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sábado, maio 05, 2012

Justiças

O caso Madeleine McCann volta a ser citado na imprensa sensacionalista britânica. Do outro lado da Mancha, leem-se, no "The Sun" e em outras folhas de idêntico jaez, "farpas" sobre a qualidade da justiça e da polícia portuguesas, acusadas de ineficácia na investigação. 

Não tenho nenhuma opinião particular sobre este assunto, mas tenho, há muito, uma ideia bem formada de que existe, em alguns países do norte da Europa, um preconceito arraigado contra a justiça "do sul". Isso leva, por exemplo, a que, quase por sistema, quando um cidadão desses países é detido, em casos com algum reflexo mediático, num país desse mesmo "sul" (quando isso acontece em África ou na América Latina, é quase automático), sobre ele se abata, regularmente, uma espécie de presunção natural de inocência e se crie um clamor público a reclamar a sua libertação ou a contestar a duração das decisões judiciais (estou certo que, neste ponto, alguns lembrarão o caso Vale e Azevedo...). A imprensa, ecoando a reação natural das famílias e de grupos de amigos, torna-se então portadora de um juízo de diabolização do sistema judicial do Estado onde o incidente ocorreu, degradando com a sua imagem. Leia-se o que se diz no site britânico Prisioner's Abroad, para se perceber melhor o que acabo de notar.

Um dia, na primeira metade dos anos 90, uma criança inglesa apareceu morta no Algarve. A nossa embaixada em Londres foi então invadida por comunicações escritas e telegramas insultuosos, considerando Portugal "uma selva", um paraíso para os criminosos, um mundo de impunidade e irresponsabilidade. Com o tropismo a que acima fiz referência, a imprensa "tablóide" britânica ridicularizou Portugal e a polícia portuguesa. Deputados e lordes irados, mobilizados pelas suas "constituencies", escreveram e foram mesmo recebidos na embaixada, bradando contra o nosso sistema de justiça.

Poucas semanas mais tarde, a nossa polícia descobriu o criminoso: um cidadão britânico, amigo da familia. De um momento para o outro, a imprensa britânica silenciou. Passaram alguns meses. A medo, amigos do detido, começaram a reclamar, na mesma imprensa, contra as prisões portuguesas e sobre os riscos que o assassino nelas correria. É assim...

segunda-feira, abril 30, 2012

A rainha e os ovos

No blogue Ié-Ié, Luis Pinheiro de Almeida publicou o plano da mesa do jantar de Estado que, fez ontem precisamente 19 anos, o então presidente Mário Soares ofereceu à rainha Isabel II, na nossa embaixada em Londres.

Estive presente nesse jantar, não por qualquer mérito próprio, mas porque era então o "número dois" da nossa missão diplomática na capital britânica, tendo a meu cargo a coordenação, substantiva e adjetiva, dessa mesma visita.

A deslocação de Mário Soares ao Reino Unido foi um trabalho interessante, mas algo delicado. No plano luso-português, foi necessário muito bom-senso, por forma a conseguir acomodar algumas sensibilidades políticas internas, atitude que, à época, os frágeis equilíbrios políticos interinstitucionais aconselhavam. Na ordem externa, havia que ter em conta que os britânicos não são nada flexíveis na montagem de uma deslocação "de Estado", porque tendem a impor as suas regras, tidas quase por consuetudinárias. Neste tipo de visitas - e, na minha carreira, fui responsável por algumas - as embaixadas vivem, quase sempre, "esmagadas" entre os dois serviços de protocolo, acabando por ser uma charneira onde ambos os lados descarregam as suas diferenças e vontades. 

A anteceder uma visita de Estado, várias semanas antes, a capital envia aos postos uma missão preparatória, que desejavelmente deixa os principais aspetos da visita já encaminhados. Dessa vez, os colegas vindos de Lisboa eram chefiados pelo próprio chefe do protocolo de Estado, um funcionário superior do MNE. 

Na sala de reuniões da nossa embaixada em Londres, o "staff" da embaixada que estava envolvido na visita e o grupo vindo de Lisboa discutia, a certo passo, o menu do banquete. O "catering" era local, recomendado pela casa real. Optou-se por um menu clássico, europeu. Para projetar a diferença portuguesa nessa refeição, restavam, assim, os vinhos e as sobremesas.

Nos vinhos, não foi fácil o consenso. Mas conseguiu-se. Na discussão das sobremesas, o nosso chefe do protocolo foi arriscando algumas sugestões. Parte delas foram sendo, desde logo, afastadas liminarmente pelo nosso embaixador em Londres, que falava com a autoridade da sua lendária - e indiscutível - competência gastronómica. Outras iam sendo retidas, para posterior ponderação. Até que, a certo momento, o chefe do protocolo decidiu avançar a ideia de se servirem trouxas de ovos. 

A reação do embaixador foi tremenda e sonora: "Ó homem! Trouxas de ovos?! Então você não sabe que a rainha não come ovos?". 

O chefe do protocolo, que carregava já, nesses dias, um histórico pouco suave de troca de argumentos com o embaixador, espantou-se: "Ai é!? A rainha não come ovos!?". E olhou em volta, procurando solidariedade no seu desconhecimento dessa suposta pecularidade dietética da soberana britânica, que, pelo tom de esmagadora evidência que fora assumido pelo seu colega em posto, era, com toda a certeza, uma banalidade informativa a que, por alguma razão, ele não tivera antecipado acesso. 

Eu estava sentado em frente do chefe do protocolo. Mantive-me impávido, bamboleando discretamente "que não", com a cabeça: se um embaixador diz que uma rainha não come ovos, a rainha não come ovos! Ou, pelo menos, é essa a convicção que um leal colaborador é obrigado a espelhar. Não faltava mais nada que assim não fosse!

Porque não sou dado a guardar a menor "memorabilia" de qualquer evento a que tenha assistido na vida, não posso conferir qual o doce português que foi servido à soberana britânica. Trouxas de ovos não foi, com toda a certeza! Mas, até hoje, ainda me interrogo se Isabel II teria ou não gostado dessa deliciosa iguaria, até porque nunca soube se, de facto, a rainha come ovos ou não.   

sábado, abril 07, 2012

O atracão

Os diplomatas em postos distantes acabam por tornar-se, por vezes, figuras algo solitárias. Trocam impressões com os colaboradores, mas o afastamento da capital faz-lhes, frequentemente, perder alguma influência na "casa". Alguns tentam compensar essa distância com o cultivo de redes pessoais de contacto telefónico, agora que o Skipe e uma rede interna gratuita tornaram tudo mais fácil. Mas, apesar disso, um posto no estrangeiro longínquo acaba por ser sempre uma espécie de satélite desprotegido da "secretaria de Estado" - o nome que damos à nossa "sede", ao MNE em Lisboa.

Quase todos os postos vivem com maiores ou menores dificuldades, com problemas logísticos e de pessoal a resolver. Não raramente, o envio de comunicações oficiais ou algumas chamadas telefónicas para amigos e conhecidos não são suficientes para ultrapassar os problemas. A capital vive assoberbada de pedidos de ordem material ou em matéria de recursos humanos os quais, cumulativamente, representam sempre muito mais do que aquilo que manifestamente pode dar. E hierarquizar esses pedidos é muito complexo.

