quarta-feira, outubro 11, 2017

50 anos


"Eu tinha 20 anos e não deixarei ninguém dizer que essa era a melhor idade da vida". A citação de Paul Nizan, retirada do "Aden Arabia", é vulgar, mas é pena não ser completada pelo que vem a seguir: "Tudo ameaça de ruina um jovem: o amor, as ideias, a perda da sua família, a entrada no grupo das pessoas crescidas. É duro aprender o seu lugar no mundo."

Não sei se eram exatamente esses os sentimentos que me atravessavam nesse mês de outubro de 1967, quando me preparava para completar essa idade mítica. Conhecendo-me, não creio.

Lembro-me muito bem de ter recebido, verifico agora que com essa idade, a notícia da morte de Che Guevara, faz hoje precisamente meio século. Recordo a imagem do seu corpo indecentemente exposto na Bolívia, como relíquia de vitória da ditadura militar sobre a guerrilha.

Guevara estava já na fase em que os "dois, três, muitos Vietnam" andavam muito longe de hipóteses de concretização. Antes, andara próximo da guerrilha independentista angolana, no "ano em que estivemos em parte nenhuma", como ele classificaria esse tempo no Congo. Cuba e a sua revolução, essas estavam já muito longe.

Tal como Fidel, Guevara nunca fez parte da minha mitologia de esquerdista. Talvez porque a revolução cubana teve lugar antes da minha idade adulta, o seu socialismo "latino" disse-me sempre muito pouco. Mas Guevara, caramba!, era "do meu lado". Por isso, li o seu diário (edição espanhola, comprada à sucapa na Tanco, em Orense), e também o que Régis Debray escreveu sobre ele, apreciei sempre a sua bela foto feita por Alberto Korda e tenho ainda por casa esta antologia dos "Cadernos" da "Dom Quixote", que a polícia logo recolheu pelas livrarias.

Ernesto "Che" Guevara morreu há 50 anos. Tinha 40 anos, o dobro da minha idade de então. Não seria "a melhor idade da vida", mas era uma bela idade para apreciar as revoluções e acreditar que elas ainda eram possíveis. É que, mesmo não o sendo, as revoluções fazem para sempre parte do património dos que nelas acreditaram. E os bons sonhos não têm preço!


19 comentários:

Anónimo disse...

Em todo o caso Régis Debray e Francisco Seixas da Costa singraram ambos os dois.

Portugalredecouvertes disse...

Essa fotografia fazia acelerar o coração e os sonhos de muitas raparigas !
A ideia que ficava da revolução era muito romântica
(o sofrimento des uns e de outros parece que não acontecia)
Será também de apreciar que o corte da barba dele voltou a estar na moda :)
bom dia para todos :)
Angela

Joaquim de Freitas disse...

« Sou capaz de sentir em mim a fome e os sofrimentos de não importa qual povo da América, fundamentalmente, mas também de não importa qual povo do mundo » CHE GUEVARA , na ONU, em 1964.

Li quantas vezes aqueles que não hesitaram a qualificar o Che de aventureiro romântico por ter ousado fazer a revolução. Com as armas na mão, muito mais perigoso que esperar Godot.
São os actos, muito mais que as ideias e os discursos, que constituem o ser humano e lhe dão o seu valor.
A coerência do Che, foi de ter posto os seus actos em acordo com as suas ideias em plena consciência e aceitação do preço a pagar. O que lhe deu uma dimensão universal.

Luís Lavoura disse...

o seu corpo indecentemente exposto

Não há nada de indecência, há eficiência.

Um corpo assim exposto é eficiente a explicar a todos que aquilo acabou mesmo. A guerrilha boliviana acabou mesmo.

Angola fez o mesmo ao corpo de Savimbi, com os resultados que se conhecem. A guerra acabou mesmo.

Anónimo disse...

Meio século !!!!

E o que restou desse heroísmo todo.
A América do Sul ainda é aquela região do globo onde se passam assuntos pouco dignos como a droga e os direitos da humanidade pouco claros.

Enfim.....

Joaquim de Freitas disse...

Questão de eficiência, da CIA, Senhor Luís Lavoura?

Para o Senhor Luis Lavoura, gostaria de publicar, se o blogue tivesse essa facilidade para os comentadores, algumas fotos de Treblinka e Auschwitz , dos corpos expostos de milhares de vitimas do nazismo, perante os civis alemães que “não estavam ao corrente” do que se passava lá dentro. . Questão de eficiência dos carrascos, Senhor Luís Lavoura?

Talvez o Che nunca tivesse pensado, que os carrascos da Bolívia ainda mantêm o embargo a Cuba 70 anos mais tarde. Questão de eficiência …..

