quinta-feira, janeiro 11, 2018

Obrigado, Fernando Pinto!


Tenho uma profunda admiração pelo trabalho feito na TAP por Fernando Pinto e a sua equipa. Se a TAP superou graves crises, que chegaram a ameaçar a sua própria existência, foi muito graças à coragem e ao saber de Fernando Pinto e da sua gente. 

Como embaixador de Portugal, tive o privilégio de acompanhar, e de dar o meu modesto contributo, para aquilo que foi uma extraordinária expansão da ação da TAP no Brasil, feita de visão e grande profissionalismo. 

Como português, sinto que devo um agradecimento muito sincero a Fernando Pinto por tudo quanto fez pela TAP. Já o escrevi uma vez, aquando do processo de privatização. Quero repeti-lo agora, no dia em que se confirma a sua substituição. Ou eu me engano muito ou a TAP e a sua gente ainda vão ter muitas saudades de Fernando Pinto.

O futuro do passado

Hoje, vou ter por aqui o meu momento Maya.

Neste sábado, Rui Rio vai vencer Santana Lopes. E a margem vai ser relativamente confortável. Rio vai fazer alguns gestos para recuperar o “passismo” que esteve com Santana, cooptando alguns dos quadros da nova geração de liberais Católica/Observador. O futuro de Santana passará a ser incerto, porque terá de “disputar” com Passos Coelho a futura liderança da lista para o Parlamento Europeu, tanto mais que, ao contrário do que esteve (quase) para acontecer em 2011, já não haverá agora para ele a perspetiva de uma embaixada multilateral em Paris no fundo do túnel, alternativa que então recusou em face da apelativa Misericórdia (que também já se foi). Rio vai ter de agravar fortemente o discurso contra o governo de António Costa, potenciando qualquer erro deste e a mínima distanciação que vier a detetar no Presidente da República face ao governo, porque essa é a única maneira de se legitimar dentro do partido. Se vier a perder em 2019, hipótese mais provável (a menos que “trapalhadas” imprevisíveis, internas ou na ordem financeira externa venham a ocorrer, o que não é de excluir, em absoluto), “saltará” no dia seguinte às eleições, com Luis Montenegro a suceder-lhe, quase pela certa. Isso limitará muito as chances de Carlos Moedas, que em 2019 sairá da Comissão Europeia (onde será seguramente substituído por Mário Centeno) e cujas hipóteses de vir a suceder a Rio seriam maiores se a derrota do PSD nesse ano fosse titulada por Santana Lopes, porque os “passistas” (e Montenegro) seriam disso co-responsabilizados.

As coisas vão correr assim? Vão, tal como o (meu) Sporting vai ganhar o campeonato (já a “Champions” está um pouco mais difícil) e eu o Euromilhões.

quarta-feira, janeiro 10, 2018

A procuradora-geral


Este país é tão “obviozinho” que até mete pena. 

Quem não gosta da procuradora-geral da República acha que o “espírito da lei” aponta “naturalmente” para um único e não renovável mandato.

Quem gosta da senhora e daquilo que a PGR tem vindo a fazer sob a sua direção é de opinião de que a “letra da lei” é clara e que permite a renovação, a qual deve ser feita.

O resto - isto é, a “reflexão” do pequeno “constitucionalista” que cada português traz dentro de si, quando lhe dá jeito - são apenas truques de cada um a fingir que não tem viés ideológico. E se acaso se tratasse do procurador-geral Pinto Monteiro? Não estavam todos com posições diametralmente opostas? 

Não nos tomem por parvos, está bem?

O conceito



“Conhece o nosso o conceito?” Foi já há alguns anos. Não percebi o que é que a jovem que me recebia no restaurante queria dizer com aquela pergunta. Devo ter feito uma cara de espanto, o que a levou, generosamente, a elucidar-me: “Gostava de lhe explicar o conceito do nosso restaurante”. 

O ”conceito”, na novilíngua restaurantista, é o modelo que marca a forma, necessariamente atípica, como se vai passar a refeição: ou há uma compra do vinho numa loja à parte, ou somos conduzidos através de espaços geográficos diferenciados da casa onde se passam “tempos” restaurativos ou beberricais diferentes, ou a ordem dos pratos segue um ”percurso” que o “chef” desenhou para diferenciar a sua “assinatura” na obra-de-arte que vamos ser convidados a “experienciar” (um vocábulo que abomino) - e a pagar com língua de palmo, claro.

O mundo dos restaurantes com “conceito” anda aí com força. Deve haver quem goste, imagino.

