segunda-feira, setembro 18, 2023

Portugal au Congo



Ao que constava nas últimas horas, estaria a acontecer um golpe de Estado na República do Congo. 

Para deixar as coisas claras, e para benefício dos leitores, existem dois Congos: este, cuja capital é Brazzaville, pelo que vulgarmente é designado por Congo-Brazza, e o país do outro lado do rio Congo ou Zaire (pelo qual, já agora!, andou e deixou padrões, no século XV, o meu conterrâneo vila-realense Diogo Cão), a República Democrática do Congo, também chamada de Zaire, que tem por capital Kinshasa, e que já teve como líderes figuras do jaez de um Mobutu ou de um Laurent Kabila, como talvez se lembrem.

No poder, no Congo-Brazza, esteve, pelo menos até ontem, Denis Sassou Nguesso. Agora, tinha-se deslocado a Nova Iorque. para intervir na Assembleia Geral da ONU e, por uma vez, poderia ter-se-lhe aplicado a fórmula que eu ouço desde a infância: "quem vai ao mar, perde o lugar". Logo se verá!

Nguesso tem uma grande experiência do lugar de presidente: esteve nesse cargo de 1979 a 1992 e, depois de um interregno, de 1997 até agora. É fazer as contas! São 39 anos. E teve uma filha que foi casada com o líder do vizinho Gabão, Omar Bongo, homem já desaparecido há uns anos, que também tinha alguma experiência do poder: foi presidente por 42 anos. O filho de Omar Bongo, Ali, de seu nome, foi à vida, há semanas, por um "movimento das forças armadas" qualquer.

Creio (mas posso estar enganado) que Portugal nunca teve uma embaixada em Brazaville. Mas tivemos, por lá, por muitos anos, uma figura extraordinária como cônsul honorário, o José Fernandes. Fernandes era um verdadeiro português dos trópicos: influente, com excelente "trânsito", cordial e conhecedor da terra como ninguém.

De uma das vezes que estive em Brazaville, além de algumas cenas que para sempre não poderei contar, assisti a duas extraordinárias manifestações da rara influência do José Fernandes, que era, aliás, figura com acesso fácil a Nguesso, como vim a confirmar por outras fontes. 

Numa delas, perante o interesse manifestado pelo chefe da nossa delegação de se encontrar com um determinado ministro, que sugeriu poder ir visitar no seu gabinete, o José Fernandes reagiu: "Essa agora! Não vai nada ao gabinete dele. Eu chamo o ministro a minha casa e encontram-se lá". E chamou...

A segunda foi também de mestre. Por uma qualquer razão, chegámos demasiado cedo ao aeroporto, onde íamos apanhar um voo para Paris. A sala VIP, dado o adiantado da hora, estava fechada. O embaraço coletivo durou um segundo: com um sorriso, o José Fernandes sacou da chave que tinha de acesso à sala. E logo partiu para o bar, servindo os integrantes da nossa delegação. 

Tenho saudades do José Fernandes, um homem simpático, já desaparecido há uns anos, que voltei a reencontrar, tempos mais tarde, num jantar, em que me recordo que estava também o meu colega e amigo, embaixador Leonardo Mathias, que creio teve lugar em Linda-a-Velha. Na ocasião, o José Fernandes disse-me: "Nunca me esqueci de uma coisa que o doutor me contou em Brazza, numa noite: que há um "José Fernandes", uma figura importante, num livro de um escritor português. Pode dizer-me o nome do livro?"

Não sei se o José Fernandes chegou a ler "A Cidade e as Serras", onde um seu homónimo é uma espécie de "compère" do Jacinto, de Paris a Tormes, com comboios, favas e primas pelo meio. Mas o "nosso" José Fernandes de Brazzaville, embora, que eu saiba, não esteja ainda retratado na nossa literatura, tinha, incomparavelmente, mais graça como figura do que o homem de Guiães.

9 comentários:

7ze disse...

Para efeitos arqueológicos: ao princípio da tarde de hoje, propagava-se via redes sociais um suposto golpe de Estado no Congo "francês". Ainda antes de transpirar para notícias, por volta das 19h de Lisboa, Thierry Moungalla, ministro de N'Guesso, publica na Plataforma X, o antigo twitter, um desmentido tranquilizante, classificando tais "notícias" como fakes. Pouco depois, tanto a CNN como a BBC reportam que as tentativas para confirmar o boato se haviam revelado infrutíferas. Contudo, a própria pressa em desmentir a simples fake, revela o mal estar de Sassou, que pouco tem dormido com medo de se tornar no próximo (até já partilhou a insónia com o presidente angolano).


Mas há mais elementos a considerar: será pura coincidência ter sido anunciada, um dia antes, uma frente comum da oposição para contestar a legitimidade do Presidente, propondo uma transição de dois anos no fim da qual este seria excluído das eleições? É no mínimo curiosa, todavia, a ameaça quase explícita no discurso do porta-voz, quando defende que com essa bondosa proposta estão a estender a mão da paz ao presidente e que o melhor seria este aceitar, para evitar "soluções extremas". Num artigo que reporta tais declarações, o jornalista interrogava-se mesmo se não estariam a avisar N'Guesso quanto um eventual golpe... a nova fobia ameaça tornar-se auto-realizável.