Quando os embaixadores ou os cônsules percebem que as coisas chegaram a um ponto em que não conseguem ter uma resposta satisfatória de Lisboa, e se acaso a ocasião se proporciona, recorrem a um método já clássico: o "atracão" aos políticos de passagem, o aproveitamento "intenso" de episódicos contactos com o ministro ou com os secretários de Estado.

Uma sala de aeroporto ou os carros são, em geral, os cenários deste tipo de abordagens, quase sempre detestadas por todos os membros do Governo.

A tática é vetusta. O governante, por simpatia, pergunta ao embaixador: "Então como vai por cá?". Mal ele sabe a porta que abriu... Com maior ou menor subtileza, o homem avança: "Sabe, é muito difícil trabalhar com pouco pessoal. Estou à espera de um colaborador, há meses. O secretário-geral já mo prometeu, mas nada! Se, no regresso a Lisboa, pudesse dar um jeito, ficava-lhe gratíssimo".

O segundo nível é mais móvel, é o próprio carro. Um rúido de motor ou um qualquer percalço técnico, dá logo aso a um pedido: "Peço-lhe desculpa pelo estado desta viatura, mas ando há meses a insistir com Lisboa para a substituir. Este carro está no limite. Espero mesmo que, hoje, não nos deixe ficar mal. Acha que o seu gabinete poderia dar uma palavra ao 4º andar sobre isto?", sendo o "4º andar" a área administrativa do MNE.

Finalmente, o mais clássico: a casa. Um "tour du propriétaire" por zonas degradadas da residência é um "must" para tentar convencer os governantes da necessidade (muitas vezes, bem verdadeira e evidente) de se fazerem obras, de se comparem uns sofás ou de se proceder uma mudança: "Julgo que já se deu conta que esta casa não está em condições para receber ninguém. Estes sofás estão velhos e continuo sem ter resposta aos pedidos que fiz para pinturas e para o telhado. Quer ver o estado do telhado?". O governante não quer, claro. O que quer, desesperadamente, é deixar de ouvir as lamúrias. Os colegas mais ousados invocam mesmo, em despero de causa, o orgulho nacional: "Estou cansado de dizer a Lisboa que esta casa não está à altura da imagem de Portugal neste país. Olho para os meus colegas europeus e é uma vergonha! Temos de mudar de casa. Temos perdido ótimas oportunidades, não é que eu não avise!, mas dizem-me que as Finanças se opõem. Não poderia dar-me uma ajuda?".

Os ministros e secretários de Estado, muito frequentemente, até reconhecem que os diplomatas têm razão, que as coisas são difíceis em muitos postos, que a casa ou o carro ou os móveis não estão, de facto, em condições. E que falta pessoal. Só que as coisas são o que são, os orçamentos também, "as Finanças" são impiedosas. E, as mais das vezes, nessas visitas às capitais, têm a cabeça noutro lado, estão preocupados com outras coisas, não têm tempo nem paciência para o exercício de preocupação em "micromanagement" que os diplomatas deles esperariam.

Não é fácil a vida no MNE. Para todos!

A sogra

E aquele diplomata, cujo nível de conhecimentos em matéria de línguas se exauria na travessia do Caia, explicava pelo telefone, perante o embaraço da pessoa francesa que o convidara para jantar, da necessidade de levar também a sogra, chegada de surpresa: "J'irais avec ma femme et la mère d'elle".

Esta historieta (verdadeira, como todas as que publico por aqui), que prova que a língua francesa também pode ser muito traiçoeira, foi-me recordada, na passada semana, por um estimado colega.

Deixo-a com votos de boa Páscoa para todos.

quarta-feira, abril 04, 2012

Zé Guilherme

A "manga" do aeroporto de Orly que, no passado fim de semana, ligava ao avião da TAP para o Porto, fazia um cotovelo, o que permitia aos passageiros ler, com facilidade, o nome do aparelho: "Francisco d'Hollanda". À minha frente, dois "letrados", um tanto ajavardados, comentavam: "estes tipos até põem nomes de holandeses aos aviões da TAP, vê lá tu!". Ao que, quiçá premonitório, o outro respondeu: "daqui a uns tempos vão ter nomes chineses, ai vão, vão!"

Entendi não valer a pena explicar que Francisco d'Hollanda foi uma das figuras mais proeminentes da arte portuguesa no século XVI. Lembro-me bem de, no momento, ter pensado que o meu amigo e embaixador José Guilherme Stichini Vilela havia escrito um pequeno livro sobre Francisco d'Hollanda - coisa que eu descobri por acaso, um dia, numa livraria, e a que ele, para minha surpresa, nunca atribuiu grande importância.

Prestes a regressar a Paris, dois dias depois, já no aeroporto do Porto, recebi um telefonema, a dar-me conta da morte do Zé Guilherme.

Coincidimos em posto, em Luanda, nos anos 80, nesse tempo inesquecível em que, com António Pinto da França e Fernando Andresen Guimarães, todos juntos, conseguimos transformar um período profissional tenso e potencialmente abafante numa divertida aventura de vida - também com o Miguel Chalbert, a Ana Poppe, o António Vallera, a Élia Rodrigues, o Fernando Valpaços, os "Guedais" (Vasco, Sérgio e Zé Tó), a Bá e o Pedro, a Lena e o Bo Backstrom, a Alzira e o João Sobral Costa e tantos e tantos outros.

Até então, eu conhecia mal o Zé Guilherme. Desde aí, ficámos, para sempre, muito amigos e pelo mundo nos fomos encontrando, às vezes com alguma regularidade, outras vezes nem tanto - em Argel e em Londres, no Rio de Janeiro ou em Istambul. Fizemos magníficas férias juntos (lembras-te, Alda?) e, para sempre, o Zé Guilherme passou a ser um membro da nossa família. Era, para nós, como que um irmão mais velho, que às vezes parecia até bem mais novo. Era um congregador de afetos, generoso sem limites, dedicado aos outros, mesmo a alguns que o não mereceram. Muito culto, com um imenso bom gosto, tinha uma grande abertura ao novo e ao diferente, criando, com naturalidade e sem esforço, novos amigos e conhecidos, quase sempre gente muito diversa e interessante. E, às vezes, não.

Falámos pelo telefone, há muito pouco tempo. Desafiei-o a vir visitar-nos a Paris, onde tinha vivido, por duas vezes, no início da sua carreira. Respondeu-me com um discurso cansado e algo desiludido. Mas, depois, na ciclotimia de ânimo que era muito sua, mandou-nos um belo texto de ficção, que escreveu e que hesitava se devia ou não em publicar em livro. E, dias mais tarde, inscreveu-se como "amigo" no Facebook, com uma foto onde exibia um chapéu de palhinha, ao jeito da vida bem informal que agora levava.

O Zé Guilherme fazia parte daquelas pessoas de quem nos sentimos muitos próximos e que, porque não "frequentadas" com a regularidade que desejaríamos, em especial durante a nossa última década de permanência contínua no estrangeiro, tínhamos "reservado" para um convívio futuro mais assíduo, nos tempos mais calmos de ocupações que estão aí para vir. Mas não, já não vai ser possível usufruir do seu sorriso delicado e algo triste, das conversas serenas que alimentava, da sua imensa paciência para os erros dos amigos e, também, da sua crescente impaciência para as posturas dos idiotas. As amizades, como tenho vindo a aprender, não podem ter férias. Assumo a minha quota-parte de culpa nalguma solidão em que ele se foi fechando e em que acabou os dias.

