conselho de Administração da ENATUR. Caso contrário, o que estará lá a fazer? A servir de mero e silencioso "rubberstamp" legitimador das decisões do Grupo Pestana?
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O Estado português não deu a concessão ao grupo Pestana para assistir, impávido e cúmplice, a um arbitrário "downsizing" desse património, marcado por uma lógica exclusivamente economicista. Esta não é uma concessão qualquer. Há dimensões históricas a ela associadas, as quais, a meu ver, e por exemplo, são em absoluto incompatíveis com a simples e fria alienação de edifícios de valor arquitectónico insubstituível. Da mesma forma, escandaliza-me que a Enatur possa arrogar-se o direito, com prejuízo da dignidade da imagem das Pousadas de Portugal (que é uma marca nacional, de que não é proprietária, note-se), de subconcessionar certas unidades, em "franchising", a qualquer "pato bravo" hoteleiro, sem história nem credenciais na profissão, lavando depois as mãos para o modo como a exploração vier a decorrer. O que observei, recentemente, em unidades que continuam a manter a “imagem” da Enatur, constitui uma verdadeira vergonha, com espaços decorados à luz da saloíce dos novos proprietários, à moda da "pensão da Tia Anica"...

Vem isto a propósito do anúncio que acaba de ser feito do próximo encerramento da Pousada Barão de Forrester, em Alijó. Há poucos anos, a Enatur - sob proposta do Grupo Pestana e a complacência incompreensível do Instituto de Turismo - já tinha vendido (!!!) o edifício da Pousada de São Gonçalo, no Marão, uma jóia arquitectónica que remonta às origens do projecto das Pousadas. Nem uma folha de protesto então buliu, que se desse conta, por parte das Câmaras Municipais de Amarante e Vila Real. Antes, tinha já "ardido" Miranda do Douro. Agora, para os transmontanos, para que o "deserto" se torne completo, só resta que a Enatur "terceirize" (como dizem os nossos amigos brasileiros) a Pousada de Bragança.

Onde iremos chegar? O Instituto do Turismo de Portugal ou a Secretaria de Estado do Turismo não terão nada a dizer sobre isto? Uma palavra “lá em baixo” do meu querido amigo, Dr. Alexandre Chaves, operativo Governador Civil do Distrito de Vila Real, seria muito bem vinda.

domingo, novembro 01, 2009

Carta a um amigo

Meu Caro

Você acaba de entrar numa nova vida, e logo num tempo bastante difícil, em que muito se exigirá de si, dos seus conhecimentos e do seu bom-senso, da sua integridade e da sua força de vontade. Conhecendo-o bem, julgo ser "the right man in the right place" e, diria mesmo, "at the right time"- e você sabe de mim o suficiente para ter a certeza de que só digo isto porque sinceramente o penso. Atrevo-me mesmo a afirmar, não sem algum orgulho, que, até agora, você teve sempre uma boa escola.

Porém, como em tudo na vida, só na água se aprende a nadar. Ver os outros no jogo é muito instrutivo, até para evitar cometer alguns dos erros observados. Mas as coisas são diferentes quando se "está lá", quando se é o responsável, quando todos olham para si, para o bem e para o mal. Principalmente para o mal, como sabe.

Você começa agora. Numa bela frase que fez escola, Jaime Gama dizia que "não há uma segunda oportunidade para se criar uma primeira impressão". Tendo a concordar, embora não em absoluto, porque as imagens fixam-se diacronicamente no juízo das pessoas e o tempo ajuda a sedimentar a solidez de quem é realmente consistente. Você dir-me-á, com a sua proverbial modéstia, que isso o preocupa pouco e que, no essencial, quer apenas conseguir fazer bem aquilo que lhe propuseram. Mas, como já terá visto de forma muito crua, "em política, o que parece é", como dizia o manhoso de Santa Comba. É triste, mas é assim.

Para um observador desprevenido, a sua tarefa até pode parecer fácil. Mas você sabe bem melhor que muitos que, para além do que a opinião publicada ou comum intui, há aí desafios externos muito sérios pela frente, face à vontade de alguns de mudar o paradigma do processo colectivo, interessados que estão em assegurar a continuidade do respectivo poder, através da garantia lampedusiana de que "alguma coisa tem de mudar para que tudo continue na mesma".

Não quero parecer "patronizing", mas não resisto a deixar-lhe algumas notas: conselhos ou frutos da experiência, tome-os como quiser. Faço-o agora porque não terei nem necessidade nem ocasião de lhe dar quaisquer opiniões futuras, porque, como você e muitos outros bem sabem, é meu arreigado e inabalável hábito deixar deliberadamente de procurar ou frequentar quem assume funções elevadas.

Desde logo, tente rodear-se de gente que tenha a certeza de ser, simultaneamente, competente, fiel e crítica. E, se possível, que escreva um bom português, uma língua antiga em rápida extinção na nossa administração pública. Junte pessoas que tenham a liberdade e a coragem para lhe dizer aquilo que até pode não lhe apetecer ouvir, mas que é essencial que você ouça; embora se reserve sempre o seu direito de não concordar e decida fazer exactamente o contrário. Não hesite em mudar de opinião, quando os argumentos forem inteligentes e convincentes, mesmo se oriundos de colaboradores muito mais jovens. Sabe do que falo, claro...

Não se deixe nunca tentar por tiques de auto-suficiência ou de autoridade (que seriam estranhos em si, em qualquer caso), por reflexos de sobranceiro "déjà vu" ou por formalismos compensatórios da sua idade - como, ridiculamente, já vi emergir em (então) jovens figuras políticas, pouco à vontade com as suas novas responsabilidades. Em política, a idade que se tem é a da autoridade que soubermos transmitir, sendo a juventude, aliás, o único "defeito" que passa sempre com o tempo.

Atente bem nas lições do passado, porque nada começa hoje, embora a História nunca se repita, salvo para os que a lêem de forma preguiçosa ou dogmática. Procure decifrar bem a "agenda" de quem cruzar pelo mundo, perceba as suas motivações profundas, sem se deixar enredar em teorias conspirativas, mas igualmente sem cair em perigosas ingenuidades. Não se acomode a supostas inevitabilidades, não receie dizer "não" quando entender que isso é importante, não use "langue de bois", chame as coisas pelo nomes e não se importe de ficar isolado, nem tenha a tentação de ser simpático em matérias de Estado. O interesse do país está sempre acima dos nossos humores.

Claro que você também sabe que, à sua volta, há adulações que vêm por aí, com os "yes men" e as "yes women" que lhe darão a "música" agradável aos seus ouvidos, que acharão "genial" a entrevista que você percebeu que saiu menos boa, que dirão "o máximo" do discurso que fizer, por mais banal que lhe tenha saído. Relativize sempre tudo isso.

Seja muito firme, não dando, logo desde o início, o mínimo espaço para a sobrevivência funcional de distâncias derivadas dos tempos da carreira de onde você é oriundo (e onde agora não está inserido, lembre-se sempre!). Corrigir o erro, depois, será muito mais difícil e penoso. Exerça em pleno a sua autoridade, porque, como escreveu Balladur num recente livro, "le pouvoir ne se partage pas".
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Alguns, de forma mais ou menos explícita, tentarão preservar fatias de decisão que se habituaram a gerir, quase a seu bel-prazer. Corte-lhes as "vazas" e, estabeleça, desde o primeiro segundo, sem tibiezas e ambiguidades, as suas novas regras. É que se o "pacote" de responsabilidades passa a ser seu, toda a decisão também lhe cabe a si, na gestão como na definição das políticas. E esteja também atento aos curto-circuitos hierárquicos, essa insidiosa forma de se sustentarem influências "por cima" de si, com "shortcuts" de oportunidade. Sei bem do que falo e você também sabe como, no passado, foram tratadas, com êxito e algum gozo, algumas derivas dessa índole.

