quarta-feira, setembro 09, 2015

Orbán


Há já bastantes anos, acompanhei o então presidente Jorge Sampaio numa visita oficial à Hungria. No curso dessa deslocação, Sampaio teve um encontro com o primeiro-ministro, Viktor Orbán. Foi uma conversa de cerca de meia-hora. A Hungria ainda não era membro da União Europeia, embora já o fosse da NATO, desde há escassos meses.

Não vem aqui para o caso o teor detalhado dessa conversa, quando estavam iminentes os ataques militares à Sérvia, por virtude da tragédia que se vivia no Kosovo. Passei muitos anos na vida diplomática e, fruto dessas andanças, ouvi uma imensidão de políticos estrangeiros em registo privado. Mas recordo-me sempre - e conto isto a amigos, desde há muito - que, ao terminar essa conversa entre Orbán e Sampaio, estava um pouco perturbado. Não apenas por algumas coisas que ele então disse, pela forma como as disse, mas também pela maneira como nos olhava ao dizê-lo. Ambos saímos desse encontro - e estou certo que Jorge Sampaio tem isso bem presente - com um sentimento estranho, cujo fundamento confirmámos noutras conversas, nesses dias de Budapeste.

Sempre fui um defensor do alargamento da União Europeia mas, nessa tarde na Hungria, dei-me conta, não sei se pela primeira vez, que alguma da "nova Europa" que aí vinha trazia consigo algo de diferente, que tinha bastante menos a ver connosco, com a nossa forma de estar no mundo, do que era habitual entre aqueles que connosco se cruzavam nos corredores de Bruxelas.

Várias vezes entrei em choque com amigos dos países bálticos ou outros vizinhos da Rússia por virtude do modo como olhavam para Moscovo. Nessas conversas, contudo, eu podia perceber o trauma profundo de países que haviam estado sob a tutela soviética e até justificar, nas suas atitudes, alguma irracionalidade anti-russa, mais recentemente ajudada pelo manifesto autoritarismo ameaçador de Putin. Mas com Orbán era diferente. Era outra maneira de equacionar o poder, era um sentimento de afirmação nacional que, mesmo que implicitamente, como que tocava alguns fantasmas indizíveis do passado do centro do continente.

O tempo veio a dar razão a esta minha perceção. Todos assistimos, durante os últimos anos, ao progressivo desprezo de Orbán pelas regras de separação de poderes na Hungria, à produção legislativa que, no limite, foi cerceando direitos, numa "mainmise" progressiva do aparelho político-institucional, no sentido da limitação da alternância do poder. A Europa, salvo algumas posições do Parlamento Europeu e pontuais reações da Comissão, passou a conviver, aparentemente sem pejo, com um parceiro que, dia após dia, se vai afastando do património de valores em que se funda a comunidade a que todos pertencemos - e que a Hungria se comprometeu a respeitar na sua adesão. Mas nem por isso Orbán deixa de figurar, sorridente, entre os seus pares, nas fotos de família dos Conselhos europeus. E os outros sorriem para ele, o que é bem mais grave.

Quando hoje penso na humilhação que fizémos passar ao governo austríaco, em 2000, por ter feito uma aliança de incidência governamental com um grupo de extrema-direita, e comparo com o que se vive em governos desta Europa de 2015, quase que me apetece pedir desculpa pela pressão a que então sujeitámos Viena. E quando observo o inqualificável comportamento de Viktor Orbán e das autoridades húngaras face aos refugiados que, em desespero, pretendem atravessar o país para chegaram a uma Alemanha que, com grande dignidade e generosidade, admite recebê-los, tenho a sensação de que não faço parte da mesma Europa que esse cavalheiro.

Há dias, Orbán proferiu uma frase que melhor define o seu espírito "europeu". Perguntado qual era a diferença entre a "cortina de ferro" do tempo soviético e o "muro" de 175 km que mandou construir entre o seu país e a Sérvia, disse isto apenas: "O primeiro era contra nós, este é a nosso favor".

25 comentários:

aguerreiro disse...

Sr embaixador:
Cumpre ao governo de cada país fazer cumprir os (ditos) acordos Schengen, que penso ser o que a Hungria pretendeu(?) fazer, ao contrário do que não faz a Grécia ou a Itália que se limitam a abrir ao fronteiras e por que não as pernas a todo bicho careta que se diz fugir a uma hipotética ou real guerra, como também poderá ser uma invasão de infiltrados do DESH, ou MAFIAS de marginais, iguaizinhos ou melhores do que aqueles que temos tido por cá. Olhe que não vão para os ricos potentados do petróleo seus irmãos na língua e na fé. Por que será sr embaixador? Será pelos valor€$? já agora o governo húngaro não pode fazer cumprir as leis europeias só por que uns sandeus defendem o facilitismo e ilegalidade, arvorados em donos da verdade, ou será que o negócio é outro. Quem lucra com o tráfico? No meio dessas multidões ainda não vi um ferido ou mutilado. Vejo isso sim muitos matulões em boa idade de ir á tropa e moças prontas a "atacar" nos boulevares e strasses das europas!