Um imenso abraço, Zé Guilherme, até sempre. 

segunda-feira, março 26, 2012

O adido

MNE, há mais de 30 anos. 

O diretor-geral, à secretária, de óculos na ponta do nariz, lia lentamente a informação de serviço que o adido de embaixada tinha preparado. De pé, o chefe de repartição e o jovem autor do texto mantinham-se num reverente silêncio, esperando o veredito.

Acabada a leitura, o diretor-geral levantou os olhos, deu um leve suspiro, olhou para o adido e disse: "Deixe ficar o papel", com uma implícita indicação de que o funcionário poderia retirar-se. 

Quando ficou a sós com o chefe de repartição, este último, pressentindo algum desagrado no modo como o seu superior tinha acolhido o texto, perguntou: "Não gostou da informação? Posso mandar refazê-la...".

O diretor-geral não respondeu logo. Levantou-se, caminhou para a janela e ficou a ver a ponte sobre o Tejo. Segundos depois, voltou-se, encarou o chefe de repartição, deu um suspiro ainda mais longo e inquiriu: "Você sabe quando é que este tipo entrou na carreira?". 

- Julgo que foi no concurso de há cerca de dois anos. Porquê?

- Por nada. Ele não tem culpa nenhuma, é apenas um incompetente que não sabe escrever português e que vai demorar alguns anos até se tornar num funcionário sofrível. Até lá, quem sofre é o Estado. O que eu gostava de saber é quem foram os cretinos dos membros do júri de admissão que o não chumbaram...

segunda-feira, março 19, 2012

Ramos Horta

O presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta, que se candidatava a um novo mandato, foi ontem eliminado, pelo voto popular, da segunda volta das eleições.

Conheci Ramos Horta em 1992, em Londres, apresentado (por quem havia de ser?) por Ana Gomes, desde sempre a "alma" da mobilização diplomática portuguesa em favor da autodeterminação timorense. José Ramos Horta era então o infatigável promotor internacional da causa timorense, tecendo uma importante rede de contactos - junto de diplomatas, de políticos, da imprensa e das ONG's - que foi essencial para manter acesa a chama da luta contra a Indonésia. Jovem ministro dos Negócios Estrangeiros do governo auto-proclamado pela Fretilin, em 1975, exilou-se desde então, voltando a assumir esse cargo no novo governo criado em 2002, sendo, tempos mais parte, nomeado primeiro-ministro e, depois, eleito presidente da nova República.

aqui contei como, em 1999, com o bispo Ximenes Belo e com José Ramos-Horta, conseguimos ajudar à condenação da Indonésia na Comissão dos Direitos Humanos, em Genebra, depois dos trágicos acontecimentos posteriores ao referendo em Timor-Leste e já depois do comité Nobel lhe ter atribuído, em Oslo, o prémio Nobel da paz. E também como, meses depois, fui testemunha, em Nova Iorque, do trabalho diplomático de Jorge Sampaio e de Ramos Horta, com vista a consolidar a mudança de atitude da administração Clinton face ao processo timorense, num almoço com Richard Holbrooke.

Tempos mais tarde, quando representei Portugal nas Nações Unidas, tive ocasião de, por várias vezes, conversar longamente, também em Nova Iorque, com José Ramos Horta, e com ele articular, em estreita ligação com Sérgio Vieira de Melo, algumas iniciativas no âmbito da ONU, em especial com vista a manter a atenção da comunidade internacional para a necessidade de preservar a sua presença militar, num Timor-Leste ainda tocado por sérias ameaças à sua segurança. Voltei depois a encontrá-lo em Brasília, em 2008, num simpático almoço, a convite do presidente Lula, já na sua qualidade de presidente timorense.

José Ramos Horta é uma personalidade cuja ação não deixou de ser objeto de alguma controvérsia. Ao longo do complexo processo de luta internacional pela libertação de Timor, nem sempre as  posições portuguesas coincidiram, em absoluto, com as suas, não obstante o objetivo final da nossa comum atividade ter permanecido precisamente o mesmo. Parte dos seus amigos ficou também muito desapontada com o apoio público que, em 2003, concedeu à invasão angolo-americana do Iraque.

Mas, tudo somado, quero dizer que sempre mantive uma grande admiração pela figura de José Ramos Horta, pelo seu perfil de patriota e pela coerência global que, ao longo de décadas, sempre demonstrou, na perseverança numa luta justa em que, desde muito cedo, se empenhou. A independência de Timor deve-lhe imenso e a diplomacia portuguesa é disso uma das melhores testemunhas. A sua serena saída de cena, no auge deste novo processo eleitoral, expressa a maturidade do processo democrático pelo qual Ramos Horta sempre lutou.

Aqui deixo um abraço amigo a José Ramos Horta.  

sábado, março 17, 2012

Interpretação


Foi numa cidade onde funcionava uma agência das Nações Unidas. Nela se iniciava uma reunião internacional, que demoraria algumas semanas. 

A delegação portuguesa tinha vários membros, diplomatas e técnicos, idos de Lisboa, competindo a cada um de nós assegurar a representação nos trabalhos dos diversos comités especializados. Haveria debates e teríamos de neles intervir.

Na tarde do primeiro dia de trabalhos, porque as nossas tarefas se iniciavam mais tarde, eu e outro membro da delegação havíamos decidido passar por um determinado comité, onde um colega nosso, tido como um "barra" na temática em causa, ia iniciar a sua participação. Sentámo-nos atrás dele. A reunião iniciava-se e vimo-lo debruçado sobre o pequeno aparelho que permite escolher a língua em que se pretende ouvir as intervenções dos outros delegados. Nem sempre os aparelhos de interpretação funcionam bem, pelo que não estranhámos o esforço de sintonização que ele fazia. Mas as coisas não deviam estar a correr bem, porque, a certo ponto, se voltou para trás e, vendo-nos confortáveis, a seguir o debate com os nossos auriculares, perguntou: "Qual é o número para se ouvir em português?".

O português não é, pelo menos por ora, língua oficial das Nações Unidas e suas agências. Porque os nossos conhecimentos de árabe, chinês e russo são, em geral, fracos, todos optamos pelo inglês ou pelo francês, tendo o espanhol como alternativa pouco comum. Em poucas palavras, esclarecemos disso o nosso colega. Que logo nos disse, um pouco perturbado: "Não posso continuar aqui. Não vou chefiar a delegação neste comité. Eu não falo nem entendo línguas estrangeiras. Ninguém me disse, em Lisboa, que não se podia intervir e ouvir os debates em português".

A confissão do homem era tocante. Era oriundo de uma profissão técnica e tinha vivido grande parte da vida em África, tendo sido dos quadros do antigo Ministério do Ultramar. Geracionalmente, teria, pelo menos, obrigação de falar francês. Mas, pelos vistos, nem isso. Tinha ido ao engano...

Ao final da tarde, o problema foi colocado, de forma discreta, ao chefe da delegação portuguesa, um embaixador sereno e bem humorado. Sem dramas, logo se fez um rearranjo das delegações e esse técnico ficou a trabalhar com um de nós, que passou a assumir a titularidade do comité.