Mantenha e frequente os amigos de sempre, comporte-se com eles com a naturalidade habitual. Eles podem ser-lhe muito úteis na "leitura" da realidade exterior de que, forçosamente, ficará um pouco mais distante. E aí estarão, ao virar da esquina, quando se esgotar a transitoriedade das funções que agora vai ocupar. Eles serão a sua eterna e insubstituível "almofada" afectiva.

Agora, um assumido conselho: não projecte a ideia de ser "o homem" de ninguém, o "remote controle" de outras instâncias, uma figura tutelada, actor secundário à espera das deixas de outros. Sem incorrer na mínima quebra de lealdade ou de disciplina face à orientação de quem tem legitimidade para lha dar, perceba que há um palco que agora é apenas seu: dirija a peça, oriente sem tibiezas os artistas - e alguns são mesmo uns "verdadeiros artistas".... É que, das palmas ou dos apupos que se vierem a ouvir, você está condenado a só poder partilhar as primeiras.

De igual modo, seja totalmente livre: evite a tentação de caminhar para a construção de um qualquer proselitismo, para a criação de "equipas" de fiéis em seu redor, esse viciado mundo, tão típico da profissão que vai co-tutelar, cuja cultura dominante se apoia em esferas de influência, em mini-nepotismos conjunturais, feitos de atribuição arbitrária de cargos e funções, a troco de lealdades com preço certo - nas promoções ou nas colocações seguintes. Ouça amigos próximos, mas decida sempre sozinho. Trate bem toda gente, mesmo os mais "sinistros", mas apenas enquanto assim o merecerem. Quanto tal não acontecer, passe então a tratá-los como realmente merecem, sem contemplações ou moratórias. O tempo das indecisões só joga contra si.

Ah! e não se esqueça: ria-se, divirta-se, mantenha um bom ambiente no trabalho e trate as coisas com a leveza que se justifica, sem perder o humor e a capacidade de exercer ironia. Até sobre si próprio. E, nunca por nunca, caia na tentação de dizer que está a fazer um sacrifício, um serviço pelo qual o Estado e o país lhe devem ficar reconhecidos. Você é que deve estar grato a Portugal por lhe ter dado a honrosa possibilidade de o servir.

Meu caro, como diria o Sérgio Godinho, "este é o primeiro dia do resto da sua vida". E só há uma, lembre-se! E porque esta vida são dois dias, aproveite bem as noites! Não esqueça a família, não lhe atafulhe os sofás com papéis cor-de-rosa, pela noite dentro: saia, jante fora, divirta-se, beba um copo, fale com amigos de outras coisas que não política, viaje e leia muito. Pode crer que o mundo não vai parar, só porque você insiste em ser uma pessoa normal.

Não lhe vou desejar felicidades profissionais e políticas, porque isso seria redundante com o que você sabe que eu penso. Desejo-lhe saúde, alegria, vontade e sorte. O resto - inteligência, honestidade, sabedoria, rigor e dedicação - você já tem.

E mando-lhe um forte abraço de amizade, esperando agora só o voltar rever, com calma e sem agenda, daqui a quatro anos, para então lhe dar conta dos meus ócios na reforma. Aproveite o tempo bem! O seu sucesso será o nosso.

Francisco

PS - Vou oferecer-lhe um clássico do Gerald Kaufman, com mais de duas décadas, intitulado "How to be a Minister". Esclareço, para leitores menos atentos, que, sendo um livro inglês, "minister" significa, entre nós, "secretário de Estado". "Bien entendu"...

sábado, outubro 31, 2009

Lince

O país ficou a saber que o lince regressa à Malcata. Quando já se pensava que o animal tinha desaparecido por completo, até porque se não ouvia falar dele há muito, o esforçado empenho dos protectores da espécie vai recolocá-lo de novo no único habitat onde foi gerado e ficou conhecido, dando-lhe uma nova oportunidade para reproduzir homólogos e espalhá-los no seu ambiente comunitário próprio. Fugidio, habituou quem escrutinava os seus passos com atenção à imagem de um animal palmilhador de montes e vales, só se dando bem entre os seus, que protege e ajuda a alimentar, num sentido gregário muito comum à espécie, reagindo quase sempre com grande desconfiança à aproximação de estranhos. De porte pequeno e ladino, mas sem as defesas de inteligência que caracterizam os animais de qualidade superior, fragilidade que quase levou à sua extinção entre nós, o nosso lince vai agora tentar reocupar os espaços da sua geografia tradicional, na luta eterna pela sobrevivência, a qual, no essencial, passa pela satisfação quotidiana das necessidades que lhe são próprias. O tempo já provou que o lince apenas consegue assegurar tal sobrevida dentro da área onde tradicionalmente se move, por lhe faltarem certas qualidades de agilidade e adaptação, em absoluto indispensáveis para vingar noutros terrenos. Mas porque, como o passado provou, o animal acarreta consigo algumas derivas predatórias, a que quem anda pelas suas zonas se verá forçado a estar atento, corre sempre o risco de vir a ser alvo de actos isolados de reacção cinegética, susceptíveis de porem em causa todo o esforço feito na sua recuperação. O regresso do lince à Malcata é, indiscutivelmente, uma significativa notícia do nosso mundo animal neste Outono.

Escritas

As horas que a vida me deixa livres são muito poucas para a leitura de blogues. Quando, durante um certo tempo, tive o meu período de "osceosidade" (estado de espírito só para iniciados, que não vem nos dicionários), passei muitas noites a saltitar pela blogosfera. Quem sabe se não é ainda a escondida memória desses tempos que hoje me afasta dos blogues? Apenas de quando em vez, passo, sem o menor critério, por um ou outro blogue, para o qual alguém me chama a atenção, sem rotina de consulta a "favoritos", que teimo em não registar, quase sempre levado por uma espécie de pesquisa arbórea, remetido de um sítio para outro e daí para outro ainda, até que me canso e recolho a penates.

Hoje calhou-me passar por um blogue de que já aqui falei, escrito "a sério", por quem sabe escrever - não este escrevinhar despretencioso e ligeiro, mas a solidez profunda de um texto literário.

Ler "As cidades em que vivo", escrito no seu "Tim Tim no Tibete" pelo embaixador e escritor (ou será o contrário?) Luis Filipe Castro Mendes, foi um bálsamo nesta tarde de sábado parisiense. E serviu, do mesmo modo, como recordação dos dias que ambos passámos juntos em Delhi e em Budapeste, das muitas horas em livrarias ou em charlas soltas à volta do copo de velha amizade, como também algumas vezes aconteceu, já há muito tempo, aqui por Paris e mais tarde por Viena. Nesse texto fala também do Rio, como podia falar de Luanda, cidades que partilhamos sentimentalmente, cada um à sua maneira, sem nunca por lá nos termos cruzado.

Leia-no e, garanto, ficarão eternos clientes. Como imagem, deixo o Ganesh, o deus dos escritores, como ele.

Moedas

A apresentação da política portuguesa de ajuda ao desenvolvimento estava a correr bastante bem, naquela reunião com homólogos, no final dos anos 80, numa capital europeia. O grupo técnico que eu integrava fazia, sector a sector, uma descrição, devidamente quantificada, da nossa política de cooperação. O "número" já tinha sido ensaiado em duas ocasiões, em língua inglesa, e estávamos agora a experimentá-lo, pela primeira vez, em francês.

Uma boa parte da reunião já tinha decorrido quando nos começamos a dar conta de alguma agitação do lado dos nossos interlocutores. Todos trocavam impressões entre si e, aparentemente, alguma coisa naquilo que estava a ser dito pelo nosso colega os impressionara. Mas, ouvindo-o, nada nos soava a estranho. Até um certo momento.