Secretos


A hierarquia de confidencialidade das comunicações que os postos diplomáticos trocam com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (que formalmente se designava nas comunicações por “secretaria de Estado”, em memória da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, criada em 1736) tem vários graus, de acordo com a delicadeza daquilo que é transmitido, que igualmente se reflete no âmbito de distribuição da informação.

Um dia, quando estava embaixador em Paris, enviei um “telegrama” (como se designam as comunicações remetidas dos postos, enquanto as recebidas da “secretaria de Estado” se chamavam tradicionalmente “despachos telegráficos”) a que decidi atribuir a classificação de “secreto”. 

As regras diplomáticas aconselham a que deva haver alguma parcimónia no uso da classificação de “secreto” (e muito mais de “muito secreto” e ainda mais de “telegrama pessoal para Sexa Ministro”), mas houve sempre na carreira colegas que usaram e abusaram dessa classificação, talvez porque achavam que assim eram mais lidos...

Já agora, diga-se que todas as comunicações com classificação de confidencialidade são “cifradas” (através de métodos técnicos que variaram muito ao longo do tempo, destinados a dificultar a sua leitura por curiosos exteriores), enquanto que os “telegramas” sem classificação seguem “em ostensivo”, isto é, sem serem sujeitos a “cifra”. Enfim, liturgias da casa...

Mas voltemos ao meu “secreto” de Paris. Já não faço ideia sobre que assunto era. 

Havia a regra de nunca falar do conteúdo de “telegramas” pelo telefone (para não “quebrar a cifra”), mas sempre me pareceu não haver grande inconveniente em telefonar a chamar a atenção para uma determinada comunicação, sem tocar no conteúdo, destacando-a na avalanche de “telegramas” que diariamente inundam a “secretaria de Estado”. Assim, liguei a um colega que tinha um lugar elevado na hierarquia do MNE e disse-lhe, simplesmente: “Chamo a tua atenção para um “secreto” que enviei esta manhã”.

A resposta do meu interlocutor, com quem já não falava há bastante tempo, apanhou-me desprevenido: “Secreto?! Ó meu caro! Eu saí do serviço ativo há quase um mês. Para mim, agora, “secretos” só de porco. Olha! Ainda há dias comi uns excelentes no Galito. Quando é que vens cá a Lisboa para uma incursão alentejana?”

Lembrei-me disto há pouco, ao combinar, com um outro amigo, uma almoçarada nesta quarta-feira, precisamente no Galito. Já por lá não está a Dona Gertrudes, mas sei que o meu amigo Henrique seguramente que nos vai assegurar uma refeição “à maneira”.

terça-feira, janeiro 09, 2018

Angola e nós

O novo presidente angolano pronunciou-se sobre o processo que envolve, na justiça portuguesa, o antigo vice-presidente, Manuel Vicente. Utilizou os seguintes termos: “Não estamos a pedir que ele seja absolvido, que o processo seja arquivado, nós não somos juízes, não temos competência para dizer se o engenheiro Manuel Vicente cometeu ou não cometeu o crime de que é acusado. Isso que fique bem claro”.

Toda a comunicação social portuguesa “agarrou” a questão essencialmente pelo prisma da eventual retaliação angolana no caso do processo não vir a ser transferido para Luanda. É uma questão interessante, relevante, mas do domínio da futurologia especulativa, porque os eventuais passos futuros de Luanda só a Luanda competem.

Penso - mas esta é apenas uma perspetiva pessoal - que a comunicação social portuguesa deveria atentar bem no significado daquelas declarações de João Lourenço. Porque se trata de uma posição nova e da maior importância, porquanto altera, a meu ver muito substancialmente, aquilo que, durante muito tempo, parecia ser a perspetiva de Angola sobre o assunto. Porque, pela primeira vez, fica admitida a hipótese teórica da culpabilidade, lado a lado com a da inocência.

No que a Portugal toca, a questão está agora, exclusivamente, nas mãos do poder judicial - como as autoridades angolanas bem sabem e é importante que a opinião pública portuguesa também disso tenha consciência. Tal como já estava no momento em que a Procuradoria-Geral da República não soube garantir a privacidade de um processo que, até pelo seu melindre, devia ter sido mantido em estrito segredo de justiça, mas foi deixado “sair” para a comunicação social, naquilo que constituiu uma quebra profissional e deontológica tanto mais grave quanto afetou seriamente as nossas relações políticas com um parceiro com a importância de Angola. Se a PGR portuguesa tivesse sabido tratar o processo atempadamente, sempre com o máximo rigor na investigação mas também com todo o sigilo que a lei impõe e o bom senso recomenda, talvez não tivéssemos chegado onde chegámos.

