O presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta, que se candidatava a um novo mandato, foi ontem eliminado, pelo voto popular, da segunda volta das eleições.
Conheci Ramos Horta em 1992, em Londres, apresentado (por quem havia de ser?) por Ana Gomes, desde sempre a "alma" da mobilização diplomática portuguesa em favor da autodeterminação timorense. José Ramos Horta era então o infatigável promotor internacional da causa timorense, tecendo uma importante rede de contactos - junto de diplomatas, de políticos, da imprensa e das ONG's - que foi essencial para manter acesa a chama da luta contra a Indonésia. Jovem ministro dos Negócios Estrangeiros do governo auto-proclamado pela Fretilin, em 1975, exilou-se desde então, voltando a assumir esse cargo no novo governo criado em 2002, sendo, tempos mais parte, nomeado primeiro-ministro e, depois, eleito presidente da nova República.
Já aqui contei como, em 1999, com o bispo Ximenes Belo e com José Ramos-Horta, conseguimos ajudar à condenação da Indonésia na Comissão dos Direitos Humanos, em Genebra, depois dos trágicos acontecimentos posteriores ao referendo em Timor-Leste e já depois do comité Nobel lhe ter atribuído, em Oslo, o prémio Nobel da paz. E também como, meses depois, fui testemunha, em Nova Iorque, do trabalho diplomático de Jorge Sampaio e de Ramos Horta, com vista a consolidar a mudança de atitude da administração Clinton face ao processo timorense, num almoço com Richard Holbrooke.
Tempos mais tarde, quando representei Portugal nas Nações Unidas, tive ocasião de, por várias vezes, conversar longamente, também em Nova Iorque, com José Ramos Horta, e com ele articular, em estreita ligação com Sérgio Vieira de Melo, algumas iniciativas no âmbito da ONU, em especial com vista a manter a atenção da comunidade internacional para a necessidade de preservar a sua presença militar, num Timor-Leste ainda tocado por sérias ameaças à sua segurança. Voltei depois a encontrá-lo em Brasília, em 2008, num simpático almoço, a convite do presidente Lula, já na sua qualidade de presidente timorense.
José Ramos Horta é uma personalidade cuja ação não deixou de ser objeto de alguma controvérsia. Ao longo do complexo processo de luta internacional pela libertação de Timor, nem sempre as posições portuguesas coincidiram, em absoluto, com as suas, não obstante o objetivo final da nossa comum atividade ter permanecido precisamente o mesmo. Parte dos seus amigos ficou também muito desapontada com o apoio público que, em 2003, concedeu à invasão angolo-americana do Iraque.
Mas, tudo somado, quero dizer que sempre mantive uma grande admiração pela figura de José Ramos Horta, pelo seu perfil de patriota e pela coerência global que, ao longo de décadas, sempre demonstrou, na perseverança numa luta justa em que, desde muito cedo, se empenhou. A independência de Timor deve-lhe imenso e a diplomacia portuguesa é disso uma das melhores testemunhas. A sua serena saída de cena, no auge deste novo processo eleitoral, expressa a maturidade do processo democrático pelo qual Ramos Horta sempre lutou.
Aqui deixo um abraço amigo a José Ramos Horta.
9 comentários:
ele agora tem um 'look' muito mais moderno com oculos de cor
Porque será que esta derrota não me surpreendeu...
Há personagens que têm uma vida cheia e que ficam para a história.
Angela
Senhor Francisco
Eu fico encantada quando o senhor cita grandes feitos de homens publicos mas que também são gente como a gente.
parabens!
com carinho e amizade de Monica
Senhor Embaixador: enquanto simples observador sempre admirei Ramos Horta e o seu longo combate pela independencia de Timor Leste.E,ainda ontem ouvi umas declarações que proferiu-quando já era praticamente certa a sua derrota-demonstrativas de uma enorme dignidade.
Avalia-lo pelo "look" e pela cor dos oculos parece-me miopia a necessitar de uma ida ao oftalmologista.
A democracia é isto.
Só ditadores ou candidatos a sê-lo, poderiam ter outra postura.
Democracia é alternância de poder.
Assim e mais uma vez, este povo dá uma lição de democracia ao mundo.
Quantas vezes pequenos países dão ao mundo grandes homens.
Pequenos GRANDES países que contribuem largamente para o enriquecimento da nossa própria História. Demos ao mundo uma lição de como a "fraternidade" pode ser suficiente para a mudança do rumo das coisas... Quem não se lembra da entrevista do Presidente Jorge Sampaio à CNN? Ainda me comovo... e tive a dita de conhecer Xanana Gusmão em Macau, através de Ramos Horta. Os seus erros (se os houve) perdoados estão pelas dificuldades da altura. Num jantar promovido pelo Dr. João Soares em Lisboa para apoiarmos a causa timorense, ouviamos um jornalista, que teria sido o primeiro a entrevistar Xanana, nas montanhas. Naquele jantar não fiquei muito convencida de que o senhor tinha tido mesmo acesso a Xanana, ou se era um espião, para sondar em Portugal se estavamos adormecidos sobre a situação dos resistentes timorenses. Os amigos não gostaram desta minha falta de confiança no senhor a quem ajudamos na sua passagem por cá. Ou me faltava mais conhecimento sobre as diligências dos jornalistas australianos... ou foi intuição apenas. Mas, tudo o que se fez foi com entusiasmo. Na minha "modesta" casa esteve a primeira mulher de Xanana na sua passagem por cá. Andámos de autocarro, quando estava à mão, porque andar de táxi a levá-la aos lugares aonde tinha alguns encontros ficava-me bem caro. Enfim, mais uma vez com gosto na partilha das suas menórias descritas, sempre, numa perspectiva humanista e pitoresca. Era mesmo assim o quadro da época.
oculos comprados em sydney, na pitt street?
Grande homem, lutador, resistente e politico. Com xanana gusmão e ximenes belo.
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