Com efeito, sou eu próprio que detecto que, num determinado ponto da sua apresentação, o meu colega se referia a um montante em "ecus" - na altura a moeda escritural que estava em voga na União Europeia e que equivalia, se bem me lembro, a cerca de 150 escudos portugueses, a nossa moeda da época. Confesso que estranhei: não era vulgar apresentar valores em "ecu", até porque a moeda quase "oficial" da ajuda ao desenvolvimento era o dólar americano.

Foi então que, num instante, realizei o que se estava a passar. O nosso colega estava a referir-se aos nossos escudos e, em lugar de referir o nome da nossa moeda em português, decidira "traduzi-la". Ora em francês, "escudo" é, de facto, "écu", mas apenas com o significado daquela arma de defesa antiga, redonda, para evitar golpes de espada.

A perturbação e a incredulidade da delegação interlocutora eram plenamente justificadas. Nas suas contas, a nossa ajuda pública ao desenvolvimento estava a ser multiplicada por ... 150 vezes! Somos um país generoso na nossa ajuda externa, mas há limites!

Saltei da cadeira e, com a delicadeza possível, interrompi a reunião e expliquei ao nosso colega o lapso que estava a cometer. Qual quê?! Desagradado, ficou furioso comigo e teimou que estava a traduzir bem o nome da nossa moeda. Só com a ajuda de um terceiro elemento da nossa delegação foi possível convencê-lo.

Hoje, as coisas seriam diferentes: as novas gerações de diplomatas raramente optam por falar francês e, com o euro, acaba por ser tudo muito mais fácil. Embora, talvez, com menos graça.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Sair & entrar

Há dias, num jantar aqui em Paris, veio à baila a origem da nossa expressão "sair à francesa", que também é usada noutros países europeus. Desde há muito que a liguei à ideia de alguém que, numa festa ou numa outra ocasião social, se escapule "sem dizer água-vai" (e aqui está outra expressão interessante, desta vez muito lisboeta) aos donos da casa. Por que razão isso aparece ligado aos franceses, sempre tidos por seguidores estritos de protocolo, não se sabe.

Isto leva alguns, mais simpáticos ou mais imaginativos, a irem para a justificação de que se trata de uma corruptela de "saída franca", isto é, saída livre de mercadorias, sem pagar impostos. A verdade é que a expressão é antiga entre nós. Nicolau Tolentino, o poeta satírico que morreu em 1811, escreveu: "Sairemos de improviso/despedidos à francesa". O que inviabiliza as versões que a ligam ao tempo das invasões napoleónicas.

Pelo sim pelo não, os franceses "passaram a bola" através da Mancha e criaram a expressão "filer à l'anglaise" (ver nota no fim), fórmula que já tenho visto utilizada num sentido não físico, por exemplo, designando uma escapatória numa conversa que se torna menos conveniente. Quem souber mais sobre isto que se levante por escrito.

Para que este post não pareça agressivo para o país que tão generosamente me acolhe no seu seio, para utilizar a fórmula do saudoso A.B. Kotter, aqui fica uma diplomática nota de tom auto-flagelatório: em Itália, "entrare alla portoghese" significa ter acesso a algo sem ser convidado ou sem pagar.

Só que, neste caso, e repercutindo outro clássico, parece que a História nos absolverá. Com efeito, a ideia terá ficado na memória italiana pelo facto de, aquando da famosa embaixada do rei dom Manuel I ao papa Leão X, os cidadãos portugueses que a integravam terem sido, por um gesto de hospitalidade local, isentos de pagamento para a frequência de locais públicos. Daí decorre, talvez, a generalização que passou a fazer-se. Mas, porque não tenho vocação para ser um "historiador à Saraiva", também não garanto, em absoluto, a consistência desta versão. A qual, como por lá também se diz, "se no e vera e bene trovata".

Em tempo: eu tinha escrito erradamente "sortir à l'anglaise". Um leitor atento esclareceu-me (leiam-no nos comentários)

quinta-feira, outubro 29, 2009

Livro raro

É um livro magnífico, este "livre d'artiste", como tive oportunidade de constatar na exposição que Cristina Isabel de Melo ontem promoveu ao final da tarde, no Atelier Florence Berger, para a sua apresentação em Paris. Existem apenas 20 exemplares deste livro - é verdade! -, numerados e assinados, cada um deles ilustrado com 16 fotografias em papel "Hahnemuhle Fine Art", para cuja consulta são indispensáveis luvas! As imagens são acompanhadas por poemas de Nuno Júdice, traduzidos por Cristina, que também é a "autora" da edição.

Cristina Isabel de Melo - artista plástica, poeta, tradutora e editora - vive em Pont-Aven, na Finisterra, e para se saber mais dela basta consultar aqui e aqui.

O poeta Nuno Júdice não necessita de apresentação, mas já há meses falei dele aqui e, não tendo podido estar presente neste lançamento, recebe um abraço meu por este meio.

Ben Barka

Faz hoje precisamente 44 anos que Ben Barka, líder democrático marroquino, foi raptado à porta da Brasserie Lipp, no boulevard St. Germain. Seria depois assassinado, num "affaire" sórdido, de contornos nunca totalmente bem definidos, que tem uma versão que é sintetizada aqui.

Almocei lá hoje com dois amigos, em jeito de memória.

Futurismo

Há semanas, passei pela casa onde Mário de Sá Carneiro se suicidou, em 1916, no nº 29 de rue Victor-Massé, aqui em Paris. O poeta de "A confissão de Lúcio" foi, porventura, um dos escritores portugueses que deixou mais referências sobre a sua estada em Paris, como recordaremos em breve neste blogue.

Hoje de manhã, na Sorbonne, na abertura do colóquio internacional "Le Futurisme et les Avant-Gardes au Portugal et au Brésil", Fernando Cabral Martins destacou a figura de Mário de Sá-Carneiro que, com Fernando Pessoa, criou, em 1915, a revista cultural "Orfeu".

É muito interessante esta iniciativa coordenada por Maria Graciete Besse, agregando diversas entidades dedicadas aos estudos portugueses e brasileiros que operam no ensino universitário parisiense. Ela "responde", de forma muito digna, ao esquecimento a que Portugal e o Brasil foram votados nas referências internacionais assinaladas na exposição internacional que foi organizada no ano passado pelo Centre Pompidou, ligada ao centenário do "manifesto" futurista de Marinetti, de 1909.

Saiba mais sobre este colóquio aqui.

Astérix (2)

É imperdível a referência que hoje o Google dedica a Astérix. Não resisti a reproduzi-la.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Negociação

Foi numa sala do Altis, em Março de 1976. Frente-a-frente, delegações de Portugal e de S. Tomé e Príncipe, país recém-independente. O tema era o chamado "contencioso financeiro" e, no caso específico, os arranjos necessários para garantir a transferência dos descontos para a segurança social feitos pelos funcionários públicos portugueses, durante os últimos meses do regime colonial, que se encontravam depositados no Banco central de S. Tomé.

As conversas estavam a decorrer bem, até que um zeloso membro da nossa delegação, que estava no uso da palavra, decide suscitar, sem conhecimento do secretário de Estado que a chefiava, o seguinte tema: haveria cerca de 800 contos de descontos feitos pelos agentes da Direcção Geral de Segurança (novo nome dado à PIDE), a polícia política do regime derrubado no 25 de Abril. Portugal pretendia que o Governo santomense entregasse esse dinheiro.

No cômputo geral do que estava em jogo, o montante era perfeitamente irrelevante e só um espírito "picuínhas" e burocrático, sem o menor sentido diplomático, teria tido a peregrina ideia de solicitar a respectiva restituição. Tecnicamente, o problema poderia ter algum sentido, mas, politicamente, era uma atitude completamente desastrada. E aquela era uma discussão política.