Durante a conversa em que se procedeu às mudanças, o técnico, funcionário honesto e responsável, ainda retorquiu para o chefe da missão: "Mas não seria melhor eu regressar a Lisboa? É que, de qualquer forma, vou ter dificuldade em acompanhar os debates...".

Foi então que o chefe da delegação, um coimbrão, lhe retorquiu, com um sorriso: "Você não é alentejano? Ora um alentejano, lá no fundo, é já um bocado espanhol, lá com essa coisa de Barrancos que vocês têm... Siga a reunião em espanhol, homem!".

Não me pareceu que o técnico tivesse gostado da graça, mas a fragilidade da sua posição não lhe permitiu uma réplica. E tudo se passou bem, nas semanas seguintes.

quinta-feira, março 15, 2012

Cônsul

Um cidadão português residente no Brasil, empresário sem anterior passado criminal conhecido, foi indigitado para cônsul honorário de Portugal, numa determinada cidade brasileira. Essa indigitação foi formalizada num despacho oficial, em Portugal. Porém, tal decisão só teria efeitos se e quando as autoridades brasileiras tivessem dado o seu assentimento (concessão do "exequatur") àquela nomeação, passo a partir do qual o referido cidadão poderia vir a exercer as suas funções. Instruído para apresentar às autoridades brasileiras o pedido de autorização, o embaixador português no Brasil entendeu, por razões que cabiam no âmbito das suas competências e que se comportavam no quadro do processo de conclusão da decisão interna portuguesa, suster a conclusão dessa diligência. Alguns meses depois, o referido cidadão foi detido pela polícia, sob pesadas acusações. Hoje, a imprensa anuncia que, na sequência desse processo, ele foi condenado a mais de 40 anos de prisão. Essa imprensa chama-lhe "ex-cônsul português no Brasil". É falso. Esse senhor nunca foi investido de tais funções. Sei do que falo: fui o embaixador que tomou a decisão de não dar sequência ao processo da sua nomeação.

quarta-feira, março 14, 2012

Memória diplomática

Foi um jantar bem agradável, num restaurante à beira-mar, no Pireu. O embaixador português, a pretexto da minha passagem por Atenas, tivera a simpatia de convidar alguns colegas.

A meu lado ficou um embaixador de um país amigo, mas cujo nome agora me escapa, o qual, durante todo o jantar, me falou imenso das ilhas e das praias, dos armadores milionários que conhecia, dos cruzeiros para que era convidado e outros temas com idêntica intensidade lúdica. Estava em Atenas há mais de dois anos, mas a sua vocação para assuntos mais profundos parecia limitada, a julgar pela escassa sequência que dava às questões políticas que eu lhe colocava - como as "guerras" entre o PASOK e a Nova Democracia, a questão da Macedónia, o problema negocial em Chipre ou a dimensão orçamental do esforço militar grego, fruto das tensões com a Turquia. 

A certa altura do jantar, levantei-me e, ao passar por uma mesa, pareceu-me vislumbrar nela a figura de Konstatinos Mitsotakis, que havia sido primeiro ministro por mais de três anos, depois de ter assumido vários cargos governamentais. Só o conhecia de fotografia, pelo que fiquei na dúvida se era mesmo ele. Regressado à mesa, referi o facto ao tal embaixador que tinha a meu lado, que logo retorquiu:

- Mistotakis? Quem é?

- Não se lembra? Foi primeiro ministro antes de Andreas Papandreou...

- Não tenho ideia... já não é do meu tempo.

Tive a tentação de lhe responder: "Ora essa! Também a Acrópole não é!". Há gente que devia ter escolhido outra profissão...

sexta-feira, março 02, 2012

Manuel Sá Machado

Na história do Ministério dos Negócios Estrangeiros português há um nome, pouco conhecido pelas atuais geração, a quem a carreira diplomática muito ficou a dever: Manuel Sá Machado. Ontem à noite, uma amiga estrangeira falou-me dele, com grande admiração.

Manuel Sá Machado estava a trabalhar no MNE, na secção do "Pacto do Atlântico", na altura do 25 de abril. Homem de conhecido perfil democrático, tinha travado conhecimento com o oposicionista Victor da Cunha Rego, ao tempo em que servira como diplomata no Brasil. Cunha Rego acabara de ser escolhido por Mário Soares, logo em Maio de 1974, para seu chefe de gabinete nas Necessidades. E, com naturalidade, chamou Sá Machado para trabalhar junto de si.

Como relata o embaixador Calvet de Magalhães no seu trabalho "O 25 de abril e as Necessidades", Manuel Sá Machado era "um funcionário excecional. Além das suas invulgares qualidades era uma pessoa de um enorme bom-senso, trato cordial e raras qualidades de caráter. O Dr. Cunha Rego indicou-o ao Dr. Mário Soares como a pessoa idónea para o informar sobre tudo o que respeitava ao ministério e aos seus funcionários".

Em vários livros e conversas, Mário Soares já revelou que a imagem que, até ao 25 de abril, criara do MNE e, na generalidade, da carreira diplomática portuguesa, não era muito lisonjeira. Porque a diplomacia aparecia ligada à primeira linha da ação internacional de defesa da política colonial do regime e porque também se suspeitava que a polícia política utilizava certas redes diplomáticas e consulares para espiar democratas no exílio, era perfeitamente natural que o MNE surgisse, aos olhos dos opositores do regime, como um núcleo funcional merecedor de muito escassa confiança. Em vários setores políticos do novo poder cedo surgiu a ideia de proceder a uma ampla "vassourada", que afastasse um grande número de diplomatas e, em sua substituição ou para um seu eficaz enquadramento, garantisse o rápido recrutamento de uma nova classe "diplomatas da democracia", oriunda dos meios políticos vitoriosos.

Ora foi precisamente a credibilização da carreira, ou melhor, a certificação do profissionalismo da grande maioria dos diplomatas portugueses, a tarefa de que se encarregou Manuel Sá Machado. Este nosso colega terá conseguido explicar a Mário Soares que, com algumas exceções, tinha ao seu dispor, para conduzir a política externa, um corpo dedicado e qualificado de funcionários de grande lealdade à causa pública, com sólida experiência, perfeitamente preparados para sustentarem o novo tempo internacional que se abria à diplomacia portuguesa. Mário Soares acreditou em Sá Machado e a carreira soube corresponder a essa confiança.

Nunca conheci pessoalmente Manuel Sá Machado, embora talvez o possa ter cruzado nos corredores do MNE, antes da sua prematura morte, creio que em 1977. Mas a conversa que ontem tive lembrou-me o dever de deixar aqui uma nota de admiração e de gratidão pela ação desse colega, que ajudou a que a carreira diplomática portuguesa não tivesse de passar por desnecessários tempos traumáticos. E, mais importante que tudo, que a diplomacia portuguesa pudesse preservar, para além dos ciclos políticos, o seu perfil de serviço público, competente e leal.

quinta-feira, março 01, 2012

Diplomacias

"Having said that..." - já me tinha esquecido da fórmula anglo-saxónica através da qual, depois de se terem elencado, de forma habilmente fragilizante mas com um ar de quem os subscreve, todos os argumentos num determinado sentido, se parte para a sustentação da posição contrária. Sorri ao ouvi-la, hoje de manhã, na minha primeira reunião formal na UNESCO, durante a qual revisitei as velhas práticas onusinas.

