quarta-feira, março 13, 2019

Outro 25 de abril?


Pode ler aqui o texto do artigo que, sob o título em epígrafe, publico hoje no “Jornal de Notícias “.

terça-feira, março 12, 2019

Nortadas



“São do norte, não são?” Estranhámos a pergunta da empregada da loja, no Porto, hoje à tarde. Confirmámos que sim. “Pela pronúncia, não parece serem” (era óbvio que ela estava desatenta à nossa habitual troca dos “v” pelos “b” e à abertura exagerada de algumas vogais, que continuamos a fazer, apesar de vivermos em Lisboa há mais de meio século), “mas, ao falarem comigo como estão a falar, percebi logo que tinham de ser cá de cima. Os lá de baixo, em especial os de Lisboa, não falam assim connosco, são muito mais fechados”. 

Estranho. Nunca tinha refletido nisto. Será verdade? Confesso que nunca tinha pensado que os lisboetas (ou a gente que não é do Norte, em geral) fossem mais “fechados” do que o “pessoal” do Norte. Ando distraído?

segunda-feira, março 11, 2019

Regresso aos clássicos


A fotografia é do Antunes, no Bonjardim, ao almoço de hoje. 

Um clássico do Porto, como o são, em registo diferente, o Líder, nas Antas, a Nanda, na rua da Alegria, a Cozinha do Manel, no Heroísmo, a (renovada) Adega de São Nicolau, na Ribeira, o Rápido, em São Bento ou o Aleixo, em Campanhã. E muitos mais! 

Grande Porto!

domingo, março 10, 2019

Desconectados


Foi ontem. O almoço era de “cerimónia”? Nem por isso. O traje, no convite, dizia “smart casual”, o que, em linguagem de protocolo, significa, para os homens, levar um blazer sem gravata. Porque era numa casa de campo, os castanhos/verdes dominavam (tenho uma tese, não confirmada, que, se fosse em ambiente de cidade, os azuis/cinzentos dominariam). Sorte das senhoras, cujo leque de opções é sempre imenso. Era, assim, um ambiente “solto”.

À ida para a mesa, um dos convidados, figura bem conhecida da política doméstica, sugeriu: “E se deixássemos os telemóveis na sala de entrada?”. Conhecendo-lhe o hábito de andar sempre de telemóvel na mão, como os adolescentes sem imaginação, fiquei surpreendido. Mas logo agarrei a sugestão. Boa ideia! Assim fiz também, ecoando bem alto a ideia. Outros fizeram o mesmo. Vi que nem todos o seguiram, mas que a sugestão os terá levado a optar pelo “silêncio” técnico.

Não que, a mim, me ocorresse a ideia de vir a atender uma chamada durante o almoço, muito menos de tentar contactar com alguém. Mas, quem sabe, numa pausa, “entre la poire et le fromage”, podia dar-me para olhar as mensagens, ou mostrar uma fotografia, ou ter a tentação de dar a conhecer, ao parceiro do lado, um extrato de um filme no YouTube, “com pilhas de graça”. Desta forma, porém, ficava “blindado” face a qualquer tentação.

(Foi na Áustria, nas reuniões que os países NATO dentro da OSCE faziam numa determinada embaixada, que vi pela primeira vez essa determinação de não levar telemóveis para a sala de reuniões, nesse caso por razões de segurança da confidencialidade das conversas. Depois, vi a prática estender-se: vários governos, por esse mundo fora, obrigam os seus ministros a deixar os aparelhos nuns cacifos, à entrada dos conselhos de ministros. Creio que, por cá, a regra “não pegou”. E, muito menos, nas ocasiões sociais.)

Com essa determinação radical de não poder ter o telemóvel “à mão de semear”, nenhum de nós correu, durante aquele almoço, o risco de assumir esse ato de rasca educação que é usar um telemóvel à mesa de uma refeição, de se fingir atrapalhado por uma inopinada chamada (“desculpem, esqueci-me de desligar isto!”) ou, discretamente, sobre o guardanapo no colo, tentar perceber como vai o resultado de um jogo. Ninguém ousou essa baixeza social.