Antes que o chefe da delegação portuguesa pudesse aperceber-se da dimensão da patetice que acabara de ser dita pelo burocrata, o seu homólogo santomense levanta-se e afirma que, perante uma atitude deste teor, que considerava como ofensiva, o seu país abandona as conversações.

Ficámos todos em sobressalto. As relações com o novo governo santomense eram excelentes e um incidente destes era mais que escusado. A delegação de S. Tomé e Príncipe seguiu, naturalmente, o seu chefe, e levantou-se da mesa. Do lado português, ainda um pouco aturdidos, fizémos o mesmo.

Todos? Não! O governante português que dirigia a nossa delegação não só não se levantou como, para grande surpresa de quem o olhava como o salvador da situação, esperando que ele alcançasse rapidamente o seu homólogo santomense, que já abandonava a sala, e o convencesse a retomar o diálogo, foi-se "enterrando" na respectiva cadeira, com metade do corpo a deslizar mesmo sob a mesa das negociações.

O espectáculo era surreal e ninguém percebia o comportamento do nosso político - um homem de bem, que mais tarde iria ter uma carreira destacada no Portugal democrático. A sua cara denotava embaraço e, pouco a pouco, fomo-nos dando conta de que, afinal, procurava algo debaixo da mesa.

A explicação foi dada em segundos: o nosso governante havia tirado os sapatos durante a reunião de trabalho. Com os momentos precipitados que tinham acabado de suceder, e ao procurar calçá-los, terá acabado por lhes dar um pontapé e enviado ainda para mais longe, pelo que toda a sua estranha coreografia não representava senão o seu denodado esforço para se calçar, antes de ir tentar uma "démarche" diplomática. De facto, em peúgas, seria um pouco estranho estar a promover um diálogo político...

Tudo acabou em bem, os sapatos apareceram, os santomenses regressaram à mesa negocial e lá descalçámos mais essa bota...

Astérix

Um leitor atento queixou-se do "lapso imperdoável" de não ter referido ainda neste blogue a comemoração dos 50 anos da divertida série de banda desenhada Astérix, criada por Uderzo e Goscinny. E lembrou-me o facto de por aqui já ter falado de Corto Maltese, Lucky Luck, Tintin, Mafalda e Blake & Mortimer.

De facto, Astérix merece ser citado, embora a comemoração seja só amanhã. Fica feita a rectificação e, se me permitem, ilustro-a com a figura de Obelix, essa generosa personagem cuja dimensão física melhor passei a entender desde que por aqui vivo, em especial depois de conhecer a excepcional gastronomia destas terras da Gália - já não feita apenas de "sangliers".

terça-feira, outubro 27, 2009

Estudantes

A foto tem a qualidade própria de um telemóvel, mas achei que, apesar de tudo, valia a pena inseri-la como demonstrativa da "subversão" por que passou ontem a Embaixada de Portugal em Paris, com a invasão pacífica de dezenas de jovens portugueses e luso-descendentes - do ensino primário ao superior.

Mais de duzentas pessoas, que incluíram familiares e professores, estiveram presentes numa sessão de distribuição de bolsas a estudantes com dificuldades económicas e de prémios de estímulo à aprendizagem do português. Esta é uma iniciativa da Embaixada, com a preciosa ajuda de empresas nacionais que operam em França - Banco BCP, Banco Espírito Santo et de la Venétie, Caixa Geral de Depósitos, Fidelidade e Inapa.

Esta foi uma excelente demonstração do sentido de responsabilidade social de empresas que sabem interpretar a palavra solidariedade.

Lisboa

Lisboa é uma das mais belas cidades da Europa e o seu prestígio como destino turístico tem vindo a afirmar-se. Mas nem todos "dizem bem" de Lisboa: a diabolização de Tratado que tem o seu nome - na Irlanda como na República Checa, bem como em diversos outros meios eurocépticos europeus - trouxe Lisboa por paredes e por cartazes, e não por boas razões.

Depois de ter dado o nome à famosa "Estratégia de Lisboa", um prestigiante projecto para lançar a competitividade europeia à escala global, a capital portuguesa ficará agora associada ao destino do novo tratado europeu - dada a previsível dificuldade de gerar, por muitos e bons anos, um diferente consenso institucional entre os Estados membros.

Esperemos que um bom funcionamento da União Europeia, à luz do novo tratado, possa ajudar a garantir que Lisboa permanece com "bom nome" na memória colectiva da Europa.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Música na Embaixada

Chama-se Quarteto Sofia Ribeiro & Gui Divignau. Sofia canta e compõe, Gui toca contrabaixo, compõe e dirige musicalmente o grupo, de que também fazem parte Leonardo Montana, ao piano, e Mathieu Gramoli, na bateria. O português é uma língua que lhes é comum, porque se cruzaram por terras e músicas por onde passa a sonoridade bem diversa que elegeram como sua forma de expressão.

Mais de uma centena de pessoas esteve a ouvi-los, com manifesto agrado, na noite de ontem, na Embaixada. Do jazz ao fado, da bossa nova a Zeca Afonso, eles deram vida a mais um programa "Entre-pautas/Entre-partitions", organizado pela delegação do Instituto Camões em Paris.

Uma nota: se quiser ouvir Sofia Ribeiro, procure os seus discos "Dança da Solidão" (2006) e "Orik" (2008). É o que eu vou fazer.

Iraque

Mais de 155 mortos e largas centenas de feridos, na sequência de atentados em Bagdad, no Iraque, no domingo, dão bem a medida da tragédia que continua a marcar o quotidiano deste país.

Desde a invasão, em 2003, o número de mortos por causas violentas é muito discutido, mas em nenhuma das estimativas é inferior a 100 mil mortos. Vários estudos chegam a multiplicar este número por quatro ou mais.

Estas são as verdadeiras "armas de destruição maciça". Afinal, encontraram-nas.

Geografia

Numa sessão da Sociedade de Geografia francesa, durante a qual hoje falei dos "desafios" do Portugal contemporâneo, foi-me muito interessante verificar o generalizado fascínio dos respectivos membros pelo belíssimo (e muito pouco conhecido) edifício da nossa própria Sociedade de Geografia (na foto), em Lisboa. E soube bem notar o respeito e prestígio que mantém em França essa grande figura da ciência portuguesa que foi Orlando Ribeiro.

Há um Portugal, talvez ainda não suficientemente conhecido dos portugueses, que muitos estrangeiros já descobriram.

domingo, outubro 25, 2009

Líquidos

Ontem à noite, fui levar casa um amigo que habita na Rue des Eaux, aqui em Paris. A ironia maior é que ao fundo dessa mesma rua fica o Musée du Vin.

Isto fez-me lembrar a frase do José Cardoso Pires, no seu "Lisboa, livro de bordo", quando se referia ao aquífero chafariz que, em Lisboa, existe à porta do bar Procópio: "Um chafariz à porta de um bar é cá uma saudação que enternece o maior malvado".

Nova América

"Só no dia 28 de Junho deste ano é que tomei bem consciência de como as coisas haviam mudado nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina: liguei a televisão e vi que os Estados Unidos estavam a vencer o Brasil em futebol. Nesse mesmo dia, nas Honduras, tinha havido um golpe de Estado e o meu país não tinha nada a ver com isso!".

Este é um comentário, irónico e verídico, feito por um responsável político da administração Obama.

Pedras ainda virtuais

"Vidago e Pedras Salgadas abrem em 2010", titulou na passada semana o "Expresso", com base em declarações da direcção da UNICER. O calendário é "definitivo".