A reunião foi muito bem dirigida por uma colega embaixadora, que defrontou, com sabedoria, algumas sérias dificuldades políticas, conseguindo garantir um bom ritmo aos trabalhos.

Um presidente de reunião tem de saber identificar, com precisão, os pontos potencialmente conflituais e tem de desenhar uma tática específica para ultrapassar essas dificuldades, eventualmente gizando prévias cumplicidades com certos delegados. É um exercício difícil, que combina a autoridade com a habilidade. Quando um presidente é demasiado autoritário irrita "a sala" e pode provocar intervenções que vêm complicar o debate, tornando muito difícil a sua gestão posterior. Pelo contrário, um presidente "banana", que dê a palavra a toda a gente e não procure definir limites temporais para a abordagem de temas, é pressentido como permissivo e, se acaso cair na armadilha de permitir que os "chatos" e os prolixos se excedam, abre precedentes que depois não pode reverter. Mas o pior presidente é aquele que "a sala" identifica como alguém que está a tentar enganá-la, que procura utilizar estratégias regimentais para coartar direitos, para iludir determinadas questões ou menorizar certas temáticas ou delegações. A verdadeira chave de sucesso de uma presidência é a criação de um sentimento de respeito em torno de si própria.

Tenho uma muito longa experiência de chefia de reuniões, desde assembleias gerais de associações de estudantes até conselhos de ministros da União Europeia, passando por comissões, com multidões de delegados, na ONU e na OSCE. E ainda hoje assim me aturam, no Conselho geral da UTAD. Em todas essas funções, sem exceção, cometi erros, mas aprendi muito com eles. Por azelhice (mas também por tática), deixei, por vezes, arrastar situações até a um ponto de pré-caos mas, noutros casos, consegui dar a volta ao que parecia (ou que queria deixar parecer) impossível de controlar.

Nestes últimos, conto como "glórias" o "comité de ministros" de Schengen, em Junho de 1997, no CCB, e o "conselho permanente" final da nossa presidência da OSCE, em Dezembro de 2002, na Alfândega do Porto. Em ambos as situações, a minha "habilidade" para forçar compromissos baseou-se na... alimentação. Nas duas reuniões, com temas muito delicados e posições, à partida, bem distantes, só consegui fazer vingar as propostas portuguesas (que se iam sucedendo com fórmulas diferentes, na busca de um consenso) através do prolongamento do debate. Em ambos os casos, reuniões que decorriam desde manhã acabaram por arrastar-se, por deliberada "perfídia" da presidência, até cerca das 4 da tarde, com as delegações exaustas, quase já dispostas a tudo, ansiando pelo almoço que tardava, e que eu, sadicamente, mencionava "en passant", nas minhas intervenções, como estando à nossa espera. Os vários colegas portuguesas que me acompanharam nessas maratonas devem lembrar-se bem dessa minha tática - dessa diplomacia lusa da fome.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Lóbi

Ontem, um comentador protestou contra a utilização do termo lóbi, para designar o "hall" de um hotel. Confesso que estava mais à espera de uma reação quanto ao aportuguesamento da palavra "lobby", mas tudo bem. E é a propósito de um lóbi de hotel que me lembrei de uma historieta.

Estávamos na Zâmbia, a meio de uma longa viagem governamental por vários países africanos. Não faço ideia a quem, naquele caso, competia a responsabilidade pelas reservas, mas a verdade é que, chegados bastante cedo ao Hotel Intercontinental de Lusaka, idos de Harare, naquele final dos anos 80, nos demos conta de que faltavam dois quartos para a delegação portuguesa. Arrumados os membros da delegação mais afortunados, eu e o Duarte Ivo Cruz constatámos que, para nós, não havia quartos. Ou melhor: havia uma vaga promessa de poderem "aparecer". Para utilizar uma expressão que o então chefe da delegação portuguesa viria, décadas depois, a tornar popular noutro contexto, nós podíamos dizer que sabíamos que íamos ter um quarto, só não sabíamos é quando e em que condições!

A visita oficial comportava, entretanto, alguns "números", entre os quais uma visita ao presidente Kenneth Kaunda, bem como reuniões e uma multiplicidade de contactos. Intercalando tais eventos, havia passagens pelo hotel onde a delegação se acolhia. A delegação, não! A maioria da delegação! Porque eu e o Duarte continuávamos com as nossas malas recolhidas em quartos alheios e, nesses intervalos, contactávamos, com progressivo desespero, a receção ou a direção do hotel, metíamos "cunhas" através de empresários locais e da nossa embaixada, sempre em diligências cada vez mais ansiosas, porque a noite se ia aproximando. E, perante o olhar descansado (e demasiado sorridente, parecia-nos) dos nossos colegas, que se regalavam com bebidas no bar e conversavam entre si relaxados, nós os dois andávamos, de um lado para o outro, labutando verbalmente por uma cama onde descansar a noite.

O jantar oficial nem nos caiu bem, porque, acabado este, lá voltámos nós, ansiosos, ao lóbi do hotel. E seria já depois das 11 da noite que, numa taquicardia angustiada, finalmente, recebemos as chaves dos nossos quartos, para logo constatarmos, com forte choque, que deles haviam sido literalmente "despejadas" duas famílias africanas, com filhos, que foram dormir sabe-se lá para onde. Mas, àquela hora da noite, o nosso limiar de solidariedade estava já ultrapassado pela lei da sobrevivência.

Foi nessa altura, culminadas que haviam sido as dezenas de diligências feitas, junto de imensos interlocutores, que o Duarte Ivo Cruz, que comigo brindava o mútuo "sucesso" com um merecido whisky, se saiu com uma frase que recordo até hoje: "Só agora percebi, verdadeiramente, por que razão a esta área dos hotéis se chama "lóbi". Foi isso mesmo que andámos o dia inteiro a fazer..."

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Limites

Eram os primeiros meses de 1976. "Desterrado" pelo MNE no então "Ministério da Cooperação" (de cuja existência poucos se lembrarão), no edifício em que hoje funciona o Ministério da Defesa, tinham vindo almoçar comigo, num restaurante à zona do Restelo, dois colegas das Necessidades, tal como eu recém-entrados na carreira. Acompanhava-nos à mesa um outro amigo com quem eu trabalhava e que lhes havia apresentado na ocasião, oriundo de uma área técnica.

A certo passo, um dos colegas vindos do MNE mencionou que estava colocado na então "Comissão Internacional de Limites com Espanha", estrutura que se ocupava das temáticas de fronteira. Ironizámos em como deveriam ser "fascinantes" alguns temas com que lidava nesse serviço, de que era exemplo notório a escaldante questão do regime de utilização dos mouchões aluviais. Mas o meu amigo técnico, para grande surpresa de todos, deu estranha nota de estar interessadíssimo na temática, fazendo imensas perguntas ao meu colega.

Devo dizer que, a certo ponto, comecei a ficar com a sensação de que, na realidade, ele estava apenas a "fazer a folha" ao jovem diplomata, tais eram as atenções, de uma quase afetividade, que lhe ia dirigindo. Achei divertida a cena e, confesso, acabado que foi o almoço, mais curioso fiquei quando vi os dois a trocar cartões e a combinarem contactos futuros. "Caramba, foi tiro e queda!", pensei, então já surpreendido com a minha naïveté, à qual tinha escapado a aparente propensão mútua para aquele tipo de afinidades eletivas.