Sentámo-nos para almoçar às duas da tarde. Saímos da mesa já passava bastante das quatro. A conversa correu fluída, com histórias deliciosas, com análises interessantes (aprendi imenso, sobre vários temas), num ambiente são e descontraído. Sem grande cerimónias, sem telemóveis, sem campaínhas, sem alertas. Afinal, ainda há um mundo civilizado, por detrás do mundo vulgar. É, é essa a palavra.

sábado, março 09, 2019

Tentações


Foi há muitos, bastantes anos. O ambiente era fantástico. Uma noite, num belíssimo bar de hotel tropical, à beira-mar, bastantes figuras femininas disponíveis, em quantidade e qualidade, com aquela cultura comportamental de relativa impunidade que algumas reuniões internacionais, em especial se realizadas "a Sul", tendem a proporcionar, em especial a partir do momento em que álcool flui e aflui.

Notei que a pessoa que chefiava a nossa delegação, uma figura pública relativamente conhecida, começava a assumir uma atitude demasiado "solta". Muito em especial, preocupavam-me os olhares distantes que sobre ela já convergiam, embora distraidamente atentos, de alguns dos nossos compatriotas presentes. Longe de mim ser puritano, mas desagradam-me escândalos com impactos de Estado. Como diplomata, quando em funções, sempre achei ter o dever de os prevenir.

A certo passo, pressenti que as coisas se podiam precipitar. O nosso homem, porque era de um homem que se tratava, encaminhava-se lentamente, com uma companhia que, durante a última hora, se estava a tornar insistente a seu lado, para zonas mais recatadas da varanda, num caminho que facilmente podia conduzir aos quartos. Ia num estado de pouco controlada euforia, que já não passava despercebida a muitos dos circunstantes, nomeadamente da nossa delegação, em risota e a comentarem entre si. Dei uma palavra de aviso ao respectivo chefe de gabinete, mas encontrei-o sem vontade de atrapalhar os eventuais planos lúdicos do chefe.

Propositadamente, decidi passar por perto do animado chefe da delegação e da sua companhia. Não havia uma grande confiança entre nós, mas o facto de eu ser "dos Estrangeiros" conferia-me como que uma leve autoridade cosmopolita, de alguma habituação às andanças diplomáticas, que ele manifestamente não tinha. 

Talvez por isso, e ao ver-me fitá-lo, deitou-me, à passagem, com um leve sorriso: "Há algum problema?". Subentendia-se bem o que pretendia significar... Devo ter feito um carão fechado, quando lhe respondi, seco: "Há dois: a Sida e o "Expresso" de sábado. Mas o senhor é que sabe!". E voltei costas.

Senti que tinha ficado inseguro, e seguramente furioso, inquieto talvez mais com o segundo problema do que com o primeiro. A "Gente" do ‘“Expresso” era então uma secção onde se podiam comprar grandes chatices e que havia já feito obituários políticos sumários. Regressei ao bar. Apareceu por lá, só, minutos depois. Não me falou. Já com ar deliberadamente sério, juntou-se a outros membros da nossa delegação e, volvido pouco tempo, deu as boas noites e subiu para o quarto. Julgo que sozinho, até porque a anterior companhia regressou ao "mercado" da noite.

No dia seguinte, no avião de regresso, evitou-me. Já desapareceu da nossa cena. Mas, por anos, nos restaurantes lisboetas, ignorava-me olimpicamente.

Já um dia contei esta história. Hoje, ao adquirir o “Expresso”, lembrei-me dela.

sexta-feira, março 08, 2019

Onde está Portugal no mundo?


A prima de olhos verdes


É uma história de família. Da minha família. 

Era uma vez uma mãe que tinha dois filhos. E uma sobrinha, bonita, de olhos verdes. Ambos os filhos gostavam da prima. A mãe decidiu, porque era muito decidida e ai de quem lhe fizesse frente, que havia de ser o filho mais novo a casar com a prima de olhos verdes. Só que o filho mais novo, que era o “ai jesus!” da mãe, viria a morrer, bem jovem, de forma trágica. A família nunca se recompôs do choque. A mãe e o pai, com o filho mais velho, mudaram-se para uma casa em frente ao cemitério, onde, todos os dias, até morrerem, visitavam o jazigo onde haviam depositado o filho querido. 

Havia o outro filho, claro. E havia a prima. Que gostavam um do outro. Tinham um namoro escondido, um tabu na família, de que a mãe talvez suspeitasse, mas que nunca, em vida dela, se iria transformar em casamento. Foram décadas, acreditem! A mãe, um dia, já bem depois do pai, desapareceu. Os primos, superado o obstáculo, consagrando uma espécie de usucapião romântico, já passada a meia centena de anos de cada um, casaram, logo de seguida, claro. 