O caso de Vidago não é para aqui chamado, embora só nos possamos felicitar pelo êxito daquela bela estância termal. Mas, por razões que já deixei explicadas, o que nos interessa é o caso da Pedras Salgadas (e os leitores deste blogue atentos a esta "novela" podem visitar os anteriores posts - aqui, aqui, aqui e aqui), uma vila em progressiva decadência, muito em especial devido ao fecho do respectivo parque termal, numa decisão unilateral da UNICER, em aberto incumprimento com o calendário a que se tinha comprometido.

Note-se então no que se diz no artigo do "Expresso", pela pena da jornalista Conceição Antunes, sobre as Pedras Salgadas:

- "Em Pedras Salgadas abriu este mês o Spa termal já renovado, mas só por um período experimental. A abertura oficial está agendada para Maio de 2010, altura em que será anunciado o projecto definitivo para o hotel de Pedras Salgadas, cujas obras irão arrancar em 2011".

- "Há muito que se anunciava a reabertura dos parques de Vidago e das Pedras Salgadas, cujos atrasos têm dado origem a protestos das populações".

- Presidente da UNICER em discurso directo: "Houve atrasos, porque o calendário inicial era impossível de cumprir. Obrigava a fazer a reconstrução dos parques em ano e meio" (Confesso que estranho, mas registo, esta confissão de irresponsabilidade por parte da empresa. Se era impossível de cumprir, por que razão a empresa assinou o contrato?).

- Presidente da UNICER: "Esta administração da UNICER teve de refazer não só o calendário mas toda a orçamentação, e para um investimento muitíssimo superior" (Trata-se de uma acusação pública de incompetência à anterior administração, presidida pelo Engº Ferreira de Oliveira. Teria talvez sido interessante o jornal ouvi-lo a este propósito).

- Presidente da UNICER: "Compreendo a impaciência da população, sobretudo de Pedras Salgadas, que há três anos não pode utilizar o parque termal. E posso garantir que o hotel vai ser uma realidade".

Basta cotejar a primeira nota e estas últimas palavras do presidente da empresa com o que ficou registado em anteriores declarações da UNICER para ter bem claro que muita coisa mudou, no prazo de pouco mais de um mês, no discurso da empresa. Terá isso alguma coisa a ver com a movimentação entretanto feita pela população das Pedras Salgadas? Cada um que tire as conclusões que bem entender.

Já agora, uma nota de apoio cultural ao presidente da UNICER: Vidago é, de facto, um parque romântico, mas não é "ligado ao surrealismo"! Surrealista é a situação que as populações das Pedras Salgadas têm vivido nos últimos anos, graças ao inacreditável comportamento da UNICER. Será talvez esse embaraço a razão do artístico lapso...

Ponderado tudo isto, pode-se concluir que a população das Pedras Salgadas continua a ter no horizonte, por ora, apenas um "hotel virtual", cujas obras a UNICER promete que irão arrancar em 2011 (para terminarem quando?) e cujo projecto definitivo será anunciado em Maio de 2010.

Atento o cadastro de promessas não cumpridas por parte da UNICER, todas as dúvidas sobre o seu comportamento futuro são, no mínimo, legítimas. Mas cá estaremos para ver se "esta administração" da UNICER cumpre, com rigor, o calendário que anunciou e a que agora se comprometeu publicamente.

Até lá, porém, urge saber se todo este imenso atraso é, ou não, compatível com os anteriores compromissos assumidos e se a AICEP considera que este flagrante incumprimento não obriga à assunção de compensações financeiras. É o que vai ser perguntado formalmente à AICEP, esperando poder contar com uma atenção do "Expresso" para as cenas dos próximos capítulos. É que estamos certos que o facto de não sermos fortes anunciantes nas páginas do jornal, como é o caso da UNICER, não limitará o seu interesse na auscultação de quem se contrapõe à posição da empresa incumpridora.

Estou também certo que estas questões serão acompanhadas com a maior atenção, agora sem dimensões de luta interpartidária a poluir a sua indiscutível dimensão cívica, pelos responsáveis eleitos, a nível local e distrital. E também pelos sectores relevantes do novo Governo, em cujo âmbito de competências o dossiê evoluirá.

Este é um tempo novo nesta questão, que agora vai começar. A seu tempo, haverá novidades...

Termino este post com uma saudação muito sincera de admiração pelo empenhamento do "movimento cívico" que, nas Pedras Salgadas, tem cuidado em manter esta questão viva, para evitar que a vila morra.

sábado, outubro 24, 2009

Aristides Sousa Mendes

Chamam-se Academias do Bacalhau e reunem, em torno de refeições cuja base gastronómica é óbvia, cidadãos das comunidades portuguesas no exterior. Começaram há mais de 40 anos na África do Sul, são hoje mais de meia centena em cinco continentes e têm como objectivo fomentar o convívio entre os associados, sublinhar os valores da cultura portuguesa e levar a cabo acções de solidariedade.

Na presença de descendentes, a figura de Aristides Sousa Mendes - o cônsul perseguido pelo regime salazarista, por ter decidido conceder vistos a refugiados estrangeiros - foi ontem homenageada numa sessão da Academia de Bacalhau de Paris, a que estive presente, em Drancy, no arredores de Paris.

O local não foi casual: em Drancy existiu, durante a Segunda Guerra Mundial, um campo onde as forças de ocupação alemã concentravam pessoas que eram posteriormente deportadas para campos de concentração.

sexta-feira, outubro 23, 2009

TV na Internet

Foi ontem à noite que o grupo Lusopress lançou, aqui em Paris, o seu canal de televisão na internet. É uma inovação* na comunicação social das comunidades portuguesas, com a vantagem de ter uma acessibilidade garantida a nível mundial, o que pode proporcionar um intercâmbio interessante com outros núcleos de portugueses espalhados pelo mundo.

Veja o novo site aqui.

*Em tempo: a acreditar num deselegante comentário que se publica, já existirão outros sistemas idênticos. O que ainda falta é boa educação...

quinta-feira, outubro 22, 2009

Agradecimento

A Nossa Candeia concedeu a este blogue uma distinção - "Your Blog is just perfect to learn something every day"- que muito agradecemos.

Solana

Javier Solana define-se a si próprio como um "optimista profissional". Só pode, como se diz no Brasil! Com uma Europa que, entre si, se divide sobre as relações com a Rússia, sobre o (eufemisticamente chamado) "processo de paz" no Médio Oriente, sobre a reforma do Conselho de Segurança, sobre a representação europeia no G20 e nas instituições de Bretton Woods, sobre a adesão da Turquia, sobre a amplitude de revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear - para apenas mencionar alguns dos muitos pontos de divergência intra-europeia - o chefe da diplomacia da UE faz um esforço notável para mostrar uma cara alegre.

Hoje de manhã, aqui em Paris, Solana respondeu, durante quase duas horas, a questões colocados por um auditório reunido em torno do Institute for Security Studies, dirigido por Álvaro de Vasconcelos. Com transparência e frontalidade, embora sempre com o tal oficioso "optimismo", o chefe da diplomacia europeia abordou os múltiplos desafios externos com que a União está confrontada.

De todas as intervenções, transpareceu a ideia de que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa é um passo muito positivo no sentido do reforço da coerência da acção externa da União Europeia. Mas igualmente ficou claro que permanecem muitas interrogações sobre o modo como será possível compatibilizar o papel futuro do conjunto de "figuras" que o novo Tratado colocará no terreno, nomeadamente no tocante à respectiva visibilidade em nome da União. E que é na sábia escolha de algumas dessas personalidades que reside a chave do sucesso para uma futura representação externa - unificada e eficaz.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Malas

Há dias, ao transportar uma mala através de uma praça da província francesa, do hotel fronteiro para a estação do caminho de ferro, dei comigo a reflectir numa sábia recomendação que recebi de um antigo embaixador, já há umas dezenas de anos.

