quinta-feira, outubro 29, 2020

Jorge Galamba


Acabo de saber que morreu o Jorge Galamba, para nós o Jójó. Há muito que a vida o tinha retirado do nosso convívio. Recordo bem as suas entradas triunfais no Procópio de outros tempos, a alegria e graça constantes, com a voz e gargalhadas fortes a atravessarem a sala. Ah! E os seus inevitáveis derriços, se acaso descortinava por ali uma beldade inesperada e despernada. Porque o Jójó, nesse domínio, não perdia tempo e era um galanteador emérito.

O Jójó estava connosco em Nova Iorque, a passar uns dias, quando as torres gémeas cairam, no dia 11 de setembro de 2001. E por ali ficaria, por quase uma semana, enquanto a cidade não teve aviões. 

Nessa noite, com tudo em polvorosa e as ambulâncias a sirenarem pelas avenidas, ainda mais do que o habitual, o ar a cheirar a algo indefinível, dos fumos que o vento nos trazia da tragédia acabada de acontecer no fundo de Manhattan, um odor que pairaria por dias, acabei por ter a bizarra ideia de irmos cear fora. 

Estava muito cansado, pelo dia extremamente pesado que tivera, e achei que sairmos era uma boa solução para espairecer um pouco. A pé, nessa noite aturdida e de ruas quase fantasmas, fomos andando até ao Elaine’s, na Segunda Avenida com a rua 88. Sem surpresas, estava às moscas. 

“Não é por aqui que costuma aparecer o Woody Allen?”, perguntou o Jojó, que conhecia de ouvido a fama boémia da casa, retratada em tantos filmes. De facto, constava que Allen pousava pelo Elaine’s, mas eu, confesso, nunca o encontrei, nem às tantas outras vedetas que se dizia serem clientes, nas várias vezes que por lá passei. 

A própria Elaine Kaufman, dona da casa, que não nos conhecia, veio nessa noite à nossa mesa, uma das poucas ocupadas, comungar daquele sentimento muito estranho que atravessava os nova-iorquinos e quem por lá andava, nessa data fatídica para mais de três mil ocupantes do World Trade Center. 

Era uma mulher pesada, com um sorriso divertido. Trocámos umas banalidades sobre a trágica circunstância que se vivia por essas horas. Logo que ela se afastou da nossa mesa, o Jójó lançou-me, em tom baixo: ”Deve ter sido um bom pedaço, no seu tempo!”. O tempo áureo da Elaine já tinha passado, visivelmente, mas o Jojó ainda foi a tempo de lhe celebrar a glória física perdida. Só ele, com aquele comentário, foi capaz de me alegrar a noite, naquele dia bem triste. Era assim, o meu amigo Jójó.

Em Lisboa, nos jantares natalícios da Mesa Dois do Procópio, que durante uma década organizei em diversos locais da cidade, o Jójó, além de me ajudar a “juntar o rebanho”, como ele dizia, tinha a decisiva tarefa de “tratar das massas”, de “recolher o bago”, como mandava o João da Ega ao Palma Cavalão. Era o nosso “ministro das Finanças”, no final dos repastos, nunca os deixando cair em défices. Quiçá era ungido dessas funções por virtude da sua longa experiência empresarial, como homem de confiança de Francisco Pinto Balsemão, nos tempos heróicos do “Expresso”. 

Com a passagem dos anos, fui vendo o Jojó cada vez mais triste. Dele guardo alguns emails ainda divertidos, ao tempo em que trabalhava no Tribunal Constitucional, o derradeiro paradeiro profissional que lhe conheci.

Esta fotografia, que lhe tirei no jantar da Dois, no Vírgula, há mais de uma década, era já a de um “outro” Jójó. 

Um abraço de pesar ao João Galamba e à restante família.

1 comentário:

Unknown disse...

Desculpe a minha ousadia mas trabalhei com o Dr. Jorge Galamba durante alguns anos numa empresa da CP de que ele era diretor geral e tristemente verifico que já faleceu.
Foi um amigo uma pessoa "difícil" em trabalho mas tinha um coração do "tamanho" dele,
tenho saudades e já nada posso fazer.
Cumprimentos,
Anabela Amorim

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