O Estado português é um todo, mas existe uma separação de poderes que faz com que cada instituição responda individualmente à luz das suas competências constitucionais. Nem o presidente da República nem o governo são atores institucionais nesta questão - e Luanda sabe isto bem. Os olhos do país devem assim estar concentrados exclusivamente no sentido de justiça e de responsabilidade do poder judicial português. E de Estado, já agora.

segunda-feira, janeiro 08, 2018

Mário Centeno


Há erros de facto. Há lapsos de avaliação. Há perspetivas de opinião. Há ousadia jornalística. Há luta política.

E também há pura e miserável canalhice. É o caso.

Um forte e solidário abraço ao Mário Centeno.

Diplomacia lírica


O estatuto familiar tinha, no passado, um imenso peso na profissão diplomática. Várias carreiras se fizeram, imerecidamente, à sua sombra. Com a democracia, essa influência, longe de ter desaparecido por completo, atenuou-se bastante e a meritocracia tende hoje a prevalecer na gestão da casa. 

Alguns funcionários mais antigos e conservadores eram, contudo, muito condicionados pela sonoridade de certos apelidos, em especial se a eles tivessem associadas conotações aristocráticas, a que certos setores da casa sempre manifestaram uma patética reverência.

Conta-se uma história passada no pátio de entrada das Necessidades. Numa certa manhã, o embaixador secretário-geral do ministério, ”chefe da carreira”, foi surpreendido, ao sair do carro e preparar-se para se dirigir ao seu gabinete, por um canto lírico, bem alto, que saía de uma das janelas das repartições que davam para o pátio. A cena era, pelo menos, insólita. As Necessidades não eram propriamente S. Carlos e não era curial que uma ária se soltasse do lado dos serviços.

O embaixador, que tinha um ar antipático e carrancudo, que se pretendia intimidatório, perguntou ao Matos, o porteiro que, por décadas, geriu a entrada no MNE, se sabia quem era o “cantor”.

Conhecendo o Matos, creio que terá respondido, com a formalidade que lhe era própria: “Saiba V. Exª, senhor secretário-geral, que se trata do senhor doutor (...)” e disse o nome de um colega, que julgo era detentor de um título nobiliárquico, com um nome de família relativamente sonante.

O embaixador, cuja vontade, no instante, talvez fosse de mandar dar uma “rabecada” ao inconveniente intérprete lírico, rendeu-se aos “powers that be” da sociedade e terá comentado, à medida que se afastava, naquele andar enrolado que era o seu: “Bela voz! Tem uma bela voz!”. E saiu para o claustro.

Nunca ouvi cantar aquele nosso colega, pessoa aliás bem estimável. Mas a menos que seja pela graça do trocadilho, posso presumir que a sua qualidade lírica não deveria ser assaz notável, porque, com a crueldade típica da casa, era conhecido nas Necessidades pelo “tenor maligno”...

domingo, janeiro 07, 2018

Gall


Hoje é o dia em que o “Les sucettes”, talvez mais do que o “Poupée de cire, poupée de son”, vai ser recordado nas rádios e televisões francesas. É que France Gall, neste que é o ano certo para se fazer 70 anos, decidiu partir. E Serge Gainsbourg, lá onde estiver, deve estar com o seu sorriso de sátiro, o mesmo que sempre usava quando interrogado sobre a intencionalidade escondida no genial elogio aos chupa-chupas que decidiu escrever. Recordemos a música aqui.

No dia da morte de Mário Soares


Em 25 de janeiro de 1969, vi, pela primeira vez, Mário Soares. Foi no cemitério dos Prazeres, no funeral de António Sérgio, um ato reprimido pela polícia da ditadura. Soares estava no centro da manifestação sobre a qual a polícia de choque carregou violentamente.

Mário Soares morreu a 7 de janeiro de 2017. Hoje, quase 48 anos depois daquela data (e, por coincidência, 48 anos durou também a maldita ditadura), regresso aos Prazeres para uma homenagem a Mário Soares, no local onde está sepultado.

