Vou ser sincero. Habituei-me desde sempre a uma Espanha unida, não porque tenha um gosto particular pelo atual formato do nosso único vizinho terrestre, mas porque fui profissionalmente “treinado” para lidar com “nuestros hermanos” nesse modelo.
Na vida diplomática, rotinamo-nos a viver com as circunstâncias. Na vida dos povos há sempre um “comodismo” que limita a vontade de se verem confrontados com o novo. Em política externa, isso é visivelmente assim.
A Espanha una é um parceiro que a História nos forçou a conhecer razoavelmente bem. Passado o tempo das desconfianças identitárias, disfarçadas no olhar de viés das alianças de oportunidade, em tempos de exceção autoritária, a entrada comum para a Europa política, num registo democrático, limitou fortemente o risco das crises, encaixadas que estas foram no normativo integrador, impulsionado pelo exterior.
A Espanha, contudo, continua a não ser um interlocutor fácil, sempre que entende que estão em causa interesses próprios que reputa como essenciais. Da gestão dos rios comuns a Almaraz, dos limites marítimos de pesca à definição geopolítica e económica das águas atlânticas, do protecionismo por via de expedientes administrativos ao egoísmo na gestão das redes de energia, Madrid tem mostrado que pode, de um momento para o outro, transformar a normalidade num problema.
O interesse comum é, como resulta óbvio, tentar atenuar todas as tensões conjunturais que possam emergir. Nesse esforço, contudo, Portugal revela-se, em regra, bastante mais empenhado do que o seu vizinho, talvez porque este se sente confortado pela maior força relativa. Tentamos não magnificar os dissídios e procuramos quase sempre (mas nem sempre) controlar a expressão mediática dos confrontos. Não nos assustam os conflitos, até porque, no quadro internacional sereno em que nos movemos, sabemos que os podemos ganhar, desde que a razão claramente nos assista. Mas procuramos, sabiamente, evitá-los, porque entendemos que a sua cumulação pode acarretar desagradáveis sinergias negativas. Não é essa, frequentemente, a postura de Madrid. Não é um drama, mas pode converter-se num incómodo conjuntural.
A nossa relação bilateral com a Espanha é hoje, contudo, francamente saudável e, felizmente, não depende de qualquer sintonia ou cumplicidade político-ideológica entre os dois lados da fronteira. O espaço para entendimentos ultrapassa assim, em muito, a margem provável para a emergência de dissídios.
E o futuro? E se a Espanha entrar em ebulição? E se o centralismo, potenciado pelo nacionalismo que sopra de Castela, não resistir à tentação de partir para o embate com o secessionismo e enveredar por uma aventura interpretada como uma “ocupação” pelo orgulho catalão? E se as ruas de Barcelona se converterem à agitação, em moldes que redundem em cenas de violência, da qual saiam vítimas que, como bem se sabe, podem ser “a faúlha que incendeia a pradaria”, como alguém disse um dia?
Não há muito que, por ora, possamos fazer. De uma coisa estou certo: no atual estado de coisas, devemo-nos manter fiéis ao diálogo exclusivo com Madrid. Se e quando alguma coisa vier a ser feita do exterior, intervindo na questão interna espanhola, só deveremos apoiá-la desde que tal não seja desconfortável para as autoridades centrais espanholas. Qualquer sinal de estímulo da nossa parte a uma “balcanização” da Espanha, além de nos colocar perante a natural reação indignada do seu governo, representaria um salto irresponsável no “escuro” político. Bem basta se isso vier, de facto, a acontecer. Nesse caso, lá teremos de abandonar a nossa “preguiça” estratégica e descobrir soluções para os novos problemas. Estar a antecipá-los seria convocar fantasmas antes do Halloween, e este é só para a semana.
13 comentários:
Acho triste que a diplomacia portuguesa apresente uma atitude tão subserviente em relação a Espanha, depois admiram-se que Madrid nos humilhe e hostilize como acontece no casos de Almaraz, da gestão dos rios comuns, da soberania das Ilhas Selvagens e da já antiga situação de Olivença. Espanha é um tigre de papel, como se vê com o recente problema da Catalunha. Portugal deveria, sempre que possível, afirmar-se internacionalmente como único interlocutor político estável e seguro no contexto Ibérico e marcar uma posição claramente diferenciadora dos objectivos políticos e diplomáticos de Madrid.
Vá lá! Do "amigo da Espanha" já se notam umas ideias mais... "normais".
A independência da Catalunha seria uma bênção para Portugal! Uma bênção!
Muito bom. Como seria de esperar uma análize, "a olhar para o outro lado", ao melhor nível.
No entanto é curiosa a expressão " ... a entrada comum para a Europa política, num registo democrático, ...". Registo democrático ?.
Óbviamente que não houve -nem poderia ter sido possível realizar- um coerente plebiscito nacional sobre a adesão, ou não, áquilo que era, à altura, uma União sem os entretanto realizados (democraticos?) Tratados ....
E agora ?. Não se terá ido longe demais via uma burocrática, discutível, "centralização" ?.
O que nos convém e uma Espanha "ameaçada" pela divisão, e por isso cautelosa e não uma Espanha dividida e portanto agressiva. Pedro Marques tem razão numa coisa "sempre que possível deveria": o problema é que a Espanha é muito mais forte do que nós e portanto não se percebe "quando" seria possível. O resto parecem "bravatas" aliás bem características dos portugueses.