Foram felizes? Quero crer que sim, embora uma felicidade bem tardia. Ele morreu, há cerca de três anos. Ela seguiu ontem para o cemitério, já perto dos 80 anos, fechando de vez os seus belos olhos verdes.

Numa tarde chuvosa e espessa, como sempre achei que devem ser os dias dos enterros, deixámo-la lá, no jazigo que havia sido feito expressamente para o primo com quem nunca casaria. Ali mesmo já estavam, desde há muito, os seus sogros, os quais, aliás, nunca chegaram a sê-lo. E também o marido, o primo com quem casou. Esta acabará por ser a primeira noite em que toda a família, finalmente, se reúne. Em paz.

quinta-feira, março 07, 2019

O juízo dos juízes


Descobri agora isto que publiquei em 5 de janeiro de 2013 neste blogue:

“Choca-me, com frequência, a ligeireza das decisões de certos juízes, muitos deles seduzidos pelas luzes da ribalta mediática, com contornos a roçar a irresponsabilidade. E mais me choca que, revertida essa decisão por uma outra instância, nenhuma responsabilidade possa ser pedida a quem tomou a primeira - pelos vistos errada, caso contrário não prevaleceria a segunda. Alcandorados na sua "independência", os tais juízes a quem a instância superior tirou o tapete profissional, aí estão prontos para outras, ficando imunes à responsabilização, civil ou outra, pelos efeitos, patrimoniais ou humanos, que a sua anterior decisão acarretou. Não quero particularizar, mas apenas direi que é graças a uma atitude dessa natureza que o túnel do Marão acaba por não estar concluído, já há vários anos, com muitos milhões de euros de prejuízos e incontáveis custos para toda uma região.

A absurda sacralização que paira sobre estes operadores judiciais, armados em impolutos "orgãos de soberania", impede, por exemplo, que um qualquer cidadão possa chamar incompetente a um juíz incompetente, sem o risco de cair na imediata alçada ... de outro juíz! Às vezes, trata-se de uns miudecos acabados de sair das escolas de magistratura, sem experiência da vida e do foro, produtores de decisões absurdas e irresponsáveis, que ganham logo à sua volta uma espécie de temor reverencial, que os protege da denúncia de que "o rei vai nu".

A "importância" que certos juízes se atribuem a si próprios foi sempre ridicularizada pelos seus pares mais responsáveis, pouco satisfeitos com o impacto negativo que esse abuso do conceito de "independência do poder judicial", pode provocar sobre a imagem da classe.

Um dia dos anos 90, essa grande figura que é o magistrado José Matos Fernandes, ao tempo secretário de Estado adjunto e da Justiça, olhou do gabinete do ministro para a rua e, de repente, chamou quem estava na sala: "Olhem! Olhem! Vai ali um órgão de soberania!" Toda a gente arrancou para as vidraças que davam sobre a varanda. Lá em baixo, no terreiro do Paço, havia gente a cruzar a praça. Que queria ele dizer com o "órgão de soberania"?, perguntou alguém? Com aquele sorriso magnífico com que lhe ouvi algumas das mais deliciosas histórias da vida judicial, ele esclareceu: "Então não viram? Ia ali um juiz..." E lá apontou uma dessas figuras para quem a sala de audiências era um mero cenário que intervalava as suas aparições perante as câmaras televisivas.”

Nem sempre nos revemos no que publicámos no passado. Neste caso, fico confortável.

Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida é um embaixador brasileiro. Conheci-o quando por lá chefiei a nossa missão diplomática e ganhou a minha admiração pelo seu empenhado estudo da política externa do seu país. É autor de uma bibliografia impressionante e mantém o blogue “Diplomatizzando”, para mim de consulta diária.

O PT nunca gostou de Paulo Roberto de Almeida. A corrente dominante no Itamaraty, durante os anos de Lula e de Dilma, não apreciava minimamente o seu espírito independente, a sua leitura do que entendia serem os interesses permanentes brasileiros na ordem externa e da postura diplomática que considerava que melhor os defenderia. E ele pagou, em termos de carreira profissional, onde já tinha tido postos muito importantes, um forte preço por isso. A defesa de uma diplomacia não ideológica não caía bem num Itamaraty que, manifestamente, não ia por esse caminho.