Augie Cardoso, Plymouth, Conn. disse...

Che , Ernesto Lynch, o "basco " e Fidel, o galego de Havana, tinham uma coisa em comum. OS dois odiavam OS castelhanos .
Finalmente o galego mandou matar o revolucionario com sangue do pais vasco na Argentina.
Dois espanhois mal paridos. Se o Ernesto tivesse lido alem do Markx e Lenim, o SR Gandhi poderia ter feito algo de util para a humanidade.....
Faz me lembrar, quando o meu visavo andou na guerra DAS Filipinas ,Cuba, incorporado na "10 mountain division" onde OS galegos foram instrumentais na liberacao dos territorios, em 1899 e derrotar o imperio dos carneiros de Castela.

Maria disse...

Gostaria de me focar em 5 pontos

- A Republica da Irlanda emitiu 1 selo da autoria do artista grafico Jim Fitzpatrick com a imagem de Che Guevara que reproduz acima. Emocao em Dublin e protestos dos Cubanos Americanos

- Citacao do pai de Che Guevara quando deu uma entrevista em Dublin (1969?) : "In my son's veins flowed the blood of Irish Rebels".

- Citacao de Che Guevara: "The true revolutionary is guided by a great feeling of love. It is impossible to think of a genuine revolutionary lacking this quality"

- Evitar a tentacao de revisitar "TOPAZ" (1969) de Hitchcock. O filme e um "weepie" mas...passa as medidas. Nem um leque de actors (Michel Picoli, Dany Robin entre outros) evitam um gosto amargo na boca...

- A tarde vou ao ICA ver o unico filme portugues no Festival de Cinema de Londres "The Nothing Factory". Tres horas de bom cinema, varios amigos o afimam. Sozinha beberei 1 copo a "Che".

Saudades

F. Crabtree

Anónimo disse...

Um carrasco de extrema-esquerda , igual aos nazis de extrema-direita:

assassinos.

Anónimo disse...

Porquê falar tão bem do Guevara?! Não foi mais que um reles assassino.

Anónimo disse...

É pena que os russos nunca tenham divulgado as fotos dos milhões de vítimas dos Gulag. Conservadinhas pelo frio, deviam de dar ótimas imagens.

Anónimo disse...

Após o assassinato de Guevara, e eu lembro-me bem, houve o tempo das "t-shirts" com a foto do mártire. A maioria dos usuários não conhecia minimamente quem foi "Che" Guevara...



Joaquim de Freitas disse...

Este blogue, das 12 :59 às 13 :16, esteve sob o fogo das forças fascizantes que preferiram Pinochet ao Che Guevara. Para estes reaccionários, o carrasco de Allende é um herói.

Sempre existiram estes mercenários anónimos da escrita, para defender o sistema. Mas ao cuspirem para o ar, cai-lhes em cima. Ao criminalizar o Che, são todos aqueles que não crêem, na afirmação de que não há alternativa ao capitalismo ( dixit Margareth Thatcher) que eles visam. O capitalismo como estado natural da sociedade! Ponto final ! Escroqueria !

Vão buscar o Goulag como argumento, como se Guantanamo e Abhou Graib fosse melhor. Enquanto todos são e devem ser para sempre estigmatizados.

Estes não conhecem o Che. Impossível para o Che de desconectar o humano do político e da economia, o primeiro primando sobre o segundo. Che apelava a prosseguir simultaneamente a emancipação do homem e da sociedade.”

A economia e o homem devem transformar-se num mesmo movimento”. Eram as suas palavras.

Cícero Catilinária disse...

Meu caro Sr. Joaquim de Freitas....
Concordando inteiramente consigo, permita-me que lhe diga que mal empregada a cera que gastou com tão reles e reaccionário(s)defunto(s). Morreram há muito e ainda não deram por isso.

L M D disse...

Não sei porquê, mas apesar de ser de esquerda, não me consigo rever na ideologia demasiado radical de Che, talvez porque ele (se não estou em erro) afirmou na ONU: " Sim fuzilamos, e vamos fuzilar muitos mais".
Resumindo o culto de Che, passa-me literalmente ao lado, embora tenha muito respeito por quem pense o contrário

Joaquim de Freitas disse...