Anónimo disse...

http://www.thejakartapost.com/news/2015/09/09/french-government-condemns-christian-refugees-only-mayorsv.html

http://www.ft.com/cms/s/0/6edfdd30-472a-11e5-b3b2-1672f710807b.html

http://shoebat.com/2015/08/21/christians-only-please-slovakia-isnt-the-only-eastern-european-country-refusing-to-take-in-muslim-refugees/

Como vê, ele há mais casos nesta nossa EU... Mas porque é que só se fala no Húngaro ?

Jaime Santos disse...

Orban foi perfeitamente honesto nessa afirmação, Sr. Embaixador, mesmo que não se tenha apercebido inteiramente disso. Ha frases que ensinam mais que livros inteiros...

Anónimo disse...

A posição (correta) do Parlamento Europeu sobre este assunto deve-se essencialmente ao deputado português Rui Tavares.
carlos cardoso

Anónimo disse...

Quantos refugiados estão os burgueses e Betinhos ressabiados que aqui vem fazer peregrinação dispostos a acolher em suas casas? essas "puritanas" que aqui vem tipo beatas.

Anónimo disse...

Viktor Orbán é um verdadeiro patriota.
Cabe aos politicos eleitos pelo povo a que pertencem,defender os interesses da sua pátria,como faz Viktor Orbán.

Sérgio

patricio branco disse...

há anos que a Hungria é uma democracia sui generais, como a Russia, diga-se, ou algum dos países balticos. o que sucedeu com a austria foi um dos últimos gestos democráticos da ue, hoje os regimes internos já pouco interessam a bruxelas, apenas a obediência às regras comuns, sobretudo orçamentais, interessa. é pena...
e em alguns desses países da antiga europa de leste, a nostalgia pelo comunismo, ou antigos regimes, é um facto: não havia desemprego, todos tinham trabalho, havia segurança, etc. não duvido que o regime húngaro não preocupa minimamente a alemanha ou a maioria dos outros parceiros. é triste, mas é a realidade.