Em face da nova situação instalada no Brasil, após as últimas eleições, fiquei curioso sobre qual iria ser o futuro de Paulo Roberto de Almeida. Desde cedo, tive um pressentimento: se, com a esquerda no poder, o Paulo fora adepto de uma diplomacia não sectária e sem viés ideológico, seguramente que o não via a favorecer o enviesamento extremo, mas de sinal contrário, que agora passou a dominar o discurso e a prática da política externa brasileira.

Não me enganei. Paulo Roberto de Almeida, um democrata corajoso e um cidadão que pensa pela sua cabeça, tem uma perspetiva elaborada sobre a postura brasileira na ordem externa, que não passa pela adesão a ondas cíclicas de fervor ideológico. A sua conhecida liberdade e independência de pensamento não parecem compatíveis com a orientação, extremada e radical, a que o Itamaraty está a ser sujeito nos últimos tempos.

O embaixador Paulo Roberto de Almeida acaba de ser demitido pelo governo Bolsonaro do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, horas depois de ter reproduzido no seu blogue, sem comentários, três artigos sobre a atual política externa do Brasil face à Venezuela: um de Rubens Ricupero, uma imensa figura da diplomacia brasileira, outro do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso e, finalmente, um outro do atual Ministro das Relações Exteriores. 

Deixo ao Paulo Roberto de Almeida o meu abraço amigo e solidário, num tempo que imagino difícil. Ele sabe bem, contudo, que eu respeito sempre a velha quadra popular portuguesa: “Por me veres em baixo agora / Não me negues a tua estima. / Os alcatruzes da nora / nem sempre andam por cima.”

quarta-feira, março 06, 2019

Não como com hashi!


Sou muito pouco dado a comidas “étnicas”. Embora tenha andado um pouco pelo mundo, e tenha vivido ou frequentado algumas cidades (Londres, Nova Iorque, Paris, São Paulo) onde essa diversidade culinária estava muito bem representada, nunca fui um consumidor regular desses sabores. Estranho? Talvez, mas cada um é como é, não é?

Sou também de um tempo em que, por cá, os únicos restaurantes ”estrangeiros” existentes eram os indianos, na altura sem a sofisticação das suas várias declinações regionais - e uma certa Índia ainda era então “portuguesa”, não era? 

Creio que só depois é que abriram uns italianos (destes, as pizzarias foram as últimas, ainda nos anos 70), mais tarde uns auto-proclamados franceses, mas a proximidade de paladar destes com certa cozinha portuguesa faz com que não caibam, em definitivo, no meu conceito de “estrangeiro”, como é também o caso das diversas cozinhas espanholas.

Um pouco mais tarde vieram os chineses e, mais tarde, os japoneses. E, claro, passou também a haver mexicanos e gregos, brasileiros e marroquinos, russos e argentinos, peruanos e libaneses, tibetanos e belgas e moçambicanos, e agora também sírios e paquistaneses, e apenas dos que me lembro.

Serve isto para dizer que, desde o primeiro instante, me recusei a utilizar os “hashi”, os “pauzinhos” com que é suposto manifestarmos a nossa familiaridade com a forma asiática de comer. Admito que haja quem goste do ritual mas, por mim, achei sempre aquilo uma espécie de folclore a que nunca me sujeitei.

Por essa razão, quando confrontado com culinária asiática (e raramente o sou, pelo menos por minha iniciativa, note-se), ou mesmo “de fusão”, num qualquer restaurante, português ou estrangeiro, exijo sempre faca e garfo. Enfrento por essa razão, com toda a naturalidade, os olhares de reprovação que acompanham essa minha deliberada falta de adequação às regras do local. 

Porque refiro agora isto? Porque essa experiência sucedeu-me há muito pouco tempo e vi, comigo entre o divertido e o provocatório, o olhar espantado que as pessoas me dedicavam. E, apenas por isso, tive agora vontade de o escrever. OK?