Passaram-se umas semanas e, ao cruzar-me no MNE com o meu colega diplomata, não resisti: "Então, voltaste a encontrar aquele amigo que te apresentei há tempos?". Com a maior naturalidade, o meu colega respondeu: "Sim, sim! Almoçámos, há dias. É muito simpático" e, talvez detetando um brilho de discreta ironia no meu olhar, adiantou: "Sabes o que ele queria?". Nem me deixou no embaraço de presumir e, com um largo sorriso, logo esclareceu: "Queria que eu me inscrevesse na Liga dos Amigos de Olivença, de que é diretor. Como eu estou na "Comissão de Limites", achou que, um dia, eu poderia "dar um jeito", sabe-se lá!...". Rimo-nos a bom rir. Afinal, eram apenas essas a afinidades que andavam no ar.

Lembrei-me disto a propósito da encenação da "Guerra das Laranjas", em Olivença, tema que agora deu para mobilizar alguns amigos meus, algo agitados no seu pousio.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Francês

Numa conversa, há dias, uma figura do mundo económico francês comentava, com agrado, o facto de Portugal ser um país francófilo e francófono, elogiando a circunstância dos nossos diplomatas e outras figuras portuguesas com quem se cruzava falarem, quase sempre, "um ótimo francês".

Retorqui-lhe que a realidade não será tão rósea quanto ele julga. Com efeito, se é normal que aos diplomatas seja exigido um conhecimento razoável da língua francesa, já esse atributo começa a rarear muito no resto da sociedade portuguesa, fruto da avassaladora presença do inglês. E lembrei-me de uma pequena história.

Um dia, nas funções executivas que ocupei, convidei um contraparte francês para se deslocar a Portugal. Num almoço de trabalho que organizei no palácio das Necessidades, reuni alguns colegas e altos funcionários. Um dos responsáveis políticos, um jovem secretário de Estado, dez anos mais novo do que eu, brilhante e promissora figura desse governo, logo após ser apresentado ao convidado francês, perguntou-me se ele falava inglês.

Tomei a pergunta como uma mera curiosidade, sabida que é a escassa propensão de muitos políticos franceses para línguas estrangeiras. E respondi que, de facto, já tinha ouvido o nosso convidado falar inglês. Acrescentei, curioso: "porque é que você pergunta isso?". A resposta foi cristalina: "Porque eu não falo 'uma palavra' de francês..."

Nesse preciso instante, dei-me melhor conta da realidade de haver hoje uma nova geração (também) de políticos, em Portugal, que foi educada tendo o inglês como língua central da sua formação e que estão hoje já muito distantes dessa grande língua de cultura que é o francês, infelizmente, e de facto, em forte regressão entre nós. No meu caso, não tenho dúvidas: muito do que sou o fiquei a dever à língua francesa e ao mundo que ela me abriu.

sábado, fevereiro 11, 2012

Salvador

A cidade brasileira de Salvador da Bahia atravessou dias terríveis, com a greve da polícia a gerar uma onda inédita de criminalidade violenta. Lembrei-me muito dos bons amigos que tenho naquela que é a terra onde se cruzam, de forma mais visível, as principais componentes humanas que formaram o Brasil. Entre as quais a portuguesa, bem simbolizada no Gabinete Português de Leitura, de que fica a foto.

Durante muitos anos, a vida política da Bahia teve como figura tutelar António Carlos de Magalhães, uma das poucas personalidades que os brasileiros identificam pela sigla do seu nome: ACM (as outras duas são JK, Juscelino Kubitschek, e FHC, Fernando Henrique Cardoso, o que julgo significativo). 

Nascido para a vida cívica durante o regime militar, ACM foi aquilo que no Brasil se chama um "coronel", uma figura dominadora da política e da sociedade local, com uma força económica e mediática que garantiam o prolongamento da sua manutenção no poder. Fazer política, na Bahia, fora do controlo do clã ACM ou contra ele, era uma aventura, no mínimo, muito arriscada. Personagem controversa, arregimentou, ao longo da sua vida, imensos inimigos no Brasil mas, igualmente, uma legião de seguidores na Bahia. Tendo sido um dos políticos mais poderosos do seu país, teve quase tudo o que o destino lhe poderia dar: foi deputado estadual, prefeito, deputado federal, senador, presidente do senado, governador do Estado, ministro, etc. Conservador nas ideias, apoiou a ditadura militar e, no quadro democrático, integrou sempre as formações mais à direita do espetro político. De origem portuguesa, ACM tinha uma profunda ligação afectiva ao nosso país, cujos interesses no Brasil sempre cuidou em apoiar, quando a tal solicitado.

Em início de 2007, a vida política baiana deu uma imensa reviravolta: o clã ACM foi fortemente derrotado nas urnas, perdendo o governo do Estado, que passou para o PT. Na Bahia, Portugal tinha e tem importantes interesses na área empresarial, pelo que, logo após a sua posse, me desloquei a Salvador para encontrar o governador recém-empossado, Jacques Wagner. Nesse dia em que visitava oficialmente o novo poder, fiz questão de convidar António Carlos de Magalhães para um jantar público naquele que era - e não sei se ainda é - um dos locais mais "in" de Salvador: o Hotel Convento do Carmo, da rede das Pousadas de Portugal. O velho político ficou claramente agradado com o gesto do representante diplomático português, agora que os seus préstimos potenciais para o país onde estavam as suas origens ficavam muito mais reduzidos. Mas eu quis manifestar-lhe, num tempo que lhe era então muito adverso, a gratidão que devíamos a alguém que sempre mostrara gostar de nós. Para a história: ACM viria a morrer seis meses depois. 

Da manhã desse mesmo dia, recordo uma historieta que dá bem conta da complexidade da política brasileira. Eu seguia num carro cedido pelo governo da Bahia. A certo passo, decidi interrogar o motorista, um homem muito simples, sobre os novos rumos da política do país: Lula tomara posse para um segundo mandato, escassos dias antes. "Está satisfeito com a reeleição de Lula?". O homem sorriu, deliciado, e disse: "Eu votei Lula. Gosto muito dele. Fez muito por nós, pelos pobres". Um tanto curioso, inquiri: "E ACM? Que achava dele?". O motorista ia dando um salto no banco: "ACM? ACM é um santo! Está ver estes viadutos, estas estradas? Foi tudo feito por ele! Ele é o nosso pai".

Ver dois inimigos jurados serem adulados pela mesma pessoa é um milagre que só os orixás da Bahia poderiam fazer. Espero agora que esses mesmos orixás também possam ajudar a repor a calma na bela cidade de Salvador.

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Chipre

Ontem, ao receber a visita do meu novo colega cipriota, recordei-me de uma história passada em 1999, que se liga à existência das duas entidades que dividem, de facto, a ilha de Chipre. 

A República de Chipre é hoje um Estado membro da União Europeia. Cerca de 40% do seu território está sob controlo da chamada "República Turca de Chipre Norte", uma entidade criada em 1983, que só é reconhecida pela Turquia e que resultou de um conflito armado, em 1974, que opôs as comunidades cipriotas grega e turca. Nesse ano, uma invasão por tropas da Turquia, após uma tentativa de golpe de Estado para forçar uma anexação à Grécia, provocou a divisão forçada da ilha. Um complexo e não conclusivo diálogo entre as duas partes tem vindo a prolongar-se, desde então. A "linha verde" que divide ambos os espaços tem uma "buffer zone" controlada pela ONU, o que justifica a presença no terreno da sua mais antiga operação de manutenção de paz.

