Há uns anos, quando vivia em Paris, levei Luís Santos Ferro, um imenso queirosiano, infelizmente já desaparecido, a passar pela primeira casa que Eça de Queiroz tinha habitado, quando para ali fora como representante consular de Portugal. O Luís tinha-me sugerido essa iniciativa, bem como a necessidade de renovação da memória que assinala o local da última morada de Eça de Queiroz. Explicava-lhe eu as peripécias por que então estava a passar, para conseguir colocar uma placa evocativa nesse primeiro edifício, porque os franceses levam essas iniciativas muito a sério, quando recebi do Luís a seguinte reação: “O Francisco devia tentar promover que, em Portugal, os restos mortais do grande Eça fossem para o Panteão!”
Não era coisa em que eu já não tivesse pensado, mas, confesso, à época, nem sequer conhecia bem os mecanismos necessários para dar honras de Panteão Nacional a uma personalidade. E que podia eu fazer para isso? Limitei-me então a alertar, num texto no meu blogue pessoal, para o interesse que haveria em lançar um movimento nacional de apoio à ideia, que me parecia altamente meritória. O meu sucesso imediato foi escasso, mas aprendi na vida que há coisas que precisam de tempo para maturar o seu caminho.
Vale a pena dizer que, por muitos anos, e ao contrário do que sucede em outros países, não foi muito forte, em Portugal, a consciência da importância de uma figura nacional ter os seus restos mortais depositados no Panteão de Santa Engrácia. O atraso da conclusão das obras do edifício também não ajudou a dignificar a simbologia do local, circunstância que foi pretexto para uma graça que atravessou gerações. Decisões discutíveis, na seleção de personalidades a homenagear, não facilitaram igualmente a consensualização do processo. Mas, com o tempo, o regresso de um maior critério e alguma serenidade no debate, o prestígio do monumento foi-se reforçando.
Eça de Queiroz é a única das grandes e indiscutíveis figuras portuguesas que não está no Panteão Nacional? A resposta é não. De facto, como todos sabemos, há grandes personalidades da nossa História e cultura que não estão depositadas naquele espaço. Mas, se refletirmos um pouco, chegaremos facilmente à conclusão de que, na totalidade dos casos para quem essa glória seria, em geral, incontroversa, os seus túmulos estão hoje em lugares com dimensão arquitetónica e simbólica relevante.
Esse não era, até agora, o caso de Eça de Queiroz. Na vida, fui uma única vez ao cemitério de Santa Cruz do Douro, prestar homenagem àquele que considero o maior escritor de sempre da literatura portuguesa. O cemitério é um local com dignidade, tal como o é a sepultura de família em que o escritor se encontra depositado.
Mas há que convir, e creio que dificilmente isso pode ser contestado, que a projeção de uma figura com a dimensão de Eça de Queiroz ganhará imenso em ser destacada num local como o nosso Panteão. O gesto de proceder à mudança dos seus restos mortais para um lugar com forte destaque nacional é um ato que dignificará a memória do escritor, mas que igualmente honrará a generosidade da terra que foi a sua sepultura por todos estes anos.
Eça nasceu na Póvoa de Varzim e morreu em Neuilly, às portas de Paris. O que dele resta esteve acolhido, ao longo de todos estes anos, numa geografia a que uma parte da sua obra ficou para sempre ligada. Ninguém que aprecie Eça de Queiroz esquecerá alguma vez Tormes! As pessoas continuarão a visitar, cada vez mais, o lugar eterno de “A Cidade e as Serras”. Ali pararão com vontade de comer “umas favas”, como as que “rescendiam” noutros tempos. Alguns, mais curiosos, descerão mesmo à estação, à cata da sombra literária do Silvério. Eu, por mim, continuarei a fazê-lo, sempre que puder!
E a grande maioria dos que ainda não tiverem tido o ensejo de ir por ali - portugueses e estrangeiros, crianças das escolas e simples turistas -, quando o circuito da capital os conduzir ao Panteão Nacional, ir-se-ão lembrar, através da presença do grande escritor naquele monumento, que existe uma belíssima aldeia no Douro onde ele soube desenhar, para sempre, com palavras únicas, uma paisagem que é hoje uma visita obrigatória em Portugal.
Apraz-me registar que a excelente iniciativa de trasladar os restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, assumida pelo escritor e familiar de Eça, Afonso dos Reis Cabral, presidente da Fundação Eça de Queiroz, tenha sido proposta na Assembleia da República, com completo acordo parlamentar, por José Luís Carneiro, responsável político, parlamentar, antigo governante e autarca de Baião, a terra que acolhe a Fundação e que, para sempre, se manterá, no país, como o lugar de culto da memória do escritor.