Paulo Roberto de Almeida


Dedico ao embaixador brasileiro Paulo Roberto de Almeida, um diplomata (anti-lulista, note-se!) “saneado” pelo governo Bolsonaro, o meu artigo hoje no “Jornal de Notícias”, que pode ler aqui.

segunda-feira, março 04, 2019

Amigos perdidos

Há pouco, por uma qualquer razão, lembrei-me deles. Dos amigos que, entretanto, se foram. Não me refiro aos que morreram, mas aos que, com o tempo, se foram afastando, nos caminhos da vida. Não foram muitos, mas alguns eram mesmo dos “de toda a vida”, como algumas pessoas acham “bem” dizer. Em nenhuma dessa meia-dúzia de separações me pertenceu o gesto, tendo sido eles que tomaram a iniciativa de sair de cena. Às vezes, por razões que me pareceram fúteis, outros por um quid pro quo sem sentido, outros ainda por motivos que, à certa, nunca cheguei a perceber muito bem. Num ou outro caso, pela política, imaginem! Terei tido culpas “no cartório”? Quem sou eu para julgar as razões dos outros, quando, por vezes, nem as minhas consigo avaliar bem! Uma coisa já concluí: esta vida não é suficientemente longa para que tenhamos tempo para nos preocupar e ficar a maturar em tudo o que ela nos traz de menos agradável. O que lá vai lá vai! Olhar em frente, porque o caminho é por aí. É que a vida são dois dias e o Carnaval são três - e um já quase passou!

É isto?

meu bue cenas fixe chaval altamente nice curtir baril top man coche fatela “uma beca estranho” brutal “tás a ver?” “Curtir tótil” bacano cota puto ya conhé “tipo a curtir” “bora lá” fónix pitar tasse bem meu irmao bazar pica superbem guito babado bombar fogo népia chibar

O regresso de Monroe


Um dia, numa conversa em Caracas com Hugo Chávez, Lula da Silva fez-lhe notar que o desequilíbrio da balança comercial entre a Venezuela e o Brasil, em especial em bens de consumo corrente, atingira um tal ponto que, embora o saldo fosse agradável para a economia brasileira, começava a ter uma dimensão com que ele próprio, como amigo da Venezuela, não podia deixar de preocupar-se. Lula aconselhou-o, nesse encontro, a deixar criar unidades produtivas em áreas que pudessem dar resposta a algumas dessas carências mais evidentes, até ali supridas por compras ao exterior, adquiridas com os rendimentos do petróleo. Como me contou um ministro presente à conversa, Chávez retorquiu que estava a pensar criar empresas públicas para esses setores produtivos. O presidente brasileiro terá reagido: era em empresas privadas que estava a pensar, em abertura ao investimento estrangeiro - como o então sucesso da economia brasileira bem o provava. Chávez reagiu: “Privados? Nem pensar!” e a ideia ficou por ali.

O socialismo bolivariano era isso mesmo: uma obsessão estatizante, assente em políticas de distribuição de uma riqueza que não correspondia a um real crescimento do país, conduzindo a um ambiente inflacionário e, no plano político, a uma polarização maniqueísta que, cada vez mais, passou a recorrer ao sufoco das vozes dissonantes, nomeadamente através da domesticação da comunicação social. O facto dos setores conservadores venezuelanos, por mais de uma vez, terem dado mostras de não ter pejo em recorrer ao golpismo armado, para inverterem a legitimidade eleitoral que conduzira Chávez à presidência, conferia a este uma forte autoridade interna e, no plano externo, dava-lhe uma certa aura de um poder que, embora radical no formato, parecia ratificado pelo povo. Com o tempo, o autoritarismo político passou a estar presente no dia-a-dia do país. A Venezuela não era Cuba, não tinha o histórico da ilha de Fidel, mas, para se afirmar, Chávez ia mimetizando algumas das práticas repressivas mais detestáveis do seu parceiro privilegiado na região. O seu carisma continuava a suscitar algum proselitismo militante, mas a prova provada de uma impopularidade que se foi alargando era o facto das forças armadas e policiais se terem convertido na sua indispensável guarda pretoriana – contudo, rodeadas de acusações de implicação em negócios pouco claros.

Maduro não é Chávez, mas ninguém pode garantir que, se este tivesse sobrevivido, a Venezuela estaria hoje muito diferente, porque todos os erros que conduziram à atual situação já estavam nas cartas, ao tempo do antigo presidente. O modelo “bolivariano” era, desde o primeiro momento, um desastre anunciado, num mundo que já não ia por aí. Maduro apenas o conduziu inabilmente, e de uma forma quase caricata, ao impasse em que acabou por cair. O facto de uma guerra civil não ter eclodido é talvez o maior milagre que se produziu na Venezuela, mas nem sequer o podemos creditar à gestão de Maduro.