Majo disse...

~~~
~ Apreciei o seu interessante texto...
~ Excelentes conclusões adquiridas 'in loco'.
~ A Hungria parece ter ainda um longo caminho
a percorrer na senda da democracia...
~ Os seus atos
envergonham qualquer ocidental bem formado.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

~ Neste momento,
os governos devem acolher; depois resolver.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Anónimo disse...

"alguns países bálticos" - que raio, são só três...

Anónimo disse...

Prefiro ter um politico que diz o que pensa como Orban e que defenda os interesses do seu povo e País, do que ter politicos burgueses, falsos e hipócritas. Agora querem todos colocar o odioso da questão nos Hungaros e no Orban em particular. Quem foi fazer a guerra ao Iraque em 2003, não foi ele enme a Hungria, foram os Estados Unidos que não recebe lá estes (refugiados) e os capachos dos governos neoliberais e burgueses da Europa. Já agora estas pessoas, que recebam em suas casas todos estes refugiados e paguem as suas contas. Tudo hiócritas, tantos milhares e milhares de portugueses que continuam a ter que abandonar o seu País e familia para terem uma vida decente e nunca ouvi estes burgueses tão preocupados como os vejo agora nesta situação.

Jaime Santos disse...

Caro anónimo das 15:00, Digo-lhe a este respeito aquilo que disse aqui atrasado. Espero que os Países que recebem os nossos emigrantes não mudem subitamente de opinião e não decidam expulsa-los. Porque se um dia isso acontecer, não são alguns milhares de pessoas que nos entram pela Porta, são milhões. Isso faria o regresso dos Portugueses vindos das Ex-colónias parecer uma brincadeira de crianças, e você tem problemas em receber uns quantos milhares de pessoas que precisam da nossa ajuda? O problema dos refugiados pode acabar com a UE, se não lhe dermos uma solução que contente a todos, em particular a Alemanha que esta (e bem) a fazer a maior parte do esforço de ajuda. Se há alguém que não pode dar-se ao luxo de mostrar Xenofobia são os Portugueses, exceto talvez os hipócritas que não querem ver aplicada a si próprios a mesma desumanidade que aplicam os outros!

Anónimo disse...

Lá anda esta gente com a chantagem dos emigrantes portugueses. Os nossos emigrantes são europeus, em países europeus; cristãos em países cristãos; brancos em países brancos! Uma coisa não tem nada a ver com a outra!!!

Anónimo disse...

Caro Jaime Santos, a culpa da vinda dos refugidos da ásia tem a mesma origem que levou á saida de milhares de portugueses, precisamente governos hipócritas, neoliberais e gente burguesa que hoje arrota postas de pescada porque se serviram e de que maneira do érario público para singrarem na vida. Repare onde estão hoje muitos dos que antes do 25 de Abril tinham familiares ligados ao velho regime, estão hoje bem calçados a comentarem em televisões e jornais, a arrotarem as tais postas de pesacada.

Anónimo disse...

A UE já acabou, está na fase Maria Antonieta:

"dêem-lhe croissants"

Anónimo disse...

Daqui a cerca de uma hora vai começar mais uma versão da farsa do faz de conta neoliberal.DE UM LADO O CHEFE NEOLIBERAL EM TONS DE LARANJA E DO OUTRO O OUTRO CHEFE DA ALA ROSA DO NEOLIBERALISMO.Já sei que daqui a pouquinho virá ai o neoliberal que estiver de serviço falar mal e dizer que sou um salazarista ou um comuna. Enfim o costume.

Anónimo disse...

Interessante falar hoje na Hungria, país que eu também abordei com os meus colegas ao constatar mais um indicador económico que esta manhã a Hungria divulgou.
A Hungria divulgou o comércio internacional do mês de Julho como Portugal também fez. As exportações húngaras cresceram mais que as importações e o saldo foi positivo, situação idêntica no acumulado. Os restantes indicadores divulgados nos últimos tempos verificamos a produção industrial com grande crescimento, acontecendo o mesmo no comércio a retalho, no turismo, nos serviços, no pib, na construção, o desemprego a diminuir e o emprego a aumentar
(o que não acontece por cá), enfim os resultados que a Hungria de hoje apresenta. Enquanto escrevo este comentário às 20H 47M, estou a ver o canal da música VH 1 na TV.
Cumprimentos
JPS

Anónimo disse...

Este gajo é designado de "conservador" e o BE, ou o Syriza são "radicais" ! Quem assim pensa é um pedaço de bosta!

Anónimo disse...

Tal como se previa que debate tão fraquinho do Costa e do Coelho. Realmente Portugal com estas duas figuras que já vem no seguimento de outras figuras tristes pertencentes ás mesmas duas organizações sinistras está arrumado.

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

Estranho a falta de nível de número significativo de comentários anónimos. Lamentável

Jaime Santos disse...

Chamar-lhe falta de nível Luís Correia, é ser educado. O que muitos anónimos destilam é puro Fascismo! Eu devia deixá-los sem resposta, porque se diz que contradizer tais pontos de vista só lhes dá relevância e cria a impressão de uma falsa simetria entre esses pontos de vista e os princípios liberais e humanistas, mas a verdade é que assim conseguem encher as caixas de comentários do mais puro lixo, e sem réplica.

Reaça disse...

Quem vai buscar a eterna diáspora lusa para um debate de refugiados ou neorefugiados, é inculto.

Um português emigra, simplesmente quando Portugal se "purga" por receita médica.

Jaime Santos disse...

O Senhor Reaca desconversa, mas com piada. So que já reparou que (e eu posso dizer isto porque sou Emigrante), seguindo a sua analogia, o regresso dos Emigrantes não seria nada desejável... Donde resulta que me esta a dar razão, Homem!

Reaça disse...

Senhor Jaime Santos, um emigrante português, mesmo quando regressa, sente-se sempre um emigrante, mesmo na sua casa da velha aldeia.

Mas jamais se deve confundir um emigrante português com qualquer situação de "fugitivo", "refugiado" ou "turista" desejado ou não.

Um emigrante português onde chega não se impõe, ou é assimilado e integrado, ou zarpa sem deixar rasto.

Isabel Seixas disse...

Não sei se será a genética politica,
Se será forma de hereditariedade
mas é desfaçatez falta de autocritica
atavismo, castração capar a liberdade

porque deixamos enterrar vivos os direitos
humanos, prender justos, selar hipocrisias
Premiar os fúteis vigários e suspeitos
Sabendo que são vampiros na pirataria

não sei se será senhor dos passos, inércias,
se será forma de rendição ao mal, cobardia
mas é obesidade mórbida, Lucrécias
adotam o bem dos outros como heresia

porque deixamos essa arrogância excluir
empatias, porque a deixamos sequer florir?...

João Manuel disse...

Sr. Embaixador, Sras. e Srs., Anónim@s,

Fico muito chocado em ler os propósitos defendidos nos diversos comentários. Pois muitos aparentam-se a xenofobia e discriminação que são alvo de falta de conhecimento e cultura. Qualquer ser humano, sem distinção étnica ou religiosa, tem direito a ser auxiliado quando se encontra em perigo.

Peço-lhes um pouco de respeito pelo imigrante que teve/terá de abandonar a sua terra em busca de uma vida melhor. Não se esqueçam que Portugal só entrou na EU em 1986 e que até à data qualquer pessoa que se encontrava em situação irregular noutro Estado podia ser expulsa. Faço parte de uma das últimas grandes vagas de imigração clandestina portuguesa.
Tenho muito respeito pela minha mãe que decidiu de sair clandestinamente de Portugal com uma criança, não por razões políticas mas sim económicas, e ir ao encontro do meu pai que já se encontrava na Alsácia (França), com a única motivação de dar aos seus filhos um melhor futuro e uma maior abertura de espírito.

Decidi contar esta anedota pessoal só para que tentem ver a situação actual de outra maneira. Ninguém nasce e é criado com o objectivo de abandonar a sua terra para ser rejeitado e humilhado pela nação que a/o acolherá.

João Manuel

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...