Ao eventual leitor que esteja em Lisboa e que reconheça que a liberdade e a democracia de que usufrui algo devem a esse homem, que por elas lutou quase até à hora da morte, pediria um pequeno esforço e faço um convite: venha juntar-se a nós, às 16 horas deste domingo, no Cemitério dos Prazeres.

sábado, janeiro 06, 2018

Carlos Heitor Cony


Acabo de saber que morreu Carlos Heitor Cony. Durante todo o tempo em que vivi no Brasil, e muitas vezes depois disso, fui leitor das suas curtas mas “sumarentas” crónicas no “Estadão”. Li, além disso, alguns dos seus livros. Era um magnífico contador de histórias, num português de lei, com humor e ironia culta. Um imenso cronista, na escola de Nelson Rodrigues ou de Luiz Fernando Veríssimo.

Um dia, no Rio de Janeiro, numa das minhas visitas à Academia Brasileira de Letras, fui-lhe apresentado. Ele era um dos 40 "imortais" daquela casa.

Por coincidência, uma semana antes desse encontro, tinha acabado de ler a sua autobiografia, intitulada "Quase memória". Disse-lho. O escritor, com aquele ar benevolente de quem acredita pouco que os diplomatas possam ler muito, retorquiu: "Ah! sim? Espero que tenha gostado..." E passou adiante. Aí eu insisti: "Diga-me uma coisa! Ao ler o livro fiquei com uma curiosidade: quando fala daquela falsa viagem do seu pai a Itália, para enganar os amigos, isso passou-se mesmo assim?". Cony abriu muito os olhos, "viu-me" pela primeira vez e exclamou: "Oh! Mas o embaixador leu mesmo o livro!"

Quem escreve morre “menos”. Deixa a escrita em herança e, como usufrutuários, quem o quiser continuar a ler.

A nossa diplomacia




Gostei de ver o presidente da República e o ministro dos Negócios Estrangeiros pronunciarem-se, em termos altamente elogiosos, há dias, durante o Seminário Diplomático anual do MNE, sobre a carreira diplomática portuguesa. Dizem-me que o primeiro-ministro terá dito basicamente coisas similares. 

Vai para cinco anos que deixei aquela casa, mas fico sempre muito satisfeito quando vejo reconhecida a qualidade do trabalho dos funcionários que integram aquele que é um dos corpos da Administração Pública onde continua a imperar uma elevada cultura de serviço público, com profissionais da maior qualidade, que garantem uma presença prestigiada de Portugal pelo mundo. 

Creio, porém, que o país não dá devida conta da importância que esse corpo de funcionários tem tido na obtenção de muitos dos êxitos nacionais na ordem externa, nos mais variados domínios. É justo, por isso, lembrá-lo.

A crítica invejosa que, demasiadas vezes, atinge a diplomacia portuguesa, fruto de despeitos corporativos e de algum populismo miserabilista, tem os seus cultores em certos setores da comunicação social, raramente aberta a escutar, em contraponto, quantos diariamente beneficiam da ação desse dedicado corpo de funcionários. Porquê? Porque dizer mal é o que “rende”.

Há algumas “ovelhas negras” na carreira diplomática? Há elementos que mostram menos empenhamento e que cometem erros? Claro que sim! Só por milagre isso não aconteceria. Ocorre em todas as profissões. 

Ao longo da vida, fui algumas vezes confrontado com queixas sobre o comportamento pontual de alguns colegas, que, no parecer desses meus interlocutores, não tinham estado à altura daquilo que era legítimo ser-lhes exigido. 

Sem exceção, dizia-lhes: queixem-se! Não em “bocas” para a comunicação social, em notas adjetivadas nas caixas de comentários da redes sociais, na cobardia do anonimato ou com generalizações preconceituosas sobre a profissão. Explicava-lhes que basta uma simples carta, assinada e com factos devidamente assinalados, dirigida a quem de direito. Podem crer que terão uma imensa surpresa: haverá sempre uma resposta e o assunto merecerá a devida atenção. 

É que quem não deve não teme e os diplomatas portugueses competentes e cumpridores, que são a maioria, só agradecem que o trigo seja separado do joio.

sexta-feira, janeiro 05, 2018

Reinventar vontades


O presidente da República convidou-nos a reinventar o país do futuro. Sendo o futuro o lugar onde vamos passar o resto dos nossos dias, convém começar já esse esforço. 

A cruel dualidade que o presidente sublinhou em 2017 foi a prova de que não devemos dar nada por adquirido. Somos um país frágil, marcado por um grave desordenamento sócio-territorial, com uma sociedade civil escassamente autonomizada e um tecido público com uma flagrante impotência para proteger, com eficácia, os interesses de muitos dos cidadãos. 