(Texto que elaborei em 2021, com destino ao boletim da Fundação Eça de Queiroz, de cujo Conselho Cultural faço parte. Agora que a data da trasladação se aproxima, não sem que uma polemicazita se tenha gerado, como é de bom tom na nossa paróquia político-literária, resolvi deixá-lo transcrito aqui. Leio entretanto que o Círculo Eça de Queiroz se manifestou contra a trasladação (não se escreva transladação, por favor!). Que fique bem claro que este sócio de categoria A desse mesmo Círculo Eça de Queiroz, que o é também do não menos queirosiano Grémio Literário, não acompanha minimamente esta posição institucional do seu clube.)
13 comentários:
Deixem a ossada do homem onde está (entre amigos digo eu) e não o metam num gavetão do panteão entre poetas e soldados, futebolistas e cantores de fado, políticos e reviralhistas,
Poupem-no a mais uma "viagem"
Sou contra. Ao fim de tantos anos andarem a mexer nas ossadas. Se Eça de Queirós está bem no cemitério de Santa Cruz do Douro lá deve continuar. O Eça de Queirós não precisa nada do Panteão para continuar a ser o Eça de Queirós. Vi há pouco, aliás, que bisnetos do escritor vão intentar uma providência cautelar contra a trasladação.
Talvez os velhos portugueses gostem de o ver no Panteão, não tanto os novos portugueses.
É que agora tudo está a piar em vários tons.
Já agora porque não o Camilo que nem sequer jazigo próprio tem, emprestado pelo amigo Freitas Fortuna!
Albertino Ferreira
O Panteão passou a ser uma caricatura quando lá se decidiu depositar um futebolista. Acaso os que aplaudiram a iniciativa defenderão que um dia um madeirtense, futebolista que granjeou indiscutivelmente mais fama internacional, mas que nasceu para o futebol do outro lado da segunda circular também lá possa repousar para a eternidade? Dificilmente.
Assim sendo, esvaziada completamente a solenidade do espaço, acho que o Eça deve ficar onde está.
Sem discutir o princípio da questão, de que não discordo, granjear mais fama internacional em 2016 do que em 1966 é capaz de não ser grande argumento, há algumas diferençazitas (pequeninas!) no acesso à informação e no número de pessoas que a recebem 24 horas por dia, 7 dias por semana, 52 semanas por ano.
Como diz, Eça de Queiroz ficará para sempre ligado a essa geografia no seu livro belíssimo ‘A Cidade e as Serras’. Não sei se ele apreciaria ser trasladado para o Panteão Nacional. Talvez Santa Cruz do Douro seja um lugar mais apropriado, se for cuidado e preservado.
"(..) um madeirtense [SIC], futebolista (...)"
Mas que porra de obsessão esta com a naturalidade das pessoas das ilhas! E porque é que "um futebolista" não é referenciado como "um moçambicano" ou "um laurentino"?
Porque é que as pessoas das ilhas têm sempre de andar com uma etiqueta na testa a dizer "Açoriano" ou "Madeirense"?
É uma verdadeira obsessão! Tão estúpida quanto aquela de dizer "Região Autónoma" quando não se está a discutir questões administrativas. Ninguém vai trabalhar para a "Região Autónoma X", ninguém passa férias na "Região Autónoma X". Atinem!!!
Quanto ao Panteão, só a embirrância com o futebol pode fazer esquecer a série de hóspedes que lá estão sem estatuto para tal: vamos fazer uma lista?
Como adenda ao que escrevi.
"Sem discutir o princípio da questão, de que não discordo,..." refere-se ao modo como ao longo dos anos foram "escolhidos" uns e umas e não outros e outras, não ao facto de serem futebolistas ou Presidentes da República.
Mas isso é como tudo, as escolhas são sempre ditadas ou pela História ou pelo momento e como os poderes (e a opinião publicada) encaram uma e o outro.
E não deixa de ser útil sabermos que pouca gente se preocupe com quem lá está, cujos nomes são completamente desconhecidos e de um modo geral nem objecto de alguma curiosidade por quem foram e o que fizeram, mas quase toda a gente saiba que Amália e Eusébio estão lá e um razoável número das pessoas com quem nos cruzamos "ache mal".
Para "achar mal" que alguém em particular lá esteja é porque se "acha bem" que outro alguém em particular lá esteja, o espaço não é ilimitado, na falta desta "oposição" por desinteresse ou ignorância é falar por falar.
PS- Quando a SPA propôs a ida de José Afonso para lá a família foi muito clara a opor-se, com base nos princípios que ele sempre tinha defendido e com os quais sempre tinha vivido.
no Panteão?...é como as comendas, hoje. em nome de Tormes!
...foge cão, que te querem pôr no Panteão! (in T&Q)
Olhando para a posição política de Eça bem como para a sua vida e obra, o Panteão é mesmo o último sítio onde quereria ficar.
Está ideia não passa de soberba de alguns.
e está suspensa a ...transladação!!!
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