quinta-feira, março 07, 2019

O juízo dos juízes


Descobri agora isto que publiquei em 5 de janeiro de 2013 neste blogue:

“Choca-me, com frequência, a ligeireza das decisões de certos juízes, muitos deles seduzidos pelas luzes da ribalta mediática, com contornos a roçar a irresponsabilidade. E mais me choca que, revertida essa decisão por uma outra instância, nenhuma responsabilidade possa ser pedida a quem tomou a primeira - pelos vistos errada, caso contrário não prevaleceria a segunda. Alcandorados na sua "independência", os tais juízes a quem a instância superior tirou o tapete profissional, aí estão prontos para outras, ficando imunes à responsabilização, civil ou outra, pelos efeitos, patrimoniais ou humanos, que a sua anterior decisão acarretou. Não quero particularizar, mas apenas direi que é graças a uma atitude dessa natureza que o túnel do Marão acaba por não estar concluído, já há vários anos, com muitos milhões de euros de prejuízos e incontáveis custos para toda uma região.

A absurda sacralização que paira sobre estes operadores judiciais, armados em impolutos "orgãos de soberania", impede, por exemplo, que um qualquer cidadão possa chamar incompetente a um juíz incompetente, sem o risco de cair na imediata alçada ... de outro juíz! Às vezes, trata-se de uns miudecos acabados de sair das escolas de magistratura, sem experiência da vida e do foro, produtores de decisões absurdas e irresponsáveis, que ganham logo à sua volta uma espécie de temor reverencial, que os protege da denúncia de que "o rei vai nu".

A "importância" que certos juízes se atribuem a si próprios foi sempre ridicularizada pelos seus pares mais responsáveis, pouco satisfeitos com o impacto negativo que esse abuso do conceito de "independência do poder judicial", pode provocar sobre a imagem da classe.

Um dia dos anos 90, essa grande figura que é o magistrado José Matos Fernandes, ao tempo secretário de Estado adjunto e da Justiça, olhou do gabinete do ministro para a rua e, de repente, chamou quem estava na sala: "Olhem! Olhem! Vai ali um órgão de soberania!" Toda a gente arrancou para as vidraças que davam sobre a varanda. Lá em baixo, no terreiro do Paço, havia gente a cruzar a praça. Que queria ele dizer com o "órgão de soberania"?, perguntou alguém? Com aquele sorriso magnífico com que lhe ouvi algumas das mais deliciosas histórias da vida judicial, ele esclareceu: "Então não viram? Ia ali um juiz..." E lá apontou uma dessas figuras para quem a sala de audiências era um mero cenário que intervalava as suas aparições perante as câmaras televisivas.”

Nem sempre nos revemos no que publicámos no passado. Neste caso, fico confortável.

7 comentários:

Anónimo disse...

vexa fica confortavel... não sei se é a expressão certa...
eu fico mais desconfortavel!...

Luís Lavoura disse...

revertida essa decisão por uma outra instância, nenhuma responsabilidade possa ser pedida a quem tomou a primeira

Se tal ocorresse, e no ambiente de corporativismo que carateriza Portugal, a classe dos juízes tal como todas as outras, jamais alguma decisão judicial seria revertida. Nenhum juiz ousaria, ainda que de forma indireta, provocar prejuizo a um colega.

Anónimo disse...

Os media sociais funcionam por enxurradas e a figura do dia é um tal magistrado filho de algo, digo fidalgo. Mas ninguém acordou na semana passada quando outro convalidou uma outra decisão preterita - por acaso oriunda de uma outra magistrada com quem é casado. Todo um Portugal incomodado com maridos e mulher no Governo - mas ninguém assustado com a endogamia no meio judicial que essa sim é assustadora! Aos direitos, liberdades e garantias disse nada.

Anónimo disse...

Lavoura tem toda a razão. E é até de espantar a facilidade com que há decisões contrárias o que faz supor que o que verdadeiramente existe é uma falta de formação básica, felizmente corrigível a tempo por instâncias mais sabedoras. O ataque genérico a juízes é inaceitável e incompreensível em pessoas responsáveis.
João Vieira

Anónimo disse...

Concordo com Luís Lavoura e acrescento que se num tribunal de segunda instância nunca se revertessem decisões era inútil haver Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal, Tribunal de Relação. Acabavam os recursos e apelos.

Anónimo disse...

Rui Ramos in Observador:

"O aproveitamento do caso do juiz Neto de Moura por Rui Rio prova como a nossa oligarquia não descansará enquanto não tiver o poder judicial sob controle. É o que julga faltar-lhe para reinar em paz.

Precisamente porque a violência domestica é intolerável, talvez tivesse sido prudente apurar para além de todas as dúvidas se, no caso do juiz Neto de Moura, o problema foi o juiz ou a lei. Mas o juiz, com as suas opiniões reincidentes, revelou-se irresistível. Só que, ao optar pelo magistrado, a indignação das redes sociais deu uma oportunidade aos oligarcas, que a agarraram logo. Foi assim que tivemos Rui Rio a usar Neto de Moura, não para reflectir sobre o quadro legal da violência nas famílias e nas relações, mas para justificar a urgência da submissão da magistratura ao poder político.

Eis como a oligarquia tentou transformar activistas de redes sociais, comentadores de jornais e humoristas de televisão em idiotas úteis.

Anónimo disse...


Por uma vez tendo a convergir com Rui Ramos que considero um ganda reacionário (linguagem soft)

João Pedro

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...