O fantástico salto que Portugal deu nas últimas décadas, na partilha das vantagens do processo europeu, teve efeitos muito assimétricos no seu tecido social e humano. Há um Portugal perdedor, em termos relativos, no banho de riqueza que mudou a paisagem e confortou os bolsos de muitos portugueses. Mais grave do que isso, não parece existir uma estratégia coletiva para reverter essa tendência desigualizadora. Vivemos com um Estado marcado por um tropismo centralista, que prolonga uma tutela paternalista de Lisboa que, desde há séculos, teima em não ceder.

A tragédia dos fogos revelou que Pedrógão não foi um acidente. A repetição, semanas mais tarde, de ocorrências com gravidade similar foi a prova provada de que estamos perante uma endemia estrutural, que pode facilmente emergir noutro contexto – num sismo, numa epidemia, num novo Entre-os-Rios do nosso desespero. 

Foi também a constatação de que o país das decisões fala sempre de fora para dentro do Portugal mais interior, cuja única voz parece ser sempre a da lamentação. Começa a ser insuportável continuar a viver nesta dualidade, que não só é profundamente injusta como induz ineficácia no desejável processo de coesão nacional. 

Há que encontrar rapidamente um modo de trazer para a esfera da reflexão e da decisão setores que delas estiveram, desde sempre, distantes. Nesse contexto, reinventar o futuro implica, em particular, mobilizar ideias e vertentes de ação que associem os mais jovens a um processo de “devolução” de poderes. As universidades e o mundo empresarial moderno são aliados essenciais para esse esforço.

O presidente tem razão. Mas precisamente porque ganhou autoridade como catalizador da resposta institucional ao sofrimento, tem agora de a utilizar e, aproveitando o novo ciclo do principal partido da oposição, somado a alguma instabilidade que ainda atravessa o governo, deve “chamar os bois pelos nomes” e forçar consensos de regime, ajudado pela imensa e entusiasmada plateia que ganhou pelo país. Deixar Belém com um Portugal mais solidário, mais organizado, com uma estratégia de futuro consensualizada para uma década – esse seria um belo presente de Anos Novos que gostaríamos de ter.


quinta-feira, janeiro 04, 2018

Dieta

Sou um fervoroso seguidor das dietas de início de janeiro. Daquelas do ”agora é que é!”. Iniciei a minha no dia 2. Interrompi-a brevemente ontem para um arroz de feijão e salpicão (deixo a prova) num restaurante no Mezio (não sabem onde é? É ali ao lado de Colo do Pito, entre Lamego e Castro Daire). Hoje, atulhei-me de sandwiches mistas, nas seis horas e meia que passei no Conselho Geral Independente da RTP, com almoço pelo meio. Amanhã, infelizmente, vou ter um almoço de trabalho numa função oficial em que não ficaria bem “abster-me”. Na 6ª, sábado e domingo há uns jantares de Ano Novo em casa de amigos e compreender-se-á que não lhes possa fazer a desfeita de parecer “pisco”. Para a semana, sim!, fica assente recomeço a dieta. Logo que possível. Isto é, logo a 12! É que, de segunda a quinta, tenho já quatro almoços marcados. Espero assim poder chegar a meio do mês com menos 300 gramas. Talvez 200 seja um número mais prudente. Mas lá que isto começa bem, disso não restam dúvidas!

quarta-feira, janeiro 03, 2018

A fotografia da praia

Werner Hoyer acaba de ser reconduzido à frente do Banco Europeu de Investimentos, lugar onde já está há seis anos. É um liberal alemão que, por alguns anos, foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus, no último governo de Helmut Kohl.

Foi nessa mútua qualidade que nos conhecemos. Chefiámos as nossas delegações nacionais na negociação do Tratado de Amesterdão e criámos, a partir de então, uma relação pessoal muito agradável. Werner é uma figura afável e dialogante, embora muito firme nas suas convicções. Perdemo-nos de vista desde então e só viemos a dar um abraço, há uns anos, num encontro casual de rua, numa noite, na Promenade, cheia de neve, no centro de Helsínquia.

Um dia, nos tempos de governo, convidei Werner Hoyer para vir a Lisboa. Ele tinha-me recebido, meses antes, no seu espartano gabinete de Bona e, ao entrar no espaço que eu ocupava no Palácio da Cova da Moura, ficou verdadeiramente deslumbrado.

O gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Europeus, com azulejos nas paredes, um teto de madeira e belas pinturas nas portas, é, na minha opinião, um dos mais bonitos espaços de trabalho de qualquer governante português. Expliquei-lhe que, naquele mesmo local, tinha tido lugar a reunião dramática da última tentativa de golpe de Estado para derrubar Salazar, em 1961. E que aquele espaço fora também o gabinete do general Spínola, chefe da Junta de Salvação Nacional, nos dias revolucionários de 1975.

