Li, há pouco, que vai ser publicado um livro sobre a aventura de alguns portugueses envolvidos no apoio aéreo ao Biafra. Ainda alguém se lembra, nos dias de hoje, dessa República secessionista da Nigéria, dos ibos que por lá habitavam e das fortes razões do petróleo, origem dessa guerra inútil, com muitos mortos e fortes cumplicidades internacionais?
Ainda guardo algures uma bela nota de “Banco do Biafra”, imaculada e nunca usada, creio que impressa nesta Lisboa onde então vigorava um regime que apostava nos Briafras, nos Catangas, nas Rodésias e em tudo o que fragilizasse a África que se opunha ao colonialismo, de caminho, e também para isso, dando refúgio aos “The Dogs of War” que Frederick Forsyth tão bem retratou.
Um dia, nos inícios de 1976, recém-entrado na diplomacia, fui destacado para ir efetuar uma determinada missão ao recém-criado Estado de São Tomé e Príncipe. A minha estada por lá seria de uma semana, porque era esse o ritmo dos voos da Air Gabon, num pequeno avião que nos fazia chegar e sair da ilha para Libreville, num tempo em que o único percurso alternativo era uma ligação da Taag, através uma Angola em guerra.
Nessa semana, calhou passar uns fins de tarde naquilo que se chamava o “Benguidoxe” (escrever-se-ia assim?), uma espécie de pensão com esplanada, no centro da cidade, onde se bebiam umas cervejas. Creio que através do Jorge Coimbra, um amigo do liceu de Vila Real que vim a encontrar por lá, veio um dia parar à minha mesa (ou eu fui parar à mesa dele) uma figura curiosa. Era um homem grande e cordial, conversador, de um género de contador de histórias que se encontra muito nesses lugares onde o tempo se suspendeu por algum tempo - como era bem o caso da cidade de São Tomé de então.
O meu interlocutor chamava-se Villaret - um nome que não esquece quem tem a memória do Portugal dessa época. Era piloto e tinha andado envolvido na guerra do Biafra. Contou-me episódios dessa aventura em que aquela ilha, recém-independente, havia também tido o seu quinhão de participação. Eram relatos onde não havia nenhuma arrogância de heroísmo, muito embora as missões tivessem um elevado grau de risco. Lembrei-me dele agora. Surgirá o seu nome no livro que agora vai ser publicado?
Saí de São Tomé, nesse mês de Fevereiro de 1976, a caminho do Gabão. Ao fundo do aeroporto estava um velho Constellation. Perguntei a alguém o que era aquilo. “É da guerra do Biafra”, respondeu-me. Tentei tirar uma fotografia ao inutilizado avião mas foi-me dito que era proibido, “por razões de segurança”. Não fossem essas brincadeiras serem pouco prudentes, nesses tempos muito afirmativos de juventude independentista, e teria perguntado se a ordem era “do tempo do colono”. Só podia!, como dizem os brasileiros.
Voltei lá anos depois. O velho Constellation (descobri agora uma foto dele na net!) ainda por ali continuava, a apodrecer. As coisas, em África, têm sempre um tempo e em especial um ritmo diferente. E que teria acontecido entretanto ao Villaret, que já por lá não andava?