Falávamos precisamente da França, das suas belas estações ferroviárias e do prazer de viajar de comboio, que nos era comum. Foi então que o embaixador me comentou: "Você reparará que há quase sempre uns hotéis situados em frente às estações, algumas vezes colados a elas, em França com o nome frequente de "Hotel de la Gare". Siga o meu conselho: nunca se instale num desses hotéis!".

Intrigado, perguntei: "Porquê? Por causa do ruído dos comboios? Têm fraca qualidade?".

"Não, nada disso, homem!", responde-me o embaixador. "O problema é outro: são sempre demasiado longe para se carregar as malas e demasiado perto para se poder alugar um taxi!".

Os hotéis "de la Gare" já passaram um pouco de moda, as malas agora já têm rodas, o que infirma um pouco o raciocínio da época, mas, mesmo assim, com o tempo a pesar-me, cada vez tendo a dar mais razão ao meu velho embaixador.

Saudades do Meireles

Uma patética tragédia na eleição autárquica em Mondim de Basto em 2009, fez-me recordar que, em Outubro de 1969, precisamente 40 anos antes, fomos por lá fazer campanha eleitoral pela Oposição Democrática contra o Estado Novo.

Como já aqui foi referido, as listas eleitorais, ao contrário do que hoje sucede, eram então impressas sob responsabilidade das forças políticas promotoras (aliás, só havia duas: a "Situação" e a "Oposição"...) e entregues pelo correio ou directamente aos eleitores, neste caso num porta-a-porta mais seguro, mas nem sempre fácil.

Numa reunião da Comissão Democrática Eleitoral de Vila Real, dirigida por essa figura, para mim inesquecível, que foi o médico Otílio de Figueiredo, e que congregava o escasso número de quantos, no distrito, abertamente se dispunham aos riscos de enfrentar o regime, demo-nos conta que o concelho de Mondim de Basto era o único onde não dispúnhamos de nenhum contacto.

Na discussão sobre o assunto, ao ser constatada esta lacuna, o Carvalho Araújo protestou: "Ora essa! Temos lá o Meireles! Já fez connosco o Norton e o Delgado. O Meireles é fixíssimo". (Um parêntesis para dizer que o nome "Meireles" me ficou na memória, mas posso estar enganado. Porém, para o que aqui importa, é irrelevante).

Convém esclarecer que o Carvalho Araújo era um homem já idoso, feroz republicano, que havia sido demitido da função pública nos anos 30, por actividades anti-regime. Tinha sempre um semblante grave e fechado, tratando-nos a nós, os mais novos que andávamos envolvidos na acção política da Oposição, com visível distância e até alguma desconfiança. Na verdade, não tínhamos andado com "o Norton" ou com "o Delgado": as eleições em que Norton de Matos havia sido candidato presidencial tinham tido lugar em 1949 (eu tinha nascido no ano anterior, o que, como se compreenderá, condicionou muito a minha participação na respectiva campanha...) e a idêntica aventura de Humberto Delgado fora em 1958 (altura em que as minhas prioridades se centravam na admissão ao liceu...). Porém, se o Carvalho Araújo, democrata experimentado, assegurava o apoio do tal Meireles, era uma oportunidade que havia que aproveitar.

Assim, no dia seguinte, com a mala de um carro (creio que era um NSU do Délio Machado) cheia de envelopes já endereçados com boletins de voto, lá avançámos nós para Mondim. Aí chegados, com o Carvalho Araújo no comando das operações, fomos à procura do Meireles. Tarefa que se revelou menos viável, porque o Meireles havia falecido... já há sete anos!

Quando pensávamos que o Carvalho Araújo se ia deixar abater pela dura realidade, ele renasce: "Não há problema! Vamos à farmácia!". Olhámo-nos intrigados: "À farmácia? Para quê?". O Carvalho Araújo lança-nos, condescendente, a sociológica revelação: "Meus amigos, os farmacêuticos são sempre gente com espírito liberal, as farmácias são espaços de tertúlia, confiem em mim!". Verdade seja que as alternativas eram poucas e tínhamos necessidade de "despachar" as centenas de boletins de voto (os inscritos de então não eram muitos) que levávamos connosco.

O nosso homem tomou conta das operações, foi falar com o responsável da única farmácia local e, impante, regressou com o anúncio: "Eu não lhes dizia?! É um democrata, fica com os boletins de voto e encarrega-se de distribuí-los". Ficámos banzados! E a nossa admiração pelo sentido estratégico do Carvalho Araújo cresceu, de modo exponencial.

Semanas mais tarde, quando o nosso saldo eleitoral em Mondim de Basto se computou no magérrimo resultado de escassas dezenas de votos, o pior em todo o distrito de Vila Real, creio que tivemos a piedade de não comentar com o Carvalho Araújo a eficácia da sua "operação farmácia". E, mesmo sem o termos conhecido, sentimos fortes saudades do Meireles.

terça-feira, outubro 20, 2009

Aliados

A literatura lusófona tem, em França, um aliado seguro: as Editions Métailié. Há 30 anos que as letras do Brasil começaram a merecer a sua atenção e há 25 anos que os autores portugueses aí começaram a ser acolhidos.

(Devo confessar, em jeito de nota à margem, que cada vez sinto uma tentação para trabalhar na promoção da língua portuguesa através do conceito da lusofonia, sem com isso descurar a minha obrigação primeira de tratar do que é especificamente português.)

Hoje, ao final da tarde, na Gulbenkian de Paris ("where else?", diria George Clooney), a fundadora e directora da editora, Anne Marie Métailié, lado-a-lado com alguém que por aqui é um "embaixador" constante e teimoso do Portugal cultural, Pierre Léglise-Costa, falaram desses já longos anos de bom trabalho. Por aí estiveram também, em mesa-redonda, escritores como Lídia Jorge, José Eduardo Agualusa e Pedro Rosa Mendes - sendo este último o novo delegado da Agência Lusa em França, um "luxo" jornalístico-cultural de que poucos países se podem gabar.

Léglise-Costa é responsável na Métailié pela "Bibliothèque Portugaise", onde também já foram publicadas obras de escritores como Vergílio Ferreira, José Régio, Jorge de Sena, Mário Cláudio, Maria Gabriela Llansol, Eduardo Lourenço ou Agustina Bessa Luís.

O debate foi muito interessante, com Pedro Rosa Mendes a falar, entre outras coisas, do destino complexo da língua portuguesa em Timor-Leste, com Lídia Jorge a defender a importância da narrativa na literatura e com Agualusa a chamar ao português "uma língua com afeição a diversas geografias".

Portugal e Brasil

Depois do triste "affaire" Maitê Proença, talvez valha a pena lembrar que há quem, no Brasil, tenha uma visão bem mais interessante - e incomensuravelmente mais culta! - daquilo que liga os dois países.

É claro que não me dá jeito nenhum aceitar o amável convite que recebi para ir ao Leblon na próxima semana, mas este livro de Ângela Dutra de Menezes, agora em nova edição, é um excelente exemplo de como a realidade portuguesa pode ser lida de outra forma, bem mais carinhosa e elaborada, embora sem necessitar de ser pesada, e por mais provocatório que o título possa parecer à "sensibilidade" de alguns ouvidos portugueses.

segunda-feira, outubro 19, 2009

Boaventura

Hoje, apetece-me contar uma historieta da minha terra, de Vila Real, que ouvia ao meu pai.

Na minha adolescência, vivia na cidade uma figura de porte imponente, sempre bem vestida e com um chapéu cinzento, que parecia apenas pousado no alto da sua cabeça, que dava pelo nome de Boaventura. Ao que se sabia, o senhor Boaventura vivia dos rendimentos de anteriores actividades comerciais no Brasil, que lhe garantiam a prosperidade que transparecia no seu quotidiano. Homem sociável, bem disposto e de trato agradável, parava pelos finais de tarde na Relojoaria Salgueiro, na "rua central", local para conversas soltas, sem agenda, entre amigos.