Portugal desenvolvia, por esse tempo, um esforço diplomático para tentar convencer os nossos parceiros de que a nossa aproximação aos critérios para a entrada na moeda única europeia estava a fazer-se de uma forma sustentada.

A moeda única era uma aposta política mas era, igualmente, um teste à nossa credibilidade. Os países da Europa mais a norte mantinham fortes dúvidas de que Portugal pudesse vir a reunir condições para partilhar o futuro euro. Ainda não havia por ali nórdicos, mas a Alemanha e a Holanda eram, visivelmente, os mais reticentes. Para os alemães, que, no processo da moeda única iam dispensar o seu tão prestigiado marco, todos os cuidados eram poucos. Em todas as conversas, eu ia sentindo que Hoyer, como liberal ortodoxo que era, embora sem o dizer, desconfiava bastante que Kohl pudesse vir a tomar uma decisão política, de cariz voluntarista, em favor de Portugal, dando menos importância às condições financeiras objetivas do nosso país.

A certa altura da nossa conversa, levei Werner Hoyer a ver o magnífico terraço em frente ao meu gabinete. Estava um belíssimo dia de sol lisboeta e, por qualquer óbvia razão, vieram à baila as praias portuguesas. Foi então que lhe ouvi este comentário: "Tenho algum receio que vocês, em Portugal, façam uma fotografia de praia". Não percebi e, como falávamos em inglês e eu podia ter entendido mal, repeti: "Uma fotografia de praia? O que queres dizer com isso?".

Hoyer sorriu e explicou: "Como sabes, nas fotografias que tiramos na praia, temos sempre a tentação de encolher a barriga, para ficarmos mais elegantes para a imagem. Logo que a fotografia é feita, relaxamos os músculos e lá regressa a barriga. O que eu quero dizer é que, na Alemanha, alimentamos o receio de que Portugal - mas não só Portugal - faça um esforço pontual para cumprir os critérios de convergência, em especial em matéria de dívida e défice, estando preparado para o momento em que a decisão sobre a entrada na moeda única vier a ser tomada mas, depois, passado que seja esse instante, venha a haver um progressivo laxismo e um menor empenhamento no esforço orçamental que vai ser necessário manter para sustentar o projeto monetário."

Já tivemos altos e baixos, mas acho que Portugal, nos últimos tempos, tem dado provas de querer ficar cada vez melhor no retrato.

Os “comunistas” da EAA


No jargão das Necessidades, chamava-se EAA. Era a “repartição” da direção-geral dos Negócios Económicos dedicada às relações com os países da África, Ásia e Oceania. Um mundo! Fui lá cair em maio de 1976, depois de ter estado colocado alguns meses no Gabinete Coordenador para a Cooperação, onde se iniciavam as nossas relações de cooperação com as ex-colónias.

Acabado de entrar na carreira diplomática, em agosto de 1975, ao ser-me perguntado que colocação interna pretendia (o recente 25 de abril permitia essa gentileza formal), referi por escrito que queria ir para o serviço de cifra (que tratava das comunicações e exigia grande confidencialidade) ou para o que tratava das relações com a NATO (onde o secretismo era ainda maior). 

Era uma aberta provocação da minha parte: tinha estado nomeado para o gabinete do MNE do 5° Governo provisório (o governo mais à esquerda da história portuguesa) e, antes disso, tinha andado por áreas radicais do MFA. Ao tempo, imediatamente pós-25 de novembro, era olhado nos corredores das Necessidades como um temível esquerdista, ideia ajudada pelo cabelo comprido, o farfalhudo bigode e a minha inicial relutância em usar gravata. Eu não tinha a menor ilusão de que ninguém me mandaria para nenhum daqueles dois serviços! 

Na EAA, onde estive três anos, tive três chefes, com quem sempre me dei lindamente. Os dois primeiros foram breves, tendo o terceiro ficado cerca de dois anos. Este último era um homem suave, de voz baixa, sorridente, um estilo de chefe com quem era muito agradável trabalhar. Politicamente era bastante conservador, mas isso não destoava da tendência esmagadoramente maioritária na casa.

Notei que, logo que chegado, o novo chefe quis fazer um inventário escrupuloso do modo como as coisas funcionavam por ali. E elas funcionavam bem. Deve ter percebido que nós trabalhávamos bastante e de forma dedicada, que não havia o menor atraso, que a repartição não lhe ia criar quaisquer problemas. 