José Fernando, ribatejano em África com raízes beirãs e avô materno de Celorico.

Flor disse...

"O Governo da República do Congo negou, este domingo, os rumores que circulam nas redes sociais sobre uma alegada tentativa de golpe de estado no país, contra o Presidente, Dennis Sassou N´guesso" Jornal de Angola.

Francisco F disse...

Poucas coisas são certas mas esta deve ser: a culpa é do neocolonialismo e dos malditos europeus.

Joaquim de Freitas disse...

"o José Fernandes sacou da chave que tinha de acesso à sala. E logo partiu para o bar, servindo os integrantes da nossa delegação" !

"Ora essa, eu chamo o ministro a minha casa !"

Dois golpes de mestre, como escreve Senhor Embaixador.

No Gabao, quando a justiça francesa acompanhava de perto , demasiado perto, aos gostos do presidente gabonês, que agora saltou, a provenência das somas colossais das compras de palacetes em Paris, o "visado" queixou-se ao presidente Chirac " Jacques, o teu ministro m'emmerde" ! Jacques fez o necessàrio.*

Era o France-Afrique de Foccart !Como o Portugal Afrique , aparentemente ! Pois é, foi por estas e por outras muito mais graves que o embaixador francês està em repouso forçado na sua embaixada em Niamey ! O neo colonialismo chega ao seu fim.

Joaquim de Freitas disse...


No que respeita a República Democrática do Congo , eu teria escrito “os assassinos” de um presidente de 35 anos, democraticamente eleito, Patrice Lumumba, foram figuras líderes do jaez como um Mobutu ou um Laurent Kabila! Até teria acrescentado um Tshombé! Com o papel habitual da CIA, e da Bélgica, cujo monarca, Leopoldo 2, proprietàrio do Congo, foi o maior déspota branco da África.

Este golpe de estado célebre, transformou o Congo no que ele é hoje, isto é, o cemitério de milhares de crianças , mineiros desde o berço, ou quase, para enriquecer uns tantos, negros e brancos das multinacionais .

Devido à crise climática, as multinacionais e os diplomatas ocidentais estão a instar o Congo a aumentar a sua produção de cobalto, um componente essencial, especialmente para baterias de automóveis eléctricos. Aumentar a produção de cobalto, mas em que condições? Enquanto os ocidentais sonham com carros limpos e um planeta mais verde, os congoleses trabalham para alimentar uma indústria não muito limpa.

As pessoas fazem um trabalho desumano: porque não podem fazer de outra forma, porque são dramaticamente pobres.Dezenas de milhares de pessoas trabalham em condições indescritíveis.

A única coisa duradoura no Congo é a colonização. 87 milhões de congoleses sem emprego digno, sem rendimentos dignos, sem minerais, sem refinarias, sem a sua própria indústria de transformação. Foi para este resultado que assassinaram Lumumba.

Nuno Figueiredo disse...

A Cidade e as Serras...vem sempre à colação, não é?

7ze disse...

Parece óbvio que qualquer comparação entre Portugal e França, relativamente a África, sobretudo conectando com Afrique, ainda para mais, em gaulês, é completamente ilegítima. Como provou o II Visconde de Santarém face ao egocentrismo franco, fomos os primeiros a chegar àquelas paragens. Portugal perdeu a guerra colonial (em Bissau) e não seguiu um modelo neo-colonial como os franceses, que se anteciparam a "conceder" a "independência" às suas colónias por referendo, para melhor manter a sua "emprise". À excepção dos rambos PP (Paulo e Pedro, Portas e Passos) e da infeliz operação Manatim, que há 11 anos arrepiou caminho quando o Porta-Voz da então Junta Militar lhes deu a resposta que mereciam, Portugal tem conseguido manter, de uma forma geral, um justo afastamento da política dos PALOP, mesmo se nem sempre lhe é fácil discernir, caso a caso, as posturas mais adequadas. Aliás, isso tem sido comentado em Bissau, evidenciando essas diferenças pela positiva. Parece-me pois inteiramente desadequado e anti-patriótico sugerir sequer tal aberração, que me parece mentalmente provinciana, no sentido de vassalagem intelectual à França que lhe presta Fernando Pessoa.

Retornado disse...

O que Portugal explorou e sacou das colónias das Áfricas e Américas e Indias não deu nem para pagar os cascos das caravelas de Diogo Cão de Alvares Cabral e de Vasco da Gama.

Vá lá que vieram uns trocados estes 40 anos de Independência de Angola.

Embora tenha dado para o torto a uns tantos otários, tipo Espírito Santo, à procura de "feijão branco", mas sempre veio algum através da Família dos Santos e alguns generais.

Para aqui, para Espanha e outras paragens.

José Moreira da Cunha disse...

Também conheci o José Fernandes na altura em que estive colocado em Kinshasa como conselheiro na nossa Embaixada, que cobria também Brazaville. O cônsul honorário José Fernandes disse.me - não sei se é ou não rigoroso - que a sua influência no Congo Brazaville era devida ao facto de ter sido responsável pela educação do filho do Marien Ngouabi, mesmo depois do assassinato do presidente congolês.
Um estória que o José Fernandes me contou igualmente foi a sua interferência junto do governo de Brazavvile, que manteve grande influência junto do MPLA, para a libertação do Rosa Coutinho preso pelas FAPLA.

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