11 de setembro de 2001. Nova Iorque. A voz, pelo telefone, era de José Rodrigues dos Santos. Era o jornal da 13 horas da RTP, para o qual eu entrava em direto, sem imagem. Era embaixador português nas Nações Unidas, nesse dia trágico em que as Torres Gémeas tinham acabado de cair, por ação da barbárie. Dei conta, nessa curta intervenção, do trauma em que todos estávamos, na missão portuguesa, naquela cidade em compreensível estado de sítio, depois de uma louca manhã.
A certa altura, quase a concluir a conversa (logo depois, as ligações telefónicas com Lisboa iriam ficar interrompidas, por cerca de dois dias), Rodrigues dos Santos perguntou-me qualquer coisa como isto: "Embaixador, imagino que a data de 11 de setembro, a partir de hoje, vá ficar marcada na sua vida". Saiu-me algo assim: "Já estava. O 11 de setembro de 1973, data do golpe fascista de Pinochet no Chile, já fazia parte das minhas memórias trágicas". Pela troca de olhares, percebi que as duas pessoas que, no meu gabinete, assistiam à conversa, não pareciam muito concordantes com a oportunidade desta minha evocação. Dias depois, ouvidos de Lisboa, outros amigos também foram da mesma opinião. Eu, contudo, nunca me arrependi.
Passou, entretanto, uma semana. Entre as estantes da Barnes & Nobel da 3rd Avenue, dei de frente com Jose Miguel Insulza, ministro do Interior do Chile. Em 1998, ao tempo em que ele era ministro das Relações Exteriores, eu tinha sido o membro do nosso governo escolhido para o acolher em Lisboa, à frente da delegação do seu país à Expo 98. Dois anos depois, em Santiago, numa visita oficial que fiz ao Chile, ele tinha-me recebido calorosamente no Palácio de La Moneda, como presidente da República interino que então era. Nessa ocasião, que ocorreu logo depois de eu ter ido colocar cravos vermelhos no mausoléu de Allende, ele tinha notado que eu estava bastante emocionado, ao caminhar pelos corredores daquele palácio. No encontro na livraria em Nova Iorque, Insulza disse-me: "Os americanos acabam de ter o seu trágico 11 de setembro. Mas nós já tínhamos tido o nosso".
11 de setembro de 1973, faz hoje 50 anos. Lisboa, Lumiar, Escola Prática de Administração Militar. Ao final da tarde, um pequeno grupo de soldados-cadetes, de "Ação Psicológica" e "Licenciados em Direito", fazia formatura para sair da unidade. Um desses cadetes disse: "Já sabem as novidades do Chile? Ouvi na rádio que o regime de Allende está a ser derrubado por um golpe de estado militar. Convido todos a virem beber uma taça de champanhe a minha casa. Temos de comemorar!" Era a brincar, mas mesmo assim...
A maioria daquele grupo era bastante conservadora e, se bem me lembro, havia por ali algum regozijo com a notícia. O António Franco, o Miguel Lobo Antunes e eu (não sei se mais alguém) rugimos algumas imprecações. O António foi mais longe e disse, irónico, em voz alta: "Vocês, seus "fachos", estão com muita sorte. É que já entreguei no armeiro a minha G3..." Recordo que o 25 de Abril só chegaria no ano seguinte.
9 comentários:
Tristes memórias! Depois de 'o 11 de Setembro' o mundo nunca mais foi o mesmo. As imagens não saem da nossa memória. Óptimo texto.
Em 27 de Junho de 1970, durante uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, um certo Henry Kissinger declarou:
“Não vejo por que deveríamos ficar sentados quando um país se torna comunista devido à irresponsabilidade do seu próprio povo. »
Isto diz tudo sobre a diplomacia americana e a mentalidade do seu chefe .Os povos so sao responsàveis quando votam nos lacaios de Washington.
Mas Allende ganhou. Allende vai implementar um programa que é simultaneamente anti-imperialista, anti-oligárquico e anticapitalista – tudo dentro do quadro da democracia. A teoria de que apenas a violência revolucionária abriria o caminho para o socialismo foi contestada.
Imediatamente, o embaixador dos Estados Unidos no Chile, Edward Korry, (copia conforme daquele que Mario Soares recebia em Lisboa alguns anos mais tarde !), telegrafou a Washington, muito alarmado: “O meu pessimismo eleitoral da noite passada fortaleceu-se. Nem os políticos nem as forças armadas se opuseram à eleição de Allende; não temos mais a menor partícula de esperança. Os Estados Unidos devem começar a ter em conta a realidade de um regime de Allende."