Desde o início, porém, eu havia notado que manifestara forte curiosidade a meu respeito e de um outro colega - sobre a nossa vida, sobre os nossos gostos, etc. E registei que, por uns meses, esteve particularmente vigilante quanto ao nosso trabalho. Mas tudo sempre em modo sereno e educado. Depois, deu-nos completa autonomia, confiando plenamente em nós. E criámos um ambiente de trabalho excelente.

Passaram muitos meses. Um dia, eu e esse meu colega fomos colocados no estrangeiro, deixando o nosso chefe para trás. Pouco tempo depois, ele próprio seria colocado algures como embaixador. É sempre assim, na carreira.

Decorreram entretanto muitos mais anos. Já não sei onde e como, voltei a encontrar esse meu antigo chefe, de quem ficara amigo e que me fez então uma curiosa confissão: “Quando fui chefiar a EAA, foi considerada uma “missão de risco”. Porquê? Porque você e o outro colega estavam lá. Nem imagina os alertas que recebi! Que eram dois comunistas, gente perigosíssima, que era preciso vigiar com muito cuidado!” Para logo acrescentar: “Mal eu sabia que não iria ter o menor problema, que vocês eram funcionários dedicados e cumpridores, que tudo ia correr às mil maravilhas!”

Não resisti a perguntar-lhe: “E quando é que concluiu que nós não éramos comunistas?”. A resposta foi deliciosa: “Eu, de início, não cheguei a perceber se vocês eram ou não eram comunistas. Mas posso dizer uma coisa: por essa altura, no contacto convosco, cheguei a pensar que se todos os comunistas fossem como vocês, então os comunistas não eram assim tão maus...”

(Dedico este texto aos colegas da EAA: ao Mário Santos, "comunista" como eu, ao Ina Amaral Neto, que cedo desistiu de nos aturar e foi ganhar o seu, ao Malheiro Dias, que nos trouxe a alegria e o gesto largo das andanças sul-americanas, à memória do Ribeiro Gomes, companheiro inesquecível de comezainas e bebezainas e, "last but not least", à nossa benjamim e beleza inspiradora da repartição, a Ivone Carvalho, que, com outro nome, me apareceu por este facebook e me sugeriu este post)

terça-feira, janeiro 02, 2018

O lóbi das mangas soltas

Nestes dias que passo por Vila Real, não consegui ainda aferir se o famoso “lóbi das mangas soltas” continua a vigorar pelas ruas da cidade. O que é esse lóbi? O que o carateriza?

É um vício antigo, geracional, em que provavelmente algumas pessoas nunca repararam. Há por Vila Real, desde há muito, um bando de maduros, renovado pelas gerações, que nunca veste a samarra, a gabardine ou o sobretudo. Coloca essa peça de vestuário pelos ombros e passeia-se sempre dessa forma, faça frio ou chova. Se a temperatura desce, ou a água puxada a vento ameaça a integridade do resto do vestuário, o membro do lóbi tem por gesto reflexo cruzar à frente, com as mãos, a cobertura que traz aos ombros, assim se aventurando, inclinado, cosido às paredes, pelas ruas da urbe. Mas - nunca por nunca - ele cederá a esse gesto de fraqueza que significaria vestir a peça, porque nunca dispensa o ar “négligé” que a prática de a colocar pelos ombros encerra. Talvez porque, à chegada ao café ou à tasca ou a casa, isso lhe permite, displicentemente, deixar cair o adereço sobre uma cadeira ou pendurá-lo num bengaleiro.

O meu querido e velho amigo Zé Araújo, também conhecido por “Foquita”, há muito desaparecido, era um dos mais visíveis cultores dessa arte. Jamais aquela samarra negra lhe foi vista vestida, mesmo nos dias em que o “alvo manto de neve” (“imaginativa” linguagem da imprensa local, repetida a cada nevão, desde as calendas) cobria a sua Avenida Carvalho Araújo. Nunca cuidei em inquirir da razão de fundo desse hábito, mas não me admiraria se me retorquisse, com a ironia seca no esgar, de que “não se deve dar muita confiança ao chiasco”.

segunda-feira, janeiro 01, 2018

Os outros


Embora nascido em Ponte de Lima, o meu pai era de Viana do Castelo. Adorava a sua cidade, a família que tinha por lá, os amigos de infância e aqueles que aí fora criando ao longo da vida. Vivia, desde há muito, em Vila Real, um “exílio” que lhe não podia ser mais confortável e feliz. 