Depois de Cuba, a Venezuela era, de há muito e à evidência, uma espinha encravada nos humores de Washington na América Latina. Não se tratava de um caso qualquer: estamos a falar de um Estado com reservas imensas de petróleo e outras riquezas, circunstância que é óbvio não ser indiferente a um país que delas tem sido um pouco discreto cliente, na fria “realpolitik” do negócio. No passado recente, a bravata anti-yankee dos dirigentes venezuelanos ia sendo tida à conta de uma realidade incómoda que apenas havia que suportar, tanto mais que o país não era “produtor” de insegurança na sua periferia que justificasse uma ação específica nele focada, salvo o apoio às forças opositoras internas. O que é que mudou, entretanto?

No essencial, foi-se esgotando a complacência da comunidade internacional em face de um regime que, dia após dia, se tinha convertido numa mera caricatura democrática. O descaso oficial perante uma situação humanitária cada vez mais trágica, e o completo fechar de portas por Maduro a um diálogo com setores fora do núcleo político-social do governo, começou a escandalizar o mundo, com a União Europeia a dar sinais de crescente inquietude. A isto se somou, nos últimos meses, o afastamento claro do Brasil, com uma nova administração à qual, por razões de política interna, conveio a diabolização do modelo bolivariano. Este fator não tem sido sublinhado com a importância que julgo que realmente tem, porque tudo indica que o empenhamento americano, na tentativa de um rápido derrube de Maduro, dificilmente se teria processado, pelo menos nos moldes que assumiu, se, da parte de Brasília, como potência sub-regional, fosse presumível a promoção de uma qualquer reação, menos de “proteção” de Maduro e mais de rejeição da intromissão americana.

Verdade seja que, ao forçar agora, com determinação, a mão à Venezuela, os Estados Unidos assumem, num novo ciclo histórico, o seu nunca dispensado “droit de regard” sobre a América Latina, na linha clássica da “doutrina Monroe”. Fazem-no numa causa que sabem ser hoje popular em vários quadrantes, explorando o inédito isolamento em que Maduro se deixou cair. Trump aproveita este tipo de “fogachos” como uma oportunidade para gerar uma fácil unidade interna, que lhe pode render alguns dividendos políticos. Na ordem externa, esta iniciativa pode também garantir aos EUA, aos olhos de alguns, um estatuto de liderança na promoção dos valores democráticos. Além disso, deixando o juízo sobre estas prioridades ao sabor de cada um, trata-se de uma oportunidade soberana para Washington poder assegurar um lugar privilegiado na preservação dos seus próprios interesses económicos na região. Ainda neste jogo de sombras que é a agenda de desígnios, convirá notar um ponto que, com toda a certeza, nunca deixou de estar presente na coreografia geopolítica da América: Cuba. Uma queda de Maduro, com Lula e os seus heterónimos já fora do cenário, levará o regime de Havana a sentir-se cada vez mais fragilizado – e isso não pode deixar de fazer parte das contas de prazer em Washington.

(Artigo publicado na Revista, a convite do "Expresso", em 2 de março de 2019)

domingo, março 03, 2019

A quem não convém que se fale disto?


Procópio


Quando, há horas, lá entrei, a média etária deve ter subido vertiginosamente para os 30 anos. O “Procópio” está muito diferente, bem mais jovem, muito mais alegre e agradável do que nos últimos anos do “nosso tempo”. Ah! E “também” às vezes se fala português por lá!

Olhei para a mesa “Dois”. Estava ocupada por pessoal muito distinto do que nós éramos. Imagino que a conversa não tivesse rigorosamente nada a ver com a que, por décadas, por ali alimentámos. 

É que tudo isso já lá vai, há muito! O “Procópio”, com naturalidade e aparentemente sem o menor esforço, soube reinventar-se, encontrou uma nova forma de estar na noite de Lisboa - outra gente, outros copos, outro tipo de diversão. E, dessa forma, partiu para uma nova fase da sua “estranha” e bela forma de vida.

Há já muitas semanas que fazia “gazeta” do meu bar de sempre. Ontem, ao final da noite, deu-me para passar por lá. Fiquei à conversa com a “Sedonalice”, ao balcão, com umas cervejolas a liquefazer a noite.

Quero dizer que fiquei muito feliz ao constatar que o “Procópio” continua a ser o lugar geométrico onde alguma noite saudável de Lisboa cada vez mais se encontra. 

Há muitos outros bares em Lisboa? Claro que sim! Mas quem sabe destas coisas também sabe que não é a mesma coisa! O “Procópio” é único!

sábado, março 02, 2019

O regresso de Monroe

“O regresso de Monroe” é o título que dei ao artigo que hoje fui convidado a publicar na Revista do “Expresso” sobre a atitude americana perante a Venezuela.

sexta-feira, março 01, 2019

O mundo é pequeno!