Nesse ano de 1999, fiz uma visita de trabalho a Nicósia, a fim de preparar a nossa presidência da União Europeia, no primeiro semestre do ano seguinte. Lembro-me de ter falado longamente com o então presidente da República, Glafcos Clerides, e com ministro dos Negócios Estrangeiros, George Kasoulides, sobre o processo de adesão do país à UE, muito apoiado pela Grécia, mas que, à época, tinha à sua frente alguns sérios escolhos, colocados por alguns parceiros. Desses interlocutores recolhi também a sua perspetiva sobre os problemas intra-comunidades na ilha.

Meses mais tarde, já no exercício da nossa presidência da União Europeia, visitei Ancara. Os turcos são a verdadeira e indisfarçada tutela de "Chipre Norte", pelo que o assunto faz parte integrante de qualquer diálogo seu com a UE. Para além da questão da sua própria adesão à UE, a Turquia deu sempre uma grande importância à questão cipriota e eu não me pude nem quis furtar-me a debater o assunto, quer com o meu homólogo, Mehmet İrtemçelik, quer com İsmail Cem, o ministro dos Negócios Estrangeiros. Cem, que já desapareceu, era um homem muito simpático e bem preparado, e conservo um livro com fotografias suas que então me ofereceu, várias da quais tiradas nos bairros populares de Lisboa. A visão de ambos esses políticos turcos era, como é óbvio, oposta à que eu recolhera em Nicósia.

Mas eu iria ter uma surpresa, nesta minha visita a Ancara. O primeiro-ministro turco, Bülent Ecevit, teve a a simpatia de me receber em audiência. Ecevit era um homem pequeno, com um ar antigo e um bigode proeminente. Era uma figura histórica da política turca, que alternou no poder executivo de Ancara com o seu grande rival conservador, Süleyman Demirel. Após as amabilidades introdutórias da praxe, colocou-me a seguinte questão: "Soube que esteve em Chipre há alguns meses. Por que razão não atravessou a "linha verde"?" Dito isto, ficou a olhar-me nos olhos, com um ar inquisitivo e profundo. Pelos vistos, estava bem informado sobre os passos dados em Chipre por alguém que mais não era do que um mero secretário de Estado de um país algo distante - um país que, no entanto, então como agora, defendia a presença plena da Turquia e de Chipre nas instituições europeias, sem que, contudo, deixasse de recusar abertamente o reconhecimento de "Chipre Norte". 

"Decidi não atravessar a "linha verde", senhor primeiro-ministro, porque estava em Nicósia a convite do governo da República de Chipre. Naturalmente, só visitei a parte da ilha que está sob o seu controlo".

Ecevit tinha, porém, uma hábil réplica preparada: "Mas o seu homólogo espanhol, poucas semanas depois da sua ida a Chipre, atravessou a "linha verde" e falou com as autoridades de "Chipre Norte"! Porque não fez o mesmo?"

Por um segundo, hesitei, mas respondi-lhe: "É verdade, mas o meu colega espanhol estava na ilha na sua capacidade de representante da presidência da União Europeia e, por essa razão, era natural que procurasse falar com todas as partes. No meu caso, estava numa visita de natureza bilateral à República de Chipre, com a qual assinei mesmo um acordo em Nicósia, pelo que não considerei que fosse esse o contexto adequado para atravessar a "linha verde"".

Ecevit não deu mostras de ter ficado muito convencido da racionalidade imbatível da minha resposta. E eu, confesso hoje, também não...

domingo, fevereiro 05, 2012

Mentiras

O rapaz espreitou pela porta e o chefe de repartição lançou-lhe, do fundo da sala: "Entre! Entre! Ó Torquato!".

Voltando-se para o embaixador português na Mauritânia, sentado no sofá a seu lado, esclareceu: "O Torquato está cá há uns meses, é do último concurso de adidos". E olhou o adido: "O Torquato conhece o senhor embaixador Gameiro, que está em Nouakchott, não conhece?", com o Torquato a rumorar que sim.

O Torquato, embora simpático, era do género displicente e algo descuidado, gravata permanentemente descaída, um ar de quem anda ali por favor, a quem tanto se dá estar na carreira diplomática como viver à custa dos vastos rendimentos da família, cujo "social" lhe espreitava no nome e lhe permitia alguma subliminar cobertura de membros da hierarquia da casa. Entrara para a carreira quase por acaso, num bambúrrio do concurso. Era useiro e vezeiro de chegar tarde e a más horas, passava o dia agarrado ao cigarro, a ler o jornal esticado num sofá, sendo de uma lentidão exasperante na execução das escassas tarefas de que era encarregado.

"Ó Torquato, você chegou a falar com o ministério dos Assuntos Sociais, sobre a questão do acordo sobre segurança social com a Mauritânia? Aqui o senhor embaixador Gameiro precisa de saber em que ponto o assunto está."

O adido, com um ar um tanto ausente, explicou que tinha telefonado duas vezes, que não tinha obtido qualquer informação sobre o estado do projeto de acordo, mas que ia ligar de novo.

"E com quem falou você lá?", inquiriu o chefe, já em tom levemente inquisitivo.

O Torquato embrulhou-se numas explicações menos convincentes, tão pouco plausíveis que delas quase se deduzia que, na realidade, não tinha mesmo tratado do assunto.

"Está bem, está bem! Vá lá ver isso já e diga-me alguma coisa à tarde. Sem falta!", com o rapaz a desaparecer, aliviado, pela porta.

O chefe explodiu: "Desculpa lá, pá! Este tipo é um mentiroso! Já não é a primeira vez que o apanho nestas patranhas", comentou, desalentado, o chefe.

O embaixador visitante tentou moderar a irritação do amigo: "Ó homem! Deixa lá! Também não tens a certeza se o rapaz mentiu. Até pode ter tentado telefonar..."

"Estás muito enganado. Este tipo é tão mentiroso que nem sequer se pode acreditar no contrário daquilo que ele diz..."

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Prognósticos

Com crescente regularidade, amigos e conhecidos portugueses perguntam a minha opinião sobre o possível desfecho das próximas eleições presidenciais francesas. Lamento sempre não poder satisfazer a sua curiosidade, mas a verdade é que um diplomata estrangeiro não sabe, sobre este assunto, mais do que... os franceses, que são quem acabará por escolher o seu presidente, para os cinco anos seguintes. E eles também não sabem...

Se há algo que aprendi na vida diplomática foi relativizar a minha própria opinião. E a não acreditar na minha presciência. Uma das vantagens da rotação regular dos embaixadores, entre os vários postos, tem a ver com a necessidade de produzir olhares novos sobre a realidade local. A experiência mostra que um diplomata que se eterniza num posto, independentemente de poder, por essa via, garantir um grande conhecimento da vida e da sociedade do país, de criar uma rede forte de interlocução e teste de ideias, pode também facilmente acabar por "go native" (isto é, passar a ter as reações de um local) ou perder o rigor na perspetiva de observação das mutações no país onde está acreditado. É que, rotinado numa certa leitura, um diplomata que fique por muito tempo num posto pode não estar aberto ao surgimento de novas realidades ou, confrontado com elas, pode ser tentado a rejeitá-las por as considerar incompatíveis com a grelha de observação em que se viciou.

