quinta-feira, fevereiro 21, 2019

Porque sim!


Portugal já quase não tem bancos com capitais portugueses. O Santander e o BPI são espanhóis, o BCP tem maioria chinesa e angolana, esta a mesma do capital do BIC. O Novo Banco, até daqui a uns meses, é de um fundo americano. O Montepio é o que é. 

Ah! Mas nós temos a Caixa Geral de Depósitos! Este “nós” não é majestático: a Caixa é minha, como o é de qualquer cidadão, porque o seu capital é 100% público. A Caixa é portuguesa! Quando se ouve um político dizer que, perante este panorama, “é bom que o Estado tenha, pelo menos, um banco”, sentimo-nos automaticamente solidários. A maioria dos leitores, estou certo, também concordará.

E, no entanto, nestes tempos em que tanto se fala da Caixa, não ouço ninguém fazer uma pergunta simples: mas para que é que o cidadão contribuinte quer ter um banco como hoje é a Caixa? Na Caixa, pagamos comissões mais baratas do que em qualquer outro banco? Não, não pagamos. A Caixa mantém balcões em zonas onde não obtém lucro, por razões apenas de interesse regional? Não, não mantém. Dá a Caixa crédito bonificado, com critérios ligados ao interesse público, em condições mais favoráveis do que outros bancos que operam por cá? Não, não dá. Mas a Caixa segue uma orientação consonante, com toda a certeza, com as políticas públicas definidas pelo Estado, que detém o seu capital, que lhe são ditadas pelo governo, não é? Não, não segue. 

Mau! Mas os contribuintes, isto é, nós, não tiveram que fazer, há pouco, um reforço dos capitais da Caixa, para dar liquidez e sustentação financeira à instituição, que pertence a todos nós? Claro que sim. Alguma coisa esses contribuintes devem ter tido em troca desse esforço, ou não? Tiveram apenas a garantia de que o banco que é a Caixa ficou mais equilibrado financeiramente. Óptimo! Mas, em contrapartida, para poder efetuar esse reforço de capital, a Caixa comprometeu-se a atuar, no mercado, exatamente como qualquer outro banco da concorrência privada. Alguém que explique o benefício que o Estado, e o cidadão contribuinte, que é o “dono” da Caixa, tirará do facto desta ser de capital público - ou talvez só os lucros que o negócio vier a render, sempre uma gota de água no dinheiro investido.

Será que, com este artigo, se está a sugerir a privatização, parcial ou total, da Caixa? Nem por sombras! Recuso, em absoluto, a ideia de que a Caixa venha a ser “passada a patacos”, para alguém que por aí surja com uma mão cheia de euros, dólares, yuans ou kwanzas. Porquê? Eu cá sei! Porque sim!

(Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 20.02.19)

5 comentários:

Luís Lavoura disse...

talvez só os lucros que o negócio vier a render, sempre uma gota de água no dinheiro investido

Se fosse assim, ninguém fundaria bancos, ninguém investiria neles, ninguém poria mais capital neles.

Felizmente não é assim. Muitas pessoas colocam mais capital no banco de que são acionistas, na esperança de que esse investimento seja lucrativo.

Jaime Santos disse...

Acho que há uma razão melhor para não se privatizar a CGD do que o porque sim, Sr. Embaixador.

É evidente que já toda a gente percebeu que a interferência política passada na CGD levou ao presente desastre. Não me acredito nem por um momento que, mesmo com outros agentes políticos, a CGD, se continuasse a atuar como braço armado das políticas públicas, não acabasse instrumentalizada por um qualquer Bloco Central de Interesses.

Mais vale o País dispor de um verdadeiro Banco de Fomento (talvez!) e deixar a CGD comportar-se como mais um banco comercial.

Mas então qual a razão, pergunta-se? Bom, verificamos no Passado, aqui e noutros sítios, que tarde ou cedo estes bancos, mesmo em mãos privadas, acabam sempre por ser objeto de intervenção pública, por serem demasiado grandes para falhar.

E nem são as novas regras europeias de resolução bancária que me convencem do contrário. O BES foi 'resolvido' e foi o que se viu... Mais valia o Estado ter procedido a um aumento de capital e ao 'squeezing out' da família Espírito Santo, e deixar depois tempo a Vítor Bento para recuperar a instituição e a tentar vender de modo a recuperarmos algum do dinheiro lá metido, se era mesmo para gastar 11 mil milhões, ou lá quanto vai ser a fatura (o fundo de resolução não tem nem terá tão cedo fundos próprios para pagar ao Estado o dinheiro que este lhe emprestou)...

A ser assim, prefiro que a CGD continue nas mãos do Estado, sempre é mais fácil de vigiar pela AR, até porque já percebemos que o regulador parece que existe para fazer de morto...

Anónimo disse...

Pondo de parte a necessidade ou não de haver um banco público, é só uma questão de tempo até a CGD voltar aos prejuízos monumentais. E há um Banco de Fomento público, e há uma AICEP, para fazerem o que a CGD deveria fazer.
Curiosamente, o banco com mais presença no país é o Crédito Agrícola, que tem agências em tudo o que é vilarejo e aldeola, não faliu nem requisitou ajudas estatais.
Eu sou a favor da presença do Estado em muitos sectores - o mínimo possível em regime de monopólio, mas “estar lá” e dar o exemplo pela boa gestão e qualidade de serviços. O problema é que o Estado, onde está, está mal. A CGD é um buraco, a TAP é um buraco, a RTP é um buraco, a CP é um buraco, e buracos não faltam. Como consegue o Estado perder rios de dinheiro onde outros ganham não é mistério.
Às tantas começa a haver uma animosidade contra a coisa pública. O BCP pediu dinheiro ao Estado? Sim, mas já pagou e com juros. O BPI pediu dinheiro ao Estado? Sim, mas já pagou e com juros. A CGD pediu dinheiro ao Estado? Sim. E pagou? Não, pediu mais. E depois mais. O BES é um caso de polícia, podiam lá pôr o dinheiro que quisessem que nunca chegaria. Ali, simplesmente roubou-se demais. Mais mesmo que na CGD.

Anónimo disse...

"Banco de Portugal condenou antigo presidente Montepio por irregularidades graves na gestão da caixa económica. Tomás Correia foi multado em 1,25 milhões de euros por sete ilícitos."

Reaça disse...

Os Bancos e os banqueiros tugas...que espectáculo!
Só dez salazares!

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...