Vim, há dois dias, a Bruxelas para fazer parte de um grupo de trabalho, integrado por um representante de cada Estado membro da União Europeia, que vai preparar um relatório sobre uma determinada temática internacional. Assinei hoje o (simpático, diga-se) contrato, mas não consegui satisfazer a minha curiosidade sobre quem terá, por aqui, sugerido o meu nome às duas entidades (ambas privadas e muito ciosas da sua independência face aos governos), uma alemã e outra belga, que me recrutaram para trabalhar nos próximos meses. Um dia, espero saber e agradecerei.

À entrada para a reunião, ouvi alguém dizer: “Estás na mesma!”. Era um velho amigo austríaco, que já não via há quinze anos e que, durante a nossa presidência da OSCE, eu havia empossado num cargo da organização, na Polónia. No seu país, passa agora a ter a mesma função do que eu. O que ele dizia não era, de todo, verdade, como era óbvio, mas não deixava de ser agradável de ouvir. 

Estava ainda nessa conversa quando alguém me pôs uma mão no ombro e me perguntou: “Ainda andas pelo Brasil?”. Era um qualificado diplomata dinamarquês, que conheço há décadas, e que havia encontrado, pela última vez, creio que em 2006, em S. Paulo - trata-se de um grande especialista das coisas europeias, que fez grande parte da sua carreira em Bruxelas, que agora vai ser um dos coordenadores do nosso trabalho e que tive como colega nomeadamente na negociação dos tratados de Amesterdão e Nice.

Ao final das primeiras horas de debate, no primeiro “coffee break”, dirigiu-se-me uma senhora búlgara, cuja cara, confesso, não me dizia nada: “Não se lembra da sua ida a Sófia?”. Tinha sido a seu convite que eu tinha visitado dessa vez a Bulgária, há bem mais de duas décadas, quando ambos tínhamos funções idênticas nos nossos respetivos governos. A memória veio então.

À saída, sob um vento e chuva fria desta invernosa Bruxelas, no regresso em passo rápido para o hotel, o representante espanhol no grupo perguntou-me: “Trabalhas com o Luis Tomé?”. Claro que sim! Como é que ele tinha adivinhado? Trata-se de um amigo próximo desse meu colega na Universidade Autónoma de Lisboa (como também o é de Nuno Severiano Teixeira) e, ao ler o meu currículo, dera conta da minha ligação à UAL.

O mundo é bem pequeno e Bruxelas, no fundo, é, desde há muito, uma das minhas “casas” habituais de passagem (embora o nunca tenha sido de vida). Há minutos, antes do almoço, estava eu a encher-me de livros, na magnífica “Filigranes”, quando ouvi, em bom português: “Com que então sempre interessado pela banda desenhada!”. Eu estava, de facto, a pensar como ia ter espaço para meter na mala o último “Blake & Mortimer” (já tinha comprado na Buchholz a tradução portuguesa, mas não resisti a adquirir o incomparável texto em francês deste “falso” Edgard P. Jacobs), quando este velho amigo português me surgiu ao encontro (se tivesse sido uns minutos antes, tinha-me apanhado a folhear um comprometedor Manara...)

Bom, vou andando para o aeroporto, porque esta capital belga cada vez se parece mais com o Chiado...

Maria João Rodrigues


Longe de mim imiscuir-me na sempre complexa questão dos nomes da lista socialista às eleições para o Parlamento Europeu, mas ficaria de mal com a minha consciência se não deixasse aqui expresso, preto-no-branco, que considero que a saída de Maria João Rodrigues representa uma perda de vulto na representação do PS naquele instância.

Maria João Rodrigues, de quem tive o gosto de ser colega num governo e com quem depois trabalhei muito de perto na presidência da União Europeia de 2000, onde foi o braço direito de António Guterres, é uma das pessoas que, entre nós, melhor conhece as questões europeias, dispondo de um grande prestígio nas diversas instituições, que lhe adveio do seu grande sentido de responsabilidade, de uma dedicação sem limites ao trabalho e de uma inquestionável competência no tratamento de todos os dossiês em que se envolveu.

Tudologia

Hoje, lembrei-me de um amigo, frequentemente convidado para falar em público de "tudo e mais um par de botas", que um dia me disse...