Estava-se nos anos 60, algumas crises sacudiam então o país, tentativas de golpes políticos tinham sido abafadas, ideias "avançadas" (como à época se qualificavam as ideias de esquerda) iam fazendo o seu clandestino caminho, Portugal dava ares de estar já cansado de "viver habitualmente", como o doutor Salazar desejaria.

Num desses fins de tarde de charlas, um dos amigos do senhor Boaventura não resiste, e lança-lhe, irónico e ousado: "Ó Boaventura, você tem de se 'pôr a pau', homem! Isto está a aquecer, um destes dias o comunismo vem 'por aí acima' e o meu amigo, que não faz nada na vida, vai ter que começar a trabalhar".

O Boaventura não se desmancha e responde: "Pode ser que sim. Mas uma coisa é certa: quarenta anos de boa vida já ninguém me tira!".

Contei hoje esta historieta a Lídia Jorge, à hora do almoço. O comentário dela foi de que não era por acaso que o nosso homem se chamava Boaventura...

domingo, outubro 18, 2009

Lourdes Castro

Se estiver ou for a Paris, não deixe de visitar, no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, a imaginativa exposição de Lourdes de Castro, intitulada "Grand Herbier d'Ombres", projecções em papel de plantas da Madeira, feitas em 1972.

A abertura foi no dia 13 de Outubro e o entusiasmo de Lourdes Castro contagiou quem com ela viveu esses momentos, em que recordou os tempos dos anos 50 em que veio para Paris e, com outros artistas portugueses, por aqui passou tempos que viriam a revelar-se marcantes para a história da arte contemporânea nacional.

A agenda de realizações da Gulbenkian, em Paris, sob a direcção atenta de João Pedro Garcia, constitui um contributo inestimável para a projecção da nossa cultura na capital francesa, conseguindo, com maestria, aliar temáticas cada vez mais diversas.

A Fundação Calouste Gulbenkian não necessita de nenhum reconhecimento do Estado português. Precisamente por isso, e como diplomata português, sinto-me livre para expressar a grande admiração que tenho pelo seu trabalho e a avaliação que faço de quanto Portugal lhe deve no seu prestígio externo.

Estrasburgo (3) - Português

Os meses que levo de funções em França ensinaram-me que a questão do ensino da língua portuguesa é uma realidade muito complexa, com uma variedade de situações que aconselham uma abordagem diferenciada.

Desta vez, analisei longamente, com diversos responsáveis da Universidade de Estrasburgo, bem como com docentes portugueses que aí operam, a importância de podermos caminhar para modelos de maior identificação da língua portuguesa no quadro do respectivo processo de ensino e formação. Portugal está disposto a conceder meios acrescidos para tal fim, desde que seja possível consensualizar novos formatos académicos, susceptíveis de abrirem as portas a uma frequência acrescida de alunos.

Neste domínio, há uma realidade e um mito que importa referir.

A realidade é que a promoção do português no plano internacional não deve ser vista, nos dias de hoje, como uma responsabilidade exclusiva de Portugal. Todos os países que se exprimem oficialmente em português têm hoje consciência que a difusão e o prestígio da sua língua comum são elementos constitutivos da sua própria relevância no quadro global. Por essa razão, Estados como o Brasil e Angola, com recursos capazes de poderem auxiliar a uma expansão da língua que nos é comum, estão hoje ao nosso lado numa luta que, no passado, parecia uma responsabilidade única de Lisboa. Com isso, ganhamos todos e ganha cada um.

O mito é a ideia de que o interesse em promover o ensino da língua portuguesa em França tem a ver, exclusivamente, com a vontade estratégica de Portugal de aculturar as novas gerações de luso-descendentes no cultivo da mesma língua. Quem assim pensa, esquece a importância crescente para a própria França de ter gente preparada para actuar em português, por exemplo, em mercados da importância do Brasil ou de Angola. E põe de lado, do mesmo modo, a consideração do interesse de um país como a França em sublinhar e promover a riqueza que constitui a sua própria diversidade interna, ao serviço de uma agenda de influência global. Daí que a continuidade das emissões em língua portuguesa na Radio France Internationale me parece que faz parte do quadro de interesses específicos da própria França.

Vamos ter muito que falar sobre a língua portuguesa em França.

Estrasburgo (2) - Europa

A racionalidade económica da manutenção de Estrasburgo como sede das instituições europeias é, muitas vezes, posta em causa e tida como um reflexo de uma velha teimosia francesa. Mas Estrasburgo é muito mais do que uma das sedes dos Parlamento Europeu, do que o local onde funcionam o Conselho da Europa ou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A capital da Alsácia, encostada à Alemanha, palco de históricas tragédias, é, em si mesma, a verdadeira representação daquilo que é a própria Europa.

No passado sábado, fiz parte de um painel de um colóquio, na majestosa "Salle de l'Aubette", da "Mairie" da cidade, sob o tema "De Nice a Lisboa - que futuro para a Europa?". Impressionou-me ver reunida e mobilizada uma audiência de mais de uma centena de pessoas para, durante hora e meia, ouvir e participar activamente, numa discussão franca e aprofundada, sobre as grandes temáticas europeias. A juventude do auditório e a vitalidade das suas contribuições foram para mim a prova provada de que o centro da Europa passa, definitivamente, por Estrasburgo.

Estrasburgo (1) - Elsau

Elsau é uma zona periférica de Estrasburgo, com sérios problemas sociais, enfrentados com coragem e capacidade de liderança por Eric Elkouby, um responsável político da "Mairie" da cidade. Questões étnicas, forte desemprego e outras tensões marcam o quotidiano complexo desse sector da cidade, que foi, curiosamente, o primeiro ponto de fixação dos portugueses, nos anos 70.

Hoje, os portugueses representam aí um importante factor de promoção da estabilidade, como me sublinhou, com entusiasmo, o deputado Armand Jung, uma das figuras mais activas do grupo parlamentar de amizade França-Portugal, na Assembleia Nacional francesa. Com efeito, a "Association Sportive de Strasbourg Elsau Portugais", dirigida por Alfredo da Fonseca, está hoje no centro de um magnífico projecto de integração, louvado por todas as comunidades, e que se constituiu um aliado essencial das iniciativas que procuram recuperar o tecido social daquela área da cidade.

É muito agradável para um responsável diplomático português ouvir, das autoridades francesas, rasgados elogios à contribuição dos nossos compatriotas para as soluções de integração de outras comunidades. Melhor prova não pode haver de que os portugueses são, já hoje, parte da solução para as questões inter-étnicas com que a França se debate. Da mesma forma que, em nenhum momento do seu passado em terras francesas, constituíram parte dos problemas que emergiram nesse terreno - nunca é demais lembrá-lo.