João Vieira
Sr. Embaixador,
sábias palavras, mas a "doutrina" aí expendida facilmente poderá resvalar para o comodismo, a busca de compromissos "a tout prix", a capitulação... A prática diplomática relativa à Questão de Olivença - e sou dos que pensam que o tema está longe de ser dos mais gravosos no âmbito das relações peninsulares e dos mais prejudiciais para o nosso futuro como país independente - é reveladora disso mesmo: uma inércia que, com gente como os nossos vizinhos, só pode ser interpretada como pusilanimidade. A prudência, bela virtude de qualquer política externa, não pode justificar tudo.
Cordialmente,
A. Costa Santos
Ao comentador das 17:38:
"Espanha é muito mais forte do que nós"...em quê exactamente? Economicamente? Certamente, mas isso é porque Castela mantém controlo sobre as outras nações com punho de ferro, como a Sérvia quis fazer na Jugoslávia pós-Tito. Espanha será mais forte do que nós politicamente? Culturalmente? Até militarmente? Tenho a certeza que não, e a História mostra-nos que essa minha certeza não é infundada.
http://observador.pt/videos/conversas-2/sera-que-o-lider-chines-ja-e-o-homem-mais-poderoso-do-mundo/
nao consigo deixar de notar que aos 17m e 20 s , inadvertidamente, j nogueira pinto chama idiota a j manuel fernandes...
quanto à catalunha e a espanha, venham os pintxos...
Depois deste texto, só nos resta admitir que a Espanha não é, nunca foi e nunca será um "estado amigo". Daí o espanto em que haja quem sinta tanto gosto em se afirmar como sua amiga e admiradora.
Pedro Marques: a Espanha tem 47,7 milhões de pessoas. Portanto tem mais movimento económico, mais movimento cultural, maior número de forças armadas etc etc portanto, quantitativamente, nem se põe a questão de se saber quem é mais forte. Quanto à qualidade e ao resultado das políticas culturais, económicas, militares pois naturalmente têm variado com o tempo, os regimes as circunstâncias sendo que nós, graças a Deus, temo-nos vindo a "safar", sabe-se lá porquê, do "abraço" castelhano (D. Nuno Alvares Pereira? João da Regras? D. Antão de Almada?) Convém porém não perder a noção das realidades e ter consciência de que a nossa independência depende hoje da Europa como antes da Europa dependeu na forma de alianças com Inglaterra, França... o que fosse... com "engenho e arte"
João Vieira
Ao João Vieira:
A nossa independência sempre dependeu do sacrifício, do sangue e do engenho do povo português que nunca aceitou a arrogância e a maldade castelhana. Isso de Portugal depender de países terceiros para sobreviver é um dos maiores mitos históricos que pululam por aí. Durante as guerras Fernandinas os Ingleses causaram tanto ou mais estragos que os Castelhanos, ao ponto das populações das vilas e aldeias terem de os expulsar à força. Acerca disso aconselho-o a ler Fernão Lopes ou Jean Froissart sobre as guerras do século XIV, lá encontrará muitos testemunhos da política verdadeiramente genocida da hoste castelhana em Portugal. O objectivo do rei Juan de Castela em 1383-1385 era escravizar uns quantos milhares de portugueses e exterminar os restantes. Aljubarrota não foi só uma batalha para defender a independência nacional, foi uma luta pela nossa própria sobrevivência enquanto seres humanos! Como disse um sapateiro de Elvas em 1384: "A lá fé, antes a morte que nos tornarmos agora Castelãos". Por isso é que grito com todas as minhas forças: Abaixo Espanha!! Viva a Catalunha independente!
Sim, se Madrid alguma vez tiver condições para anexar Portugal fá-lo-à. Conjunturalmente pode não dar mostras disso ou não ter interesse nisso mas estruturalmente não escapa a esse desígnio. Está inscrito no seu ADN.
Na resolução de assuntos pontuais suscetíveis de serem resolvidos no âmbito das relações internacionais coloco-me sempre na posição que no momento for mais favorável a Portugal. Nos restantes, nomeadamente quando uma região atualmente integrada em Espanha quer fugir ao domínio de Madrid penso como Madrid, isto é, sou sempre contra Madrid, sou sempre a favor do outro seja ele Catalunha, Navarra, País Basco, Baleares, Galiza. Tenho que ser fiel à minha condição de português.
Concordo em geral, mas nunca esqueço o
Info de História da (minha) 4a classe, do Mattoso Pai e os jogos de Hóquei. De resto, devemos sempre apoiar o cumprimento estrito da Lei por Madrid, incluindo é claro Olivença. Esto és um chiste,claro.
Fernando Neves
Quando penso que Mariano Rajoy, o grande democrata, assim tão pronto a denunciar a deriva « totalitária » como ele diz, do « ditador » venezuelano Nicolas Maduro, e a sua perseguição da oposição, oposição esta que demonstrou a sua violência fascista de várias maneiras em Caracas e outras cidades, enviou a sua Guardia Civil para meter na prisão 14 altos responsáveis políticos catalães democraticamente eleitos, dos quais 10 ainda lá estão.
Mariano Rajoy continua a agir como bom discípulo de Franco, procurando resolver os diferendos nacionais com cargas da polícia. Como se a repressão pudesse substituir o diálogo.
Este Rajoy que não vê a possibilidade duma alternativa popular, duma Republica Nova, social, anti capitalista, federal, que acabará um dia por se impor porque a Espanha é plurinacional, uma nação de nações.
Negá-lo, é abrir a porta ao pior…
Francamente, perante este golpe de estado falangista, tenho “ganas” de gritar “Arriba Catalunya”…
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