Há uma história, auto-crítica, que costumo contar, passada comigo em Angola, nos anos 80. À chegada do novo embaixador, António Pinto da França, desenhei-lhe um quadro muito completo da relação de forças no seio do comité central do MPLA. Expliquei-lhe quem era quem, o que cada um representava, qual a política de alianças de grupos que prevalecia, tudo isso com o objetivo de apontar para aquilo que iriam ser as mudanças na liderança angolana, a ocorrerem no próximo congresso do partido.

O novo embaixador tomou nota mas, por si próprio, com os conhecimentos que entretanto foi criando, começou a fazer as suas próprias avaliações e juízos. Passado algum tempo, dei-me conta de que os telegramas que enviava para Lisboa, sobre a situação política interna angolana, começavam a afastar-se da linha que eu tinha como correta. Mais: a sua leitura sobre as personalidades que iam subir ou descer no próximo congresso do MPLA começava a divergir fortemente daquela que eu, observador com mais de três anos da vida política local, considerava dever ser transmitida às nossas autoridades. Isso preocupava-me. As minhas fontes, que tinha por excelentes e testadas, eram perentórias sobre as hipóteses de evolução tendencial do equilíbrio político, mas eu não conseguia convencer disso o meu embaixador. Não querendo contrariá-lo, lembro-me de ter trocado impressões sobre o assunto com outros diplomatas em posto, com vista a que o tentassem chamar à razão, reverter o caminho errado pelo qual prosseguia nas suas análises, cada vez mais diferentes das minhas. Mas não tive qualquer sucesso.

"To make a long story short", como dizem os anglo-saxónicos, as coisas passaram-se exatamente como o embaixador António Pinto da França as estava a ver e não como eu pensava que elas iam ser. O tempo em posto, por vezes, "desajuda" mais do que favorece.

Mas, afinal, qual é a minha perspetiva sobre o que sucederá politicamente em França, neste primeiro e decisivo semestre? O que penso sobre o assunto reservo-o, naturalmente, para as minhas autoridades. Mas devo adiantar que, nesta matéria, é capaz de ser prudente seguir o famoso preceito daquele lateral-direito de uma equipa do norte que, perguntado sobre como via a partida que o seu clube ia disputar, adiantou, com simplória sabedoria: "Prognósticos? Só no fim do jogo".   

domingo, janeiro 22, 2012

A embaixada croata

A Croácia decidiu ontem, por referendo, aderir à União Europeia. O processo negocial estava já concluído, pelo que a entrada daquele que será o 28º membro vai ter lugar em meados de 2013. Fica assim provado que a União, apesar de todas as suas crises, continua a ser uma referência atrativa de estabilidade para os países do continente.

A Croácia declarou a sua independência em Junho de 1991, no quadro de um complexo processo que levou à divisão da antiga Jugoslávia. Terríveis atos de guerra e tensões étnicas abalaram então a região balcânica, onde hoje, para além da Croácia, figuram, com estatuto de Estados independentes, a Eslovénia, a Bósnia-Herzegovina, a (antiga República jugoslava da) Macedónia, a Sérvia, Montenegro e o Kosovo.

Deve dizer-se que o objetivo croata estava longe de fazer a unanimidade europeia. O regime político do Estado dirigido por Franjo Tudjman era alvo de fortes críticas em matéria de respeito pelos direitos humanos e pelas regras da Convenção de Genève, durante a guerra inter-jugoslava. Além disso, na memória histórica coletiva, subsistia, em muitos países europeus, um forte ressentimento contra os croatas, por virtude da ligação que o "Estado livre" dirigido pelos "oustachis" pró-nazis de Ante Pavelic havia tido com Hitler, durante a segunda guerra mundial. 

A Alemanha, em especial o seu MNE Hans-Dietrich Genscher, foi manifestamente o país mais aberto ao reconhecimento da independência croata por parte das instituições europeias, que só viria a ter lugar em 15 de janeiro de 1992 - precisamente num período em que Portugal detinha a presidência da União Europeia. Recordo a minha quase solidão, como diplomata que representava a presidência das Comunidades Europeias (só em fevereiro desse ano seria assinado o tratado de Maastricht, que criou a "União Europeia"), no cocktail oferecido pelos croatas em Londres, ao final desse dia. A independência da Croácia, se bem que aceite, estava longe de ser saudada com entusiasmo pela generalidade dos países europeus.

A exemplo do que, com frequência, acontece com Estados em busca de reconhecimento, os croatas haviam desenvolvido, a partir de 1991, um pouco por todo o mundo, uma diplomacia pública de convicção, tentando fazer perceber as razões que justificavam a sua autonomização como entidade independente, sucessora do anterior Estado federado existente dentro da Jugoslávia. 

Nesse sentido, a nossa embaixada em Londres havia sido visitada, com alguma regularidade, por um médico croata, com nacionalidade inglesa, que informalmente representava os interesses de Zagreb em Londres. Chamava-se Drago Stambuk, era um poeta com vasta obra publicada e aparecia como regular portador, não apenas da argumentação das suas autoridades em favor do processo de independência, mas igualmente de razões contra as acusações de que o seu regime era alvo (e que infelizmente vieram a ser comprovadas) sobre as derivas autoritárias do governo Tudjman, nomeadamente o terrível tratamento dado aos sérvios residentes na zona croata da Krajina. 

Sem nunca lhe esconder as dúvidas que na Europa comunitária se alimentavam sobre os métodos do regime de Franjo Tudjman (e que, a título pessoal, partilhava em pleno), mantive sempre com Drago Stambuck uma excelente relação pessoal, que se transformou mesmo em amizade.

Um dia, após o anúncio reconhecimento da independência do seu país pelo Reino Unido, Drago Stambuk telefonou-me: tinha sido encarregado de abrir a embaixada croata em Londres. Não podia ser embaixador, porque tinha nacionalidade britânica, mas teria a responsabilidade prática de preparar toda a estrutura de representação croata em Londres. Como não sabia como proceder, "por onde começar", pediu a minha ajuda. Recordo longas conversas, em minha casa e em "pubs", durante as quais "desenhámos" a estrutura da primeira embaixada croata do Reino Unido. Nesses contactos, dei-lhe conta das formas de proceder face às autoridades locais, de "quem era quem" no Foreign Office, do modo de feitura das "notas verbais" e da preparação de outra documentação que faz parte da liturgia diplomática bilateral. Creio mesmo ter-lhe oferecido um exemplar da "bíblia" anglo-saxónica da profissão diplomática, o "Satow's guide to diplomatic practice". Guardei sempre na memória essa minha contribuição para a montagem da primeira embaixada croata em Londres. 

Com a minha saída do Reino Unido, perdi Drago Stambuk de vista. Lembro-me de ter falado dele com outros croatas que fui conhecendo, nomeadamente em visitas que fiz à Croácia. Vim a saber que prosseguira a carreira diplomática e que fora embaixador em vários países. Há meses, enviou-me um mail de Brasília, onde, desde agosto de 2011, é embaixador. Por pouco que nos não tínhamos cruzado de novo.

Gaudin

Um dia de 2010, quando era embaixador em França, fui alertado para o facto de uma empresa portuguesa de construção civil, sedeada em Braga e...