O francês

O óbvio declínio do estatuto da língua francesa no mundo é algo que, com grande frequência, tenho sentido como uma preocupação entre amigos franceses. E que é igualmente um motivo de tristeza para quantos, entre os portugueses da minha geração, se habituaram a ter o francês como a primeira língua estrangeira de cultura. Mas a vida é o que é e até os franceses têm hoje de se resignar com a prevalência do "soft imperialism" da língua inglesa.
Há duas semanas, o papel global relativo do português e do francês esteve em debate em Paris, durante um dia, numa iniciativa realizada na Maison de l'Europe, sob o impulso das delegações da Comissão Europeia em Lisboa e em Paris. Figuras interessadas de ambos os países animaram um debate onde se juntaram perspectivas bastante realistas com outras que, pelo menos no breve período a que pude assistir, relevavam muito de uma visão marcada apenas por um simpático voluntarismo sem visão prospectiva sólida. De qualquer forma, esta é uma temática que há vantagem em tentarmos continuar a seguir e a aprofundar, porque, em ambos os casos, tem muito a ver com questões culturais identitárias que se interligam e a que nos importa estar atentos.
A este respeito, descobri hoje na internet um texto de Guy Sorman, um autor francês. (Não conheço muito de Sorman. Por um mero acaso, comprei, há menos de um ano, numa livraria de Buenos Aires, uma sua obra, curiosamente em "contra-corrente" às ideologias do quotidiano mediático, intitulada, na versão argentina que tenho, "La economía no miente", onde se releva a importância dos mercados em tempos de crise). Sorman escreve agora, de Lisboa, um texto sobre a questão do francês no mundo, onde refere o estatuto de que hoje essa língua dispõe em Portugal.

No artigo, o autor nota, de passagem, que "le Portugal déteste se percevoir en petite nation". É uma nota curiosa, mas talvez Guy Sorman, com o tempo, venha a entender melhor que essa reacção se deve apenas à circunstância de, de facto, não sermos uma pequena nação - também por razões de natureza cultural e estratégica que não faria mal serem reflectidas pela própria França.
Leia o texto de Guy Sorman aqui.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Europa

Com apresentação e comentários, de grande profundidade, da responsabilidade de Eduardo Lourenço, Marcelo Rebelo de Sousa falou, na passada terça-feira, no Centro Cultural da Fundação Gulbenkian em Paris, sobre "A Europa depois da crise".

Esta excelente série de conferências sobre a temática europeia, que foi iniciada com Jorge Sampaio e Jacques Delors, constitui um importante contributo dado por Portugal, para auditórios franceses, na reflexão sobre os destinos do continente.

Marcelo Rebelo de Sousa esteve igual a si próprio: inteligente e perspicaz, académico e inventivo, polémico e prospectivo. Entre outras coisas interessantes que disse, para além de notas históricas que deixou das suas andanças no PPE, ao tempo que era líder do PSD, explicou, em detalhe, a sua leitura da opção europeia por Durão Barroso, em 2004.

Para o professor, o tipo de lideranças de Jacques Santer e de Romano Prodi já haviam tido lugar precisamente porque os líderes europeus se haviam assustado com a "força" de Jacques Delors. Quase só faltou que Marcelo Rebelo de Sousa citasse Steinbroken: Delors era "fort, excessivement fort!".

quinta-feira, outubro 15, 2009

Álvaro Guerra


Ontem à tarde, ao chegar a Estrasburgo, tive saudades do Álvaro Guerra.

Senti falta das nossas conversas depois dos opíparos jantares que a Helena por aqui preparava, quando ele era embaixador junto do Conselho de Europa. Gostava das nossas eternas discussões sobre os touros, vício vilafranquense que eu combatia com argumentos ideológicos, com ele a atirar-me à cara com o Hemingway. Um dia, ofereceu-me um livro de Jean Cocteau para me convencer da bondade natural da "fiesta".

O Álvaro era um homem com uma serenidade bem disposta, que tinha prazer genuíno em partilhar connosco leituras feitas, que nos ajudava a procurar na magnífica imensidão da Kléber. Nunca concretizámos uma viagem várias vezes planeada pela "route des vins", durante a qual me prometia que eu iria conhecer néctares que iam ser a alegria cimeira dos meus triglicéridos.

Teve uma vida cheia, do jornalismo à literatura, da política à diplomacia. Foi uma figura maior da intelectualidade portuguesa, que é importante não esquecer e dar a conhecer às novas gerações. Para o ano, na comemoração do centenário do estertor da chefia hereditária do Estado em Portugal, convirá relermos o seu "Café República".

Votações diplomáticas

A pretexto da despedida oficial de um amigo comum, tive a jantar na residência a nova directora-geral da UNESCO, a bulgara Irina Bukova.

Irina é uma amiga pessoal de há quase 15 anos. Foi secretária de Estado dos Assuntos Europeus e ministra dos Negócios Estrangeiros do seu país e era, até há pouco, embaixadora da Bulgária em França. Temo-nos encontrado frequentemente pelo mundo e, a título pessoal, fiquei muito satisfeito pelo facto dela ter ascendido ao posto mais elevado desta agência especializada da ONU.

Irina Bukova sabe e entende que Portugal não pôde votar na sua candidatura, por ter anteriores compromissos assumidos que relevavam de outros equilíbrios que não interessa aqui analisar, até porque se trata de temas fora da minha área de competência. E ela sabe, em especial, que Portugal é um país que honra sempre, com o maior rigor, os compromissos que assume no plano internacional - que um voto comprometido é, pela nossa parte, um voto garantido. Não são muitos os Estados que têm esta imagem na vida multilateral. Nós têmo-la, tal como temos a obrigação de mantê-la. Por isso, não obstante alguma polémica que envolveu, mesmo entre nós, o processo da eleição do novo director-geral da UNESCO, Portugal procedeu de forma perfeitamente consonante com os compromissos que, em tempo oportuno, havia assumido.

Na minha conversa com Irina Bukova, ao referirmos o facto de quase metade dos países membros da UNESCO não terem votado nela, recordei-lhe uma lição que recebi de Jaime Gama, no termo da nossa eleição, em 1996, para o Conselho de Segurança da ONU. Na altura, eu manifestava-me abertamente desagradado e disposto a tirar algumas consequências futuras do facto de alguns dos nossos aliados tradicionais nos terem abandonado, num momento em que necessitavamos deles, o que, contudo, não impediu a nossa vitória. Gama foi mais ponderado e recomendou-me que rectificasse a minha atitude: "Não se constrói uma política externa com base em ressentimentos". Tinha toda a razão.

Estou certo que a inteligência, simpatia e sentido de compromisso de Irina Bukova a farão caminhar no sentido da união de todos os países que compõem a UNESCO. E nós estaremos, ao seu lado, para a ajudar a dar vitalidade a uma organização a cuja actividade atribuímos a maior importância.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Palhaçadas

Nos últimos dias, a internet foi inundada por um vídeo no qual a actriz brasileira Maitê Proença revela ideias fortemente preconceituosas em relação aos portugueses. Trata-se de graçolas de quem, finalmente, tornou clara uma lusofobia que, com inegável sucesso, há anos que vinha a disfarçar bastante bem. Entretanto, fez já um acto de contrição, porque, afinal, o mercado português sempre lhe dá regular jeito à conta bancária.

Quando fui embaixador no Brasil, defrontei-me, por mais de uma ocasião, com situações idênticas. Algumas vezes em que achei oportuno, respondi a esses comentários. Outras, optei por não reagir.

Este é um problema que se coloca, de forma recorrente, a muitos embaixadores: avaliar se devem ou não actuar, em face de ataques públicos ao seu país ou aos seus cidadãos. Há que ponderar se tal reacção não acabará por ter um efeito desproporcionado, isto é, se não ajudará a chamar mais atenção para a questão, do que aquela que ela teve no momento em que ocorreu. E, depois, nos casos em que decidirmos intervir, há que ainda que escolher e medir o tom que essa intervenção deve ter. Podem crer que é uma questão nada fácil.

Também aqui em França, o problema se coloca. Um conhecido cómico de "stand-up comedy", Patrick Timsit, tem feito, num espectáculo público em exibição em Paris, comentários desagradáveis sobre os portugueses. Vários compatriotas sugeriram uma reacção a esse "sketch". Também acho que devemos tê-la: rir dele. Não é isso que os palhaços querem?

Adeus, "Expresso"!

O "Expresso" considera que declarações "mesmo que feridas de ilegalidade" têm "um fundo de justiça". Estava à ...