Regressar a Viana era, contudo, outra coisa. Pelo Verão ou em outras férias, as conversas com a mãe, os irmãos e os sobrinhos, bem como com os amigos, na Café Bar ou no Girassol, faziam parte da rota de alegria que era esse regular mas episódico reencontro com a sua terra.

A vida foi fazendo o seu curso. A família de Viana foi desaparecendo, os amigos que por lá tinha também. Cada visita àquela cidade, onde eu teimava sempre em levá-lo, no final da vida, à procura desse outro tempo, foi-se tornando para ele mais penosa, mais nostálgica, cada vez mais vazia de gente e cheia de melancolia. 

O meu pai viveu até aos 97 anos. Nos últimos anos, já não tinha amigos de infância, pior, já não tinha amigos da sua geração ou mesmo da geração imediatamente posterior. A certo passo, percebi que a recordação do passado em Viana, deixou de ter qualquer interesse para ele. Evitava conversas sobre isso. Não gostava de ver fotografias antigas, imagino que porque estas lhe lembravam tempos de uma outra felicidade (e nós sabemos que a felicidade do passado é quase sempre “mais feliz” do que aquela que vivemos). 

Nos seus últimos tempos, o meu pai passou a resistir, quando eu lhe sugeria darmos uma saltada a Viana. Um dia, poucas semanas antes da sua morte, depois de um almoço nas Pedras Salgadas, fui conduzindo devagar por várias estradas, como se ao acaso. Ele adormeceu, ao meu lado. Acordei-o com Santa Luzia à vista. “Mas isto é Viana!”, exclamou, sorrindo, de súbito bem feliz. Levei-o à Praça da República, à Caravela. Não perguntou por nenhuma pessoa. Disse-me, no regresso da tristeza: “Já não conheço por aqui ninguém. Ninguém, mesmo!”. Não era verdade, tinha ainda sobrinhos por lá, mas percebi que seria cruel confrontá-lo com caras que lhe trariam o que já era o insuportável peso do passado uma vez mais de volta. Mas não sei se fiz bem.

Há pouco, um minuto depois da meia-noite, recebi uma chamada telefónica que, não tendo nada a ver com o que escrevi, me suscitou fortemente esta evocação, que dedico a um grande amigo que não sei se a lerá.

2018


No que me toca, não me importava nada que 2018 fosse exatamente igual a 2017. Com os muitos amigos que tenho, com os inimigos que se mantiveram ou revelaram (alguns bem patuscos), com a vida que gosto muito de ter. Nem mais, nem menos. Será pedir muito?

domingo, dezembro 31, 2017

A Revolução como comédia


Entrámos no último dia do ano com o programa televisivo "Governo Sombra" a ter como convidado Arnaldo Matos. O atual "dono" do PCTP-MRPP foi recebido com um tom visivelmente complacente pelos "residentes" do programa, ansiosos por lhe extraírem declarações chocantes e expressões radicais, à altura daquilo a que o velho político sempre habituou o seu auditório. Conhecedor do palco que pisava, Matos não se fez rogado e, no meio de elogios táticos aos anfitriões, esteve à altura da "performance" aguardada, chamando "nazis" aos gestores alemães da Auto-Europa e mostrando compreensão pelos ataques do Estado Islâmico. Foi notório o gozo com que continua a ser recebida a qualificação de "social-fascista" que o MRPP sempre aplica ao PCP. É que o MRPP continua a ser o "enfant chéri" (para ser simpático) de certos meios, que sempre o cobrem com uma espécie de juízo de inimputabilidade, que nos dias de hoje o coloca ao nível de uma caricatura de comédia.

Pena foi, contudo, que ninguém tivesse perguntado a Arnaldo Matos com que direito tomou conta do partido, onde não exerce nenhum cargo eleito. É que isso permitiria a este auto-proclamado porta-voz da classe operária e frequentador do Gambrinus esclarecer com que legitimidade é hoje o depositário e usufrutuário da subvenção pública de centenas de milhares de euros atribuídos anualmente ao partido pelo Estado. Em democracia, os partidos têm de ser os primeiros a praticar, no seu seio, regras democráticas; se o não fazem, não devem ter o direito a dispor dos privilégios que constitucionalmente os beneficiam. Ora no seio do PCTP-MRPP, como é público, vive-se hoje uma ditadura interna protagonizada por Arnaldo Matos, que tomou conta da máquina política e financeira, sem ter sido eleito, como ele próprio revelou no programa. 

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...