Quem conhece a "democracia" americana sabe o que isto significa:
Nixon lança o grito de morte: "Façam-me gritar a economia chilena"!
Henry Kissinger, tinha-o preparado: “Allende é uma ameaça porque foi eleito democraticamente! O seu governo de mudança, pacífico e com estruturas democráticas, poderá estender-se a outras regiões da América Latina e da Europa. »
Agustín Edwards Eastman, dono do maior conglomerado economico chileno da época, o grupo Edwards, e especialmente do diário El Mercurio. Com 130 mil exemplares, é o órgão de imprensa mais poderoso do país. Edwards veio a Washington imediatamente. Encontro no Salão Oval na companhia da famosa dupla Nixon-Kissinger, do diretor da CIA Richard Helms e… Donald Kendall, “gerente geral” da Pepsi-Cola.
Edwards busca uma acção militar que impeça Allende de assumir o cargo. Ele completa com algumas informações confidenciais sobre os oficiais chilenos dispostos a participar da conspiração.
Nixon, batendo na mesa com o punho, gritou mais do que disse: “Devemos esmagar esse filho da p... a todo custo” - . Allende é condenado à morte !
Nixon convocou o director da CIA de volta ao seu covil: “Há talvez uma chance em dez de sucesso, mas devemos salvar o Chile!”. Salvar, salvar, salvar, é a palavra de ordem da democracia americana: Vietname, Iraque, Afganistao, Libia,Somàlia, Siria, Panamà, Cuba, Venezuela...etc, etc.
O remédio vai chegar ...Façam a economia gritar! » Nixon deu instruções directas à CIA . Aumentam as medidas retaliatórias: bloqueio de bens e activos chilenos nos Estados Unidos, recusa de máquinas e peças de reposição para as minas, manobras internacionais para impedir a consolidação da dívida de Santiago, pressão sobre o preço do cobre, penhora das exportações deste metal para Europa... O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), uma organização neutra liderada desde 1968 por Robert McNamara, o arquitecto da escalada militar contra o Vietname, recusam qualquer empréstimo a Santiago.
O condor dos Andes sente o odor do sangue na Moneda...Li algures que o embaixador americano em Portugal, apos o Movimento do MFA, teria feito um desenho aos generais para que compreendam o que isso signifca. Verdade, Senhor Embaixador Seixas da Costa?
PS) Kissinger recebeu o Prémio Nobel da Paz....
Confesso que vivi...
é escusado: não posso ter outro partido senão o da liberdade. (Torga)
Hoje, melhor ontem falou-se do golpe que derrubou o Presidente eleito, falou-se da democracia, mas os que falaram, incluindo os que fizeram aquele número em Santiago, nunca mencionaram os verdadeiros autores e financiadores do golpe. Então, como agora, não se toca em quem manda e diz como se defende a demoracia.
Não se arrependeu e muito bem, de facto 11/09/1973 é um dia negro.
Do de 2001, andava a passear pelo quarteirão perto do trabalho da minha mãe a poucos dias de começarem as aulas do meu 9.º ano, quando, ao passar por uma taberna conhecida pelo simpático papagaio que estava à porta, me apercebi das notícias.
Há datas que nos marcam. Comigo foi o 9 de Novembro (de alegria com a queda do muro de Berlim) e agora o 24 de Fevereiro (para chorar).
Brilhante súmula aquela feita, redigida, por Joaquim de Freitas. Magnífica!
Ainda hoje me lembro como se fosse nesse dia. Fiquei chocado!
Naturalmente, para um Fascista, ou da Direitalha Neoliberal, aquela data nada lhes diz. Preferem outras, menos significativas.
Depois, convém recordar que uns tantos trastes como Margaret Thatcher receberam carinhosamente o patife do Pinochet, com todo o carinho. Uma canalha política acabada! Repulsiva. E outro traste, Milton Friedman, da famosa Escola de Chicago, encontrou-se com Pinochet pelo menos umas 3 vezes (pelo menos menos 1 ou 2 vezes com o traste de Kissinger)), servindo o Chile sob as garras de Pinochet de cobaia para as suas efabulações abjectas Neoliberais, hoje acarinhadas por essa coisa que dá pelo nome de Iniciativa Liberal.
Sim, fez bem em recordar uma vez mais esse outro e muito mais importante, pela sua dimensão trágica, 11 de Setembro - o de 1993.
a) P. Rufino
Correcção: 1973( por lapso, escrevi 1993). E António Costa fez muito bem em ter estado nessa cerimónia.
P. Rufino
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