Tem razão Caro Cícero Catilinária : Eles não valem a pena
Mas como sabe, ainda hoje se debate sobre os méritos ou desméritos de Danton e Robespierre. Mas o que penso é que quaisquer que tivessem sido os seus excessos, inerentes a toda revolução, eles mudaram a face do mundo, ao acabar com o absolutismo do rei.
Os indivíduos que reagem neste blogue da maneira que vimos, são aliados objectivos do sistema, que aceitam por interesse pessoal ou, pior ainda, por ignorância.
O sistema beneficia destes batalhões servis que lhe permite de perdurar. Um pouco como o poder que não vê com desagrado aqueles que sofrem, os sem trabalho, encontrar um exutorio no frenesi dos desafios de futebol. Enquanto vociferam “ Ganhamos”, não pensam na revolução.

Septuagenário disse...

Ché Guevara é o contrário de Gandi e de Mandela e de Luther King, só para mencionar estes poucos.

Ché e Fidel não podem ficar como modelo para a história,porque existiu esta gente, que os apaga e os denuncia.

Joaquim de Freitas disse...

Ao Septuagenàrio das 18:02:


Quando se tem por objectivo de insultar a memória de alguém, Fidel Castro e Guevara, que combateram por uma causa justa, comparando-o a Homens como Gandhi, Mandela e Martin Luther King, por vezes o resultado é oposto ao que o insultador se propunha de fazer.

Porque Gandi combateu por uma causa justa, num país já impregnado de alguns valores democráticos, que o ocupante britânico tinha inculcado na sociedade indiana.

O Império Britânico não pode ser comparado aos ditadores fascistas da América do Sul, sob controlo da CIA que apoiava o Fulgêncioi Batista em Cuba e Manchego na Bolívia, lacaios abjectos às ordens do Império Americano.

Mandela, já na prisão desde há dezenas de anos, viu o fim do seu sacrifício e a vitoria da sua causa, porque enfrentou um Homem impregnado dos mesmos valores que ele,mesmo se campo oposto, o primeiro ministro Frederik De Clerk.

De Clerck não era um fascista às ordens de Washington, como o presidente da Bolívia, e soube conciliar os interesses da sua raça e a justiça do combate da raça de Mandela.

Martin Luther King, lutou num país onde o combate politico faz parte das tradições, desde sempre, e se foi assassinado, foi-o precisamente pelo mesmo tipo de assassinos que assassinaram Guevara e Kennedy, que não aceitam o combate de ideias mas só sabem apoiar sobre o gatilho, velha tradição dum país arcaico em muitos aspectos. Vimo-lo há semanas em Charlottesville, na Virgínia e Las Vegas, e na realidade todos os dias nessa democracia à deriva.

O combate de Guevara e Fidel foi o combate do desespero contra forças reaccionárias imensamente poderosas, que fazem a lei nesse continente e mesmo no mundo. As mesmas forças que assassinaram Allende, pelas mesmas razoes.

Compará-los aos três personagens históricos citados, é um título de glória para Guevara e Fidel Castro, contrariamente àquilo que pretendeu demonstrar no seu discurso doutra época.

Joaquim de Freitas disse...

Permita, Senhor Septuagenário, que acrescente algumas palavras ao meu comentário precedente.

Notou certamente que no caso da independência da Índia, Gandhi e a potência ocupante, o RU, negociaram. E o problema não era fácil, pois que se tratava nada menos que da partilha do grande continente, entre duas religiões opostas: o Hinduísmo e o Islão. Ainda incompletamente resolvido, por causa do Caxemira. Mas negociou-se.

No caso da África do Sul, foi a partilha dum Estado entre duas Nações, a Branca e a Negra. Mas negociou-se.

No caso de Martin Luther King, a negociação foi o assassinato dum lider moderado.

Quanto à América Latina, a via democrática foi, frequentemente, alvo de golpes de estado, com o corolário de milhares de mortos. E sempre sob a instigação dos EUA.

Os EUA não têm a vocação diplomática. Só conhecem a força que lhe confere o imenso poder militar e económico, não só na América Latina mas no Mundo.

Assistimos à preparação, talvez, dum desastre nuclear na Ásia. Seria, se efectivo, o segundo na história da humanidade. Com os EUA sempre na iniciativa.

Ontem, o mesmo estado, os EUA, abandonou um organismo internacional, a UNESCO, guardiã do património cultural da humanidade.

O seu fiel aliado em todas as circunstâncias, Israel, acompanhou-o, como se o Patriarca Abraão, e o seu túmulo de Hebron não pertencessem aos dois povos presentes desde há milenários nessa terra de Palestina. Como se o Monte do Templo, não fosse também o Terreiro das Mesquitas.

Não negociaram nada.

A espada antes e sempre no lugar da persuasão.

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Publiquei este texto, em agosto de 2004, há mais de 20 anos, em "O Mundo em Português", uma publicação do saudoso IEEI (Instituto ...