Não foram poucas as vezes, quando vivi em Paris, que, chegado a um determinado local, senti pena por não ter por ali comigo o meu pai, falecido pouco antes. Gostaria imenso de poder ter andado com ele pelas ruas da cidade que, desde criança, me descrevia com pormenores afetivos que, durante anos, encheram a minha imaginação. Ele que, nesse tempo, nunca lá tinha ido! Mas, em nossa casa, havia um mapa com o centro da cidade desenhado em pormenor, com o título "Paris à vol d'oiseau" e um guia Baedeker que nos ensinava a capital francesa como se lá estivéssemos! Com o meu pai, nessa passagem dos anos 50 para 60, o que eu aprendi a "passear" pelos boulevards e a conhecer os nomes de alguns daqueles edifícios e de episódios da História que lhes está associada!
Francófilo como era, o meu pai deu, durante cerca de 20 anos, explicações gratuitas de francês a filhos de familiares e amigos, apenas pelo amor que tinha a uma língua que identificava com a liberdade. Estou certo de que teria gostado muito de rever comigo, com calma, os lugares da sua "pátria" de adoção, quando citava Thomas Jefferson: "Tout homme a deux patries: la sienne et la France". E teria um imenso gosto em saber que acabei a minha carreira como embaixador por lá.
Há dias, passei a pé junto ao Arco do Triunfo do Carrousel, um monumento situado entre o Louvre e a praça da Concórdia, no jardim das Tulherias, mandado construir por Napoléon Bonaparte para comemorar a vitória em Austerlitz. Subitamente, lembrei-me do meu pai. É que daquele pequeno arco, "pequeno" se comparado com o Arco do Triunfo na Étoile, possuo em Vila Real, deixada por ele, uma pequena reprodução em mármore, um objeto que sempre representou muito para mim. Bem miúdo, lembro-me, como se fosse hoje, de ouvir o meu pai dizer: "Se olhares deste Arco de Triunfo do Carrousel do lado do Louvre, irás ver que ele está em linha precisa com o obelisco egípcio da praça da Concórdia e, ao fundo, no alto dos Campos Elísios, verás o grande Arco do Triunfo, na Étoile". Ao tempo, repito, ele apenas sabia que as coisas eram assim.
Da primeira vez que fui a Paris, comecei a visita à cidade por aquele arco. Não para confirmar a asserção do meu pai, que era uma evidência óbvia, mas para começar a conhecer verdadeiramente a cidade pelo monumento que tinha iniciado o meu infindo gosto por ela.
Na tarde da passada segunda-feira, voltei a olhar os dois arcos, com o obelisco de ponta dourada pelo meio. E, olhando ao longe, os Campos Elísios, recordei o tom grave com que o meu pai descrevia a humilhação que a França sentira ao ver as tropas alemãs de ocupação descerem aquela avenida - ele que era um aliadófilo feroz. E de contar-me como, no dia da Libertação, De Gaulle caminhara, em apoteose, pelo mesmo caminho. É que, deste lado da Europa, o meu pai também sentiu que havia ganho a guerra!
Na tarde da passada segunda-feira, voltei a olhar os dois arcos, com o obelisco de ponta dourada pelo meio. E, olhando ao longe, os Campos Elísios, recordei o tom grave com que o meu pai descrevia a humilhação que a França sentira ao ver as tropas alemãs de ocupação descerem aquela avenida - ele que era um aliadófilo feroz. E de contar-me como, no dia da Libertação, De Gaulle caminhara, em apoteose, pelo mesmo caminho. É que, deste lado da Europa, o meu pai também sentiu que havia ganho a guerra!
Nem imaginam o que se pode ver de um pequeno arco quando as memórias são agradáveis!